Language of document : ECLI:EU:C:2001:52

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

DÁMASO RUIZ-JARABO COLOMER

apresentadas em 23 de Janeiro de 2001 (1)

Processo C-299/99

Philips Electronics NV

contra

Remington Consumer Products Limited

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (Grã-Bretanha)]

1.
    No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre a recusa de registo, a título de marca, dos «sinais constituídos exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico», constante do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (2).

Os factos

2.
    Resulta do despacho de reenvio e de outros elementos dos autos que a situação que esteve na origem do litígio no processo principal pode ser resumida do seguinte modo.

3.
    A Philips Electronics NV (a seguir «Philips») comercializa, desde 1996, uma máquina de barbear de três cabeças rotativas formando um triângulo equilátero.

4.
    A Philips requereu, em 1985, o registo de uma marca consistindo na representação gráfica da parte superior de uma máquina de barbear com as referidas características. Esta marca foi registada ao abrigo da Lei britânica relativa às marcas de 1938 (Trade Marks Act 1938).

Nos termos do Anexo 3 da Lei relativa às marcas de 1994 (Trade Marks Act 1994) (3), que revogou a legislação anterior, a marca Philips produz efeitos actualmente como se tivesse sido registada ao abrigo da nova lei.

5.
    É sabido que a Philips publicitou em larga escala as suas máquinas de barbear no Reino Unido e que estes produtos gozam de um grande renome nesse país. Em especial, a máquina de barbear de três cabeças rotativas é conhecida como um produto fabricado pela Philips, sendo largamente reconhecida como tal.

6.
    A Remington Consumer Products Limited (a seguir «Remington») começou, em 1995, a fabricar e a comercializar no Reino Unido a máquina de barbear modelo DT55, com três cabeças rotativas formando um triângulo equilátero, isto é, com uma configuração idêntica à utilizada pela Philips.

7.
    Em 4 de Dezembro de 1995, a Philips accionou a Remington por, entre outras coisas, ter infringido o direito à marca. A Remington formulou um pedido reconvencional contestando a validade do registo da marca.

8.
    A High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, Patent Court, que analisou o litígio em primeira instância, deu provimento ao pedido reconvencional e anulou a marca da Philips, visto ter considerado que esta não era susceptível de diferenciar o produto em causa e estava desprovida de carácter distintivo. Considerou também que a marca consistia exclusivamente num sinal que servia no comércio para designar o destino do produto ou numa forma necessária à obtenção de um resultado técnico, conferindo um valor substancial ao produto. Considerou ainda que, mesmo que a marca fosse válida, não tinha sido objecto de violação.

A Philips recorreu deste despacho e alegou que a marca era válida e que tinha sido violado o seu direito à marca.

As questões prejudiciais

9.
    Na pendência do recurso, a Court of Appeal decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    Existe uma categoria de marcas cujo registo não é excluído pelo artigo 3.°, n.os 1, alíneas b) a d), e 3 da Directiva 89/104/CEE do Conselho [...] mas que, no entanto, não pode ser registada nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da directiva (por estar desprovida de carácter distintivo dos produtos do proprietário da marca em relação aos das outras empresas)?

2)    A forma (ou parte da forma) de um produto (produto em relação ao qual o sinal é registado) apenas pode ter carácter distintivo para os efeitos do artigo 2.° se for acrescentado qualquer elemento de fantasia (que constitua um ornamento sem fim funcional) à forma desse produto?

3)    Quando um operador tenha sido o único fornecedor de determinados produtos no mercado, é o uso extensivo de um sinal, consistente na forma (ou em parte da forma) desses produtos e que não inclui qualquer elemento de fantasia adicional, suficiente para conferir ao sinal um carácter distintivo para os efeitos do artigo 3.°, n.° 3, em circunstâncias em que, como resultado desse uso, uma proporção substancial dos meios comerciais e do público relevantes

    

    a)    associam a forma com esse operador e com nenhuma outra empresa;

    

    b)    acreditam que os bens com essa forma são provenientes desse operador, na falta de declaração em contrário?

4)    a)    Pode a restrição imposta pela frase ‘constituídos exclusivamente [...] pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico’, constante do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, ser elidida através da prova de que há outras formas que podem ter o mesmo resultado técnico ou

    b)    não pode a forma ser registada devido a essa restrição, se se provar que as características da forma são apenas atribuíveis ao resultado técnico ou

    

    c)    existe outro critério, e, se assim for, qual é o critério adequado para determinar se a restrição se aplica?

5)    O artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da directiva aplica-se a ‘marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino [...] do produto ou da prestação de serviço’. O artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da directiva aplica-se ao uso por terceiros de ‘indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino [...] do produto ou da prestação do serviço’. O termo ‘exclusivamente’ aparece, por conseguinte, apenas no artigo 3.°, n.° 1, alínea c), e é omitido no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da directiva. Numa correcta interpretação desta directiva, significa esta omissão que, mesmo que uma marca consistente na forma de um produto seja validamente registada, não há infracção ao direito à marca nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), quando

    a)    o uso da forma dos produtos em questão é e deve ser considerado como uma indicação da espécie de produtos ou do fim a que se destinam e

    b)    uma proporção substancial do comércio e do público acredita que produtos com essa forma são provenientes do titular da marca, na falta de indicação em contrário?

6)    Pode o direito exclusivo conferido pelo artigo 5.°, n.° 1, ser alargado de modo a permitir ao titular da marca que impeça terceiros de usarem sinais idênticos ou similares, em circunstâncias em que esse uso não seja susceptível de indicar a origem ou está limitado a impedir apenas um uso que, no todo ou em parte, indique a origem?

7)    O uso de uma forma de produto, alegadamente em contrafacção, que é ou possa ser considerada uma indicação da espécie do produto ou do seu destino, pode, apesar disso, ser susceptível de indicar a origem se uma proporção substancial do comércio e do público relevantes acreditarem, na falta de indicação em contrário, que produtos com a forma controvertida são provenientes do titular da marca?»

Análise das questões prejudiciais

Delimitação do objecto do litígio no processo principal

10.
    Antes do mais, convém delimitar o objecto do litígio no processo principal para efeitos do direito comunitário.

Parto do pressuposto apresentado pelo juiz a quo no despacho de reenvio de que a marca da Philips, para efeitos do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da directiva, não é mais do que «uma combinação de elementos técnicos realizada para conseguir um objectivo prático e satisfatório».

11.
    Como reconheceu o representante da Philips na audiência, a relativa complexidade do presente pedido prejudicial deve-se mais ao modo como foram formuladas as perguntas do que à dificuldade inerente à interpretação da directiva no caso em apreço.

12.
    Além disso, tenho a impressão de que o despacho de reenvio está envolto num certa confusão - ou, melhor dizendo, sobreposição - entre as razões de ser das causas absolutas de nulidade das alíneas b) a d) do artigo 3.°, n.° 1, e das da alínea e).

13.
    Nos termos da alínea b), às marcas desprovidas de carácter distintivo será recusado o registo ou ficará este sujeito a declaração de nulidade. Não gozam da protecção exclusiva conferida pela marca os sinais que não preenchem a função primordial de diferenciar o produto e que, por esse motivo, não permitem identificar a sua origem, isto é, o seu fabricante.

14.
    Nos termos das alíneas c) e d), é recusado o registo de determinados sinais em virtude do seu carácter genérico (no sentido de que servem para designar a espécie, a qualidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção) ou por se terem tornado usuais. Estas disposições contêm, assim, uma definição legal parcial da noção de carácter distintivo.

15.
    O legislador reconheceu a identidade fundamental destes três casos de recusa, ao estabelecer no artigo 3.°, n.° 3, que não se aplicam se, antes da data do pedido de registo e após o uso que dele foi feito, a marca «adquiriu um carácter distintivo».

16.
    No entanto, a natureza jurídica da alínea e) é diferente. Aplica-se a sinais tridimensionais que correspondem exclusivamente à própria natureza do produto, à obtenção de um resultado técnico ou à obtenção de um valor substancial. Esta recusa não se justifica em relação à ausência de carácter distintivo de certas formas naturais, funcionais e decorativas - caso em que apenas serviria para precisar o alcance da alínea b) - respondendo antes à preocupação legítima de não permitir que os particulares utilizem a marca para perpetuar direitos exclusivos sobre soluções técnicas.

17.
    Obedecendo a esta lógica, o legislador não incluiu a alínea e) entre as causas de recusa que podem ser sanadas nos termos do artigo 3.°, n.° 3. As formas naturais, funcionais ou decorativas não são susceptíveis, por vontade expressa do legislador, de adquirir um carácter distintivo. É totalmente inútil - para além de contrário à economia da directiva - saber se as formas com estas características têm ou não virtualidades diferenciadoras.

18.
    A causa de nulidade da alínea e) assemelha-se, quanto ao alcance dos seus efeitos, às previstas, por exemplo, nas alíneas f) ou g) do referido artigo 3.°, n.° 1, da directiva. A alínea f) recusa o registo de marcas contrárias à ordem pública, enquanto a alínea g) faz o mesmo em relação às marcas susceptíveis de enganar o público. Ora, perante o registo da marca «Mata-crianças», para designar medicamentos abortivos, é totalmente inútil examinar o carácter distintivo - aliás, bastante provável - desse nome. A recusa do registo dever-se-ia apenas ao facto de esse nome ser contrário à ordem pública.

19.
    Em meu entender, para a resolução do presente processo, apenas releva a alínea e), que recusa o registo «aos sinais constituídos exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico».

20.
    Uma marca com as características da impugnada no processo principal, isto é, constituída pela parte superior de uma máquina de barbear de três cabeças rotativas dispostas em triângulo, parece ser o exemplo perfeito de uma forma meramente funcional. Com efeito, pelo menos aparentemente, os seus elementos essenciais desempenham uma função e só estão presentes por realizarem essa função.

21.
    A Philips, que qualifica o seu desenho de «minimalista», parece aceitar que falta à sua marca qualquer elemento adicional arbitrário ou decorativo, apesar de alegar que a forma registada em apreço apenas reflecte uma das diferentes possibilidades de alcançar o mesmo resultado técnico. Como explicarei mais adiante, não creio que esta circunstância deva ser tomada em consideração.

22.
    No despacho de reenvio, o juiz a quo declara que as características essenciais da marca da Philips são atribuíveis à realização de uma determinada função.

23.
    Nestas condições, considero que só faria sentido interrogarmo-nos sobre as virtualidades diferenciadoras da marca da Philips se admitirmos que apenas as formas indispensáveis à obtenção de um resultado técnico têm um carácter funcional para efeitos do disposto na alínea e).

24.
    Tendo em conta o que precede, considero adequado analisar, em primeiro lugar, a quarta questão prejudicial colocada pelo tribunal britânico.

Quanto à quarta questão prejudicial

25.
    Com esta questão, o juiz de reenvio deseja esclarecer os critérios destinados à apreciação da recusa de registo dos «sinais constituídos exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico», constante do artigo 3.°, n.° 1, alínea e).

26.
    Como referi, a partir do momento em que o juiz de reenvio considera - em meu entender, bem - que a marca da Philips não é mais do que uma «combinação de elementos técnicos realizada para conseguir um objectivo prático e satisfatório», a quarta questão é a única relevante para a abordagem dos problemas em apreço. Com efeito, as outras perguntas referem-se a vários aspectos ligados à posse ou à aquisição através do uso do carácter distintivo, questões sem pertinência para o presente caso.

27.
    O juiz de reenvio pretende saber, em especial, se uma forma meramente funcional pode cair na alçada da recusa da alínea e), ainda que seja possível provar que o mesmo resultado técnico pode ser alcançado através de formas diferentes.

28.
    Por forma meramente funcional, entenda-se - como faz o juiz a quo - aquela cujas características essenciais são atribuíveis à obtenção de um resultado técnico. A expressão «características essenciais» indica que não escapa à recusa uma forma que contém um elemento arbitrário menor do ponto de vista funcional, como, por exemplo, a cor.

Ora, nada permite deduzir da redacção do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), que é possível registar uma forma meramente funcional se existir outra forma susceptível de produzir um resultado técnico comparável. Para recusar o registo, basta que os sinais que compõem a marca sejam exclusivamente constituídos por elementos necessários à obtenção de um dado resultado técnico.

29.
    Esta interpretação literal é igualmente válida em relação às outras versões linguísticas principais da directiva (4).

À mesma conclusão se chega fazendo uma interpretação teleológica da disposição.

30.
    O objectivo imediato da recusa de registar as formas meramente funcionais ou que conferem um valor substancial ao produto é o de evitar que o direito exclusivo e permanente atribuído por uma marca possa servir para perpetuar outros direitos que o legislador pretendeu submeter a prazos de caducidade. Refiro-me, concretamente, à regulamentação em matéria de patentes e desenhos industriais (5).

31.
    Se o artigo 3.°, n.° 1, não incluísse o disposto da alínea e), seria facilmente posto em causa o equilíbrio de interesse público que deve existir entre a justa recompensa do esforço de inovação, consistindo na concessão de uma protecção exclusiva, e o estímulo à evolução industrial que aconselha a impor um prazo a essa protecção, findo o qual o produto ou o desenho ficará livremente disponível.

32.
    No caso do segundo travessão da alínea e), cuja interpretação é objecto do litígio, é óbvio que o legislador comunitário pretendeu estabelecer uma distinção entre o alcance da protecção da marca e o da patente industrial. De igual modo, convém distinguir os âmbitos de aplicação das patentes e dos desenhos. Para tanto, é extremamente clarificador que, na directiva relativa à protecção legal de desenhos e modelos (6), se tenha negado o direito exclusivo às características da aparência de um produto determinadas exclusivamente pela sua função técnica (artigo 7.°, n.° 1). Também a proposta de regulamento correspondente (7) estabelece que não são protegidas pelo registo de desenhos e modelos comunitários as características da aparência de um produto determinadas exclusivamente pela sua função técnica (artigo 9.°, n.° 1).

33.
    A remissão para as regras comunitárias relativas aos desenhos e modelos não serve apenas para esclarecer a ratio da causa de recusa prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da directiva em matéria de marcas, mas permite também entender o alcance exacto da referida causa, que é precisamente o objecto desta quarta questão prejudicial.

34.
    A terminologia utilizada para expressar essa causa de recusa na directiva relativa aos desenhos e modelos não coincide inteiramente com a da directiva em matéria de marcas. Esta divergência não é um mero capricho. Enquanto a primeira proíbe que sejam protegidas as características externas do produto «determinadas exclusivamente pela sua função técnica», a segunda recusa o registo «aos sinais constituídos exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico». Noutras palavras, o nível de «funcionalidade» deve ser superior quando se trata de apreciar a causa de recusa relativa aos desenhos e modelos; o elemento tomado em conta não deve apenas ser necessário, mas também indispensável para a obtenção de um dado resultado técnico: a função dita a forma («form follows function») (8). Quer isto dizer que um modelo funcional pode, apesar disso, ser digno de protecção se se provar que a mesma função técnica pode ser realizada por forma distinta.

35.
    A directiva em matéria de marcas exclui todas as formas necessárias (no sentido de idóneas) para alcançar um resultado técnico. Isto significa que, a partir do momento em que os elementos essenciais de uma forma são necessários para cumprir essa função, a protecção da marca deve ser recusada, sem que seja necessário perguntar se essa função pode também ser realizada por outra via.

36.
    É lógico que a fasquia para apreciar a existência de uma causa de recusa de uma forma funcional seja posta mais alta para os modelos do que para as marcas: a natureza e alcance da protecção de uns e de outros são totalmente diferentes.

37.
    Em primeiro lugar, a marca visa proteger a identificação da origem do produto e assim, indirectamente, o «goodwill» atribuído ao produto, ao passo que os modelos - à semelhança das patentes - têm como objecto de tutela o produto em si mesmo considerado, enquanto factor económico: o seu valor substancial (no caso dos modelos e desenhos) ou o valor que deriva das suas prestações técnicas (no caso das patentes). Neste sentido, é de toda a coerência que o legislador se preocupe menos com a delimitação estrita entre modelos e patentes do que com a que deve existir entre estes últimos e as marcas. Isto facilita, além disso, a protecção de modelos que associam elementos funcionais e estéticos.

38.
    Em segundo lugar, enquanto a marca goza de uma protecção ilimitada no tempo, os direitos sobre os modelos - como os direitos sobre as patentes - têm uma vocação temporária. Também deste ponto de vista se justifica utilizar um critério mais severo para excluir do registo de marcas formas funcionais e decorativas do que o que deve empregar-se para a distinção entre modelos e patentes.

39.
    Se se aceitasse a tese da Philips, a qual consiste em admitir, para impedir a recusa de uma marca puramente funcional, a prova da existência de outras formas susceptíveis de atingir o mesmo resultado técnico, nada impediria uma empresa de registar enquanto marca todas as formas imagináveis que pudessem obter esse resultado, adquirindo assim o monopólio perpétuo sobre uma determinada solução técnica. Para além disso, obrigar-se-ia o juiz competente em matéria de marcas a efectuar uma apreciação completa da equivalência dos resultados dos diferentes processos técnicos.

40.
    Em terceiro lugar, mesmo admitindo-se que o critério restritivo de apreciação da causa de recusa, proposto pela Philips, apenas apresenta um perigo limitado de o direito das marcas invadir indevidamente o domínio das patentes, não vejo por que é que o interesse público deveria correr este risco, quando existem efectivamente outros meios eficazes, à disposição dos titulares de um produto, para proteger os seus negócios, mediante, por exemplo, o aditamento de elementos arbitrários.

41.
    As principais objecções à interpretação que proponho são de ordem histórica e foram expressas, na pendência do processo, pela Comissão e, obviamente, pela Philips. Limitar-me-ei a declarar que as suas explicações sobre a génese da disposição controvertida - como meio de apreender a vontade do legislador - não são particularmente esclarecedoras e, em todo o caso, não podem suplantar as considerações em que baseio o meu raciocínio. A Philips também não é mais convincente quando alega que a referência às «características essenciais» de uma forma não corresponde à terminologia utilizada na directiva. Nem tão pouco reconhece a directiva o critério defendido pela Philips. É próprio do labor jurisdicional completar a norma no respeito do objectivo do legislador.

42.
    Em resumo, estou de acordo com o órgão jurisdicional nacional que se propõe aplicar a recusa de registo, enquanto sinais constituídos exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico, àqueles cujas características essenciais só são atribuíveis à procura desse resultado.

Quanto às primeira, segunda, terceira, quinta, sexta e sétima questões

43.
    Com a primeira questão, a Court of Appeal pretende saber, no essencial, se existem marcas providas de carácter distintivo, no sentido de que não estão excluídas em aplicação do artigo 3.°, n.° 1, alíneas b) a d), da directiva, ou que adquiriram esse carácter distintivo pelo uso, nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, e que, apesar disso, são nulas por força do disposto na alínea a), que, por sua vez, remete para o artigo 2.°

44.
    De acordo com a directiva, impõe-se uma resposta negativa: um sinal não susceptível de estabelecer uma distinção não pode logicamente apresentar um carácter distintivo. Antes pelo contrário, penso que a diferente terminologia utilizada em cada uma destas disposições («possam servir para designar» numa, «carácter distintivo» noutra) e a inegável diferença semântica que daí decorre (entre um caso potencial e um real) permite necessariamente afirmar que existe uma categoria de sinais que são, por natureza, incapazes de adquirir um carácter distintivo. Parece ser este o entendimento do Tribunal de Justiça no acórdão de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (9), quando admitiu que o carácter distintivo da marca adquirido através do uso que dela é feito significa que a marca é adequada para identificar o produto, e portanto, para distinguir esse produto dos das outras empresas.

45.
    No entanto, pelas razões expostas, não creio que esta questão seja pertinente para resolver o litígio no processo principal.

46.
    Com a segunda questão, o juiz de reenvio pretende saber se a definição de marca prevista no artigo 2.° da directiva, ao aplicar-se às formas, exige, na medida em que prevê que estas devem ser adequadas para estabelecer uma distinção, que essas formas contenham um elemento adicional arbitrário, por exemplo, um ornamento sem fim funcional.

47.
    A presença ou não de elementos funcionais numa marca tridimensional deve ser examinada à luz do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), pelo que remeto para a análise feita na quarta questão prejudicial. Acresce que, como expliquei anteriormente, essa disposição, contrariamente ao que ocorre em relação aos casos previstos nas alíneas b) a d), não tem como objecto proteger o carácter distintivo de uma marca. Assim, a questão carece de pertinência.

No entanto, se por «elemento adicional arbitrário», se entende todo o elemento cujas características essenciais não visam a obtenção de um resultado técnico, impõe-se uma resposta afirmativa. Só se a forma apresentar um elemento desse tipo é que convirá examinar o seu carácter distintivo, partindo do pressuposto que não se trata de uma forma imposta pela natureza ou que não confira um valor substancial ao produto.

48.
    Com a terceira questão prejudicial, o juiz de reenvio insiste em perguntar sobre as consequências, desta vez ligadas ao artigo 3.°, n.° 3, de uma forma meramente funcional ou, segundo as suas próprias palavras, que não inclui qualquer elemento adicional arbitrário.

49.
    Pelas mesmas razões já expressas, também não há que examinar a possibilidade de um sinal tridimensional meramente funcional adquirir carácter distintivo através do uso. Com efeito, o n.° 3 deste artigo refere-se exclusivamente às alíneas b) a d) do n.° 1.

50.
    Com a quinta questão, o tribunal de reenvio solicita esclarecimentos sobre o sentido do termo «exclusivamente», constante do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da directiva.

51.
    Com a sexta questão, o juiz a quo interroga o Tribunal de Justiça sobre o alcance da identidade entre sinais exigida no artigo 5.°, n.° 1, da directiva.

52.
    Por fim, com a sétima questão, o órgão jurisdicional britânico pede que sejam precisados os critérios para apreciar a eficácia identificadora de produtos comercializados em violação do direito conferido pela marca.

53.
    Estas três questões prejudiciais abordam, sob diversas perspectivas, o problema do carácter distintivo de uma marca. Como demonstrei oportunamente, basta que as características essenciais de um determinado sinal se destinem à obtenção de um resultado técnico para que deva ser recusado o registo. Como declara o juiz nacional no despacho de reenvio, é inútil analisar, para efeitos meramente hipotéticos, as eventuais dificuldades em apreciar o carácter distintivo de uma forma com essas características.

Conclusão

54.
    O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar como sinal constituído exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico qualquer forma cujas características essenciais correspondem à procura desse resultado, independentemente da possibilidade de o alcançar utilizando outras formas. Além disso, se um sinal preenche essas condições, não há que examinar a questão do seu eventual carácter distintivo.


1: -    Língua original: espanhol.


2: -     JO L 40, p. 1.


3: -     «Lei destinada a adoptar novas medidas em relação às marcas e a transpor a Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas».


4: -     Em francês, fala-se de «signes constitués exclusivement par la forme du produit nécessaire à l'obtention d'un résultat technique»; em inglês, de «signs which consist exclusively of the shape of goods which is necessary to obtain a technical result»; em espanhol, de «signos constituidos exclusivamente por la forma del producto necesaria para obtener un resultado técnico»; em italiano, de «segni constituiti esclusivamente dalla forma del prodotto necessaria per ottenere un risultato tecnico»; e, em alemão, diz-se «Zeichen, die ausschliesslich bestehen aus der Form der Ware, die zur Herstellung einer technischen Wirkung erforderlich ist» (o sublinhado é meu).


5: -     Por exemplo, a patente europeia, nos termos da Convenção de 5 de Outubro de 1973, protege as invenções susceptíveis de aplicação industrial durante um período de 20 anos, ao passo que, na Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, relativa à protecção legal de desenhos e modelos (JO L 289, p. 28), está previsto um período renovado que pode ir até 25 anos (artigo 10.°). A proposta alterada do Regulamento do Conselho relativo aos desenhos e modelos comunitários vai no mesmo sentido no artigo 13.° [COM(00)660 final].


6: -     Referida na nota 5.


7: -     Ibidem.


8: -     O contraste semântico que existe, na versão alemã, entre os adjectivos «erforderlich» e «bedingt» é particularmente ilustrativo.


9: -     C-108/97 e C-109/97, Colect., p. I-2779.