Language of document : ECLI:EU:C:2010:564

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 30 de Setembro de 2010 (1)

Processo C‑236/09

Association Belge des Consommateurs Test‑Achats ASBL e o.

contra

Reino da Bélgica

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica)]

«Direitos fundamentais – Combate às discriminações – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres – Acesso a bens e serviços e seu fornecimento – Prémios e prestações de seguros – Factores actuariais – Consideração do sexo como factor de avaliação dos riscos no âmbito dos seguros – Contratos particulares de seguro de vida – Artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113/CE»





I –    Introdução

1.        É compatível com os direitos fundamentais da União considerar o sexo do segurado como um factor de risco na configuração de contratos particulares de seguro de vida? É esta, no essencial, a questão a apreciar pelo Tribunal de Justiça no presente processo de reenvio prejudicial. No âmbito dessa apreciação trata, pela primeira vez, de disposições de direito substantivo contidas na Directiva 2004/113/CE (2), uma das chamadas directivas antidiscriminação (3) que, mais recentemente, têm sido objecto de acesas controvérsias.

2.        O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 autoriza os Estados‑Membros a permitir diferenciações em função do sexo nos prémios e benefícios, sempre que a consideração do sexo seja um factor determinante segundo dados actuariais e estatísticos relevantes e rigorosos. Foram vários os Estados‑Membros que fizeram uso desta excepção, em relação a um ou mais tipos de seguro.

3.        Contudo, o tribunal constitucional belga questiona, agora, se a referida disposição de direito da União, contida em directiva, é compatível com o direito da União hierarquicamente superior, mais concretamente com a proibição de discriminação em razão do sexo, ancorada nos direitos fundamentais. Este pedido de decisão prejudicial teve origem num pedido de fiscalização da constitucionalidade da lei belga que transpôs a Directiva 2004/113, formulado pela associação de consumidores Association Belge des Consommateurs Test‑Achats (a seguir «Test‑Achats») e dois particulares.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

4.        No presente caso, o quadro jurídico da União é fornecido pelos direitos fundamentais que nela vigoram, aos quais se reporta o artigo 6.° do Tratado da União Europeia. Estes direitos fundamentais, que estão especialmente consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (4), constituem a bitola à luz da qual importa apreciar a validade do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113.

 O Tratado da União Europeia

5.        Até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de Dezembro de 2009, o Tratado da União Europeia, na redacção do Tratado de Amesterdão, dispunha o seguinte, no seu artigo 6.° (a seguir «artigo 6.° UE»):

«1.      A União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios que são comuns aos Estados‑Membros.

2.      A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

[…]»

6.        O artigo 6.° do Tratado da União Europeia, na redacção que resultou do Tratado de Lisboa (a seguir «TUE n.r.», passou a estatuir o seguinte:

«1.      A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de Dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

[…]

3.      Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros».

 A Carta dos Direitos Fundamentais

7.        A Carta dos Direitos Fundamentais contém no seu título III disposições sobre a igualdade. O artigo 20.° da Carta, que tem por epígrafe «Igualdade perante a lei», determina:

«Todas as pessoas são iguais perante a lei».

8.        O artigo 21.°, n.° 1, da Carta contém o princípio da não discriminação, que se encontra redigido nos seguintes termos:

«É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual».

9.        Além disso, estatui o artigo 23.°, n.° 1, da Carta, sob a epígrafe «Igualdade entre homens e mulheres»:

«Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração».

 Directiva 2004/113

10.      A Directiva 2004/113 tem como base legal o artigo 13.°, n.° 1, CE (actual artigo 19.°, n.° 1, do TFUE). O artigo 1.° determina o seu objecto:

«A presente directiva tem por objecto estabelecer um quadro para o combate à discriminação em função do sexo no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, com vista a concretizar, nos Estados‑Membros, o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres».

11.      O artigo 4.°, n.° 1, contém uma definição do princípio da igualdade de tratamento na acepção da Directiva 2004/113:

«Para efeitos da presente directiva, o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres significa:

a)      A proibição de qualquer discriminação directa em função do sexo, incluindo um tratamento menos favorável dispensado às mulheres por motivos de gravidez e maternidade;

b)      A proibição de qualquer discriminação indirecta em função do sexo».

12.      O artigo 5.° da Directiva 2004/113 estatui o seguinte, sob a epígrafe «Factores actuariais»:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que, em todos os novos contratos celebrados, o mais tardar, depois de 21 de Dezembro de 2007, a consideração do sexo enquanto factor de cálculo dos prémios e das prestações para efeitos de seguros e outros serviços financeiros não resulte, para os segurados, numa diferenciação dos prémios e prestações.

2.      Sem prejuízo do n.° 1, os Estados‑Membros podem decidir, antes de 21 de Dezembro de 2007, permitir diferenciações proporcionadas nos prémios e benefícios individuais sempre que a consideração do sexo seja um factor determinante na avaliação de risco com base em dados actuariais e estatísticos relevantes e rigorosos. Os Estados‑Membros em questão devem informar a Comissão e garantir que sejam recolhidos, publicados e regularmente actualizados dados rigorosos relevantes para a consideração do sexo como factor actuarial determinante. Esses Estados‑Membros devem rever a sua decisão cinco anos depois de 21 de Dezembro de 2007, tendo em conta o relatório da Comissão mencionado no artigo 16.°, e enviar à Comissão os resultados dessa revisão.

3.      Em qualquer caso, os custos relacionados com a gravidez e a maternidade não devem resultar, para os segurados, numa diferenciação dos prémios e prestações.

Os Estados‑Membros poderão diferir a aplicação das medidas necessárias para dar cumprimento ao presente número até dois anos depois de 21 de Dezembro de 2007, o mais tardar. Nesse caso, os Estados‑Membros em questão devem informar imediatamente a Comissão».

13.      Importa ainda atender ao preâmbulo da Directiva 2004/113, cujos considerandos primeiro, quarto, décimo oitavo e décimo nono têm o seguinte teor:

«(1)      Nos termos do artigo 6.° do Tratado da União Europeia, a União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios que são comuns aos Estados‑Membros, e respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

[…]

(4)      A igualdade entre homens e mulheres é um princípio fundamental da União Europeia. Os artigos 21.° e 23.°, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proíbem toda e qualquer discriminação em função do sexo e exigem que seja garantida, em todos os domínios, a igualdade entre homens e mulheres.

[…]

(18)      A utilização de factores actuariais em função do sexo é generalizada na prestação de serviços de seguros e outros serviços financeiros. Por conseguinte, para garantir a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, a consideração do sexo enquanto factor actuarial não deve resultar numa diferenciação nos prémios e benefícios individuais. Para evitar reajustamentos bruscos do mercado, a implementação desta regra só deve ser aplicável a novos contratos celebrados após a data de transposição da presente directiva.

(19)      Algumas categorias de riscos podem variar entre os sexos. Em certos casos, o sexo é um factor, mas não necessariamente o único factor determinante na avaliação dos riscos segurados. Para os contratos de seguros desses tipos de riscos, os Estados‑Membros podem decidir autorizar derrogações à regra dos prémios e prestações unisexo, desde que possam assegurar que os dados actuariais e estatísticos em que se baseiam os cálculos são fiáveis, regularmente actualizados e postos à disposição do público. Só serão permitidas derrogações nos casos em que a legislação nacional ainda não tenha aplicado a regra unisexo. Cinco anos após a transposição da presente directiva, os Estados‑Membros devem reanalisar a justificação para essas derrogações, tendo em conta os últimos dados actuariais e estatísticos e o relatório elaborado pela Comissão três anos após a data de transposição da presente directiva.»

B –    Direito nacional

14.      No direito belga, é relevante a Lei de 21 de Dezembro de 2007 (5), que se destinou a transpor a Directiva 2004/113 (6). Através desta lei reformulou‑se, com efeitos a partir de 20 de Dezembro de 2007, uma disposição legal que tinha sido adoptada poucos meses antes, mais concretamente o artigo 10.° da Lei de 10 de Maio de 2007, que tem por objecto lutar contra a discriminação entre mulheres e homens (7); a referida disposição legal passou a ter o seguinte teor (8):

«Artigo 10.° § 1. Em derrogação do artigo 8.°, pode ser estabelecida uma distinção directa proporcionada em razão do sexo para a fixação dos prémios e das prestações de seguro, se o sexo for um factor determinante na avaliação de risco com base em dados actuariais e estatísticos pertinentes e rigorosos.

Esta derrogação aplica‑se apenas aos contratos de seguro de vida, na acepção do artigo 97.° da Lei de 25 de Junho de 1992 sobre o contrato de seguro terrestre.

§ 2.      A partir de 21 de Dezembro de 2007, os custos relacionados com a gravidez e a maternidade não podem, em caso algum, implicar uma diferenciação dos prémios e prestações de seguro.

§ 3.      A Comissão para o sector bancário, financeiro e dos seguros recolhe os dados actuariais e estatísticos previstos no § 1, assegura a sua publicação, o mais tardar, até 20 de Junho de 2008, bem como a dos dados actualizados de dois em dois anos, e publica‑os no seu sítio Internet. Estes dados serão actualizados de dois em dois anos.

A Comissão para o sector bancário, financeiro e dos seguros tem poderes para exigir às instituições, às empresas ou às pessoas interessadas os dados necessários para este efeito. A Comissão especificará os dados que lhe devem ser transmitidos, bem como o modo e a forma de transmissão.

§ 4.      A Comissão para o sector bancário, financeiro e dos seguros fornecerá à Comissão Europeia, o mais tardar até 21 de Dezembro de 2009, os dados de que disponha nos termos do presente artigo. Transmitirá estes dados à Comissão Europeia sempre que os mesmos forem actualizados.

§ 5.      As Câmaras legislativas avaliarão, antes de 1 de Março de 2011, a aplicação do presente artigo com base nos dados referidos nos §§ 3 e 4, no relatório da Comissão Europeia previsto no artigo 16.° da Directiva 2004/113/CE, bem como na situação nos outros Estados‑Membros da União Europeia.

Esta avaliação será feita com base num relatório apresentado às Câmaras legislativas, no prazo de dois anos, por uma Comissão de avaliação.

Por decreto aprovado em Conselho de Ministros, o Rei fixará regras mais precisas relativas à composição e à nomeação da Comissão de avaliação, bem como à forma e ao conteúdo do relatório.

A Comissão de avaliação fará um relatório, nomeadamente, sobre as consequências do presente artigo sobre a situação do mercado e examinará também outros critérios de segmentação que não os associados ao sexo.

§ 6.      A presente disposição não é aplicável aos contratos de seguro celebrados no âmbito de um regime complementar de segurança social. Tais contratos estão exclusivamente sujeitos ao artigo 12.°».

15.      O artigo 4.° da Lei de 21 de Dezembro de 2007 contém ainda a seguinte disposição:

«Até à publicação pela Comissão para o sector bancário, financeiro e de seguros dos dados actuariais e estatísticos pertinentes e rigorosos previstos no artigo 10.°, § 3, da Lei de 10 de Maio de 2007, que tem por objecto lutar contra a discriminação entre mulheres e homens [na redacção da presente lei], é permitida uma distinção directa em razão do sexo para a fixação dos prémios e prestações de seguro, se for objectivamente justificada por um fim legítimo e se os meios para atingir tal fim forem adequados e necessários. A Comissão para o sector bancário, financeiro e dos seguros publicará estes dados, o mais tardar, até 20 de Junho de 2008.»

III – Processo principal

16.      Está pendente no tribunal constitucional do Reino da Bélgica um recurso de anulação da Lei de 21 de Dezembro de 2007. Este recurso foi interposto em Junho de 2008 pela Test‑Achats, enquanto associação de consumidores sem fins lucrativos, e por dois particulares.

17.      No essencial, os recorrentes no processo principal alegam que a Lei de 21 de Dezembro de 2007 não é compatível com o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. Segundo os recorrentes, essa lei viola os artigos 10.°, 11.° e 11.°‑bis da constituição belga, em conjugação com o artigo 13.° CE, a Directiva 2004/113, os artigos 20.°, 21.° e 23.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o artigo 14.° da CEDH (9), o artigo 26.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (10) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (11).

18.      O tribunal constitucional belga constata que a lei controvertida fez uso da possibilidade de derrogação consagrada no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 e que, por conseguinte, as críticas dos recorrentes também se dirigem contra esta disposição. Nestas circunstâncias, o tribunal constitucional considera necessário que, antes de proferir a sua decisão sobre o pedido de fiscalização da constitucionalidade, se aprecie a validade do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113. O tribunal constitucional reconhece expressamente que só o Tribunal de Justiça dispõe de competência para apreciar esta questão de validade, pelo que, enquanto órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, está obrigado, nos termos do artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE (actual artigo 267.°, terceiro parágrafo, do TFUE), a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.

IV – Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.      O tribunal constitucional belga, por acórdão de 18 de Junho de 2009, submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais (12):

1.      O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113/CE é compatível com o artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia e, mais especificamente, com o princípio da igualdade e da não discriminação garantido por esta disposição?

2.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o mesmo artigo 5.°, n.° 2, da directiva também é incompatível com o artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia se a sua aplicação se limitar aos contratos de seguro de vida?»

20.      No processo no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas, para além da Test‑Achats, o Governo belga, a Irlanda, os Governos francês, lituano, finlandês e do Reino Unido, bem como o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia. Participaram na audiência, realizada no dia 1 de Junho de 2010, a Test‑Achats, o Governo belga, a Irlanda e o Governo do Reino Unido, o Conselho e a Comissão.

V –    Apreciação

21.      Com este artigo 5.°, n.° 2, submete‑se à apreciação uma disposição da Directiva 2004/113 que nem sequer constava da proposta de directiva da Comissão (13). Mas mais: na exposição de motivos da sua proposta de directiva, a Comissão, depois de se ter referido detalhadamente à problemática ora em discussão, acabou por se pronunciar resolutamente contra a possibilidade de se preverem diferenças relacionadas com o sexo no contexto de prémios e prestações de seguros, descrevendo‑as expressamente como incompatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (14).

22.      Causa assim o maior espanto que a Comissão, no presente processo, defenda com veemência a tese segundo a qual o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 não implica qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, sendo antes, precisamente, expressão deste princípio. A Comissão não soube explicar plausivelmente a sua repentina mudança de opinião, nem mesmo depois de instada a fazê‑lo.

23.      Pela minha parte, tenho sérias dúvidas de que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, na configuração que lhe deu o Conselho, tenha sequer aptidão para dar expressão ao princípio da igualdade de tratamento, nomeadamente à exigência de não se tratar de forma igual situações de facto diferentes. Uma disposição que visasse esse objectivo teria de ser aplicável em todos os Estados‑Membros. Contudo, o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, só pode ser utilizado, segundo o legislador comunitário, «[…] nos casos em que a legislação nacional ainda não tenha aplicado a regra unisexo» (15). Portanto, da disposição em questão resulta que, em alguns Estados‑Membros, homens e mulheres podem ser tratados de forma diferente em relação a determinado produto de seguro, enquanto noutros Estados‑Membros têm de ser tratados de forma igual, em relação ao mesmo produto de seguro. Afigura‑se difícil aceitar a tese de que tal regime jurídico possa ser emanação do princípio da igualdade de tratamento, nos termos em que se encontra consagrado no direito da União.

A –    Primeira questão

24.      O tribunal constitucional belga, através da sua primeira questão, pretende obter uma decisão acerca da validade do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113. No essencial, está em causa saber se esta disposição é compatível com o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

25.      Enquanto a Test‑Achats defende que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 viola o referido princípio, todos os Estados‑Membros e órgãos da União que intervêm no presente processo defendem o ponto de vista contrário.

1.      Generalidades

26.      A União Europeia é uma união de direito; nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições escapam ao controlo da conformidade dos seus actos com a «carta constitucional de base» da União, tal como resulta dos Tratados (16).

27.      Constitui requisito da legalidade de todo e qualquer acto da União que o mesmo respeite os direitos fundamentais e os direitos do Homem (17). De facto, a União assenta nos princípios da liberdade, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito (artigo 6.°, n.° 1, UE (18)) e respeita os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito (artigo 6.°, n.° 2, UE (19)).

28.      Os direitos fundamentais garantidos a nível da União estão actualmente consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, passou a ter o mesmo valor jurídico que os Tratados (artigo 6.°, n.° 1, TUE n.r.) (20). Mas mesmo em relação ao período anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, no qual a Carta ainda não produzia efeitos jurídicos vinculativos equiparáveis aos do direito primário, pode a mesma ser invocada como fonte de interpretação da protecção conferida pelos direitos fundamentais ao nível da União (21); e isto aplica‑se por maioria de razão quando se aprecia um acto jurídico no qual foi o próprio legislador da União a fazer referência à Carta, como sucede no caso em apreço, no quarto considerando da Directiva 2004/113 (22).

29.      O princípio geral da igualdade de tratamento e da não discriminação encontra‑se consagrado no artigo 20.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que determina que todas as pessoas são iguais perante a lei. Contudo, no presente caso, está especificamente em causa o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação entre homens e mulheres, que é reconhecido desde cedo, pelo Tribunal de Justiça, como um princípio basilar do direito da União (23) e que actualmente encontra expressão, como direito fundamental, no artigo 21.°, n.° 1, e no artigo 23.°, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais. Limito‑me em seguida apenas a este princípio específico. Uma vez que, para efeitos do presente processo, não existe uma diferença essencial entre as expressões «princípio da igualdade de tratamento», «princípio da não discriminação» e «proibição da discriminação», irei usá‑las como sinónimos.

30.      O facto de não ser o próprio legislador da União a estabelecer distinção, no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, em razão do sexo do segurado, limitando‑se, em vez disso, a autorizar os Estados‑Membros a fazê‑lo, não influencia de modo algum a apreciação da compatibilidade da referida norma com o direito hierarquicamente superior. Efectivamente, o legislador da União não pode autorizar os Estados‑Membros a adoptar medidas que violariam os direitos fundamentais da União, cabendo ao Tribunal de Justiça apreciar este tipo de situação (24).

2.      A importância fundamental do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres

31.      O Tribunal de Justiça tem vindo a sublinhar, em jurisprudência constante, a importância fundamental do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres (25). Esta importância também vem sublinhada em partes destacadas dos Tratados, designadamente, à data da adopção da Directiva 2004/113, no artigo 2.° CE e no artigo 3.°, n.° 2, CE, e, actualmente, no artigo 2.° TUE n.r., no artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, TUE n.r., no artigo 8.° do TFUE e no artigo 10.° do TFUE.

32.      É um facto que, no presente processo, alguns intervenientes processuais tentaram minimizar a importância deste princípio, no contexto do caso concreto em apreciação. Mas nenhum dos argumentos aduzidos a este respeito se afigura convincente.

33.      Em primeiro lugar, ao contrário do que me parece ser a opinião do Conselho e da Comissão, não resulta da base jurídica do artigo 13.°, n.° 1, CE, no qual assenta a Directiva 2004/113, que o legislador da União goza de liberdade quase absoluta na configuração material das medidas para combater as discriminações.

34.      É verdade que o artigo 13.°, n.° 1, CE constitui uma norma segundo a qual o Conselho «pode» tomar «medidas» para combater as discriminações. Por isso, é inequívoco que o Conselho dispõe de uma certa margem de apreciação em relação à necessidade, ao âmbito de aplicação e ao conteúdo das disposições anti‑discriminação que deva adoptar. Neste sentido, o Conselho, dentro dos limites impostos pela proibição da arbitrariedade, até podia, em princípio, ter excluído totalmente certos serviços, como por exemplo os seguros, do âmbito de aplicação da Directiva 2004/113.

35.      Contudo, através da Directiva 2004/113, nomeadamente do seu artigo 5.°, o Conselho optou conscientemente por adoptar disposições antidiscriminação no domínio da prestação de serviços de seguros. Estas disposições têm de resistir incólumes a uma apreciação ilimitada à luz de direito da União hierarquicamente superior, em especial à luz dos direitos fundamentais da União. Para o expressar com as palavras do próprio artigo 13.°, n.° 1, CE (actual artigo 19.°, n.° 1, TFUE), essas medidas têm de ser «necessárias» para combater discriminações, não podendo, pelo contrário, ser elas próprias geradoras de discriminações. O Conselho não pode esquivar‑se a esta apreciação através da afirmação lapidar de que também podia ter permanecido inactivo.

36.      Em segundo lugar, não é possível minimizar a importância do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, no caso em apreço, através da afirmação de que «não está em causa um direito absoluto», ou seja, um direito fundamental ilimitado. Com efeito, ainda que os direitos fundamentais possam, geralmente, ser objecto de restrições, não deixam de constituir uma bitola para a apreciação da legalidade dos actos jurídicos (26).

37.      É evidente que as diferenças de tratamento entre os sexos podem ter justificação, em determinadas circunstâncias. Contudo, uma discriminação directa em razão do sexo, única que está em causa neste processo, só é imaginável dentro de limites restritos e tem de ser cuidadosamente fundamentada. O legislador da União não pode, de modo algum, permitir derrogações ao princípio da igualdade de tratamento a seu bel‑prazer, esvaziando assim de conteúdo a proibição da discriminação.

38.      Saliento ainda que a proibição de discriminações em razão do sexo não carece, quanto ao seu conteúdo, de concretização, seja de que tipo for, pelo legislador da União. O facto de o legislador da União ter vindo a adoptar medidas de direito derivado para promoção da igualdade de tratamento entre homens e mulheres e para combater discriminações subsistentes entre os mesmos – medidas essas que, à luz dos objectivos dos Tratados (27), tem o dever de adoptar –, não relativiza a importância do princípio da igualdade de tratamento enquanto direito fundamental e princípio constitucional da União Europeia, realçando ainda mais, pelo contrário, a sua preponderância em todos os domínios.

39.      Se o legislador da União adopta «medidas», na acepção do artigo 13.°, n.° 1, CE (actual artigo 19.°, n.° 1, do TFUE), para o combate às discriminações e para a promoção da igualdade entre homens e mulheres, então tem de o fazer no respeito pelas disposições do princípio da igualdade de tratamento entre os sexos, consagrado no direito primário.

3.      Apreciação da compatibilidade do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 com o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres

40.      O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 autoriza os Estados‑Membros a permitirem, nas condições aí referidas, diferenciações em razão do sexo, no âmbito dos prémios e prestações de seguros. Neste sentido, a disposição em causa permite diferenciações em contratos de seguro em razão directa do sexo do segurado (28).

41.      Isto não significa, necessariamente, que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 tenha de abrir caminho a uma discriminação directa em razão do sexo, proibida pelo direito da União. É que, segundo jurisprudência constante (29), o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação, do qual a proibição de discriminação em razão do sexo é um mero corolário específico, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado (30).

42.      O que importa, portanto, apurar é se as situações em que se encontram homens e mulheres, face a serviços de seguros, se distinguem de forma juridicamente relevante.

43.      As características das situações de facto e o seu carácter comparável devem ser determinados e apreciados à luz do objecto e da finalidade da disposição que institui a distinção em causa. Além disso, devem ser tidos em consideração os princípios e objectivos do domínio do qual releva a disposição em questão (31).

44.      Tal como foi observado por vários intervenientes no processo junto do Tribunal de Justiça, o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 destina‑se a permitir tomar em consideração as especificidades da prestação de serviços de seguros. As seguradoras prestam serviços no âmbito dos quais não é possível dizer com exactidão, no momento da celebração do contrato, se, quando e em que medida o segurado irá beneficiar deles. A fim de tornar este risco calculável e poder configurar os produtos em causa adequados ao risco é imprescindível fazer uso de previsões no cálculo actuarial dos prémios e prestações de seguros.

45.      Assim, por exemplo, no âmbito do seguro de vida e do seguro de reforma é decisiva a esperança de vida previsível, no caso dos seguros automóvel é decisivo o grau de probabilidade de o segurado causar um acidente de viação e no caso dos seguros de saúde particulares é decisivo o grau de probabilidade de o segurado recorrer a certos serviços médicos.

46.      Neste contexto, não é normal proceder‑se, em primeira linha, a uma previsão individual relativamente ao segurado em concreto, recorrendo‑se antes a valores que resultam da experiência adquirida. É assim, antes de mais, porque é difícil, se não mesmo impossível, obter informações exactas relativas ao risco de seguro que certo indivíduo realmente representa. Por isso, é, em princípio, efectivamente legítimo que, na avaliação do risco, se recorra a uma análise de certo grupo, em substituição da – ou cumulativamente com a – análise individual.

47.      Porém, saber exactamente que grupos podem ser utilizados na comparação, para o referido fim, é algo que acaba sempre por depender do quadro jurídico aplicável. Na fixação deste quadro jurídico, que depende de decisões de natureza política, económica e social e que pode exigir apreciações e avaliações complexas, o Conselho, no exercício das competências que lhe são conferidas, goza de um amplo poder de apreciação («margem de apreciação») (32). Houve vários intervenientes que chamaram a atenção para este facto, e com razão. No âmbito da sua margem de apreciação, o Conselho pode – e deve – tomar em consideração as especificidades da prestação de serviços de seguros.

48.      Sucede que esta margem de apreciação do Conselho não é ilimitada. Em particular, a sua utilização não pode ter por efeito esvaziar da sua essência um princípio fundamental basilar do direito da União (33). Entre esses princípios fundamentais basilares do direito da União contam‑se as proibições de discriminação especificamente previstas no artigo 21.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais.

49.      É por isso mesmo que o Conselho não pode, por exemplo, admitir que a raça ou origem étnica seja utilizada como factor de diferenciação no âmbito da prestação de serviços de seguros (34). Numa união de direito, que proclamou o respeito pela dignidade humana, pelos direitos do Homem, pela igualdade e pela não discriminação como seus mais elevados valores (35), seria, sem margem para dúvidas, extremamente desadequado que se pudesse, por exemplo, no âmbito do seguro de saúde, atribuir um risco diferenciado de adoecimento por cancro da pele em função da cor da pele do segurado e, consequentemente, exigir‑se‑lhe um prémio mais ou menos elevado.

50.      É igualmente desadequado estabelecer uma relação entre os riscos do seguro e o sexo da pessoa em questão. Não existe motivo objectivo para se admitir que a proibição de discriminação em razão do sexo, nos termos em que vigora na União, merece uma protecção menor que a proibição de discriminação em razão da raça ou da origem étnica. De facto, tal como a raça e a origem étnica, também o sexo constitui uma característica que é inseparável da pessoa do segurado e sobre a qual este não tem influência alguma (36). Além disso, o sexo de certa pessoa, ao contrário, por exemplo, do que sucede com a sua idade, não está sujeito a alterações naturais (37).

51.      Por isso, é lógico que o Conselho tenha previsto no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 2004/113, como regra geral, a proibição da consideração do sexo no cálculo de prémios e prestações de seguros. Nos termos do artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 2004/113, até mesmo os custos relacionados com a gravidez e a maternidade não devem, em caso algum, resultar numa diferenciação dos prémios e prestações para os segurados, ainda que, por razões biológicas manifestas, só digam respeito às mulheres (38).

52.      No entanto, o Conselho, nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, permite que no cálculo de prémios e prestações de seguros se tome o sexo em consideração, sempre que o mesmo constitua um factor determinante na avaliação de risco, com base em dados actuariais e estatísticos relevantes e rigorosos. Ou seja, a disposição em causa – diferentemente do que sucede com o artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 2004/113 – não faz uma diferenciação biológica inequívoca entre segurados. Reporta‑se, isso sim, a casos em que, no limite, apenas é possível estabelecer estatisticamente riscos de seguro distintos consoante o sexo.

53.      No processo no Tribunal de Justiça foram apresentados, designadamente, os dois exemplos seguintes: as mulheres têm – estatisticamente – uma esperança de vida mais elevada do que os homens e os acidentes de viação graves são – estatisticamente – causados mais frequentemente por homens do que por mulheres. Além disso, diz‑se por vezes, em relação aos seguros de saúde particulares, que as mulheres – estatisticamente – recorrem mais a prestações médicas do que os homens (39).

54.      Até ao momento, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou claramente acerca da questão de saber se, na configuração de produtos de seguro, é possível ou mesmo necessário que as diferenças entre pessoas, que só estatisticamente se prendem com o sexo, conduzam a uma diferença de tratamento entre segurados do sexo masculino e do sexo feminino.

55.      É verdade que o Tribunal de Justiça, nos acórdãos Neath e Coloroll Pension Trustees, afirmou que, no âmbito do financiamento do regime de pensões aí em causa, a diferente esperança de vida entre homens e mulheres constituía um dos factores actuariais tidos em conta (40). Porém, o Tribunal de Justiça não se pronunciou acerca da compatibilidade deste factor com a proibição de discriminação em razão do sexo, em vigor da União. O que fez foi, isso sim, considerar que o princípio da igualdade de remuneração, tal como se encontrava consagrado no artigo 119.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 157.°, n.° 1, do TFUE), não era aplicável, porque só as quotizações patronais dependiam do factor actuarial, e não as dos trabalhadores; por isso, o Tribunal de Justiça entendeu, então, que não estava em causa uma remuneração, na acepção do direito da União (41).

56.      Não obstante, o Tribunal de Justiça referiu ainda, em obiter dicta, nos acórdãos Neath e Coloroll Pension Trustees, que as quotizações dos trabalhadores para regimes de pensão empresariais, abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 119.°, n.° 1, do Tratado CE, devem ser iguais para todos os trabalhadores, masculinos e femininos, uma vez que constituem uma componente da remuneração do trabalhador (42).

57.      Portanto, a poder‑se extrair alguma conclusão útil da jurisprudência Neath e Coloroll Pension Trustees, para o caso em apreço, a mesma apontará mais no sentido de que a proibição de discriminação em razão do sexo, nos termos em que se encontra prevista no direito da União, obsta a que se tomem em consideração diferenças meramente estatísticas entre homens e mulheres, no contexto de riscos de seguro.

58.      Esta ideia deve servir de linha orientadora também no âmbito do presente processo.

59.      Segundo jurisprudência constante, na aplicação das proibições de discriminação, tal como previstas no direito da União, os dados estatísticos podem efectivamente indiciar a existência de uma discriminação indirecta (43). Porém, tanto quanto consegui apurar, o Tribunal de Justiça ainda nunca aceitou estatísticas como único factor de referência – e portanto, em última análise, como justificação – para uma diferença de tratamento directa.

60.      Esta retracção do Tribunal de Justiça pode eventualmente prender‑se com a elevada importância que a proibição de discriminação em razão do sexo goza no direito da União. Uma diferença de tratamento directa em razão do sexo só é admissível – sem prejuízo das medidas específicas de apoio àqueles que integram um grupo desfavorecido («affirmative action» (44)) – se for possível determinar com segurança que existem diferenças relevantes entre homens e mulheres, que tornam esse tratamento necessário.

61.      Porém, é precisamente essa segurança que falta quando os prémios e prestações de seguros são calculados de forma diferente no caso de homens e mulheres, exclusiva ou, pelo menos, determinantemente com base em estatísticas. Neste caso, toma‑se por assente, em bloco, que a diferente esperança de vida de segurados do sexo masculino e do sexo feminino, a sua diferente propensão para o risco no tráfego rodoviário e a sua diferente tendência para o recurso a prestações médicas – tudo em termos de mera verdade estatística – resulta, de forma determinante, do sexo da pessoa em causa.

62.      Contudo, na verdade, tal como foi alegado pela Test‑Achats sem qualquer contestação, muitos outros factores têm um papel de relevo para a avaliação dos mencionados riscos do seguro. Assim, por exemplo, a esperança de vida dos segurados, que é algo que tem especial importância no caso em apreço, depende fortemente de circunstâncias económicas e sociais, bem como do modo de vida de cada indivíduo (por exemplo, tipo de actividade profissional exercida e sua duração, meio familiar e social, hábitos de alimentação, consumo de estimulantes (45), tabaco e/ou drogas, actividades recreativas, prática de desporto).

63.      Atendendo às mudanças sociais ocorridas e à concomitante desvalorização dos papéis tradicionais, deixou de ser possível estabelecer claramente uma relação entre os efeitos dos factores comportamentais sobre a saúde e a esperança de vida de certa pessoa e o respectivo sexo. Retomem‑se apenas alguns dos exemplos há pouco referidos: tanto os homens como as mulheres exercem actualmente actividades profissionais exigentes e, por vezes, extremamente stressantes, pessoas de ambos os sexos consomem quantidades não despicientes de estimulantes e/ou de tabaco e também o tipo e a medida do desporto praticado é algo que não se pode relacionar à partida mais com um ou outro sexo.

64.      Não resulta dos considerandos da Directiva 2004/113 que o Conselho tenha tido estas circunstâncias minimamente em conta (46).

65.      Em todo o caso, o Conselho não faz justiça à complexidade da problemática ao permitir, pura e simplesmente, no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, que subsistam diferenças entre segurados com fundamento exclusiva ou, pelo menos, determinantemente, no sexo da pessoa em causa, ainda que se estabeleçam algumas barreiras («factor determinante», «diferenciações proporcionadas», «dados rigorosos relevantes», que devem ser publicados e actualizados).

66.      Importa reconhecer que é particularmente fácil proceder‑se, na prática, a uma diferenciação em razão do sexo, nos produtos de seguro. É incomparavelmente mais complicado proceder‑se à correcta compreensão e avaliação de circunstâncias económicas e sociais e dos modos de vida dos segurados, tal como o é proceder‑se à comprovação desses factores, desde logo porque os mesmos podem ser objecto de alterações, ao longo do tempo. Contudo, as dificuldades práticas não bastam para justificar que – em certa medida por comodidade – se deite mão do sexo do segurado como critério de diferenciação.

67.      É incompatível com o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres utilizar‑se o sexo de certa pessoa como critério substituto, em vez de se recorrer a outras características susceptíveis de diferenciação. Com efeito, deste modo não se assegura que a diferença nos prémios e nas prestações de seguro, consoante estejam em causa segurados do sexo masculino ou do sexo feminino, assenta em critérios exclusivamente objectivos, alheios a toda e qualquer discriminação em razão do sexo.

68.      As considerações de natureza puramente financeira, tal como o perigo de aumento dos prémios para uma parte ou mesmo a totalidade dos segurados, referido por alguns dos intervenientes no processo, não consubstanciam, em caso algum, justificação objectiva para uma diferença de tratamento em razão do sexo (47). Além do mais, é fácil de presumir que, sem uma cláusula derrogatória como a que vem consagrada no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, os prémios poderiam aumentar para alguns segurados mas, em circunstâncias normais, contrapor‑se‑lhe‑iam prémios mais reduzidos aplicáveis aos segurados do sexo oposto. Em todo o caso, nenhum dos intervenientes no processo alegou que, caso se introduzisse a chamada tarifa unisexo, daí adviria um risco sério para o equilíbrio financeiro dos sistemas de seguro particulares.

69.      Com este pano de fundo, sou da opinião, tal como já antes de mim o advogado‑geral W. Van Gerven (48), que a utilização de factores actuariais relacionado com o sexo não é compatível com o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

70.      Atentas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que anule o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, por violação da proibição de discriminação em razão do sexo. Com uma decisão nesse sentido, o Tribunal de Justiça encontrar‑se‑á em boa companhia: já há mais de trinta anos o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos da América decidiu, no contexto dos seguros de reforma, que o Civil Rights Act de 1964 proíbe o tratamento diferente dos segurados em razão do sexo (49).

71.      Porém, não é necessário anular‑se a totalidade da Directiva 2004/113. Efectivamente, a anulação de uma disposição isolada contida numa directiva é inadmissível sempre que a disposição cuja anulação é pedida for inseparável do resto dessa directiva, pois de outro modo a anulação parcial implicaria a modificação da própria substância das disposições adoptadas na referida directiva, o que incumbe exclusivamente ao legislador da União (50). Mas, no presente caso, e em resposta a uma pergunta expressa minha, nenhum dos intervenientes no processo, em especial o Conselho enquanto autor da Directiva 2004/113, pôs em causa que o artigo 5.°, n.° 2, constitui uma parte separável desta directiva e, por conseguinte, que pode ser anulada isoladamente. A favor deste entendimento releva também a circunstância de o artigo 5.°, n.° 2, nem sequer ter sido previsto inicialmente, tendo apenas sido inserido na Directiva 2004/113 no decurso do processo legislativo.

72.      No caso de o Tribunal de Justiça considerar válido o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, sempre se dirá que este teria de ser interpretado de modo restritivo, atento a sua natureza de disposição derrogatória. O respeito pelas condições aí previstas, para que se possa recorrer a dados actuariais e estatísticos específicos do sexo, teria de ser controlado regular e rigorosamente pelas autoridades nacionais competentes, à luz do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres (51).

4.      Limitação dos efeitos do acórdão no tempo

73.      Os Tratados não determinam expressamente as consequências que decorrem de uma declaração de invalidade no âmbito de um processo de reenvio prejudicial. No entanto, dado que o processo de reenvio prejudicial para apreciação da validade de um acto de direito da União e o recurso de anulação constituem duas modalidades da fiscalização da legalidade dos actos das instituições da União, que estão previstas nos Tratados e se completam mutuamente (52), é jurisprudência assente que os efeitos de uma declaração de invalidade podem ser fixados por aplicação analógica dos artigos 264.° e 266.° do TFUE, aplicáveis aos recursos de anulação (53).

74.      Portanto, em princípio, um acórdão do Tribunal de Justiça que declare a invalidade de um acto comunitário no âmbito de um processo de reenvio prejudicial produz efeitos retroactivos (54), tal como um acórdão que concede provimento a um recurso de anulação. Além disso, a declaração de invalidade constitui razão suficiente para qualquer tribunal nacional considerar o acto jurídico em causa inválido para efeitos das medidas que deva adoptar (55).

75.      Com base na regra jurídica expressa no artigo 264.°, segundo parágrafo, do TFUE, o Tribunal de Justiça tem, no entanto, a liberdade de determinar, caso o considere necessário, a subsistência de determinados efeitos do acto jurídico em causa, dispondo a este respeito de uma margem de apreciação (56).

76.      No passado, o Tribunal de Justiça fez uso dessa possibilidade especialmente nos casos em que decorria de uma apreciação global dos interesses em conflito que existiam razões imperativas de segurança jurídica que o impunham (57), não deixando de ter aqui em conta as consequências de uma eventual declaração de nulidade ou anulação sobre os direitos dos operadores económicos (58). Estes princípios podem igualmente ser úteis no caso em apreço.

77.      Tal como foi observado em especial pelo Governo do Reino Unido, desde a entrada em vigor da Directiva 2004/113 foram celebrados inúmeros contratos de seguro, provavelmente milhões deles, aos quais subjazem avaliações de risco feitas com base no sexo do segurado e no contexto dos quais os intervenientes confiaram na validade das disposições nacionais que lhes eram aplicáveis, adoptadas ao abrigo do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113.

78.      Por isso, por razões de segurança jurídica devem manter‑se os efeitos já produzidos pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, sob dois pontos de vista diferentes.

79.      Por um lado, as diferenças em razão do sexo, nos prémios e prestações de seguro, não devem ser postos em causa, em relação ao passado. Ou seja, a anulação do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 só deve produzir efeitos para o futuro.

80.      Por outro lado, deve‑se conceder aos Estados‑Membros um prazo razoável para que possam adaptar os respectivos regimes jurídicos às consequências da anulação do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113. Desta forma, as seguradoras poderiam simultaneamente beneficiar de um período transitório durante o qual poderiam adaptar‑se ao novo quadro jurídico e configurar os respectivos produtos em conformidade com o mesmo. No seguimento do que foi estabelecido pelo próprio legislador da União, no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 2004/113, parecer‑me‑ia razoável um prazo de três anos (59). Esse prazo começaria a correr a partir da data da prolação do acórdão no presente processo pelo Tribunal de Justiça.

81.      Porém, após o termo deste período transitório, todos os futuros prémios de seguro, em cujo cálculo ainda se fazem diferenciações em razão do sexo, bem como todas as prestações financiadas a partir dos novos prémios, teriam de ser configurados de forma neutra em relação ao sexo. Esta situação teria de aplicar‑se igualmente aos contratos de seguro já existentes. É que não se justificaria recusar duradouramente, aos segurados discriminados – que, por exemplo, tenham celebrado no passado um contrato de seguro de vida –, o equilíbrio devido, até porque o prazo de vigência dos contratos pode, em muitos casos, durar muitos mais anos (60). A proibição geral da irretroactividade, que vigora no direito da União, não obsta, de modo algum, a que uma nova regulamentação se aplique aos efeitos futuros resultantes de situações surgidas no domínio da regulamentação anterior (61).

82.      A limitação dos efeitos do acórdão no tempo, nos termos da jurisprudência assente, só não deve aplicar‑se às pessoas que, antes da data da prolação do acórdão que o Tribunal de Justiça vier a ser proferido no presente processo, tenham intentado uma acção judicial ou apresentado, nos termos do direito nacional aplicável, uma reclamação equivalente (62).

B –    Segunda questão

83.      O tribunal constitucional belga, através da sua segunda questão – que se encontra redigida de forma menos abrangente do que a primeira –, pretende saber se também existem reservas quanto à conformidade do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 com os direitos fundamentais se o respectivo âmbito de aplicação se restringir aos contratos de seguro de vida. A razão de ser desta questão reside no facto de o legislador belga só ter feito uso da disposição derrogatória consagrada nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113 para esse tipo de contrato de seguro.

84.      A segunda questão foi submetida para o caso de se responder negativamente à primeira, tal como proponho se responda, com fundamento na violação, pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113, da proibição de discriminação em razão do sexo. Assim, importa apreciar a segunda questão.

85.      Contudo, não vislumbro nada que seja específico dos contratos de seguro de vida e que torne necessário aceitar‑se uma configuração dos prémios e prestações de seguro dependente do sexo. Nos seguros de vida, a esperança de vida previsível do segurado constitui um factor de risco central. Já referi, a propósito da primeira questão, que, para efeitos da avaliação do risco, não se pode recorrer, em bloco, a diferenças entre segurados do sexo masculino e do sexo feminino, que apenas são comprováveis por via estatística (63).

86.      Nenhum dos argumentos trazidos ao presente processo permite concluir pela especificidade dos seguros de vida em relação aos demais tipos de seguros, nos quais se procede tradicionalmente a uma avaliação do risco em função do sexo. Por isso, não existe motivo, à luz da informação que o Tribunal de Justiça tem disponível, para se apreciar a segunda questão em termos substantivamente diferentes daqueles em que se apreciou a primeira. Portanto, a segunda questão do tribunal constitucional belga merece resposta positiva.

VI – Conclusão

87.      Atentas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao pedido de decisão prejudicial do tribunal constitucional belga nos seguintes termos:

«1)      O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2004/113/CE é inválido.

2)      Mantêm‑se pelo prazo de três anos, a contar da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no presente processo, os efeitos da disposição ora anulada, o que, contudo, não se aplica às pessoas que, antes da data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no presente processo tenham intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente, nos termos do direito nacional aplicável.»


1 – Língua original: alemão.


2 – Directiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO L 373, p. 37), a seguir «Directiva 2004/113».


3 – Contam‑se também entre as directivas antidiscriminação a Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180, p. 22), a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303, p. 16), e a Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional (JO L 204, p. 23).


4 – A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi proclamada solenemente uma primeira vez, em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1), e depois uma segunda vez, em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo (JO C 303, p. 1, e JO 2010, C 83, p. 389).


5 – Lei de alteração da Lei de 10 de Maio de 2007, que tem por objecto lutar contra a discriminação entre mulheres e homens em razão do sexo em matéria de seguros (Moniteur belge n.° 373 de 31 de Dezembro de 2007, p. 66175).


6 – Este objectivo vem referido no artigo 2.° da Lei de 21 de Dezembro de 2007.


7–       Moniteur belge n.° 159 de 30 de Maio de 2007, p. 29031.


8 – A alteração foi levada a cabo através do artigo 3.° da Lei de 21 de Dezembro de 2007; o momento da entrada em vigor resulta do seu artigo 5.°


9 – Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH», assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950). Segundo jurisprudência constante, a CEDH reveste‑se de um significado particular na determinação do nível de protecção dos direitos fundamentais a assegurar na União Europeia; v., entre muitos outros, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, Colect., p. I‑5305, n.° 29, e jurisprudência aí referida); v., também, artigo 6.°, n.° 2, UE e artigo 6.°, n.° 3, TUE n.r.


10 – Aberto à assinatura em 19 de Dezembro de 1966 e em vigor desde 23 de Março de 1976 (UNTS, vol. 999, p. 171).


11 – Aberto à assinatura em 18 de Dezembro de 1979 e em vigor desde 3 de Setembro de 1981 (UNTS, vol. 1249, p. 13).


12 – Acórdão n.° 103/2009, processo n.° 4486, disponível na página de Internet do Tribunal Constitucional belga: http://www.const‑court.be/de/common/home.html (consultada pela última vez em 1 de Setembro de 2010).


13 – Proposta de directiva do Conselho que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento [COM (2003) 657 final].


14 – Proposta da Comissão (já referida na nota 13, pp. 7 e segs., em especial p. 9 infra).


15 – V. décimo nono considerando da Directiva 2004/113, quarta frase.


16 – Acórdãos de 23 de Abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 23), e de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (designado acórdão «Kadi», C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, n.° 281).


17 – Neste sentido, acórdão Kadi (já referido na nota 16, n.° 285).


18 – Esta disposição corresponde, no essencial, ao artigo 2.° TUE n.r.


19 – Esta disposição corresponde ao artigo 6.°, n.° 3, TUE n.r.


20 – V., também, acórdãos de 19 de Janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, Colect., p. I‑0000, n.° 22), e de 1 de Julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, Colect., p. I‑0000, n.° 91).


21 – Neste sentido, acórdãos de 13 de Março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colect., p. I‑2271, n.° 37); de 11 de Dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, Colect., p. I‑10779, n.os 43 e 44); de 18 de Dezembro de 2007, Laval un Partneri (C‑341/05, Colect., p. I‑11767, n.os 90 e 91); e de 14 de Fevereiro de 2008, Dynamic Medien (C‑244/06, Colect., p. I‑505, n.° 41).


22 – Neste sentido, acórdão de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (dito «reagrupamento familiar», C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 38).


23 – Acórdãos de 8 de Abril de 1976, Defrenne (dito «Defrenne II», 43/75, Colect., p. 193, n.° 12), e de 15 de Junho de 1978, Defrenne (dito «Defrenne III», 149/77, Colect., p. 463, n.os 26 e 27).


24 – Neste sentido, acórdão reagrupamento familiar (já referido na nota 22, em especial n.os 76, 84, 90 e 103).


25 – V., pela sua relevância, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colect., p. 723, n.° 36), e Beets‑Proper (262/84, Colect., p. 773, n.° 38); bem como acórdãos de 24 de Fevereiro de 1994, Roks e o. (C‑343/92, Colect., p. I‑571, n.° 36); de 6 de Abril de 2000, Jørgensen (C‑226/98, Colect., p. I‑2447, n.° 39); de 20 de Março de 2003, Kutz‑Bauer (C‑187/00, Colect., p. I‑2741, n.° 60); e de 23 de Outubro de 2003, Schönheit e Becker (C‑4/02 e C‑5/02, Colect., p. I‑12575, n.° 85).


26 – V., a propósito do princípio da igualdade de tratamento, acórdãos de 14 de Junho de 1990, Weiser (C‑37/89, Colect., p. I‑2395, n.os 13 e 14), e de 11 de Setembro de 2007, Lindorfer/Conselho (C‑227/04 P, Colect., p. I‑6767, n.° 51); no mesmo sentido, a propósito do direito fundamental ao respeito pela vida familiar, acórdão reagrupamento familiar (já referido na nota 22, n.os 76, 90 e 103).


27 – V., a este propósito, as disposições dos Tratados referidas supra (n.° 31 das presentes conclusões).


28 – Em certos casos também pode estar em causa o sexo do beneficiário do contrato de seguro, que não tem de coincidir necessariamente com a pessoa do tomador do seguro. Mas, por simplicidade, passo a referir‑me sempre a «segurado».


29 – Acórdãos de 13 de Dezembro de 1984, Sermide (106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28); de 6 de Dezembro de 2005, ABNA e o. (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, Colect., p. I‑10423, n.° 63); de 16 de Dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (dito «Arcelor», C‑127/07, Colect., p. I‑9895, n.° 23); e de 7 de Julho de 2009, S.P.C.M. e o. (C‑558/07, Colect., p. I‑5783, n.° 74).


30 – Aliás, a Directiva 2004/113 não diz outra coisa ao determinar no seu artigo 2.°, alínea a), a propósito da definição de discriminação directa, que esta existe «sempre que, em função do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável». As demais directivas antidiscriminação contêm definições semelhantes [v., artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2000/43; artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2000/78; e artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2006/54].


31 – Acórdão Arcelor (já referido na nota 29, n.° 26).


32 – Jurisprudência constante; v., a título de exemplo, acórdãos Arcelor (já referido na nota 29, n.° 57); S.P.C.M. e o. (já referido na nota 29, n.° 42); e de 8 de Junho de 2010, Vodafone e o. (C‑58/08, Colect., p. I‑0000, n.° 52).


33 – Acórdão de 9 de Setembro de 2003, Rinke (C‑25/02, Colect., p. I‑8349, n.° 39). No mesmo sentido, ainda que em relação a medidas dos Estados‑Membros no domínio da política social, acórdão de 9 de Fevereiro de 1999, Seymour‑Smith e Perez (C‑167/97, Colect., p. I‑623, n.os 74 e 75); acórdão Kutz‑Bauer (já referido na nota 25, n.os 55 a 57); acórdão de 11 de Setembro de 2003, Steinicke (C‑77/02, Colect., p. I‑9027, n.° 63); e acórdão de 18 de Janeiro de 2007, Confédération générale du travail e o. (C‑385/05, Colect., p. I‑611, n.os 28 e 29). O Tribunal de Justiça decidiu em termos semelhantes em alguns acórdãos recentes relativos à discriminação em razão da idade; v. acórdãos de 22 de Novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, Colect., p. I‑9981, n.os 63 a 65); de 18 de Junho de 2009, Hütter (C‑88/08, Colect., p. I‑5325, n.os 45 a 50); e Kücükdeveci (já referido na nota 20, n.os 38 a 42).


34 – Por isso, a Directiva 2000/43, através da qual o Conselho criou um quadro jurídico de direito da União para o combate à discriminação em razão da raça ou origem étnica, não prevê, e bem, qualquer excepção para efeitos de consideração de factores actuariais.


35 – Artigo 2.° TUE, na redacção do Tratado de Lisboa; o artigo 6.°, n.° 1, UE já antes dispunha no mesmo sentido.


36 – Abstraio‑me aqui do caso excepcional e raro da transexualidade.


37 – A idade também constitui uma característica inseparável da pessoa, mas cada pessoa atravessa, ao longo da sua vida, várias faixas etárias. Portanto, se os prémios e prestações de seguros forem calculados em função da idade, isto, em si mesmo, ainda não é susceptível de conduzir a uma discriminação do segurado, enquanto pessoa. Toda e qualquer pessoa pode, ao longo da sua vida, beneficiar dos produtos de seguro que sejam mais ou menos vantajosos, consoante a respectiva idade.


38 – Seja como for, o princípio da causalidade justifica que também se faça recair sobre os homens o ónus do financiamento dos custos relacionados com a gravidez e a maternidade: só as mulheres podem engravidar, mas em toda e qualquer gravidez também intervém um homem.


39 – Em concreto, as mulheres sujeitam‑se supostamente com maior frequência a rastreios e consomem mais medicamentos.


40 – Acórdãos de 22 de Dezembro de 1993, Neath (C‑152/91, Colect., p. I‑6935, n.° 24), e de 28 de Setembro de 1994, Coloroll Pension Trustees (C‑200/91, Colect., p. I‑4389, n.° 73).


41 – Acórdãos Neath (n.os 26 a 34) e Coloroll Pension Trustees (n.os 75 a 85), (ambos já referidos na nota 40).


42 – Acórdãos Neath (n.° 31, segunda frase) e Coloroll Pension Trustees (n.° 80, segunda frase), (ambos já referidos na nota 40).


43 – V., por exemplo, acórdão de 13 de Julho de 1989, Rinner‑Kühn (171/88, Colect., p. 2743, n.os 11 e 12); acórdão Steinicke (já referido na nota 33, n.os 56 e 57); e acórdãos de 13 de Janeiro de 2004, Allonby (C‑256/01, Colect., p. I‑873, n.os 75 e 81); e de 12 de Outubro de 2004, Wippel (C‑313/02, Colect., p. I‑9483, n.° 43).


44 – V. artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, TUE n.r., artigo 8.° do TFUE e artigo 157.°, n.° 4, do TFUE.


45 – Especialmente tabaco, bebidas alcoólicas, café e chá.


46 – V., em especial, décimo nono considerando da Directiva 2004/113.


47 – Neste sentido, acórdãos Roks (já referido na nota 25, n.° 36); Schönheit e Becker (já referido na nota 25, n.° 85); e Steinicke (já referido na nota 33, n.° 66); bem como, ainda, acórdão de 10 de Março de 2005, Nikoloudi (C‑196/02, Colect., p. I‑1789, n.° 53).


48 – Conclusões apensas do advogado‑geral W. Van Gerven apresentadas em 28 de Abril de 1993 nos processos Ten Oever e o. (C‑109/91, C‑110/91, C‑152/91 e C‑200/91, Colect., p. I‑4879, n.os 34 a 39). No processo Lindorfer/Conselho (já referido na nota 26), chamado à colação por alguns dos intervenientes no processo, os advogados‑gerais F. G. Jacobs (conclusões apresentadas em 27 de Outubro de 2005, n.° 70), e E. Sharpston (conclusões apresentadas em 30 de Novembro de 2006, n.° 46) não analisaram com mais detalhe a questão que ora interessa, tendo‑a deixado em aberto.


49 – Acórdãos da United States Supreme Court de 25 de Abril de 1978, City of Los Angeles v. Manhart [435 U.S. 702 (1978)], e de 6 de Julho de 1983, Arizona Governing Comm. v. Norris [463 U.S. 1073 (1983)].


50 – V., por exemplo, acórdãos de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑376/98, Colect., p. I‑8419, n.° 117), e de 24 de Maio de 2005, França/Parlamento e Conselho (C‑244/03, Colect., p. I‑4021, n.os 15, 19 e 20), bem como acórdão reagrupamento familiar (já referido na nota 22, n.os 27 e 28).


51 – Neste contexto salienta‑se que compete aos Estados‑Membros não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com o direito da União mas também zelar para que não se baseiem numa interpretação de um diploma de direito derivado que entre em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União ou com os outros princípios gerais do direito da União – acórdão Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (já referido na nota 9, n.° 28).


52 – Acórdãos de 8 de Fevereiro de 1996, FMC e o. (C‑212/94, Colect., p. I‑389, n.° 56), e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 40).


53 – Acórdãos de 15 de Outubro de 1980, Providence agricole de la Champagne (4/79, Recueil, p. 2823, n.os 44 e 45); Maïseries de Beauce (109/79, Recueil, p. 2883, n.os 44 e 45); e Roquette Frères (145/79, Recueil, p. 2917, n.os 51 e 52); bem como de 29 de Junho de 1988, Landschoot (300/86, Colect., p. 3443, n.° 24); de 8 de Novembro de 2001, Silos (C‑228/99, Colect., p. I‑8401, n.° 35); e de 22 de Dezembro de 2008, Régie Networks (C‑333/07, Colect., p. I‑10807, n.° 121).


54 – Acórdão de 26 de Abril de 1994, Roquette Frères (C‑228/92, Colect., p. I‑1445, n.° 17), e acórdão FMC e o. (já referido na nota 52, n.° 55); quanto ao efeito retroactivo de acórdãos que concedem provimento a recursos de anulação, cf. acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, Centre d’exportation du livre français (dito «CELF», C‑199/06, Colect., p. I‑469, n.os 61 e 63).


55 – Acórdão de 13 de Maio de 1981, International Chemical Corporation (66/80, Recueil, p. 1191, n.° 13), e despacho de 8 de Novembro de 2007, Fratelli Martini e Cargill (C‑421/06, não publicado na Colectânea, n.° 54).


56 – Acórdãos de 27 de Fevereiro de 1985, Société des produits de maïs (112/83, Recueil, p. 719, n.° 18), e de 15 de Janeiro de 1986, Pinna (41/84, Colect., p. 1, n.° 26).


57 – Acórdãos Pinna (já referido na nota 56, n.os 26 a 28); Silos (já referido na nota 53, n.° 36); e de 10 de Março de 1992, Lomas e o. (C‑38/90 e C‑151/90, Colect., p. I‑1781, n.° 24); bem como, ainda, acórdão Régie Networks (já referido na nota 53, n.° 122).


58 – Acórdão de 30 de Setembro de 2003, Alemanha/Comissão (C‑239/01, Colect., p. I‑10333, n.° 78); este tipo de raciocínio acaba também por subjazer ao acórdão Defrenne II (já referido na nota 23, n.os 69 a 75), ao acórdão de 17 de Maio de 1990, Barber (C‑262/88, Colect., p. I‑1889, em especial n.os 40 a 45), bem como ao acórdão Régie Networks (já referido na nota 53, n.° 123, primeira frase).


59 – O dia 21 de Dezembro de 2007, referido no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 2004/113, coincide exactamente com o termo do prazo de três anos após a entrada em vigor da Directiva 2004/113, em 21 de Dezembro de 2004 (que corresponde ao dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia; v. artigo 18.° da directiva).


60 – É dentro desta lógica que o Tribunal de Justiça, no acórdão Barber (já referido na nota 58, n.° 44), só exclui totalmente dos efeitos do acórdão as «[…] situações jurídicas que esgotaram os seus efeitos no passado […]». É neste mesmo sentido que se encontra configurado o chamado «protocolo Barber» (actualmente protocolo n.° 33 relativo ao artigo 157.° do TFUE, JO 2010, C 83, p. 319), que só exclui prestações «[…] se e na medida em que puderem corresponder a períodos de trabalho anteriores a 17 de Maio de 1990 […]», ou seja, antes da data da prolação do acórdão Barber.


61 – Acórdãos de 5 de Dezembro de 1973, SOPAD (143/73, Colect., p. 543, n.° 8), de 29 de Janeiro de 2002, Pokrzeptowicz‑Meyer (C‑162/00, Colect., p. I‑1049, n.° 50), e de 6 de Julho de 2010, Monsanto Technology (C‑428/08, Colect., p. I‑0000, n.° 66).


62 – Acórdãos Pinna (já referido na nota 56, n.° 30) e Régie Networks (já referido na nota 53, n.° 127); neste mesmo sentido, acórdãos Defrenne II (já referido na nota 23, n.° 75); e Barber (já referido na nota 58, n.° 44).


63 – V., a este propósito, em especial, n.os 61 a 68 das presentes conclusões.