Language of document : ECLI:EU:C:2018:161

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

7 de março de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Anulação do registo para efeitos de IVA — Obrigação de pagamento do IVA cobrado no período em que o número de identificação IVA está anulado — Não reconhecimento do direito à dedução do IVA relativo às aquisições efetuadas durante esse período»

No processo C‑159/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Constanţa (Tribunal de Recurso de Constanţa, Roménia), por decisão de 10 de março de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de março de 2017, no processo

Întreprinderea Individuală Dobre M. Marius

contra

Ministerul Finanţelor Publice — A.N.A.F. — D.G.R.F.P. Galaţi — Serviciul Soluţionare Contestaţii,

A.N.A.F D.G.R.F.P. Galaţi — A.J.F.P. Constanţa —Serviciul Inspecţie Fiscală Persoane Fizice 2 Constanţa

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: E. Levits (relator), presidente, A. Borg Barthet e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo romeno, por R.‑H. Radu, C.‑M. Florescu e E. Gane, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e G.‑D. Balan, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 167.o a 169.o e 179.o, do artigo 213.o, n.o 1, do artigo 214.o n.o 1, alínea a), e do artigo 273.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada, no que respeita às regras em matéria de faturação, pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva 2006/112»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Întreprinderea Individuală Dobre M. Marius (empresa unipessoal Dobre M. Marius, a seguir «Dobre») ao Ministerul Finanțelor Publice — Agenția Națională de Administrare Fiscală — Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Galați — Serviciul Soluționare Contestații (Ministério das Finanças Públicas — Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral das Finanças Públicas de Galați — Serviço de Reclamações) e à Agenția Națională de Administrare Fiscală — Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Galați — Administrația Județeană a Finanțelor Publice Constanța — Serviciul Inspecție Fiscală Persoane Fizice 2 Constanța (Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral das Finanças Públicas de Galați — Administração Distrital das Finanças Públicas de Constanța — Serviço n.o 2 de Inspeção Fiscal das Pessoas Singulares de Constanța) (a seguir, conjuntamente, «Administração Fiscal»), a propósito do direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo às aquisições efetuadas pela Dobre durante o período em que o seu registo para efeitos de IVA esteve anulado.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2006/112

3        O artigo 167.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

4        O artigo 168.o desta diretiva, que figura no título X da mesma, sob a epígrafe «Deduções», tem a seguinte redação:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

5        Em conformidade com o artigo 178.o, alínea a), da referida diretiva, para poder exercer o direito à dedução, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

«[…] possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI;»

6        Nos termos do artigo 179.o, primeiro parágrafo, da mesma diretiva:

«O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.o»

7        O artigo 213.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, dispõe:

«Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua atividade na qualidade de sujeitos passivos.

[…]»

8        O artigo 214.o desta diretiva precisa:

«1.      Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas:

a)      Os sujeitos passivos, com exceção dos referidos no n.o 2 do artigo 9.o, que efetuem, no respetivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário em conformidade com os artigos 194.o a 197.o e 199.o;

[…]»

9        Nos termos do artigo 250.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de IVA da qual constem todos os dados necessários para o apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efetuar, incluindo, na medida em que tal seja necessário para o apuramento do valor tributável, o montante global das operações relativas a esse imposto e a essas deduções, bem como o montante das operações isentas.»

10      O artigo 252.o da mesma diretiva precisa:

«1.      A declaração de IVA deve ser entregue num prazo a fixar pelos Estados‑Membros. Esse prazo não pode exceder em mais de dois meses o termo de cada período de tributação.

2.      O período de tributação é fixado pelos Estados‑Membros em um, dois ou três meses.

Os Estados‑Membros podem, todavia, fixar períodos diferentes, desde que não excedam um ano.»

11      O artigo 273.o da Diretiva 2006/112 tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

[…]»

 Direito romeno

12      Nos termos do artigo 11.o, n.o 13, da Legea nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003 que aprova o Código Tributário) (Monitorul Oficial al României n.o 927, de 23 de dezembro de 2003):

«Os contribuintes, sujeitos passivos estabelecidos na Roménia, cujo registo para efeitos de IVA tenha sido anulado nos termos do artigo 153.o, n.o 9, alíneas b) a e) e h), não gozam, durante tal período, do direito à dedução do IVA relativo às aquisições efetuadas, mas estão submetidos à obrigação de pagar o IVA cobrado, em conformidade com as disposições do título VI, relativo às operações tributáveis efetuadas durante tal período. Relativamente às aquisições de bens e/ou serviços efetuadas durante o período em que o interessado não dispôs de número de identificação IVA válido, destinadas às operações a efetuar depois da data de registo para efeitos de IVA e que conferem direito à dedução nos termos do título VI, procede‑se ao ajustamento a favor do sujeito passivo, por inscrição na primeira declaração de imposto prevista no artigo 1562 apresentada pelo sujeito passivo após o registo para efeitos de IVA ou, consoante o caso, numa declaração posterior, do imposto relativo:

a)      Aos bens armazenados e aos serviços não utilizados no momento do registo, apurados com base num inventário;

b)      Aos ativos corpóreos, incluindo os bens de capital relativamente aos quais ainda não expirou o período de ajustamento da dedução, e aos bens corpóreos em execução, apurados com base num inventário, de que o interessado seja titular no momento do registo. No caso de ativos corpóreos que não sejam bens de capital, é ajustado o imposto relativo aos valores ainda não amortizados no momento do registo. O disposto no artigo 149.o é aplicável aos bens de capital;

c)      Às aquisições de bens e serviços a obter, ou seja, para os quais o imposto se tenha tornado exigível nos termos do artigo 1342, n.o 2, alíneas a) e b), antes da data do registo e cujo facto gerador do imposto, respetivamente a entrega ou a prestação, ocorra depois dessa data.

13      O artigo 153.o, n.o 9, alínea d), desta lei precisa:

«[a]s autoridades fiscais competentes anulam o registo para efeitos de IVA de uma pessoa nos termos do presente artigo:

[…]

d)      Se, no decurso do semestre civil, essa pessoa não apresentou nenhuma declaração de IVA prevista no artigo 1562, mas não se encontra na situação das alíneas a) ou b), a contar do primeiro dia do segundo mês seguinte do semestre de calendário em curso. Estas disposições só se aplicam às pessoas cujo exercício fiscal corresponda ao mês ou ao trimestre. A partir da declaração relativa ao mês de julho de 2012, no caso de pessoas cujo exercício fiscal corresponda ao mês de calendário, ou da declaração relativa ao terceiro trimestre de 2012, no caso de sujeitos passivos cujo exercício fiscal corresponda ao trimestre de calendário, as autoridades fiscais competentes anulam o registo para efeitos de IVA da pessoa se esta não apresentou nenhuma declaração de imposto prevista no artigo 1562 durante seis meses consecutivos, no caso de pessoas cujo exercício fiscal corresponda ao mês de calendário, e durante dois trimestres de calendário consecutivos, no caso de sujeitos passivos cujo exercício fiscal corresponda ao trimestre de calendário, mas não se encontram na situação das alíneas a) ou b), a contar do primeiro dia do mês seguinte àquele em que expirou o prazo de apresentação da sexta declaração, no primeiro caso, e a contar do primeiro dia do mês seguinte àquele em que expirou o prazo de apresentação da segunda declaração, no segundo caso».

14      O artigo 153.o, n.o 91, da referida lei dispõe:

«O procedimento de anulação do registo para efeitos de IVA está previsto nas normas processuais em vigor. Após a anulação do registo para efeitos de IVA decretada em conformidade o n.o 9, alíneas a) a e) e h), as autoridades fiscais competentes registam os sujeitos passivos para efeitos de IVA, aplicando o disposto no n.o 71 nos termos seguintes:

[…]

c)      A pedido do sujeito passivo, na situação prevista no n.o 9, alínea d), a contar da data da notificação da decisão de registo para efeitos de IVA, com base nas informações ou documentos seguintes fornecidos pelo sujeito passivo:

1.      apresentação das declarações de IVA não submetidas dentro dos prazos;

2.      apresentação de um pedido fundamentado com indicação de que o sujeito passivo se compromete a submeter as declarações de IVA dentro dos prazos legalmente previstos;

[…]»

15      Segundo o artigo 1563, n.o 10, da mesma lei:

«Os sujeitos passivos cujo registo para efeitos de IVA tenha sido anulado nos termos do artigo 153.o, n.o 9, alíneas a) a e), devem apresentar uma declaração relativa ao imposto cobrado devido, em conformidade com o artigo 11.o, n.os 11 e 13, até ao dia 25 do mês seguinte àquele em que o imposto se tornou exigível para as entregas de bens ou as prestações de serviços efetuadas ou as aquisições de bens ou de serviços relativamente às quais sejam devedores do imposto, efetuadas durante o período em que o sujeito passivo não dispôs de número de identificação IVA válido […]

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

16      A Dobre estava registada para efeitos de IVA na Roménia no período compreendido entre 13 de julho de 2011 e 31 de julho de 2012.

17      A Dobre não apresentou à Administração Fiscal as declarações de IVA relativas ao quarto trimestre de 2011 e ao primeiro trimestre de 2012, o que levou à anulação do seu registo para efeitos de IVA a partir de 1 de agosto de 2012.

18      De 1 de agosto de 2012 a 31 de julho de 2013, a Dobre continuou a emitir faturas contendo o IVA, sem proceder às respetivas declarações de IVA.

19      Em 30 de janeiro de 2014, a Dobre apresentou as declarações de IVA relativas ao quarto trimestre de 2011 e ao primeiro e segundo trimestres de 2012.

20      Na sequência de uma inspeção fiscal realizada entre 1 de julho e 4 de agosto de 2015, a Administração Fiscal emitiu um aviso de liquidação que impunha à Dobre o pagamento, nomeadamente, do montante de 183 301 leus romenos (RON) (cerca de 39 982 euros) correspondente ao IVA que esta cobrou no período em que não esteve registada para efeitos de IVA (a seguir «aviso de liquidação»).

21      A Dobre pediu a dedução de 123 266 RON (cerca de 26 887 euros) do montante reclamado a título do IVA pago pelos bens e serviços a que recorreu para prestar a pessoas coletivas serviços que correspondiam ao seu objeto social no período em que não esteve registada para efeitos de IVA, a que foi recusada pela Administração Fiscal.

22      A Dobre interpôs um recurso administrativo do aviso de liquidação e do indeferimento do seu pedido de dedução, ao qual foi negado provimento.

23      A Dobre interpôs um recurso no Tribunalul Constanța (Tribunal de Grande Instância de Constanța, Roménia), nomeadamente, contra o aviso de liquidação, ao qual foi igualmente negado provimento.

24      A Dobre interpôs recurso da decisão do Tribunalul Constanța (Tribunal de Grande Instância de Constanța) no órgão jurisdicional de reenvio, a Curtea de Apel Constanţa (Tribunal de Recurso de Constanţa, Roménia).

25      Este salienta que a recusa, decretada a um sujeito passivo, de dedução do IVA pago a montante para realização das suas atividades e, paralelamente, a obrigação que lhe é imposta de pagar o IVA cobrado em relação aos serviços que prestou, apesar de já não estar registado para efeitos de IVA visa, em conformidade com o artigo 273.o da Diretiva 2006/112, combater a evasão fiscal. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da conformidade dessa regra com o princípio fundamental do direito à dedução.

26      Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Constanţa (Tribunal de Recurso de Constanţa, Roménia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 167.o, 168.o, 169.o, 179.o, 213.o, n.o 1, 214.o, n.o 1, alínea a), e 273.o da Diretiva [2006/112] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as do processo principal, impõe ao contribuinte, sujeito passivo cujo registo para efeitos de IVA foi anulado, que entregue ao Estado o IVA cobrado durante o período em que o código de identificação de IVA estava anulado, sem lhe reconhecer o direito à dedução do IVA relativo às aquisições efetuadas durante o mesmo período?»

 Quanto à questão prejudicial

27      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite à Administração Fiscal recusar a um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA quando o seu registo para efeitos de IVA foi anulado por este não ter apresentado declarações de IVA no prazo legal durante determinado período.

28      A título preliminar, há que recordar que o direito dos sujeitos passivos de deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União Europeia (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 35 e jurisprudência referida).

29      Como o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente, o direito à dedução previsto nos artigos 167.o e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 36 e jurisprudência referida).

30      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 37 e jurisprudência referida).

31      Assim, segundo jurisprudência constante, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se as exigências materiais forem observadas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 45).

32      Em particular, o registo para efeitos de IVA, previsto no artigo 214.o da Diretiva 2006/112, assim como a obrigação do sujeito passivo de declarar o início, a alteração e a cessação da atividade, prevista no artigo 213.o da mesma diretiva, são meras exigências formais para efeitos de controlo, que não podem pôr em causa o direito a dedução do IVA, se os requisitos materiais de constituição desse direito estiverem preenchidos (Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 60).

33      Por conseguinte, um sujeito passivo do IVA não pode ser impedido de exercer o seu direito à dedução porque não está registado como sujeito passivo para efeitos de IVA antes de utilizar os bens adquiridos no âmbito da sua atividade tributada (Acórdão de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.o 51).

34      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que sancionar o não cumprimento das obrigações contabilísticas e declarativas do sujeito passivo com a negação do direito à dedução vai claramente além do que é necessário para atingir o objetivo de assegurar a correta aplicação destas obrigações, tanto mais que o direito da União não impede os Estados‑Membros de aplicarem, sendo caso disso, multas ou sanções pecuniárias proporcionadas à gravidade da infração (Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 63).

35      Poderia assim não suceder se a violação dessas exigências formais tivesse por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas (Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 46 e jurisprudência referida). Com efeito, a recusa do direito à dedução é mais dependente da falta dos dados necessários para apurar se essas exigências materiais estavam cumpridas do que do não cumprimento de uma exigência formal (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Idexx Laboratories Italia, C‑590/13, EU:C:2014:2429, n.os 44 e 45).

36      Do mesmo modo, o direito à dedução pode ser recusado quando se provar, com base em elementos objetivos, que esse direito é invocado de maneira fraudulenta ou abusiva (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 43).

37      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio, por um lado, que a anulação do registo para efeitos de IVA da Dobre ocorreu, nos termos do artigo 153.o, n.o 9, alínea d), da Lei n.o 571/2003, pelo facto de o sujeito passivo não ter apresentado, no prazo legalmente previsto, as suas declarações de IVA relativas ao quarto trimestre de 2011 e ao primeiro e segundo trimestres de 2012. Por outro lado, o referido sujeito passivo não forneceu tais declarações, de agosto de 2012 a julho de 2013, apesar de ter continuado a emitir faturas contendo o IVA, de tal maneira que as autoridades fiscais não lhe reconheceram o direito à dedução do IVA em relação a esse período.

38      Em face das considerações recordadas no n.o 35 do presente acórdão, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a Administração Fiscal dispunha dos dados necessários para provar que as exigências materiais constitutivas do direito à dedução do IVA pago a montante pela Dobre estavam cumpridas, apesar do incumprimento ao nível dos requisitos formais que lhe é imputado.

39      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112, para poder beneficiar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo» na aceção desta diretiva e, por outro, que os bens ou serviços invocados para basear esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.o 28, e de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 39).

40      Em todo o caso, o Tribunal de Justiça declarou que, mesmo que o incumprimento dessas obrigações formais não impeça que se faça prova certa de que as exigências materiais constitutivas do direito a dedução do IVA pago a montante foram cumpridas, tais circunstâncias podem demonstrar a existência do mais simples caso de fraude fiscal, em que o sujeito passivo não cumpre dolosamente as obrigações formais que lhe incumbem com o objetivo de escapar ao pagamento do imposto (Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 55).

41      Em especial, a falta de entrega da declaração de IVA que permitiria a aplicação do IVA e a sua fiscalização pela Administração Fiscal é suscetível de impedir a exata cobrança do imposto e, por conseguinte, de comprometer o bom funcionamento do sistema comum do IVA. Consequentemente, o direito da União não impede de considerar tal incumprimento como uma fraude fiscal e de, nesse caso, recusar o direito à dedução (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 56).

42      Tendo em conta estas considerações, há que interpretar os artigos 167.o a 169.o e 179.o, o artigo 213.o, n.o 1, o artigo 214.o, n.o 1, e o artigo 273.o da Diretiva 2006/112 no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite à Administração Fiscal recusar a um sujeito passivo o direito à dedução do IVA quando estiver demonstrado que, devido ao incumprimento a este imputado, a Administração Fiscal não pôde dispor dos dados necessários para provar que as exigências materiais constitutivas do direito à dedução do IVA pago a montante pelo referido sujeito passivo estão cumpridas ou que este atuou de maneira fraudulenta para poder beneficiar desse direito, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

Os artigos 167.o a 169.o e 179.o, o artigo 213.o, n.o 1, o artigo 214.o, n.o 1, e o artigo 273.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite à Administração Fiscal recusar a um sujeito passivo o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado quando estiver demonstrado que, devido ao incumprimento a este imputado, a Administração Fiscal não pôde dispor dos dados necessários para provar que as exigências materiais constitutivas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante pelo referido sujeito passivo estão cumpridas ou que este atuou de maneira fraudulenta para poder beneficiar desse direito, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.