Language of document : ECLI:EU:C:2016:880

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de novembro de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 97/67/CE — Artigo 9.o — Serviços postais na União Europeia — Obrigação de contribuir para os custos de funcionamento da autoridade reguladora do setor postal — Alcance»

No processo C‑2/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo, Áustria), por decisão de 17 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de janeiro de 2015, no processo

DHL Express (Austria) GmbH

contra

PostControlKommission,

Bundesminister für Verkehr, Innovation und Technologie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça (relator), presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet, E. Levits e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da DHL Express (Austria) GmbH, por P. Csoklich, Rechtsanwalt,

–        em representação da Post‑Control‑Kommission, por E. Solé,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo belga, por J. Van Holm e S. Vanrie, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo norueguês, por I. Thue e J. T. Kaasin, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de março de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 52, p. 3) (a seguir «Diretiva 97/67»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DHL Express (Austria) GmbH (a seguir «DHL») à Post‑Control‑Kommission (Comissão de Supervisão dos Serviços Postais, Áustria) a propósito de uma decisão desta última que impõe à DHL a contribuição financeira para os custos de funcionamento da Rundfunk und Telekom Regulierungs‑GmbH (autoridade reguladora do setor postal) (a seguir «RTR»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 27 e 28 da Diretiva 2008/6 enunciam:

«(27)      Nos casos em que esteja previsto um fundo de compensação, os prestadores dos serviços postais poderão ter de contribuir para o financiamento do serviço universal. A fim de determinar as empresas às quais se pode exigir que contribuam para um fundo de compensação, os Estados‑Membros deverão considerar se os serviços prestados por essas empresas podem, do ponto de vista do utilizador, ser considerados serviços abrangidos pelo âmbito do serviço universal por demonstrarem permutabilidade em grau suficiente com o serviço universal, tendo em conta as características dos serviços, designadamente o valor acrescentado, bem como a utilização a que se destinam e as tarifas aplicáveis. Estes serviços não têm de cobrir necessariamente todas as características do serviço universal, como, por exemplo, a entrega diária da correspondência ou a cobertura de todo o território nacional.

(28)      A fim de respeitar o princípio da proporcionalidade ao determinar a contribuição solicitada a essas empresas para os custos da prestação do serviço universal num Estado‑Membro, os Estados‑Membros deverão basear‑se em critérios transparentes e não discriminatórios, como, por exemplo, a participação dessas empresas nas atividades abrangidas pelo âmbito do serviço universal nesse Estado‑Membro. Os Estados‑Membros podem requerer aos prestadores sujeitos à contribuição para um fundo de compensação que efetuem uma separação contabilística adequada para assegurar o funcionamento do fundo.»

4        O considerando 47 desta diretiva tem a seguinte redação:

«As autoridades reguladoras nacionais continuarão muito provavelmente a ter um papel essencial, em particular nos Estados‑Membros onde o processo de transição para a concorrência não está ainda concluído. De acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacionais, os Estados‑Membros deverão garantir a independência das autoridades reguladoras nacionais, assegurando assim a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados‑Membros, nem o princípio, estabelecido no artigo 295.o do Tratado, da neutralidade no que respeita à legislação aplicada nos Estados‑Membros ao regime da propriedade. As autoridades reguladoras nacionais deverão dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, de competências e de meios financeiros para o desempenho das suas funções.»

5        Nos termos do artigo 2.o, ponto14, da Diretiva 97/67:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

14)      ‘Autorizações’, permissões em que se definem os direitos e as obrigações específicos do setor postal e se permite às empresas a prestação de serviços postais e, eventualmente, o estabelecimento e/ou exploração das suas redes para a prestação desses serviços, sob a forma de ‘autorização geral’ ou ‘licença individual’, a seguir definidas:

–        ‘autorização geral’, uma autorização que, independentemente de ser regida por uma ‘licença por categoria’ ou pela legislação geral e de essas normas exigirem ou não procedimentos de registo ou declaração, não impõe ao prestador de serviços postais em causa a obtenção de uma decisão expressa da autoridade reguladora nacional antes de exercer os direitos decorrentes dessa autorização,

–        ‘licença individual’, uma autorização concedida por uma autoridade reguladora nacional que confere direitos específicos a um prestador de serviços postais, ou que submete as atividades desse prestador a obrigações específicas, complementando eventualmente a autorização geral, caso o prestador de serviços postais não esteja autorizado a exercer os direitos em causa antes de lhe ter sido comunicada a decisão da autoridade reguladora nacional».

6        Por força do artigo 2.o, ponto 19, desta diretiva, os «[r]equisitos essenciais» são considerados as «razões de interesse geral e de natureza não económica que podem levar um Estado‑Membro a impor condições à prestação de serviços postais. Essas razões são a confidencialidade da correspondência, a segurança da rede em matéria de transporte de substâncias perigosas, o respeito pelos termos e condições de emprego e pelos regimes de segurança social estabelecidos por lei, por regulamentação ou por disposições administrativas e/ou por acordo coletivo celebrado entre os parceiros sociais nacionais, nos termos da legislação comunitária e nacional e, sempre que se justificar, a proteção dos dados, a proteção do ambiente e o ordenamento do território. A proteção dos dados pode incluir a proteção dos dados pessoais, a confidencialidade das informações transmitidas ou armazenadas e a proteção da vida privada».

7        O artigo 7.o da referida diretiva prevê, nos seus n.os 3 e 4:

«3.      Caso um Estado‑Membro determine que as obrigações do serviço universal previstas na presente diretiva implicam um custo líquido, calculado de acordo com o anexo I, e representam um encargo financeiro não razoável para o prestador ou os prestadores do serviço universal, pode estabelecer:

a)      Um mecanismo para compensar a empresa ou empresas em causa através de fundos públicos; ou

b)      Um mecanismo para partilhar o custo líquido das obrigações do serviço universal entre os prestadores de serviços e/ou os utilizadores.

4.      Quando o custo líquido é partilhado nos termos da alínea b) do n.o 3, os Estados‑Membros podem criar um fundo de compensação que pode ser financiado por taxas aplicáveis aos prestadores de serviço e/ou aos utilizadores e que é gerido para esse efeito por um organismo independente do beneficiário ou beneficiários. Os Estados‑Membros podem subordinar a concessão de autorizações aos prestadores de serviços, nos termos do n.o 2 do artigo 9.o, à obrigação de uma contribuição financeira para esse fundo ou ao cumprimento das obrigações do serviço universal. As obrigações de serviço universal do prestador ou prestadores de serviço universal estabelecidas no artigo 3.o podem beneficiar desta forma de financiamento.»

8        O artigo 9.o desta mesma diretiva dispõe:

«1. Para os serviços não abrangidos pelo conceito de serviço universal, os Estados‑Membros podem estabelecer autorizações gerais na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais.

2. Para os serviços abrangidos pelo conceito de serviço universal, os Estados‑Membros podem estabelecer procedimentos de autorização, incluindo licenças individuais, na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais e assegurar a prestação do serviço universal.

A concessão de autorizações pode:

–        ser subordinada às obrigações do serviço universal,

–        se necessário, impor requisitos relativamente à qualidade, disponibilidade e desempenho dos serviços relevantes,

–        quando apropriado, ser subordinada à obrigação de contribuir financeiramente para os mecanismos de partilha de custos referidos no artigo 7.o, se a prestação do serviço universal implicar um custo líquido e representar um encargo não razoável para o prestador ou prestadores de serviço universal designados nos termos do artigo 4.o,

–        quando apropriado, ser subordinada à obrigação de contribuir financeiramente para os custos de funcionamento da autoridade reguladora nacional a que se refere o artigo 22.o,

–        quando apropriado, ser subordinada ao cumprimento de condições de trabalho fixadas pela legislação nacional ou impor esse cumprimento.

As obrigações e os requisitos referidos no primeiro travessão e no artigo 3.o só podem ser impostos aos prestadores do serviço universal designados.

À exceção das empresas que tenham sido designadas prestadores do serviço universal em conformidade com o artigo 4.o, as autorizações não podem:

–        ser limitadas em número,

–        em relação aos mesmos elementos do serviço universal ou partes do território nacional, impor a obrigação de serviço universal e, simultaneamente, a contribuição financeira para um mecanismo de partilha de custos,

–        duplicar as condições aplicáveis às empresas por força de outra legislação nacional não específica do setor,

–        impor condições técnicas ou operacionais para além das necessárias ao cumprimento das obrigações da presente diretiva.

3. Os procedimentos, as obrigações e os requisitos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser transparentes, acessíveis, não discriminatórios, proporcionados, exatos e inequívocos, publicados com a devida antecedência e baseados em critérios objetivos. Os Estados‑Membros devem assegurar que os motivos do indeferimento ou da revogação total ou parcial de uma autorização sejam comunicados ao requerente, e instituir um processo de recurso.»

9        Nos termos do artigo 22.o da Diretiva 97/67:

«1. Cada Estado‑Membro designa uma ou mais autoridades reguladoras nacionais para o setor postal, juridicamente distintas e funcionalmente independentes dos operadores postais. Os Estados‑Membros que mantenham a propriedade ou o controlo de prestadores de serviços postais devem assegurar uma separação estrutural efetiva entre as funções de regulação e as atividades ligadas à propriedade ou ao controlo.

Os Estados‑Membros devem notificar a Comissão das autoridades reguladoras nacionais que designarem para desempenhar as funções decorrentes da presente diretiva. Devem tornar públicas, de modo facilmente acessível, as funções que incumbem às autoridades reguladoras nacionais, designadamente quando tais funções forem confiadas a vários organismos. Os Estados‑Membros asseguram, sempre que adequado, as consultas e a cooperação entre essas autoridades e as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação relativa à concorrência e à proteção dos consumidores em questões de interesse comum.

2. As autoridades reguladoras nacionais têm como atribuição específica assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da presente diretiva, em especial estabelecendo procedimentos de acompanhamento e de regulação para garantir a prestação do serviço universal. Podem igualmente ter como atribuição assegurar o cumprimento das regras de concorrência no setor postal.

As autoridades reguladoras nacionais dos Estados‑Membros trabalham em estreita colaboração e prestam assistência mútua, a fim de facilitar a aplicação da presente diretiva nas instâncias adequadas existentes.

3. Os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes, a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou prestador de serviços postais que tenha sido prejudicado pela decisão de uma autoridade reguladora nacional tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um organismo de recurso independente das partes envolvidas. Enquanto se aguarda a conclusão do recurso, prevalece a decisão da autoridade reguladora nacional, salvo decisão em contrário do organismo de recurso.»

 Direito austríaco

10      O § 34 da Bundesgesetz über die Einrichtung einer Kommunikationsbehörde Austria («KommAustria») [Lei federal sobre a criação de uma autoridade reguladora das comunicações na Áustria («KommAustria»), a seguir «KOG»], relativa ao financiamento da Autoridade Reguladora austríaca prevê:

«(1) O financiamento dos custos suportados pela [RTR] no cumprimento das atribuições previstas no § 17, n.os 2, 4, e 7 relativas ao ‘setor telecomunicações’ é assegurado, por um lado, pelas contribuições financeiras e, por outro, por recursos orçamentais federais. A subvenção a cargo do orçamento federal, no montante anual de 2 milhões de euros, é paga à [RTR] em duas prestações iguais, respetivamente em 30 de janeiro e em 30 de junho. Antes de 30 de abril do ano seguinte, a [RTR] apresenta ao Ministro Federal dos Transportes, da Inovação e das Tecnologias um relatório sobre a utilização desses recursos, bem como quanto ao encerramento das contas. O montante total dos outros custos suportados pela [RTR] que as contribuições financeiras têm de financiar não excederá 6 milhões de euros por ano. Os montantes em questão diminuem ou aumentam a partir de 2007 em função da alteração do índice de preços ao consumidor de 2005 publicado pelo Serviço federal austríaco da estatística ou do índice do ano anterior que o substitui.

(2) As contribuições financeiras provêm do ‘setor telecomunicações’. O ‘setor telecomunicações’ inclui os prestadores que, nos termos do § 15 da [Telekommunikationsgesetz 2003 (Lei federal sobre Telecomunicações 2003)], estão obrigados à declaração, desde que não se trate de fornecimento de redes e de serviços de comunicações destinados à radiodifusão e a serviços complementares de radiodifusão (devedores da contribuição).

(3) As contribuições financeiras são determinadas e cobradas com base na relação entre o volume de negócios de cada devedor e o volume de negócios total específico do setor, sendo o cálculo baseado no volume de negócios total realizado no país pela prestação de serviços de telecomunicações.

[…]

(13) No caso de uma empresa não cumprir, ou não respeitar corretamente a sua obrigação de contribuição financeira, a Telekom‑Control‑Kommission fixa, por decisão, o pagamento da contribuição financeira. Do mesmo modo, as cobranças excessivas e os avisos para pagamento na aceção do n.o 12 são verificados mediante pedido por decisão.»

11      Nos termos do § 34a da KOG:

«(1) O financiamento dos custos suportados pela [RTR] no cumprimento das atribuições previstas no § 17, n.os 3 e 4, relativas ao ‘setor correio’, é assegurado, por um lado, pelas contribuições financeiras e, por outro, por recursos orçamentais federais. A subvenção do orçamento federal, no montante anual de 200 000 euros, é paga à [RTR] em duas prestações iguais, respetivamente em 30 de janeiro e em 30 de junho. Antes de 30 de abril do ano seguinte, a [RTR] apresenta ao Ministro Federal dos Transportes, da Inovação e das Tecnologias um relatório sobre a utilização desses recursos, bem como sobre o encerramento das contas. O montante total dos outros custos da [RTR] proveniente das contribuições financeiras pode atingir o máximo de 550 000 euros por ano. Os montantes em causa diminuem ou aumentam a partir de 2012 em função das alterações do índice de preços ao consumidor de 2005 publicado pelo Serviço Federal austríaco da estatística ou do índice do ano anterior que o substitui.

(2) As contribuições financeiras provêm do ‘setor correio’. Este setor compreende os prestadores de serviços postais obrigados à declaração nos termos do § 25 da Postmarktgesetz (Lei Federal da Regulação do Mercado Postal) ou que sejam titulares de uma concessão nos termos do § 26 dessa mesma lei.

(3) Aplica‑se por analogia o § 34, n.os 3 a 15, sendo a expressão ‘Telekom‑Control‑Kommission’ substituída pela expressão ‘Post‑Control‑Kommission.’»

 Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      A DHL é uma empresa que opera no setor dos serviços de correio e de correio expresso. A esse título, assegura, nomeadamente, a recolha, a triagem, o transporte e a distribuição de encomendas com um peso máximo de 31,5 kg, bem como de impressos e documentos. Para acompanhar esses serviços, a DHL propõe um determinado número de prestações de valor acrescentado, como o acompanhamento dos envios e a garantia do cumprimento dos prazos de entrega.

13      Por decisão de 23 de abril de 2012, a Comissão de Supervisão dos Serviços Postais reclamou à DHL o pagamento à RTR de contribuições financeiras, relativamente aos períodos de 1 de julho a 30 de setembro de 2011 e de 1 de outubro a 31 de dezembro do mesmo ano.

14      Esta decisão foi tomada com base no § 34, n.os 9 e 13, e no § 34a da KOG que prevê que o financiamento da atividade da RTR é assegurado pelas contribuições financeiras pagas pelos prestadores de serviços postais que operam no mercado nacional, por um lado, e pelos recursos orçamentais federais, por outro.

15      A DHL recorreu desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

16      Em apoio do seu recurso, a DHL sustenta que resulta do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 que apenas as empresas que prestem serviços abrangidos pelo serviço universal podem ser sujeitas à obrigação de contribuir para os custos de funcionamento da RTR. Ao impor essa obrigação tanto às empresas que propõem serviços abrangidos pelo serviço universal como às que prestam serviços não abrangidos por esse serviço, a KOG infringiu esta disposição.

17      Neste contexto, o Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Diretiva 97/67 […], em particular o seu artigo 9.o, opõe‑se a uma legislação nacional nos termos da qual os prestadores de serviços postais, independentemente de serem ou não prestadores do serviço universal, estão obrigados a contribuir financeiramente para os custos de funcionamento da autoridade reguladora nacional?

2)      Se a resposta for afirmativa:

a)      Para a imposição de uma obrigação de financiamento é suficiente que o prestador em causa preste serviços postais que, segundo a legislação nacional são qualificados de prestações do serviço universal[…], mas ultrapassam o conjunto mínimo de serviços impostos por [esta] diretiva?

b) No cálculo da participação de cada empresa nas contribuições financeiras, deve‑se proceder da mesma forma que no cálculo das contribuições financeiras para o fundo de compensação previsto no artigo 7.o, n.o 4, da referida diretiva?

c) A obrigação de respeitar os princípios da não discriminação e da proporcionalidade, na aceção do artigo 7.o, n.o 5, da [mesma] diretiva, e a ‘consideração da permutabilidade com o [serviço universal]’, na aceção do considerando 27 da Diretiva 2008/6[,] exigem então que as quotas do volume de negócios correspondentes aos serviços de valor acrescentado, ou seja, a serviços postais que não são abrangidos pelo conceito de serviço universal[,] mas estão conexos com o mesmo, sejam excluídas do cálculo, não sendo tidas em consideração no apuramento da participação nas contribuições financeiras?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita o conjunto dos prestadores do setor postal, incluindo os que não prestam serviços abrangidos pelo serviço universal, à obrigação de contribuir para o financiamento da autoridade reguladora deste setor.

19      A título liminar, há que referir que, para interpretar uma disposição do direito da União, devem ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente incluir elementos pertinentes para a sua interpretação (v. acórdão de 2 de setembro de 2015, Surmačs, C‑127/14, EU:C:2015:522, n.o 28).

20      A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 97/67, permite aos Estados‑Membros submeter as empresas do setor postal a autorizações gerais para os serviços não abrangidos pelo serviço universal, ao passo que o n.o 2, primeiro parágrafo, desse artigo prevê a faculdade de os Estados‑Membros fixarem procedimentos de autorização para os serviços abrangidos pelo serviço universal.

21      O artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, dessa diretiva enumera as obrigações a que pode ser subordinada a concessão de autorizações, sem ter especificado a que categoria de autorizações — as que apenas dizem respeito aos serviços abrangidos pelo serviço universal ou as relativas a todos os serviços postais — esse parágrafo se refere.

22      A redação do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 97/67, na medida em que o termo «autorizações» que emprega não reenvia expressamente para o regime previsto no n.o 1 deste artigo, nem para o previsto no seu n.o 2, primeiro parágrafo, não permite, enquanto tal, determinar se as obrigações enumeradas nos diferentes travessões do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, dessa diretiva se referem a todos os serviços postais ou apenas aos serviços abrangidos pelo serviço universal.

23      Resulta, em segundo lugar, da análise da estrutura de conjunto do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 97/67 que as obrigações previstas nesta disposição podem ser impostas, de acordo com a obrigação em causa, apenas aos prestadores que prestem o serviço universal ou um serviço considerado como tal ou a todos os prestadores de serviços postais.

24      Com efeito, por um lado, o artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, desta diretiva prevê expressamente que as obrigações e as exigências previstas no referido artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro travessão, só podem ser impostas aos prestadores do serviço universal designados nos termos do artigo 4.o dessa mesma diretiva.

25      Além disso, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, terceiro travessão, da Diretiva 97/67 permite aos Estados‑Membros subordinar a concessão de autorizações à obrigação de contribuir para o fundo de compensação previsto no artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva. Como está redigida, esta disposição não visa, na verdade, expressamente os prestadores do serviço universal. Todavia, resulta do artigo 7.o, n.o 3, da referida diretiva que a faculdade de os Estados‑Membros criarem esse fundo está ligada à faculdade de que dispõem de adotar um mecanismo de repartição do custo líquido das obrigações de serviço universal, quando estas constituírem uma carga desigual para os prestadores. Sobretudo, decorre claramente do considerando 27 da Diretiva 2008/6, relativo à obrigação dos prestadores de serviços postais de contribuírem para o financiamento do serviço universal quando está previsto um fundo de compensação, que, a fim de determinar quais as empresas que podem ser instadas para contribuir para esses fundos, os Estados‑Membros devem examinar se os serviços que elas prestam podem, do ponto de vista do utilizador, ser considerados como serviços abrangidos pelo serviço universal.

26      Por outro lado, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, segundo travessão, da Diretiva 97/67 permite aos Estados‑Membros acompanhar as autorizações com a imposição de requisitos relativamente à qualidade, à disponibilidade e desempenho dos serviços correspondentes. Na falta de precisão quanto aos serviços abrangidos por essa obrigação, há que realçar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, que resulta dos trabalhos preparatórios relativos à Diretiva 2008/6 que o legislador da União entendeu suprimir não só os últimos obstáculos à abertura total do mercado para determinados prestadores do serviço universal, mas também todos os outros obstáculos à prestação dos serviços postais. Na inexistência de indicação contrária e tendo em conta a natureza da obrigação em causa, é evidente que todos os prestadores de serviços postais podem ser sujeitos à obrigação prevista no artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, segundo travessão, da Diretiva 97/67.

27      Do mesmo modo, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quinto travessão, da Diretiva 97/67 permite aos Estados‑Membros subordinar a concessão de autorizações ao cumprimento de condições de trabalho previstas pelo direito nacional. Ora, como alega corretamente o Governo austríaco, uma interpretação restritiva desta disposição — no sentido de que se refere apenas aos prestadores do serviço universal — não pode ser acolhida, uma vez que o artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva subordina a concessão das autorizações gerais — relativamente aos serviços não abrangidos pelo serviço universal — ao cumprimento das exigências essenciais previstas no artigo 2.o, ponto 19, da referida diretiva, as quais incluem o cumprimento das condições de trabalho previstas pelo direito nacional.

28      Assim, resulta da análise da estrutura de conjunto do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 97/67 que o termo «autorizações», usado nessa disposição, designa tanto as autorizações previstas no n.o 2, primeiro parágrafo, deste artigo como as previstas no seu n.o 1.

29      Em terceiro lugar, relativamente à obrigação específica de contribuir para o financiamento da autoridade reguladora do setor postal, prevista no artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, e que é objeto da primeira questão prejudicial, há que salientar que as atividades que incumbem às autoridades nacionais de regulação se referem a todo o setor postal e não apenas as prestações de serviços abrangidos pelo serviço universal.

30      O artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros designam uma ou mais autoridades reguladoras nacionais para o setor postal. O n.o 2 deste artigo dispõe, na verdade, que essas autoridades têm como atribuição assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da referida diretiva, em especial estabelecendo procedimentos de acompanhamento e de regulação para garantir a prestação do serviço universal. Todavia, esta disposição prevê que essas mesmas autoridades podem igualmente ter como atribuição assegurar o cumprimento das regras de concorrência no setor postal.

31      Por conseguinte, como realça o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, na medida em que o papel e as atribuições conferidas às autoridades reguladoras nacionais foram concebidas pelo legislador da União para beneficiarem todos os operadores do serviço postal, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que todos os prestadores dos serviços postais podem, em contrapartida, ser sujeitos à obrigação de contribuir para o financiamento das atividades dessas autoridades.

32      Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita o conjunto dos prestadores do setor postal, incluindo os que não prestam serviços postais abrangidos pelo serviço universal, à obrigação de contribuir para o financiamento da autoridade reguladora deste setor.

 Quanto à segunda questão

33      Tendo em conta a resposta à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

34      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita o conjunto dos prestadores do setor postal, incluindo os que não prestam serviços postais abrangidos pelo serviço universal, à obrigação de contribuir para o financiamento da autoridade reguladora deste setor.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.