Language of document : ECLI:EU:C:2013:514

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de julho de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE — Mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica — Fixação direta e indireta dos preços, repartição do mercado e manipulação dos processos de apresentação de propostas — Imputabilidade do comportamento ilícito à entidade que controla as participações sociais — Conceito de ‘empresa’ — Presunção de exercício efetivo de uma influência determinante — Restrição da concorrência em razão do seu objetivo — Orientações sobre a afetação do comércio entre os Estados‑Membros — Orientações para o cálculo das coimas (2006) — Circunstâncias atenuantes»

No processo C‑440/11 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de agosto de 2011,

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet, S. Noë e F. Ronkes Agerbeek, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Stichting Administratiekantoor Portielje, com sede em Roterdão (Países Baixos), representada por D. Van hove, F. Wijckmans, S. De Keer e H. Burez, advocaten,

Gosselin Group NV,

recorrentes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas (relator), A. Ó Caoimh, C. Toader e C. G. Fernlund, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2012,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de novembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Pelo presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação parcial do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de junho de 2011, Gosselin Group e Stichting Administratiekantoor Portielje/Comissão (T‑208/08 e T‑209/08, Colet., p. II‑3639, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral, no processo T‑209/08, anulou a Decisão C (2008) 926 final da Comissão, de 11 de março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.543 — Serviços de mudanças internacionais) (a seguir «decisão controvertida»), conforme alterada pela Decisão C (2009) 5810 final da Comissão, de 24 de julho de 2009 (a seguir «decisão de alteração»), na parte em que dizia respeito à Stichting Administratiekantoor Portielje (a seguir «Portielje»).

 Quadro jurídico

2        O Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003, L 1, p. 1), dispõe no seu artigo 2.° que «o ónus da prova de uma violação do n.° 1 do artigo 81.° […] [CE] incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação».

3        O artigo 23.°, n.° 2, do mesmo regulamento enuncia nomeadamente que «[a] Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas coimas […]».

4        As Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2004, C 101, p. 81, a seguir «orientações sobre a afetação do comércio») especificam, nomeadamente, no seu ponto 53:

«A Comissão considerará […] que, no caso de um acordo ser suscetível, pela sua própria natureza, de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, por exemplo porque diz respeito a importações e exportações ou porque abrange diversos Estados‑Membros, existe uma presunção positiva elidível de que esses efeitos no comércio são sensíveis quando o volume de negócios das partes em relação aos produtos objeto do acordo […] for superior a 40 milhões de euros. No caso de acordos que pela sua própria natureza são suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros também se pode presumir muitas vezes que esses efeitos são sensíveis quando a quota de mercado das partes exceder o limiar de 5% […]. No entanto, esta presunção não é aplicável quando o acordo abrange apenas parte de um Estado‑Membro […].»

5        As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações para o cálculo das coimas») dispõem, sob a epígrafe «Ajustamentos do montante de base»:

«[…]

B.      Circunstâncias atenuantes

29.      O montante de base da coima pode ser diminuído sempre que a Comissão verifique existirem circunstâncias atenuantes, designadamente quando:

[…]

―        a empresa em causa prova que a sua participação na infração é substancialmente reduzida e demonstra por conseguinte que, durante o período em que aderiu aos acordos que são objeto de infração, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial no mercado. O simples facto de uma empresa ter participado numa infração por um período mais curto que os outros não será considerado como uma circunstância atenuante, dado que esta circunstância já se encontra refletida no montante de base;

[…]

―        o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação. […]

[…]»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

6        Os antecedentes do litígio e a decisão controvertida, tal como decorrem dos n.os 1 a 19 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

7        A Gosselin Group NV (a seguir «Gosselin») foi criada em 1983 e exerce a sua atividade sob esta denominação desde 20 de dezembro de 2007. Desde 1 de janeiro de 2002, 92% das suas ações são detidas pela Portielje, sendo os 8% restantes detidos pela Vivet en Gosselin NV, ela própria detida a 99,87% pela Portielje. Esta última é uma fundação que não exerce atividades comerciais e que «reúne acionistas familiares com vista a assegurar a unidade da gestão». No decurso do exercício encerrado em 30 de junho de 2006, a Gosselin realizou um volume de negócios mundial consolidado de 143 639 000 euros e a Portielje realizou um volume de negócios mundial consolidado nulo.

8        Na decisão controvertida, a Comissão declarou que os seus destinatários, entre os quais figuram a Portielje e a Gosselin, participaram num acordo no setor dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, fixando preços, repartindo clientes entre si e manipulando o processo de apresentação de propostas, e cometeram, por esse motivo, uma infração única e continuada ao artigo 81.° CE, pela qual devem ser considerados responsáveis na totalidade ou parte do período compreendido entre outubro de 1984 e setembro de 2003.

9        Os serviços afetados pela infração compreendem as mudanças, a partir ou com destino à Bélgica, de bens de pessoas singulares e de empresas ou de instituições públicas. Tendo em consideração o facto de as sociedades de mudanças internacionais em causa estarem todas situadas na Bélgica e de o acordo ter decorrido no território belga, o centro geográfico do acordo foi considerado como estando situado na Bélgica. O volume de negócios conjunto dos participantes no acordo por esses serviços de mudanças internacionais foi estimado pela Comissão em 41 milhões de euros, durante o ano de 2002. Tendo a dimensão do setor sido avaliada em cerca de 83 milhões de euros, a quota de mercado conjunta das empresas implicadas foi, portanto, fixada em cerca de 50% do setor em causa.

10      A Comissão expôs, na decisão controvertida, que o acordo visava especialmente a fixação e a manutenção de preços elevados, bem como a repartição do mercado, e assumia várias formas, concretamente as de acordos relativos aos preços (a seguir «acordo sobre os preços»), acordos relativos à repartição do mercado através de um sistema de falsos orçamentos, designados «orçamentos de conveniência» (a seguir «acordo sobre os orçamentos de conveniência»), e acordos relativos ao sistema de compensações financeiras para propostas rejeitadas ou não apresentação de propostas, ditos «comissões» (a seguir «acordo sobre as comissões»).

11      Na decisão controvertida, a Comissão considerou que, entre 1984 e o início dos anos 90, o acordo funcionou designadamente com base em acordos escritos de fixação dos preços, tendo a prática das comissões e os orçamentos de conveniência sido introduzidos paralelamente. Segundo esta mesma decisão, a prática das comissões devia ser considerada uma fixação indireta de preços para os serviços de mudanças internacionais na Bélgica, na medida em que os membros do acordo se faturavam mutuamente comissões pelas propostas rejeitadas ou pela não apresentação de propostas, descrevendo serviços fictícios, sendo o montante dessas comissões, no entanto, faturado aos clientes.

12      Quanto aos orçamentos de conveniência, a Comissão salientou, na decisão controvertida, que, através da apresentação desses orçamentos, a sociedade de mudanças que pretendia adjudicar o contrato atuava de modo a que o cliente que pagava a mudança recebesse vários orçamentos. Para este efeito, a referida sociedade indicava aos seus concorrentes o preço total por que deviam faturar a mudança pretendida, preço que era mais elevado do que o proposto pela referida sociedade. Tratava‑se assim de orçamentos fictícios apresentados por sociedades que não tinham a intenção de efetuar a mudança. A Comissão considerou que esta prática constituía uma manipulação do processo de apresentação de propostas, conduzindo a que o preço pedido para a mudança fosse mais elevado do que teria sido num ambiente concorrencial.

13      A Comissão assinalou, na decisão controvertida, que estas práticas foram aplicadas até 2003 e que essas atividades complexas tinham o mesmo objetivo, que era fixar os preços, repartir o mercado e falsear assim a concorrência.

14      Perante estes elementos, a Comissão adotou a decisão controvertida, cujo artigo 1.° tem a seguinte redação:

«As empresas a seguir indicadas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, [CE] e o artigo 53.°, n.° 1, do Acordo [sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3),] ao fixarem de modo direto e indireto os preços relativos aos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, ao repartirem entre si uma parte desse mercado e ao manipularem o processo de apresentação de propostas durante os períodos indicados:

[…]

c)      [Gosselin], de 31 de janeiro de 1992 a 18 de setembro de 2002; com a [Portielje], de 1 de janeiro de 2002 a 18 de setembro de 2002;

[…]»

15      Em consequência, no artigo 2.°, alínea e), da decisão controvertida, a Comissão aplicou uma coima de 4,5 milhões de euros à Gosselin, sendo a Portielje responsável conjunta e solidariamente por 370 000 euros desse montante. Esta coima foi calculada em conformidade com a metodologia exposta nas orientações para o cálculo das coimas.

16      Em 24 de julho de 2009, a Comissão adotou a decisão de alteração. Através desta decisão, a Comissão reduziu em cerca de 600 000 euros o valor das vendas realizadas pela Gosselin. Tendo este valor servido de base para o cálculo da coima aplicada a esta última, a Comissão reduziu, consequentemente, a coima aplicada à Gosselin para 3,28 milhões de euros, sendo a Portielje responsável conjunta e solidariamente por 270 000 euros desse montante.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de junho de 2008, a Portielje interpôs um recurso destinado, a título principal, à anulação da decisão controvertida na parte que lhe diz respeito e, a título subsidiário, à anulação do artigo 2.°, alínea e), dessa decisão, na parte que lhe diz respeito e, por conseguinte, à anulação da coima aplicada neste artigo 2.°, alínea e).

18      Por despacho do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral de 5 de março de 2010, o processo T‑209/08 foi apensado, para efeitos da fase oral e do acórdão, ao processo T‑208/08, interposto pela Gosselin da mesma decisão controvertida.

19      Em apoio do seu recurso, a Portielje invocava cinco fundamentos, sendo os dois primeiros da sua autoria e correspondendo os outros três, no essencial, aos fundamentos invocados pela Gosselin no processo T‑208/08. Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu os dois primeiros fundamentos suscitados pela Portielje. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral expôs, nomeadamente, as seguintes considerações.

20      No fim de um raciocínio exposto nos n.os 37 a 50 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu o primeiro fundamento da Portielje, pelo qual esta alegava que não é uma empresa na aceção do direito comunitário da concorrência e que, por conseguinte, não podia existir uma relação de sociedade‑mãe e filial entre ela e a Gosselin. O Tribunal Geral decidiu, nomeadamente, nos n.os 39 a 42 do referido acórdão, que a sociedade‑mãe de uma empresa que cometeu uma infração ao artigo 81.° CE não pode ser punida por uma decisão de aplicação desse artigo se ela própria não for uma empresa. A este respeito, considerou que o recurso ao conceito de unidade económica não pode permitir suprir o facto de a sociedade‑mãe não ser uma empresa e que há que distinguir o conceito de empresa do conceito de imputação do comportamento de uma filial à sua sociedade‑mãe.

21      Quanto à possibilidade de qualificar a Portielje de empresa, e após ter salientado que é pacífico que esta última não exercia diretamente nenhuma atividade económica, decidiu, nos n.os 47 e 48 do acórdão recorrido e baseando‑se no acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o. (C‑222/04, Colet., p. I‑289), que «a mera detenção de participações, mesmo de controlo» não basta para caracterizar uma atividade económica indireta da entidade detentora das mesmas, mas que, para verificar se tal atividade é exercida, é necessário examinar se esta entidade participou direta ou indiretamente na gestão da sua filial.

22      A este respeito, nos n.os 48 a 50 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que a questão de saber se a Portielje tinha participado na gestão da Gosselin é diferente da questão de saber se a Portielje tinha exercido uma influência determinante sobre a Gosselin. O Tribunal Geral indicou que nenhuma presunção tinha sido estabelecida relativamente à possibilidade de qualificar uma entidade de empresa e que, por conseguinte, incumbia à Comissão provar que a Portielje tinha efetivamente participado na gestão da Gosselin. Não tendo a Comissão fornecido elementos de prova neste sentido, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não demonstrou que a Portielje era uma empresa na aceção do artigo 81.° CE.

23      Nos n.os 51 a 59 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, «para ser exaustivo, […], partindo do pressuposto de que a Portielje é uma empresa», analisou o segundo fundamento suscitado por esta última. Concluiu que a Portielje tinha conseguido ilidir a presunção relativa ao exercício de uma influência determinante resultante nomeadamente do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2010, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colet., p. I‑8237) e, por conseguinte, acolheu este segundo fundamento.

24      No âmbito da sua análise, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 54 a 56 do acórdão recorrido, em primeiro lugar, que o exercício pela Portielje de uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial estava excluído pela simples razão de que quer a primeira deliberação por escrito da Portielje quer a primeira reunião formal do seu conselho de administração tinham ocorrido após o termo da infração; em segundo lugar, que a única possibilidade de a Portielje influenciar a política da Gosselin seria ter utilizado os seus direitos de voto na assembleia geral dos seus acionistas, sendo que nenhuma assembleia geral se realizou no decurso do período de 1 de janeiro de 2002 a 18 de setembro de 2002; e, em terceiro lugar, que os membros do conselho de administração da Gosselin já estavam em funções antes de a Portielje obter as ações daquela a título fiduciário, o que demonstra, segundo o Tribunal Geral, que a sua presença no conselho de administração da Gosselin não era a expressão de uma influência por parte da Portielje.

25      Além disso, o Tribunal Geral decidiu, no n.° 57 do acórdão recorrido, que não se podia admitir que as três pessoas que constituíam o conselho de administração da Gosselin, mas que apenas representavam metade do conselho de administração da Portielje, exerciam um controlo sobre a Gosselin não na qualidade de seus administradores, mas através da influência exercida pela Portielje sobre a assembleia geral da Gosselin. A este propósito, considerou nomeadamente que, mesmo admitindo que os três administradores da Gosselin, que estavam entre os proprietários da Portielje, não atuavam apenas como administradores da Gosselin, seria mais provável que tivessem atuado no seu próprio interesse.

26      Perante estes elementos, o Tribunal Geral declarou, no n.° 59 do acórdão recorrido, que havia que anular a decisão controvertida conforme alterada pela decisão de alteração (a seguir «decisão controvertida conforme alterada») na parte respeitante à Portielje. No entanto, o Tribunal Geral procedeu à análise dos três outros fundamentos suscitados por esta última, uma vez que também tinham sido suscitados pela Gosselin, e considerou‑os improcedentes.

 Pedidos das partes

27      Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido na parte em que anula a decisão controvertida conforme alterada relativamente à Portielje, que negue provimento ao recurso de anulação interposto pela Portielje e que condene esta última nas despesas dos processos no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

28      A Portielje pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e que condene a Comissão nas despesas das duas instâncias.

 Quanto ao recurso

29      Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca dois fundamentos, cada um deles relativo a uma violação do artigo 81.° CE.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao âmbito de aplicação pessoal do artigo 81.° CE

 Argumentos das partes

30      A Comissão acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 39 a 42 do acórdão recorrido, ter interpretado de maneira juridicamente errada o conceito de empresa na aceção do artigo 81.° CE. A responsabilidade solidária aplica‑se entre entidades jurídicas e resulta do facto de essas entidades constituírem uma unidade económica e, portanto, uma única empresa na aceção do direito da concorrência da União. Assim, para que uma infração ao artigo 81.° CE possa ser imputada a uma determinada pessoa coletiva, a Comissão deve demonstrar que essa pessoa pertence à empresa que cometeu a infração. Todavia, não deve necessariamente demonstrar que a referida pessoa possui ela própria a qualidade de empresa. A este respeito, a Comissão refere‑se nomeadamente ao acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido.

31      Por conseguinte, o Tribunal Geral centrou a sua análise numa questão desprovida de relevância, a saber, a da qualidade de empresa da Portielje enquanto tal, aplicando assim um critério jurídico errado. Na realidade, devia ter examinado se a Comissão tinha razão ao afirmar que a Portielje pertencia à empresa que cometeu a infração.

32      A título subsidiário, a Comissão afirma que as conclusões que o Tribunal Geral retirou da sua premissa errada são também constitutivas de um erro de direito. A abordagem adotada pelo Tribunal Geral, nos n.os 48 e 49 do acórdão recorrido, é não só contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça como equivale, além disso, a exigir que a Comissão demonstre por duas vezes, mas por duas vias diferentes, que a Portielje exerceu efetivamente um controlo sobre a Gosselin. Devido a esta abordagem errada, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir que a Comissão, para poder considerar a Portielje corresponsável com a Gosselin pela infração em causa, não se podia limitar a invocar a presunção resultante da jurisprudência que decorre do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referida, devendo demonstrar, além disso e previamente, através de «elemento[s] de prova concreto[s]» que a Portielje «particip[ara], direta ou indiretamente» na gestão da Gosselin. De resto, afastou por desprovidos de relevância elementos de prova, apesar de tudo, importantes e excluiu a aplicação da presunção de prova resultante da detenção das ações, de uma maneira incompatível com os princípios formulados no referido acórdão Akzo Nobel e o./Comissão.

33      A Portielje afirma que a questão de saber se é uma empresa na aceção do direito da concorrência é fundamental para a aplicação do artigo 81.° CE e que o ónus de provar que esta condição está preenchida recai sobre a Comissão, em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003. Ora, ao aplicar a presunção de prova resultante do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, a uma situação em que ainda não foi demonstrado que a Portielje é uma empresa, a Comissão não cumpre corretamente o ónus da prova que lhe incumbe.

34      Quanto à argumentação principal da Comissão, a Portielje defende que, embora as disposições materiais em matéria de concorrência estejam ligadas a um conceito económico de empresa, as disposições em matéria de sanções devem necessariamente destinar‑se a uma entidade jurídica e estão ligadas, por conseguinte, ao conceito jurídico de empresa. Logo, deve distinguir‑se a questão da imputabilidade de uma infração da questão da possibilidade de considerar uma entidade responsável por ela. Assim, para se poder imputar uma infração a uma sociedade‑mãe, é necessário que esta última seja suscetível de responder juridicamente pela mesma. Ora, só é assim se for uma empresa na aceção dos artigos 81.° CE e 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, seja devido às suas atividades económicas próprias, seja devido às atividades económicas das sociedades em que detém uma participação de controlo. Todavia, neste último caso, é necessário que exerça efetivamente o controlo sobre estas últimas participando direta ou indiretamente na sua gestão. Ora, é pacífico que não era esse o caso da Portielje durante o período de infração em causa.

35      Quanto à argumentação subsidiária da Comissão, a Portielje considera que a prova do exercício de uma influência determinante que resulta da presunção estabelecida nomeadamente no acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, não se pode aplicar à doutrina relativa à possibilidade de uma entidade responder por uma infração a título do artigo 81.° CE. Admitir que a presunção de exercício de uma influência determinante seja um critério válido para demonstrar que uma entidade deve ser qualificada de empresa pode, com efeito, segundo a Portielje, ter consequências não despiciendas, em particular tratando‑se das entidades que exercem quer atividades económicas quer atividades incluídas nas prerrogativas de poder público.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

36      A título liminar, importa recordar que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas (acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 59, e Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 54) e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 112, e Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 54). Este conceito deve ser entendido como designando uma unidade económica do ponto de vista do objeto do acordo em causa, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (acórdão de 12 de julho de 1984, Hydrotherm Gerätebau, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11, e Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 55).

37      Quando uma tal entidade infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (v., neste sentido, acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.° 145, e Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 56).

38      Quanto à questão de saber em que circunstâncias uma pessoa jurídica que não é o autor da infração pode, no entanto, ser punida, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, embora tendo personalidade jurídica distinta, essa filial não determine de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplique, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em especial aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (acórdãos Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 58 e jurisprudência referida, e de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 43).

39      Com efeito, nessa situação, uma vez que a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE, a Comissão pode dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar o envolvimento pessoal desta última na infração (v. acórdãos já referidos Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 59, e Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., n.° 44).

40      A este propósito, o Tribunal de Justiça precisou que, no caso especial de uma sociedade‑mãe que detém a totalidade ou a quase totalidade do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras de concorrência da União, existe uma presunção ilidível de que a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante sobre a sua filial (a seguir «presunção do exercício efetivo de uma influência determinante») (acórdão de 8 de maio de 2013, ENI/Comissão, C‑508/11 P, n.° 47; v. também, neste sentido, acórdãos Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 60 e jurisprudência referida; de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.os 56 e 63, e Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., já referido, n.° 46).

41      Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade ou a quase totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência decisiva na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir essa presunção, apresente elementos de prova suficientes suscetíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 61; Elf Aquitaine/Comissão, n.os 57 e 63; Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., n.° 47, e ENI/Comissão, n.° 47).

42      Esta jurisprudência assenta na premissa segundo a qual pode ser imputada a uma entidade jurídica a responsabilidade do comportamento de uma outra entidade jurídica, desde que esta última não determine de forma autónoma o seu comportamento no mercado. Por conseguinte, o facto de a entidade que detém a totalidade ou a quase totalidade do capital de uma outra entidade ou que controla a totalidade ou a quase totalidade das participações sociais dessa outra entidade (a seguir «entidade de topo») estar constituída sob a forma jurídica de uma fundação, e não de uma sociedade, não é relevante.

43      Daqui resulta que, como salientou a advogada‑geral J. Kokott nos n.os 36 e 37 das suas conclusões, quando se trata de aplicar uma sanção a uma infração ao direito da concorrência cometida por uma empresa em aplicação das disposições conjugadas dos artigos 81.° CE e 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, é também irrelevante a questão de saber se cada uma das entidades jurídicas que constituem esta empresa tem uma atividade económica própria e corresponde assim, tomada isoladamente, ao conceito de empresa recordado no n.° 36 do presente acórdão.

44      O único elemento determinante para efeitos da sanção é que todas as entidades jurídicas que são obrigadas solidariamente, na totalidade ou em parte, ao pagamento da mesma coima constituem em conjunto, com a entidade cuja implicação direta na infração foi demonstrada (a seguir «autor da infração»), uma só empresa na aceção do artigo 81.° CE. Ora, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 38 a 41 do presente acórdão, é o exercício efetivo, pela entidade de topo, de uma influência determinante sobre o autor da infração que importa a este respeito.

45      Resulta do exposto que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, por um lado, no n.° 39 do acórdão recorrido, que o conceito de empresa devia ser apreendido de maneira diferente do conceito de imputação do comportamento do autor da infração à sua entidade de topo e, por outro, no n.° 42 do mesmo acórdão, «que a sociedade‑mãe de uma empresa que cometeu uma infração ao artigo 81.° CE não pode ser punida por uma decisão de aplicação do artigo 81.° CE se ela própria não for uma empresa» e ao verificar, por conseguinte, nos n.os 43 a 50 do mesmo acórdão, se a Comissão tinha demonstrado que a Portielje era, tomada isoladamente, uma empresa na aceção do artigo 81.° CE.

46      O primeiro fundamento invocado pela Comissão é, portanto, procedente na sua parte principal e, logo, deve ser acolhido, sem ser necessário que oTribunal de Justiça se pronuncie sobre a sua parte subsidiária.

47      Esta constatação não é, todavia, por si só, suscetível de acarretar a anulação do acórdão recorrido, na medida em que se pronuncia sobre o recurso interposto no Tribunal Geral pela Portielje. Com efeito, como resulta dos n.os 51 a 59 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral, para ser exaustivo, baseou a sua posição na constatação segundo a qual a Portielje, em sua opinião, «apresentou elementos de prova suscetíveis de demonstrar que não exerceu uma influência determinante sobre a Gosselin, ou mesmo que não estava em condições de exercer tal influência», ilidindo assim a presunção resultante nomeadamente do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido. Assim, importa também examinar o segundo fundamento do recurso.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à contestação da presunção de prova do exercício de uma influência determinante

 Argumentos das partes

48      A Comissão afirma que as constatações do Tribunal Geral, constantes dos n.os 51 a 59 do acórdão recorrido, segundo as quais a Portielje apresentou elementos de prova suscetíveis de demonstrar que não exerceu uma influência determinante sobre a Gosselin, ou mesmo que não estava em condições de exercer tal influência, assentam em erros de direito e/ou numa desvirtuação manifesta dos elementos de prova.

49      Em primeiro lugar, nos n.os 56 e 57 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente elementos de prova relativos à natureza e ao alcance dos vínculos pessoais existentes entre a Portielje e a Gosselin. Afirmou que estes vínculos só respeitavam a «metade» dos administradores da Portielje, deixando assim entender que não podiam determinar conjuntamente a política desta última. No entanto, resulta dos considerandos 46 e 446 da decisão controvertida, dos n.os 11, 22 a 24 da contestação, do n.° 6 da réplica da Portielje e dos estatutos desta, apresentados ao Tribunal Geral, que estes vínculos pessoais respeitavam aos três principais administradores da Portielje, que podiam definir conjuntamente a política desta última e compunham a totalidade do conselho de administração da Gosselin.

50      Em segundo lugar, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao decidir, no n.° 54 do acórdão recorrido, que, visto a Portielje não ter tomado nenhuma deliberação formal de gestão no decurso do período de infração em causa, não tinha podido exercer influência determinante sobre o comportamento da Gosselin. A Comissão admite, na verdade, que a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante pode ser ilidida por elementos que demonstrem que a filial se comportou de forma autónoma. Todavia, o Tribunal Geral instituiu uma regra segundo a qual o exercício de uma influência determinante é impossível enquanto a pessoa coletiva que exerce o controlo a 100% não tiver tomado uma deliberação formal em matéria de gestão. Trata‑se de uma importante restrição do alcance dessa presunção que não resulta da jurisprudência e que está errada, sobretudo quando há vínculos pessoais importantes entre as duas pessoas coletivas em causa. A Comissão salienta, a este propósito, que a jurisprudência resultante do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, assenta na realidade económica e não impõe nenhuma exigência formal ao exercício da influência determinante.

51      Em terceiro lugar, a Comissão defende que os n.os 55 a 57 do acórdão recorrido estão também viciados por erros de direito. O n.° 55 assenta na hipótese errada de que o exercício de uma influência determinante só pode acontecer no respeito pelas exigências de forma previstas pelo direito das sociedades, no caso em apreço, numa assembleia geral dos acionistas da Gosselin. Esta consideração ignora os vínculos pessoais que unem esta última e a Portielje, demonstra um formalismo excessivo e não se adequa à natureza funcional do conceito económico de empresa.

52      Quanto, mais particularmente, aos vínculos pessoais, os três elementos salientados pelo Tribunal Geral no n.° 56 do acórdão recorrido, tomados em si mesmos, não permitem concluir que a Portielje não formava uma unidade económica com a Gosselin. A este propósito, a Comissão recorda que esses vínculos pessoais respeitavam às pessoas que constituíam em conjunto a totalidade do conselho de administração da Gosselin e ao mesmo tempo a maioria das vozes no conselho de administração da Portielje. Do mesmo modo, as considerações constantes do n.° 57 do referido acórdão estão juridicamente erradas e não afetam a conclusão segundo a qual se pode considerar que a Gosselin se conformou aos desejos da Portielje.

53      A Comissão defende, em conclusão, que o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para decidir definitivamente sobre o litígio e negar provimento ao recurso interposto pela Portielje no Tribunal Geral.

54      A Portielje afirma que ilidiu de facto a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante resultante do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido.

55      Quanto ao exercício efetivo de uma influência determinante, a Portielje considera que, dada a não realização de reuniões do seu conselho de administração no decurso do período de infração em causa, a não realização de assembleias‑gerais dos seus acionistas no decurso do mesmo período e a não influência sobre a composição do conselho de administração da Gosselin, demonstrou que, de facto, não tinha exercido influência determinante sobre esta última. A argumentação da Comissão não pode ser acolhida. Por um lado, teria por efeito tornar a presunção inilidível, o que seria incompatível nomeadamente com o seu direito a um processo equitativo. Por outro lado, esta argumentação é contrária aos princípios fundamentais do direito das sociedades e das pessoas coletivas. Com efeito, uma entidade jurídica, como uma fundação, só existe através dos seus órgãos estatutários.

56      Quanto aos vínculos pessoais, a Portielje considera que só são determinantes quando são a expressão da possibilidade que a sociedade‑mãe tem de influenciar a política da sua filial. É o que acontece quando a sociedade‑mãe colocou administradores no conselho de administração da sua filial para aí exercer uma influência. Ora, tal não ocorre no caso em análise. Além disso, a Portielje não foi criada para exercer qualquer forma de controlo sobre a Gosselin.

57      Por outro lado, a posição defendida pela Comissão é contrária a dois princípios fundamentais do direito das sociedades, que exclui a possibilidade de a Portielje ser considerada responsável pelo comportamento adotado por três dos seus administradores à margem de qualquer órgão da sociedade. Assim, por um lado, os administradores de uma sociedade não têm competência a título individual. A Gosselin e a Portielje só atuam através dos seus órgãos e apenas os respetivos conselhos de administração, enquanto colégios, dispõem de competências gerais de administração. Por outro lado, os administradores só podem utilizar as suas competências dentro dos limites do seu mandato e para servir o interesse da sua sociedade, sendo o desvio de poder punido, em geral, com a nulidade. Nestas condições, não é arbitrário considerar que os três administradores da Gosselin agiram apenas na sua qualidade de administradores desta última, e não como representantes da Portielje.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

58      A título liminar, importa recordar que resulta da análise do primeiro fundamento do recurso que o Tribunal Geral decidiu de forma errada que a Comissão não tinha razão em aplicar a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante para demonstrar, em consequência desta, que a Portielje e a Gosselin formavam, no decurso do período de 1 de janeiro de 2002 a 18 de setembro de 2002, uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE. Através do presente fundamento, apenas se pergunta ao Tribunal de Justiça se o Tribunal Geral cometeu ou não um erro de direito ao decidir que a Portielje tinha apresentado elementos de prova suscetíveis de ilidir esta presunção.

59      A este propósito, importa salientar que a questão de saber se o Tribunal Geral aplicou critérios jurídicos corretos na sua apreciação dos factos e dos elementos de prova constitui uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, Colet., p. I‑10329, n.° 51 e jurisprudência referida). Ora, é precisamente essa a questão que a Comissão submete ao Tribunal de Justiça com a segunda e terceira partes do seu segundo fundamento, dirigidas contra, respetivamente, o n.° 54 e os n.os 55 a 57 do acórdão recorrido.

60      Como resulta da análise do primeiro fundamento do recurso, para apreciar se o autor da infração determina autonomamente o seu comportamento no mercado, importa ter em conta todos os fatores pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem esse autor à sua entidade de topo, que podem variar de caso para caso e não podem, por isso, ser objeto de uma enumeração exaustiva (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Akzo Nobel e o./Comissão, n.os 73 e 74; Elf Aquitaine/Comissão, n.° 58, e Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., n.° 45).

61      No caso em apreço, no n.° 54 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral indicou que a emissão dos certificados da Gosselin na fundação só foi exarada em ata em 11 de dezembro de 2002, que o artigo 5.2 dos estatutos da Portielje permite igualmente que as suas deliberações sejam tomadas por escrito e que, de acordo com esta última, a qual, segundo o Tribunal Geral, não foi contraditada neste ponto pela Comissão, tal aconteceu apenas uma vez antes da reunião de 5 de novembro de 2004, ou seja, em 10 de março de 2003, para a aprovação do relatório anual de 2002. Daí retira que importava concluir que a Portielje agiu em conformidade com os seus estatutos e que quer o procedimento escrito de 10 de março de 2003 quer a primeira reunião formal de 5 de novembro de 2004 ocorreram após o termo da infração. Concluiu, no mesmo n.° 54, que «[e]ste motivo é, desde logo, suficiente para excluir o exercício, por parte da Portielje, de uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial».

62      Todavia, o Tribunal Geral acrescentou antes de mais, no n.° 55 do acórdão recorrido, que, consistindo a única atividade da Portielje no exercício dos direitos de voto ligados às ações em causa na assembleia geral dos acionistas da Gosselin, «[a] única possibilidade de a Portielje influenciar a política da Gosselin seria […] utilizando estes direitos de voto na assembleia geral desta sociedade». Indicou, no entanto, que estava demonstrado que no decurso do período de infração em causa, a saber, de 1 de janeiro de 2002 a 18 de setembro de 2002, não se realizou nenhuma assembleia geral dos acionistas da Gosselin. Em seguida, no n.° 56 do referido acórdão, afirmou que, no decurso do mesmo período, a Portielje não tinha alterado a composição do conselho de administração da Gosselin, salientando a este respeito que «[o]s membros do conselho de administração da Gosselin já eram administradores desta sociedade antes de a Portielje adquirir as ações da Gosselin a título fiduciário» e que «[e]sta sequência temporal demonstra que a sua presença no conselho de administração não é a expressão do exercício de uma influência por parte da Portielje».

63      Por fim, no n.° 57 do mesmo acórdão, considerou que devia ser rejeitada a afirmação de que as três pessoas que constituíam o conselho de administração da Gosselin, mas que apenas representavam metade do conselho de administração da Portielje, exerciam um controlo sobre a Gosselin «não na qualidade de seus administradores, mas através da influência exercida pela Portielje sobre a assembleia geral da Gosselin», considerando a este respeito que «uma identidade parcial entre os membros do conselho de administração não implica que todas as empresas nas quais os três membros do conselho de administração da Gosselin estão igualmente representados nessa qualidade devam ser consideradas, por esse facto, sociedades‑mãe da Gosselin». Foi também referido no mesmo n.° 57 que, no caso em apreço, «os três administradores da Gosselin [se incluíam] nos proprietários da Portielje, que não era mais do que um instrumento para exercer os seus direitos de propriedade» e que, «[p]ortanto, mesmo supondo que estas três pessoas não atuavam apenas como administradores da Gosselin, seria mais provável que tivessem atuado no seu próprio interesse».

64      Perante estes elementos, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 58 do acórdão recorrido, que «a Portielje apresentou elementos de prova suscetíveis de demonstrar que não exerceu uma influência determinante sobre a Gosselin, ou mesmo que não estava em condições de exercer tal influência», e que a Portielje conseguiu assim ilidir a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante resultante nomeadamente do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido.

65      Resulta do exposto, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral considerou, no n.° 54 do acórdão recorrido, que a não adoção de uma deliberação formal de gestão pela entidade de topo no decurso do período relativamente ao qual está solidariamente obrigada ao pagamento da coima basta, por si só, para ilidir a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante. Considerou assim que o exercício efetivo de uma influência determinante, pela entidade de topo, sobre o autor da infração apenas pode ocorrer através da adoção de decisões de gestão por esta primeira entidade no respeito pelas exigências de forma previstas pelo direito das sociedades.

66      Ao decidir deste modo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Com efeito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada no n.° 60 do presente acórdão, que, para apurar se o autor da infração determina autonomamente o seu comportamento no mercado, tem de se ter em conta todos os fatores pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem esse autor à sua entidade de topo e, por conseguinte, ter em conta a realidade económica. A simples não adoção de uma decisão de gestão pela entidade de topo no respeito pelas exigências de forma previstas pelo direito das sociedades não pode, então, bastar a este respeito.

67      Em segundo lugar, a análise efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 55 a 57 do acórdão recorrido está viciada pelo mesmo erro de direito. Com efeito, resulta dos elementos recordados nos n.os 62 e 63 do presente acórdão que o Tribunal Geral decidiu com base apenas numa análise efetuada à luz do direito das sociedades que a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante tinha sido ilidida, sem ter em consideração, antes de chegar a essa conclusão, todos os elementos relevantes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que ligam a Portielje à Gosselin. Em particular, embora, no n.° 57, o Tribunal Geral pareça interessar‑se pelos vínculos pessoais existentes entre a Portielje e a Gosselin, resulta todavia da redação desse número que o Tribunal Geral se limitou a apreender estes vínculos apenas do ponto de vista do direito das sociedades. O raciocínio seguido pelo Tribunal Geral nestes n.os 55 a 57, ou noutros pontos do mesmo acórdão, não contém assim nenhuma consideração que demonstre que teve em conta outras circunstâncias para basear a sua conclusão segundo a qual a Portielje ilidiu a referida presunção ao demonstrar que a Gosselin tinha determinado a sua política comercial de forma autónoma durante o período em causa.

68      Deste modo, o Tribunal Geral também ignorou a jurisprudência recordada no n.° 60 do presente acórdão e, nomeadamente, como referiu a advogada‑geral J. Kokott no n.° 74 das suas conclusões, o facto de que o entendimento de que o autor da infração e a sua entidade de topo formam uma unidade económica não pressupõe necessariamente decisões formais dos órgãos estatutários e que, pelo contrário, esta unidade pode também ser criada de modo informal, nomeadamente devido à existência de vínculos pessoais entre as entidades jurídicas que compõem essa unidade económica.

69      O segundo fundamento do recurso baseia‑se, por conseguinte, na sua segunda e terceira partes, sem que se deva examinar a primeira parte deste fundamento, na qual a Comissão alega uma desvirtuação dos elementos de prova.

70      Esta constatação não pode ser posta em causa pela alegação da Portielje segundo a qual uma abordagem que exige a tomada em consideração de elementos que vão além dos relativos ao direito das sociedades teria por efeito tornar inilidível a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante.

71      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma presunção permanece dentro de limites razoáveis se for proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido, se existir a possibilidade de produzir prova em contrário e se os direitos de defesa forem assegurados. O facto de ser difícil apresentar a prova contrária necessária para ilidir uma presunção, ou a mera circunstância de uma entidade não apresentar, num caso concreto, elementos de prova suscetíveis de ilidir uma presunção, não implica, por si, que esta presunção seja inilidível, sobretudo quando, à semelhança da presunção em causa, as entidades em relação às quais a presunção opera são as mais bem situadas para procurar a referida prova na sua própria esfera de atividades (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.os 62, 66 e 70).

72      Não pode, portanto, ser declarada nenhuma violação do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou ainda do artigo 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950.

73      Assim, sendo procedentes os fundamentos do recurso, há que lhe dar provimento e anular os n.os 4 e 6 do dispositivo do acórdão recorrido, pelos quais o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida conforme alterada na parte que diz respeito à Portielje e condenou a Comissão nas despesas relativas ao processo T‑209/08.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

74      Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. O Tribunal de Justiça considera que é o que acontece no caso em apreço.

75      Como resulta do n.° 19 do presente acórdão, a Portielje invocou cinco fundamentos no Tribunal Geral, o primeiro a título principal, e os outros quatro a título subsidiário, salientando a este respeito que só pode incorrer em responsabilidade a título da infração cometida pela Gosselin se esta última cometeu ela própria uma infração ao artigo 81.° CE.

 Quanto ao primeiro fundamento

76      Com o primeiro fundamento do seu recurso, a Portielje afirma que, ao não exercer nenhuma atividade económica, não pode ser qualificada de empresa na aceção dos artigos 81.°, n.° 1, CE e 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Por conseguinte, as regras do direito da concorrência da União não lhe podem ser aplicadas e, logo, a Comissão não a podia ter considerado responsável pela infração cometida pela Gosselin sem violar essas disposições.

77      A este respeito, basta salientar que resulta da análise do primeiro fundamento do recurso que este primeiro fundamento do recurso no Tribunal Geral é improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

78      Com o segundo fundamento do seu recurso, a Portielje afirma que demonstrou não ter exercido nenhuma influência determinante sobre a política comercial ou estratégica da Gosselin. Ao considerar o contrário na decisão controvertida, a Comissão violou os artigos 81.°, n.° 1, CE e 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

79      A Comissão considera que este fundamento é improcedente.

80      A título liminar, importa recordar que, como resulta da decisão controvertida, de 1 de janeiro de 2002 a 18 de setembro de 2002, a Portielje controlava a quase totalidade das participações sociais da Gosselin e que, por conseguinte, a Comissão tinha razão ao presumir, como resulta da análise do primeiro fundamento do recurso, que a Portielje tinha efetivamente exercido uma influência determinante sobre a política comercial da Gosselin durante esse período e que a Portielje e a Gosselin formavam, assim, durante esse período, uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE. Portanto, para ilidir essa presunção, incumbia à Portielje apresentar todos os elementos suscetíveis de demonstrar que a Gosselin se tinha comportado de forma autónoma no mercado durante o referido período.

81      No caso em apreço, a Portielje invocou no Tribunal Geral, em primeiro lugar, o facto de a sua direção só se ter reunido pela primeira vez após o termo da infração. Em segundo lugar, salientou que a sua única atividade consistia em exercer os direitos de voto, ligados às ações em causa, na assembleia geral dos acionistas da Gosselin, sendo que, no direito belga das sociedades, não é a assembleia geral dos acionistas, mas o conselho de administração da sociedade que está encarregado da gestão desta última e que, de qualquer modo, não se realizou nenhuma assembleia de acionistas da Gosselin no decurso do período em causa. Em terceiro lugar, a Portielje não teve influência na composição do conselho de administração da Gosselin, visto este já estar constituído antes de 1 de janeiro de 2002, e a sua composição não ter sido alterada no decurso do período em causa. Daqui conclui que lhe era materialmente impossível exercer a mínima influência na Gosselin.

82      Na sua réplica, a Portielje acrescentou que a emissão dos certificados da fundação só tinha sido exarada em ata em 11 de dezembro de 2002; que, das seis pessoas que constituem o seu conselho de administração, apenas metade integra igualmente o conselho de administração da Gosselin; que só o conselho de administração da Portielje, e não os seus administradores atuando à margem dos órgãos estatutários, possui um poder de direção; e que a sua primeira deliberação teve lugar por escrito, mas também após o termo da infração.

83      A este propósito, importa referir, antes de mais, que, como resulta da análise do segundo fundamento do recurso, tais elementos não são por si só, em princípio e salvo circunstâncias particulares, suficientes para demonstrar que a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante está ilidida.

84      Em seguida, a Comissão salienta, no considerando 451 da decisão controvertida, que a Portielje tinha confirmado que «o seu objetivo [é] adquirir ações ao portador contra a emissão de certificados ao portador, a gestão das ações assim adquiridas, o exercício de todos os direitos ligados às ações, como o recebimento de todas as remunerações eventuais e o exercício do direito de voto e a execução de qualquer outra ação relacionada no sentido mais lato com o exposto ou que possa contribuir para ele», e, no considerando 452, que a Portielje «não contesta que o seu objetivo é garantir a gestão uniforme da Gosselin e de outras sociedades filiais».

85      Além disso, resulta dos estatutos da Portielje e dos considerandos 46, 446 e 452 da decisão controvertida que, no decurso do período em causa, a direção da Portielje e a da Gosselin eram asseguradas pelas mesmas pessoas, o que a Portielje confirmou na sua resposta à comunicação de acusações. Com efeito, as três pessoas que dispunham da maioria dos direitos de voto no conselho de administração da Portielje, no qual as decisões são tomadas, regra geral, por maioria simples, compunham simultaneamente, as três, o conselho de administração da Gosselin.

86      Por fim, a Portielje não avançou, além dos elementos formais lembrados nos n.os 81 e 82 do presente acórdão, nenhum elemento concreto suscetível de demonstrar que, apesar desta confusão de interesses resultante em particular da existência desses vínculos pessoais particularmente fortes e do objetivo prosseguido pela Portielje, a Gosselin se comportava de forma autónoma no mercado durante o período em causa.

87      Resulta do exposto que o segundo fundamento invocado no Tribunal Geral não pode prosperar.

 Quanto ao terceiro fundamento

88      Com o terceiro fundamento do seu recurso, a Portielje afirma que a Comissão violou duplamente o artigo 81.° CE. Em primeiro lugar, a Comissão não demonstrou que os comportamentos imputados à Gosselin podem ser qualificados de restrições sensíveis da concorrência na aceção do artigo 81.° CE. Em segundo lugar, a Comissão também não demonstrou que o acordo em que a Gosselin participou podia afetar de maneira sensível as trocas entre os Estados‑Membros. O facto de os serviços em causa serem mudanças internacionais é insuficiente a este respeito e foi erradamente que a Comissão se referiu aos limiares do volume de negócios e da quota de mercado previstos no ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio, nomeadamente porque a natureza do acordo em causa não se presta a isso e porque a Comissão não definiu o mercado relevante.

89      A Comissão considera este fundamento improcedente.

90      A título liminar, importa recordar que a Gosselin só foi considerada responsável pela infração em causa a partir de 31 de janeiro de 1992 e que resulta nomeadamente do considerando 307 da decisão controvertida que só foi considerada responsável, no âmbito da infração única e continuada demonstrada pela Comissão, pelo acordo sobre as comissões e pelo acordo sobre os orçamentos de conveniência, e não pelo acordo sobre os preços, que já não era aplicado nos termos em que tinha sido celebrado no início do acordo, quando a Gosselin começou a participar nele.

91      Quanto à argumentação da Portielje, importa, em primeiro lugar, salientar que, na decisão controvertida, a Comissão apreciou a existência de uma restrição de concorrência nos considerandos 346 a 370 dessa decisão. Referiu, nomeadamente, no considerando 349, que «[o] objetivo do acordo sobre os preços, do acordo sobre as comissões e do acordo sobre os orçamentos de conveniência é estabelecer e manter um nível de preços elevado para a prestação de serviços de mudanças internacionais na Bélgica e repartir esse mercado».

92      Quanto, mais particularmente, ao acordo sobre as comissões, a Comissão declarou, nos considerandos 351 a 357 da referida decisão, que, nomeadamente segundo as circunstâncias de cada caso concreto, as comissões implicavam uma fixação direta ou indireta do preço desses serviços, manipulações do processo de apresentação de propostas ou ainda uma partilha de clientela e tinham como resultado um nível de preços mais elevado para esses serviços que não teria existido num ambiente concorrencial. Quanto ao acordo sobre os orçamentos de conveniência, indicou, nos considerandos 358 a 360 da mesma decisão, que consistia numa manipulação do processo de apresentação de propostas, falseando a escolha do cliente e acarretando um nível de preços mais elevado do que teria existido num ambiente concorrencial.

93      A Comissão entendeu, nos considerandos 361 a 365 da decisão controvertida, que quer a fixação direta e indireta dos preços quer a repartição do mercado e dos clientes são por natureza restritivos da concorrência na aceção do artigo 81.° CE e que a manipulação do processo de apresentação de propostas constituía também uma restrição. Concluiu, no considerando 366 da decisão, que «estes acordos [tinham] por objetivo restringir a concorrência na aceção do artigo 81.° CE».

94      Por outro lado, na sua petição apresentada ao Tribunal Geral, a Portielje «admite que a Gosselin recebeu ou pagou comissões no âmbito de mudanças internacionais determinadas, e que pediu ou elaborou orçamentos de conveniência no âmbito de outras mudanças internacionais determinadas». A Portielje não contesta, portanto, a participação da Gosselin nos acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência. Afirma apenas que estes não podem, à semelhança do acordo sobre os preços, ser qualificados de restrições sensíveis da concorrência na aceção do artigo 81.° CE, na medida em que, no que respeita à Gosselin, o facto de receber ou cobrar comissões ou ainda de pedir ou fornecer orçamentos de conveniência não foi acompanhado da menor repartição da clientela ou do menor acordo sobre os preços.

95      No entanto, há que reconhecer, antes de mais, que os acordos de que a Gosselin fez parte tinham, pela sua própria natureza, e como a Comissão corretamente demonstrou na decisão controvertida, por objetivo acarretar uma fixação artificialmente elevada do nível dos preços dos serviços de mudanças em causa e uma repartição da clientela desses serviços. Constituíam assim formas de colusão particularmente prejudiciais para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência. Segundo a Gosselin, o facto de não ter sido esse o caso, tal como o facto de ela não ter participado no acordo sobre os preços são irrelevantes a este respeito e não podem, por conseguinte, demonstrar a existência de um erro da Comissão quanto à qualificação dos acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência de acordos tendo por objetivo restringir sensivelmente a concorrência na aceção do acórdão 81.° CE.

96      Em seguida, a argumentação segundo a qual a Comissão não teve razão ao imputar à Gosselin a responsabilidade dos acordos de repartição da clientela e dos acordos sobre os preços assenta na premissa segundo a qual os acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência, em que é pacífico que a Gosselin participou, não podem ser qualificados de repartição da clientela ou de acordos sobre os preços. Ora, resulta do número anterior que tal premissa está errada. A referida argumentação deve, portanto, ser afastada.

97      Por fim, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua, quando se verifica que este tem por objetivo impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (acórdãos de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colet.,1965‑1968, pp. 423, 496, e Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.° 261).

98      Por conseguinte, o facto de os acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência não terem tido por efeito restringir sensivelmente a concorrência, nomeadamente na maneira como foram aplicados pela Gosselin, não pode, mesmo que se considere demonstrado, acarretar a ilegalidade da decisão controvertida, tendo a Comissão razão ao considerar que os referidos acordos tinham por objetivo restringir sensivelmente a concorrência na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, como o Tribunal de Justiça declarou no n.° 95 do presente acórdão.

99      Em segundo lugar, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para serem suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos objetivos de facto e de direito, permitir encarar com um grau suficiente de probabilidade a sua influência direta ou indireta, efetiva ou potencial, nas correntes comerciais entre Estados‑Membros, de modo a fazer recear que possam entravar a realização de um mercado único entre os Estados‑Membros. Além disso, é necessário que essa influência não seja insignificante (acórdãos de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 34 e jurisprudência referida, e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 36).

100    Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu que um acordo que abranja todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado FUE e é, pois, suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Arduino, C‑35/99, Colet., p. I‑1529, n.° 33; e acórdãos, já referidos, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, n.° 37 e jurisprudência aí referida, e Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 38), e que o caráter transfronteiriço dos serviços em causa é um elemento relevante para apreciar se há afetação do comércio entre os Estados‑Membros na aceção da referida disposição (v., por analogia, acórdão de 1 de outubro de 1987, Vereniging van Vlaamse Reisbureaus, 311/85, Colet., p. 3801, n.os 18 e 21).

101    Por outro lado, a definição do mercado relevante, no âmbito da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, tem por único objetivo determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e tem por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (despacho de 16 de fevereiro de 2006, Adriatica di Navigazione/Comissão, C‑111/04 P, n.° 31).

102    No caso em apreço, a Comissão concluiu, nos considerandos 372 e 373 da decisão controvertida, que os acordos em causa eram «suscetíveis de ter um efeito apreciável sobre as trocas entre os Estados‑Membros» tendo em conta nomeadamente o facto de a natureza dos serviços em causa ser transfronteiriça e de «a soma das quotas de mercado das sociedades de mudanças em causa exceder 5% do mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, […] [sendo a] soma da sua quota de mercado de cerca de 50%». A Comissão descreveu, por outro lado, o mercado em causa nos considerandos 88 a 94 da mesma decisão, nos quais referiu nomeadamente que os serviços em causa são «os serviços de mudanças internacionais na Bélgica, portanto, os serviços de mudanças ‘porta a porta’ que têm o seu ponto de origem ou o seu ponto de destino na Bélgica»; que a quota desse mercado detido pelos participantes no acordo para o ano de 2002 era de «cerca de 50%»; que, considerando que «[a] Bélgica faz parte dos centros geopolíticos importantes e constitui […] uma placa giratória comercial», numerosas empresas multinacionais com sede ou uma sucursal na Bélgica recorrem a sociedades de mudanças internacionais para transportar os seus bens e os dos seus empregados, e que o centro geográfico do acordo estava situado na Bélgica.

103    Resulta do exposto que, antes de mais, a descrição do mercado efetuada na decisão controvertida é, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 101 do presente acórdão, suficiente para determinar se o acordo em causa era suscetível de ter influência no comércio entre os Estados‑Membros. Além disso, contrariamente ao que a Portielje alega, não se pode considerar que a Comissão não definiu o mercado relevante, uma vez que, através dos considerandos 88 a 94 da mesma decisão, definiu a dimensão do mercado dos produtos e do mercado geográfico afetados pelo acordo, a saber, o mercado belga dos serviços de mudanças internacionais. Tal descrição era, portanto, suficiente para lhe permitir recorrer ao limiar da quota de mercado previsto no ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio.

104    Em seguida, por um lado, resulta dos autos no Tribunal Geral que a soma das quotas do mercado relevante detidas pelos participantes no acordo é largamente superior a 5%. Por outro lado, à luz quer da jurisprudência recordada no n.° 100 do presente acórdão quer das características da infração em causa, salientadas pela Comissão na decisão controvertida, a condição enunciada no ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio, relativa à natureza do acordo em causa, está manifestamente preenchida.

105    Nestas circunstâncias, e tendo em conta, em particular, o facto de o limiar de 5% de quota de mercado previsto no referido ponto 53 estar manifestamente ultrapassado, a Comissão estava certa ao concluir que os acordos em causa eram suscetíveis de ter uma influência sensível no comércio entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE.

106    Por fim, na medida em que, segundo o ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio, uma ultrapassagem do limiar de 5% de quota de mercado pode, em princípio, para acordos como o que está aqui em causa, bastar por si só para demonstrar uma influência sensível no comércio entre os Estados‑Membros e dado que o referido limiar está, no caso em apreço, largamente ultrapassado, a argumentação da Portielje destinada a provar que a Comissão não demonstrou que esta condição de aplicação do artigo 81.° CE estava satisfeita pode ser rejeitada sem que seja necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre os outros elementos invocados pela Portielje.

107    Resulta do exposto que o terceiro fundamento invocado pela Portielje no seu recurso no Tribunal Geral deve ser considerado improcedente, não sendo fundada nenhuma das suas duas partes.

 Quanto ao quarto fundamento

108    Com o quarto fundamento do seu recurso, a Portielje afirma que a Comissão, no âmbito do cálculo da coima aplicada à Gosselin, violou o artigo 23.°, n.os 2, alínea a), e 3, do Regulamento n.° 1/2003 e as orientações para o cálculo das coimas, em primeiro lugar, na determinação da gravidade da infração cometida pela Gosselin. Cometeu as mesmas violações, em segundo lugar, ao considerar, para efeitos do cálculo do montante de base da coima aplicada à Gosselin, o valor das vendas realizadas por esta última no decurso do período de 1 de julho de 2000 a 30 de junho de 2001, em vez do valor das vendas realizadas entre 1 de julho de 2001 e 30 de junho de 2002 e, em terceiro lugar, ao rejeitar as circunstâncias atenuantes invocadas pela Gosselin.

109    A Comissão considera que, no essencial, este fundamento deve ser considerado improcedente.

110    Em primeiro lugar, importa referir que a argumentação da Portielje relativa à não consideração pela Comissão, no âmbito da sua apreciação da gravidade da infração cometida pela Gosselin, de todas as circunstâncias relevantes do caso em apreço, assenta também na premissa segundo a qual, por um lado, a participação apenas nos acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência era qualitativamente diferente da participação no acordo sobre os preços e, por outro, os acordos em que a Gosselin participou não constavam entre as restrições mais graves da concorrência. Segundo a Portielje, a Comissão não tinha, portanto, razão ao considerar que a gravidade da infração cometida pela Gosselin era idêntica à da infração cometida pelos outros participantes no acordo em causa, em particular os que participaram no acordo sobre os preços e, por conseguinte, não podia considerar, para efeitos da determinação do montante de base da coima, a mesma proporção de 17% do valor das vendas para todos os participantes.

111    Todavia, resulta da análise da primeira parte do terceiro fundamento do recurso no Tribunal Geral que esta premissa está errada, tendo a Comissão corretamente qualificado os acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência de acordos sobre os preços, incluindo‑se manifestamente a repartição da clientela e esses acordos, tal como o acordo sobre os preços, na categoria das restrições mais graves da concorrência. A referida argumentação deve, portanto, ser rejeitada e, pelo mesmo motivo, não há que acolher o pedido da Portielje destinado a que a coima aplicada à Gosselin seja reduzida pelo Tribunal de Justiça no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição.

112    Em segundo lugar, importa lembrar que, através da decisão de alteração, a Comissão modificou a decisão controvertida na parte relativa ao valor das vendas realizadas pela Gosselin e que serviu de base ao cálculo da coima aplicada a esta última, voltando a calcular esta coima a partir do valor das vendas realizadas por esta sociedade no decurso do período entre 1 de julho de 2001 e 30 de junho de 2002 e alterando, por conseguinte, a coima que lhe tinha sido aplicada. A segunda parte da argumentação da Portielje ficou, assim, sem objeto.

113    Em terceiro lugar, quanto às circunstâncias atenuantes, a Portielje reivindica, em substância, a aplicação da circunstância atenuante que resulta da sua participação reduzida na infração e do seu papel menor na mesma, o que corresponde, no essencial, à circunstância atenuante prevista no ponto 29, terceiro travessão, das orientações para o cálculo das coimas, assim como a aplicação da circunstância atenuante prevista no quinto travessão do mesmo ponto 29.

114    A este respeito, importa lembrar, por um lado, que, segundo o referido ponto 29, terceiro travessão, quando «a empresa em causa prova que a sua participação na infração é substancialmente reduzida e demonstra por conseguinte que, durante o período em que aderiu aos acordos que são objeto de infração, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial no mercado», a Comissão pode constatar a existência de uma circunstância atenuante e reduzir o montante de base da coima.

115    Ora, o simples facto de a Gosselin não ter participado no acordo sobre os preços e não ter participado em nenhuma reunião do acordo não basta, por si só, para demonstrar que as condições previstas no referido terceiro travessão estão preenchidas ou ainda que a Gosselin teve um papel reduzido no acordo em causa, tendo em conta nomeadamente que, como foi já recordado no n.° 90 do presente acórdão, esta sociedade não foi considerada responsável por ter participado no acordo sobre os preços e que, no decurso do período da sua participação no acordo, este funcionava sem que os participantes necessitassem de realizar reuniões.

116    Além disso, importa constatar que, embora, como alega a Portielje, a Comissão não pudesse utilmente, para recusar a aplicação da referida circunstância atenuante, referir‑se ao facto de a Gosselin ter sido considerada responsável por uma infração única e contínua, resulta em particular do considerando 280 da decisão controvertida que a Comissão detinha numerosas provas diretas da participação da Gosselin nos acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência. Ora, de qualquer modo, estas provas bastavam já, por si só, para afastar qualquer alegação relativa a uma participação reduzida no acordo.

117    Nestas circunstâncias, a Portielje não demonstrou que a Comissão cometeu um erro ao recusar, na decisão controvertida, conceder à Gosselin a aplicação da circunstância atenuante relativa à sua participação reduzida no acordo e ao seu papel menor no mesmo.

118    Por outro lado, quanto à alegação segundo a qual o comportamento anticoncorrencial adotado pela Gosselin fora autorizado pelas autoridades públicas, basta salientar que a Portielje não invoca nenhum elemento, à exceção de simples alegações não fundamentadas, suscetível de demonstrar que a Comissão, enquanto instituição, autorizou ou encorajou a celebração dos acordos sobre as comissões ou sobre os orçamentos de conveniência na aceção do ponto 29, quinto travessão, das orientações para o cálculo das coimas. Por conseguinte, não está demonstrado que a Comissão recusou erradamente conceder à Gosselin a aplicação da referida circunstância atenuante.

119    Daqui resulta que o quarto fundamento do recurso no Tribunal Geral é improcedente, na medida em que este conserva um objeto.

 Quanto ao quinto fundamento

120    Com o quinto fundamento do seu recurso, a Portielje afirma que, ainda que o seu terceiro e quarto fundamentos sejam considerados improcedentes, há que anular a decisão controvertida por violação do princípio da igualdade de tratamento, por um lado, na medida em que o comportamento da Gosselin se distingue objetiva e qualitativamente do dos outros participantes no acordo em causa, não tendo esta última participado em acordos sobre os preços ou a repartição da clientela e, por outro, na medida em que a Comissão considerou, para efeitos de determinação do montante de base da coima, o valor das vendas realizadas pela Gosselin no decurso do penúltimo exercício antes do termo da infração.

121    A este propósito, basta referir que, por um lado, resulta da análise da primeira parte do terceiro fundamento do recurso no Tribunal Geral que os acordos em que a Gosselin participou foram corretamente qualificados pela Comissão de acordos sobre os preços e a repartição da clientela e que, assim, o comportamento da Gosselin não se distinguia, no essencial, do adotado pelos outros participantes no acordo. Por outro lado, como foi já declarado no n.° 112 do presente acórdão, a segunda parte da argumentação da Portielje não tem já objeto devido à adoção pela Comissão da decisão de alteração. O presente fundamento não pode, portanto, prosperar.

122    Resulta do exposto que, não procedendo nenhum dos fundamentos do recurso de anulação interposto pela Portielje no Tribunal Geral, deve ser negado provimento a este recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

123    Nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do n.° 1 do mesmo artigo 184.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

124    No caso em apreço, tendo a Portielje sido vencida nos seus pedidos no âmbito quer do recurso de decisão do Tribunal Geral quer do seu recurso de anulação no processo T‑209/08 e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas nestas duas instâncias, há que condenar a Portielje nas despesas relativas quer à presente instância quer ao processo no Tribunal Geral.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      Os n.os 4 e 6 do dispositivo do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de junho de 2011, Gosselin Group e Stichting Administratiekantoor Portielje/Comissão (T‑208/08 e T‑209/08), são anulados.

2)      É negado provimento ao recurso da Stichting Administratiekantoor Portielje no processo T‑209/08.

3)      A Stichting Administratiekantoor Portielje é condenada nas despesas relativas quer ao processo de primeira instância, T‑209/08, quer ao processo de recurso.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.