Language of document : ECLI:EU:C:2013:29

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

22 de janeiro de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu das ligações em cobre e liga de cobre — Responsabilidade da sociedade‑mãe decorrente exclusivamente do comportamento ilícito da sua filial — Princípio ne ultra petita — Efeito na situação jurídica da sociedade‑mãe de uma anulação declarada por um acórdão que diz respeito a uma filial»

No processo C‑286/11 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 6 de junho de 2011,

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, V. Bottka e R. Sauer, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Tomkins plc, com sede em Londres (Reino Unido), representada por K. Bacon, barrister, mandatado por S. Jordan, solicitor,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, M. Ilešič, G. Arestis, M. Berger e E. Jarašiūnas, presidentes de secção, E. Juhász (relator), A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, D. Šváby e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 2 de maio de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de março de 2011, Tomkins/Comissão (T‑382/06, Colet., p. II‑1157, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral, por um lado, anulou parcialmente a Decisão C (2006) 4180 da Comissão, de 20 de setembro de 2006, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/F‑1/38.121 — Ligações) (sumário no JO 2007, L 283, p. 63, a seguir «decisão controvertida»), e, por outro, reduziu o montante da coima aplicada à Tomkins plc (a seguir «Tomkins»).

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

2        Nos n.os 1 a 3, 12 e 13 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral efetuou as seguintes constatações:

«1      Na [decisão controvertida], a Comissão […] chegou à conclusão de que várias empresas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) ao terem participado, ao longo de diferentes períodos compreendidos entre 31 de dezembro de 1988 e 1 de abril de 2004, numa infração única, complexa e continuada às regras comunitárias da concorrência, que revestiu a forma de um conjunto de acordos anticoncorrenciais e de práticas concertadas no mercado das ligações em cobre e em liga de cobre, que abrangeu o território do EEE. A infração consistia em fixar os preços, em acordar listas de preços, descontos e abatimentos e mecanismos de aplicação dos aumentos de preços, em repartir os mercados nacionais e os clientes, em trocar outras informações comerciais, em participar em reuniões periódicas e em manter outros contactos destinados a facilitar a infração.

2      A recorrente, [Tomkins], e a sua filial à época dos factos, [Pegler] (anteriormente, The Steel Nut & Joseph Hampton Ltd), estão entre os destinatários da decisão [controvertida].

3      A recorrente, entre 17 de junho de 1986 e 31 de janeiro de 2004, detinha 100% do capital da Pegler, que produz ligações em cobre. Em 1 de fevereiro de 2004, a Pegler foi vendida à equipa que a dirigia. Em 26 de agosto de 2005, a Pegler Holdings Ltd e a Pegler foram adquiridas pela Aalberts Industries NV, outro destinatário da decisão [controvertida].

[…]

12      No artigo 1.° da decisão [controvertida], a Comissão declarou que a recorrente e a sua filial Pegler tinham violado as disposições do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE entre 31 de dezembro de 1988 e 22 de março de 2001.

13      Devido a essa infração, a Comissão, no artigo 2.°, alínea h), da decisão [controvertida], aplicou à recorrente, solidariamente com a Pegler, uma coima de 5,25 milhões de euros.»

 Acórdão recorrido

3        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de dezembro de 2006, a Tomkins pediu, designadamente, que o Tribunal Geral se dignasse:

¾        anular a decisão controvertida, no que respeita à duração da participação da Pegler na infração;

¾        reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada solidariamente com a Pegler.

4        Na sequência de uma renúncia parcial aos fundamentos aduzidos no seu recurso, a recorrente invoca apenas um fundamento, relativo a um erro cometido pela Comissão a respeito da determinação da duração da participação da Pegler na infração.

5        Com efeito, resulta da decisão controvertida que a Comissão imputou à recorrente, que, entre 17 de junho de 1986 e 31 de janeiro de 2004, possuía 100% do capital da Pegler, o comportamento ilícito desta e condenou‑a solidariamente no pagamento da coima aplicada à sua filial. Esta imputação funda‑se no facto de a Tomkins exercer uma influência determinante sobre a Pegler durante o período em que decorreu a infração.

6        No n.° 38 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sublinhou que a Tomkins só foi considerada responsável pela infração enquanto sociedade‑mãe da Pegler e a respeito da participação desta última no cartel e que, assim, a sua responsabilidade não podia exceder a da Pegler. Ora, o artigo 1.° da decisão controvertida, na parte em que a Comissão declara que a Pegler participou no cartel em causa durante o período compreendido entre 31 de dezembro de 1988 e 29 de outubro de 1993, foi anulado pelo acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 2011, Pegler/Comissão (T‑386/06, Colet., p. II‑1267). Uma vez que a recorrente em primeira instância tinha contestado a participação da Pegler na infração no referido período, o Tribunal Geral examinou as consequências desta anulação para a Tomkins.

7        Após ter recordado, no n.° 40 do acórdão recorrido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito da impossibilidade de o juiz da União decidir ultra petita, nomeadamente o facto de não poder decidir sobre elementos que dizem respeito a outros destinatários além dos visados no pedido da recorrente (acórdão de 14 de novembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C‑310/97 P, Colet., p. I‑5363), o Tribunal Geral considerou, contudo, no n.° 42 do acórdão recorrido, que, do ponto de vista do direito da concorrência, a recorrente constitui uma entidade única com a sua filial, a qual obteve provimento parcial no recurso de anulação que interpôs no processo em que foi proferido o acórdão Pegler/Comissão, já referido. Consequentemente, considerou que a imputação da responsabilidade à recorrente, por parte da Comissão, implicava que aquela beneficiasse da anulação parcial da decisão controvertida neste processo.

8        Daqui concluiu o Tribunal Geral, no n.° 44 do acórdão recorrido, que não se pronuncia ultra petita quando, chamado a apreciar recursos de anulação que lhe foram submetidos em separado por uma sociedade‑mãe e pela sua filial, atende ao resultado do recurso interposto pela filial, desde que o pedido apresentado neste recurso tenha o mesmo objeto do pedido apresentado no recurso interposto pela sociedade‑mãe.

9        Perante uma responsabilidade da sociedade‑mãe estritamente ligada à da sua filial, já que o pagamento de uma coima a título solidário pela Tomkins não poderia ter ocorrido na falta de imputação à mesma do comportamento ilícito da Pegler, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida, no que respeita ao início da participação da recorrente na infração, ou seja, de 31 de dezembro de 1988 a 29 de outubro de 1993, e, consequentemente, reduziu o montante da coima que foi aplicada à Tomkins, de 5,25 milhões de euros para 4,25 milhões de euros, dos quais 3,4 milhões de euros a título solidário com a Pegler.

10      Relativamente à cessação da infração, o Tribunal Geral declarou, no n.° 53 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha considerado corretamente que a Pegler não tinha provado que se tinha distanciado do acordo celebrado em 10 de junho de 2000, que tinha por objeto um aumento dos preços a partir de 14 de agosto de 2000, e que, por isso, tinha participado no cartel, de maneira contínua, até à data em que a Comissão considerou que o cartel tinha terminado, ou seja, na data das inspeções não anunciadas que realizou durante o mês de março de 2001.

 Pedidos das partes

11      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça:

¾        anule o acórdão recorrido;

¾        negue provimento ao recurso interposto pela Tomkins no Tribunal Geral, na sua totalidade.

12      A Tomkins conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        negar provimento ao recurso na sua totalidade;

¾        condenar a Comissão nas despesas relativas ao processo em primeira instância e ao presente processo.

 Quanto ao presente recurso

 Argumentos das partes

13      A Comissão invoca cinco fundamentos em apoio do seu recurso, relativos, respetivamente, a uma violação da regra aplicável em matéria de decisão ultra petita, à constatação errada segundo a qual os recursos da sociedade‑mãe e da sua filial tinham o mesmo objeto, à não tomada em consideração, pelo Tribunal Geral, do facto de a Tomkins fazer parte de uma empresa que admitiu ter cometido uma infração, a uma falta de fundamentação e a uma contradição nos fundamentos do acórdão recorrido e, por último, à violação do direito a um processo equitativo.

 Quanto ao primeiro fundamento

14      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que, ao anular a decisão controvertida na medida em que se referia a uma parte da duração da participação na infração apurada nessa decisão, com base em elementos que nunca foram apresentados pela Tomkins, o Tribunal Geral violou a regra que impede um órgão jurisdicional de se pronunciar ultra petita. A jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular o acórdão Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., já referido, e o acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o. (C‑201/09 P e C‑216/09 P, Colet., p. I‑2239), não reconhece exceção a esta regra, pelo facto de duas recorrentes pertencerem à mesma empresa e serem declaradas solidariamente responsáveis. A anulação que cada recorrente, destinatária de uma decisão, procura obter está necessariamente limitada aos fundamentos invocados por cada uma delas no seu próprio processo e não pode haver exceções para destinatários que pertençam à mesma empresa.

15      A Comissão considera que o Tribunal Geral confundiu o conceito de empresa, enquanto entidade económica em matéria de concorrência, na aceção do artigo 101.° TFUE e do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003, L 1, p. 1), com o conceito processual de pessoa jurídica que apresenta um pedido nos órgãos jurisdicionais da União, em aplicação do artigo 263.° TFUE e do Regulamento n.° 1/2003. Segundo a Comissão, que se baseia no acórdão ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., já referido, um recurso interposto por uma entidade que faz parte de um grupo não afeta a posição jurídica das outras entidades do grupo. Compete ao destinatário da decisão decidir sobre o alcance do seu recurso nos órgãos jurisdicionais da União, bem como sobre os fundamentos que pretende invocar. Supondo que a anulação parcial da decisão que diz respeito à filial comprove a existência de um erro material da Comissão, que pode potencialmente beneficiar a sociedade‑mãe, é esta última que deve invocar o referido erro no Tribunal Geral.

16      A Comissão alega que as coimas aplicadas a entidades jurídicas que façam parte de uma única empresa podem variar, mesmo que, para uma determinada parte destas coimas, seja imputada uma responsabilidade solidária. Consequentemente, a responsabilidade solidária de duas entidades de uma mesma empresa não tem consequências para a aplicação da jurisprudência decorrente do acórdão Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., já referido, em matéria de decisão ultra petita. No caso vertente, não há uma relação estrita entre a responsabilidade da Tomkins e a da Pegler.

17      Segundo a Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao se pronunciar sobre o fundamento relativo à duração da participação na infração, sem analisar os argumentos jurídicos aduzidos pela própria Tomkins acerca da data do início da infração, e ao ter‑se limitado, a este respeito, a reportar‑se à decisão do acórdão Pegler/Comissão, já referido. O Tribunal Geral reinterpretou e requalificou, assim, o objeto do recurso.

18      Além disso, a Comissão alega que, ao reduzir o montante da coima aplicada à Tomkins, com base num acórdão distinto, o Tribunal Geral usurpou indevidamente as funções da Comissão. Compete à Comissão, e não ao Tribunal Geral, tirar as consequências deste acórdão, reduzindo ou anulando o montante desta coima, conforme o caso, a fim de cumprir o referido acórdão de anulação.

19      Segundo a Tomkins, o primeiro fundamento aduzido é inadmissível, porquanto a Comissão tenta obter uma nova análise dos factos já analisados pelo Tribunal Geral, em particular, das declarações relativas à duração da infração imputada à Tomkins, o que é contrário à natureza do recurso.

20      A título subsidiário, a Tomkins alega que o Tribunal Geral não se pronunciou ultra petita e não se afastou da jurisprudência na matéria. Sublinha que a redução da duração da participação da Pegler na infração e do montante da coima, por considerar que a Comissão cometeu um erro ao determinar essa duração, constituía uma das pretensões do seu pedido, expressamente referida no seu recurso para o Tribunal Geral. A tal acresce que tanto o acórdão Comissão/AssiDomän Kraft Products e o. como o acórdão ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., já referidos, não são pertinentes.

21      A Tomkins alega que o Tribunal Geral não criou uma exceção à regra processual segundo a qual um órgão jurisdicional não se pode pronunciar ultra petita, mas que apreciou de maneira correta os factos do presente processo, nomeadamente no que diz respeito à responsabilidade solidária das duas sociedades em causa, pertencentes ao mesmo grupo. No seu exame dos factos, a Comissão confundiu, no seu recurso, o fundamento invocado pela Tomkins, cujo objeto era a redução não só da duração da infração cometida pela Pegler como da coima devida, com os elementos de facto apresentados quanto às datas precisas de início e de fim da infração em apoio dos seus pedidos. A Comissão não pode defender que a Tomkins deve suportar o ónus da responsabilidade que lhe incumbe, mas que não pode beneficiar da redução, pelo Tribunal Geral, da responsabilidade primordial e direta da sociedade filial em causa, o que teria como resultado a imputação de uma responsabilidade que não poderia ser conjunta nem solidária.

22      No que respeita à confusão entre as normas substantivas em matéria de concorrência, baseadas no conceito de empresa, e as regras processuais, cujo fundamento é constituído pelo conceito de entidade jurídica, a Tomkins sublinha que a Comissão procedeu a uma qualificação errada do direito da União. O Tribunal Geral admitiu, corretamente, que existe uma conexão estreita e «inextricável» entre os acórdãos, já referidos, Pegler/Comissão e Tomkins/Comissão, a qual, no âmbito da boa administração da justiça, justifica as referências cruzadas entre os dois processos.

 Quanto ao segundo fundamento

23      A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao considerar que os pedidos da Tomkins e da sua filial Pegler em apoio do recurso de anulação tinham o «mesmo objeto». Segundo a Comissão, estas duas pessoas jurídicas refutam períodos diferentes de participação na infração, ou seja, a Tomkins, de 31 de dezembro de 1988 a 7 de fevereiro de 1989, isto é, 38 dias, e a Pegler, de 31 de dezembro de 1988 a 29 de outubro de 1993, ou seja, uma duração de 4 anos, 9 meses e 29 dias. Estas divergências e as resultantes do facto de estas duas entidades terem invocado fundamentos e argumentos diferentes constituem, segundo a Comissão, pedidos cujo objeto é diferente.

24      Por outro lado, o Tribunal Geral, no n.° 42 do acórdão recorrido, baseou‑se numa premissa factual errada, suscetível de constituir uma desvirtuação dos factos, na medida em que a Tomkins alegou que «se a decisão [controvertida] devesse ser anulada no que diz respeito à Pegler, haveria que anular igualmente a referida decisão na medida em que lhe diz respeito». Ora, a Tomkins não invocou este fundamento no seu recurso de anulação nem na sua réplica e, portanto, o Tribunal Geral procedeu a uma desvirtuação do fundamento invocado pela recorrente.

25      Segundo a Tomkins, o Tribunal Geral entendeu corretamente que as suas conclusões e as da Pegler tinham o «mesmo objeto», uma vez que ambas as partes pediram expressamente, cada uma no seu próprio recurso, a redução da duração da participação da Pegler na infração, tal como decorre das constatações da Comissão.

 Quanto ao terceiro fundamento

26      Segundo a Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao reduzir a responsabilidade de uma entidade da «empresa Tomkins», com o fundamento de que a duração da participação na infração tinha sido reduzida no que diz respeito a outra entidade dessa empresa, a saber, a sua filial Pegler. A redução da responsabilidade da Pegler pela infração foi feita com base na qualidade de «sociedade dormente», reconhecida à Pegler, e não no facto de o grupo em questão não ter participado na infração. O facto de esta última sociedade poder não ser a destinatária certa dentro do grupo, num determinado período, só diz respeito a essa filial e não exonera toda a empresa da sua responsabilidade relativa à infração às regras da concorrência. Assim, o Tribunal Geral não podia legalmente anular a coima aplicada à Tomkins, no tocante ao período compreendido entre 20 de janeiro de 1989 e 29 de outubro de 1993, com o fundamento de que «a responsabilidade [da Tomkins estava] estreitamente ligada à da Pegler», baseando‑se numa ligação que não existia.

27      A Tomkins alega que o terceiro fundamento é inadmissível, uma vez que visa obter o reexame de factos que já foram decididos pelo Tribunal Geral e que, além disso, a Comissão não invocou este fundamento em primeira instância.

 Quanto ao quarto fundamento

28      A título subsidiário, a Comissão argumenta que o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação, na medida em que não explicita com precisão suficiente que ele constitui uma derrogação ao acórdão Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., já referido. Por outro lado, nos n.os 56 e 57 do acórdão recorrido, que dizem respeito ao coeficiente de multiplicação a título dissuasivo, o Tribunal Geral foi incoerente e impreciso, na medida em que convida a Comissão a tirar as consequências da responsabilidade solidária pelo pagamento da coima para a Tomkins, antes de ele próprio determinar o montante da mesma, no n.° 59 do referido acórdão.

29      A Tomkins considera que este quarto fundamento é improcedente, sublinhando que o acórdão do Tribunal Geral expõe com clareza suficiente o seu entendimento, permitindo, assim, às partes conhecer as justificações da sua decisão e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.

 Quanto ao quinto fundamento

30      A Comissão alega que o Tribunal Geral violou o princípio do contraditório e o direito a um processo equitativo, na medida em que não lhe deu a oportunidade de tomar posição sobre a intenção deste de reduzir o montante da coima aplicada à Tomkins, com base nos fundamentos invocados pela Pegler num processo distinto. Ao fazer referência a uma parte de um acórdão, apesar de o dito fundamento invocado pela Pegler em apoio do seu recurso não ter sido invocado pela Tomkins durante a fase escrita, o Tribunal Geral violou os direitos de defesa da Comissão.

31      A Tomkins considera que este fundamento é desprovido de fundamento, uma vez que a Comissão era parte no processo em que foi proferido o acórdão Pegler/Comissão, já referido, e estava, assim, perfeitamente informada acerca dos argumentos relativos à duração da infração. Segundo a Tomkins, a Comissão não invocou este fundamento durante o processo em que foi proferido o acórdão recorrido, unicamente por razões táticas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto ao primeiro, segundo e terceiro fundamentos

32      Na medida em que o primeiro, segundo e terceiro fundamentos do recurso coincidem largamente, importa examiná‑los em conjunto.

33      No n.° 38 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que «a recorrente não é considerada responsável pelo cartel em causa devido à sua participação direta nas atividades deste. Apenas foi considerada responsável pela infração devido à participação da Pegler no cartel, por ser a sua sociedade‑mãe. Assim, a sua responsabilidade não pode exceder a da Pegler».

34      Com efeito, é pacífico entre as partes que a responsabilidade da Tomkins resulta exclusivamente da participação da sua filial Pegler no cartel imputado na decisão controvertida.

35      Todavia, com estes três fundamentos do seu recurso, a Comissão alega, em substância, que, seja qual for a responsabilidade da empresa constituída por estas duas sociedades de um mesmo grupo, a respeito da infração imputada na decisão controvertida, a sociedade Tomkins não pode beneficiar, no âmbito do processo desencadeado pelo recurso que interpôs no Tribunal Geral, da redução da duração da infração decidida pelo Tribunal Geral no âmbito do procedimento desencadeado pelo outro recurso interposto no Tribunal Geral, pela sociedade Pegler, com base em elementos de argumentação que a Tomkins não invocou no âmbito do seu próprio recurso.

36      Com o seu terceiro fundamento, a Comissão apoia‑se na distinção entre a responsabilidade das entidades juridicamente separadas num grupo de sociedades e salienta, em particular, que, no caso em apreço, a decisão controvertida teve por destinatários a Tomkins e a Pegler e que a constatação relativa ao período de 31 de dezembro de 1988 a 29 de outubro de 1993 foi anulada com fundamento em que a Pegler era, no início, «uma sociedade dormente na aceção do direito das sociedades inglês», e, mais tarde, «uma sociedade dormente na qualidade de mandatária».

37      Todavia, estas considerações não são suficientes para pôr em causa a constatação do Tribunal Geral no n.° 38 do acórdão recorrido, porque, para imputar a responsabilidade a qualquer entidade de um grupo, é necessário que se faça prova de que pelo menos uma entidade infringiu as regras de concorrência da União e que esta circunstância seja salientada numa decisão que se tornou definitiva.

38      Ora, no caso em apreço, não foi produzida essa prova, em definitivo, relativamente ao período de 31 de dezembro de 1988 a 29 de outubro de 1993, uma vez que o Tribunal Geral anulou parcialmente a decisão controvertida, no tocante a esse período, no seu acórdão Pegler/Comissão, já referido. A este respeito, não é relevante a razão pela qual foi declarada a ausência de comportamento ilícito da Pegler.

39      Por conseguinte, o Tribunal Geral baseou‑se corretamente na premissa de que a responsabilidade da Tomkins enquanto sociedade‑mãe é, neste caso, puramente derivada e acessória e depende, assim, da responsabilidade da sua filial Pegler, tendo estas duas sociedades sido, além disso, condenadas solidariamente a pagar a coima cuja redução foi solicitada.

40      Importa, por outro lado, acrescentar que o fundamento e os argumentos da Tomkins em primeira instância não visavam, como resulta dos n.os 25 e 28 a 30 do acórdão recorrido, a sua própria participação na infração, mas unicamente a da Pegler.

41      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral, ao reduzir a duração da infração igualmente à Tomkins, sem que esta sociedade tenha apresentado um pedido expresso nesse sentido, decidiu ultra petita, em violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça expressa, em particular, nos acórdãos, já referidos, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o. e ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o.

42      A Comissão reconhece, no âmbito do seu segundo fundamento, que, tal como a Pegler, a Tomkins contestou perante o Tribunal Geral o período da infração imputado na decisão controvertida. Todavia, sublinha que esta sociedade‑mãe não punha em causa o mesmo período que a sua filial, mas unicamente uma pequena parte desse período e com argumentos diferentes dos invocados pela Pegler. A Comissão conclui daqui que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao decidir, no n.° 44 do acórdão recorrido, que os recursos interpostos separadamente pela Pegler e pela Tomkins tinham o mesmo objeto.

43      Não obstante, importa declarar que, numa situação em que a responsabilidade da sociedade‑mãe deriva inteiramente da responsabilidade da sua filial e em que estas duas sociedades interpuseram recursos que tinham por objeto, nomeadamente, que o Tribunal Geral reduzisse a coima, a título de uma redução da duração da infração cometida pela filial, o conceito de «mesmo objeto» não exige que o alcance dos pedidos destas sociedades e dos argumentos por elas invocados para contestar a duração da infração imputada pela Comissão seja idêntico.

44      Consequentemente, na medida em que é pacífico que tanto a Pegler como a Tomkins contestaram a duração da infração e que uma parte desse período era idêntica, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito nas constatações que fez no n.° 44 do acórdão recorrido.

45      O argumento da Comissão segundo o qual o Tribunal Geral desvirtuou o fundamento invocado pela Tomkins deve, também ele, ser considerado inoperante. Com efeito, resulta dos números precedentes do presente acórdão que o Tribunal Geral podia concluir que o objeto do pedido da sociedade‑mãe e o da sua filial eram idênticos, independentemente de a Tomkins ter apresentado ou não, no seu recurso, o pedido que figura na terceira frase do n.° 42 do acórdão recorrido e reproduzido no n.° 24 do presente acórdão.

46      No que diz respeito à jurisprudência referida no n.° 41 do presente acórdão, importa constatar que, contrariamente ao entendimento da Comissão, a referida jurisprudência não é transponível para a resolução do presente litígio.

47      Com efeito, no processo em que foi proferido o acórdão Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., já referido, ao contrário dos factos do presente acórdão, a sociedade AssiDomän Kraft Products AB e seis outras sociedades suecas não interpuseram recurso da decisão da Comissão, a qual foi parcialmente anulada pelo Tribunal de Justiça na sequência do recurso interposto por outras empresas.

48      No litígio em que foi proferido o acórdão ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., já referido, que dizia respeito a uma questão jurídica de outra natureza, nomeadamente a suspensão da prescrição em matéria de execução de sanções, tratava‑se de três sociedades pertencentes ao mesmo grupo. Como o Tribunal de Justiça constatou no n.° 149 desse acórdão, a decisão inicial da Comissão visava apenas uma destas sociedades, e essa decisão tinha sido anulada pelo Tribunal Geral a respeito dessa única sociedade. Por conseguinte, não se poderia inferir de tal anulação nenhum efeito a respeito das outras duas sociedades.

49      Assim, num caso como o que está em apreço, em que a responsabilidade da sociedade‑mãe deriva exclusivamente da responsabilidade da sua filial e em que a sociedade‑mãe e a sua filial interpuseram recursos paralelos com o mesmo objeto, o Tribunal Geral podia, sem se pronunciar ultra petita, ter em conta o resultado do recurso interposto pela Pegler e anular a decisão controvertida, no tocante ao período anterior a 29 de outubro de 1993, igualmente no que diz respeito à Tomkins.

50      A este propósito, a possibilidade invocada pela Comissão de ela própria poder alterar ou retirar a sua decisão tomada sobre a sociedade‑mãe, a fim de tirar as consequências do acórdão do Tribunal Geral, não fornece uma garantia suficiente para a proteção dos direitos das empresas no domínio da aplicação do direito da concorrência da União.

51      Resulta das considerações que precedem que o primeiro, segundo e terceiro fundamentos da Comissão são improcedentes.

 Quanto ao quarto fundamento

52      O quarto fundamento divide‑se em duas partes.

53      Na primeira parte, a Comissão acusa o Tribunal Geral de não ter efetuado um juízo suficientemente claro em apoio da anulação parcial da decisão controvertida. Repete abundantemente os argumentos já apresentados no âmbito do primeiro, segundo e terceiro fundamentos.

54      A esse respeito, basta remeter para as considerações do Tribunal de Justiça no âmbito destes fundamentos, das quais resulta que as acusações da Comissão são infundadas.

55      Na segunda parte, a Comissão alega uma incoerência ou uma imprecisão na fundamentação do acórdão recorrido, na medida em que, por um lado, o Tribunal Geral convida a Comissão a tomar em conta o seu acórdão Pegler/Comissão, já referido, no que diz respeito ao fator dissuasor, e, por outro, ele próprio fixa, no n.° 59 do acórdão recorrido, o montante da coima aplicada à Tomkins.

56      Todavia, importa declarar que o acórdão recorrido não revela nenhuma contradição ou imprecisão. Com efeito, o Tribunal Geral reduziu o montante da coima apenas na medida em que anulou a decisão controvertida, no tocante ao período anterior a 29 de outubro de 1993, igualmente no que respeita à Tomkins. Em contrapartida, o Tribunal Geral, nos n.os 56 a 58 do mesmo acórdão, tirou a consequência do facto de o recurso da Tomkins não visar um erro da Comissão na aplicação do fator dissuasor.

57      Daqui resulta que o quarto fundamento é improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento

58      Com este fundamento, a Comissão alega a violação do direito a um processo equitativo. Em particular, acusa o Tribunal Geral de não lhe ter dado a oportunidade de expor o seu ponto de vista sobre a intenção que ele tinha de se basear nos fundamentos apresentados pela Pegler.

59      Em primeiro lugar, importa recordar que a Comissão não requereu a realização de uma audiência neste processo. Como o Tribunal Geral afirma no n.° 23 do acórdão recorrido, a Comissão comunicou por ofício que, «nas circunstâncias do presente caso, deveria ser o Tribunal a decidir da utilidade da realização de uma audiência».

60      As críticas da Comissão relativas à inobservância do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo baseiam‑se na firme convicção desta instituição de que é absolutamente impossível fazer com que a sociedade‑mãe Tomkins beneficie de uma redução do período de infração apurado para a sua filial Pegler, tratando‑se de recursos que não são totalmente idênticos.

61      Ora, como resulta das considerações e das conclusões do Tribunal de Justiça no âmbito do primeiro, segundo e terceiro fundamentos, esta possibilidade existe em determinadas circunstâncias. A aplicação desta possibilidade é o resultado de uma apreciação jurídica do Tribunal Geral que este órgão jurisdicional tem o direito de efetuar sem informar as partes antes da prolação do acórdão. Agir assim não constitui uma violação dos direitos de defesa ou do direito a um processo equitativo.

62      Daqui decorre que o quinto fundamento não é procedente.

63      Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela Comissão é procedente, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

64      Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Tomkins pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.