Language of document : ECLI:EU:C:2012:583

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 20 de setembro de 2012 (1)

Processo C‑325/11

Krystyna Alder

e

Ewald Alder

contra

Sabina Orlowska

e

Czeslaw Orlowski

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie (Polónia)]

«Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.° 1393/2007 — Âmbito de aplicação — Determinação dos casos nos quais um ato deve ser transmitido de um Estado para outro — Disposição nacional que prevê a presunção da citação através da junção aos autos na falta da nomeação pela parte com domicílio no território de outro Estado‑Membro de um representante encarregado de receber as citações com domicílio no território nacional»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho (2).

2.        A questão versa mais especificamente sobre o ponto de saber se os Estados‑Membros dispõem ou não de uma margem de manobra para definirem os casos nos quais um ato deve ser objeto de uma citação transfronteiriça de acordo com as regras previstas pelo Regulamento n.° 1393/2007.

3.        Posto que a aplicação uniforme das regras de citação e notificação dos atos judiciais em todos os Estados‑Membros constitui um desafio primordial para a construção de um espaço judiciário europeu, o aspeto técnico e a complexidade da matéria, caracterizada tanto pelo emaranhado de normas nacionais, internacionais ou provenientes do direito da União como pela coexistência, na própria ordem jurídica da União, das regras provenientes do Regulamento n.° 1393/2007 com as regras oriundas de outros instrumentos, não devem ofuscar a importância efetiva que assume esta questão, a qual oferece ao Tribunal de Justiça uma oportunidade para esclarecer as modalidades da articulação entre os direitos processuais internos e a ordem jurídica da União.

4.        O presente processo tem origem numa ação de cobrança de dívida intentada em 20 de novembro de 2008 no Sąd Rejonowy w Koszalinie (Polónia) por K. Alder e E. Alder (3), residentes na Alemanha, contra S. Orłowska e C. Orłowski, residentes na Polónia.

5.        Este órgão jurisdicional notificou ao casal Alder a sua obrigação de, no prazo de um mês, designar um representante autorizado a receber as notificações de atos processuais, nos termos do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco (Kodeks postępowania cywilnego), o qual prevê que, se a parte que tiver o seu domicílio no estrangeiro não constituir mandatário ad litem nem nomear um representante para receber estas notificações, os atos processuais que lhe forem dirigidos são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada.

6.        O casal Alder não constituiu mandatário ad litem nem nomeou um representante para receber as notificações, tendo a sua ação sido julgada improcedente por sentença proferida após uma audiência à qual não compareceu.

7.        Em 29 de outubro de 2009, o casal Alder apresentou um pedido de reabertura do processo de cobrança de dívida e de revogação da sentença, alegando que a audiência não lhe foi efetivamente notificada, pelo que lhe foi negada a possibilidade de agir, e que, não lhe tendo notificado os atos processuais no seu domicílio na Alemanha, o Sąd Rejonowy w Koszalinie violou o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. Em 23 de junho de 2003, este órgão jurisdicional indeferiu este pedido.

8.        Conhecendo do recurso interposto pelo casal Alder, o Sąd Okręgowy w Koszalinie (Polónia) revogou em 19 de abril de 2011 essa sentença e ordenou a remessa dos autos ao órgão jurisdicional que se tinha inicialmente pronunciado para que tomasse nova decisão, tendo entendido que a presunção de citação era contrária ao Regulamento n.° 1393/2007.

9.        O Sąd Rejonowy w Koszalinie, que não partilha desta análise, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados‑Membros, e 18.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ser interpretados no sentido de que é lícito admitir a junção aos autos de determinados atos processuais dirigidos a pessoas com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado‑Membro, com a consequência de se presumir que esses atos lhes foram notificados, quando essas pessoas não tiverem nomeado um representante para receber notificações domiciliado no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos?»

I —    Quadro jurídico

A —    Direito da União

1.      Artigo 18.° TFUE

10.      O artigo 18.° TFUE prevê:

«No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem adotar normas destinadas a proibir essa discriminação.»

2.      Regulamento n.° 1393/2007

11.      O Regulamento n.° 1393/2007, que revoga e substitui o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (4), estabelece um regime de citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União. Destinado a acelerar e facilitar a transmissão dos atos, o Regulamento n.° 1393/2007 prevê a transmissão dos atos judiciais, diretamente e no mais breve prazo possível (5), através de entidades de origem e de entidades requeridas designadas pelos Estados‑Membros (6), permitindo embora outros modos de transmissão (7), sem estabelecer qualquer hierarquia entre eles (8), como a transmissão por via consular ou diplomática em casos excecionais (9), a citação ou a notificação por agentes diplomáticos ou consulares (10), a citação ou a notificação através dos serviços postais (11) ou a citação ou a notificação direta por oficiais de justiça a pedido de quaisquer interessados (12).

12.      Os considerandos 6 a 9 do Regulamento n.° 1393/2007 têm a seguinte redação:

«(6)      A eficácia e a celeridade nos processos judiciais no domínio civil impõe que os atos judiciais e extrajudiciais sejam transmitidos diretamente e através de meios rápidos entre as entidades locais designadas pelos Estados‑Membros. […]

(7)      A celeridade na transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do ato recebido. […]

(8)      O presente regulamento não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado‑Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.

(9)      A citação ou notificação de um ato deverá ser efetuada logo que possível e, em todo o caso, no prazo de um mês a contar da receção do ato pela entidade requerida.»

13.      O artigo 1.° deste regulamento dispõe:

«1.      O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por atos e omissões no exercício do poder público (‘ata iure imperii’).

2.      O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.

3.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘Estado‑Membro’ todos os Estados‑Membros com exceção da Dinamarca.»

14.      Nos termos do artigo 26.°, último parágrafo, do referido regulamento, este é «obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável nos Estados‑Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia».

B —    Direito polaco

15.      Nos termos do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco:

«1.      A parte que tiver o seu domicílio, paradeiro habitual ou sede no estrangeiro, se não constituir mandatário com domicílio profissional na República da Polónia, está obrigada a nomear um representante para receber as notificações na República da Polónia.

2.      Se a parte não nomear representante para receber as notificações, os atos processuais que lhe forem dirigidos são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada. A parte deve ser informada deste facto na primeira notificação que lhe for feita. Deve ser ainda informada da possibilidade de contestar o pedido introdutório da instância e de se pronunciar por escrito, bem como sobre quem pode recair a nomeação de mandatário judicial.»

II — Análise

16.      A questão apresentada pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie implica que se examine a compatibilidade do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco com o direito da União numa dupla perspetiva. Cumpre, por um lado, verificar se a presunção de notificação na ausência de nomeação de um representante é permitida na perspetiva do Regulamento n.° 1393/2007, especialmente do seu artigo 1.° Por outro lado, há que verificar se a disposição controvertida é compatível com o princípio de não discriminação em razão da nacionalidade previsto no artigo 18.° TFUE.

17.      Por razões de clareza da análise, examinarei separadamente estes dois aspetos da questão.

A —    Exame da disposição controvertida na perspetiva do artigo 1.° do Regulamento n.° 1393/2007

18.      Por força do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007, este é aplicável «quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação».

19.      Adotado com fundamento no artigo 61.°, alínea c), CE, que habilita o Conselho a adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil unicamente se estas tiverem «incidência transfronteiriça», o Regulamento n.° 1393/2007 só é aplicável em caso de citação ou notificação internacional e não em caso de citação ou notificação interna.

20.      Visto que o artigo 1.° deste regulamento não especifica em que casos um documento «dev[e]» ser transmitido ao estrangeiro para aí ser objeto de citação ou notificação, coloca‑se a questão de saber se este deixa a cada Estado‑Membro o cuidado de definir quando um ato deve ser transmitido ao estrangeiro para efeitos de citação ou notificação ou se, pelo contrário, é aplicável desde que a morada do destinatário do ato a ser objeto de citação ou notificação se situe noutro Estado‑Membro.

1.      Argumentos das partes

21.      Os demandados no processo principal e os Governos polaco e italiano pronunciam‑se no sentido da primeira alternativa alegando que, em conformidade com o princípio da autonomia processual, o Regulamento n.° 1393/2007 se limita a organizar a execução das notificações exigidas pelos direitos processuais nacionais.

22.      Os Governos polaco e italiano acrescentam que existem obrigações análogas de nomeação de um representante para receber as notificações no direito da União (13).

23.      O Governo polaco considera, além disso, que a instituição do representante autorizado a receber as notificações prevista pelo direito polaco se destina a cumprir os mesmos objetivos de eficácia e celeridade dos processos judiciais que são prosseguidos pelo Regulamento n.° 1393/2007.

24.      Pelo contrário, o casal Alder, o Governo português e a Comissão Europeia optam pela segunda alternativa, defendendo que as condições de citação e de notificação previstas pelo Regulamento n.° 1393/2007 são aplicáveis a partir do momento em que a parte à qual o ato deve ser notificado resida noutro Estado‑Membro e o seu endereço seja conhecido.

25.      Para o casal Alder, a disposição nacional polaca, aplicando este regulamento unicamente quanto à primeira notificação, bloqueia a circulação comunitária dos atos judiciais, pese embora o artigo 14.° do referido regulamento autorizar a citação ou a notificação dos atos através dos serviços postais.

26.      Com base no artigo 26.°, último parágrafo, do Regulamento n.° 1393/2007, o Governo português considera, no mesmo sentido, que as disposições do Código de Processo Civil polaco são unicamente aplicáveis aos cidadãos residentes num Estado que não seja membro da União, posto que o dever de transmissão ao abrigo deste regulamento está apenas subordinado ao facto de o domicílio, o paradeiro habitual ou a sede de uma das partes não estar situado no Estado‑Membro em que a ação foi intentada, o que confere um caráter transnacional ao processo, independentemente do que disponha o direito processual nacional.

27.      Apesar de também considerar que a obrigação de designar um representante na Polónia não é compatível com o Regulamento n.° 1393/2007, a Comissão, que refere que a compatibilidade do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco com o direito da União é objeto de diálogo com as autoridades polacas na sequência de uma petição dirigida ao Parlamento (14), dedica uma parte preponderante das suas observações à análise da compatibilidade desta disposição com o artigo 18.° TFUE. Sustenta que a obrigação de nomear um representante na Polónia é incompatível com este artigo, por constituir uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, na medida em que geralmente visa mais precisamente os nacionais de outros Estados‑Membros, os quais, em numerosos casos, não têm domicílio, local de residência habitual ou sede na Polónia.

2.      Apreciação

28.      Concordando com a posição do casal Alder, do Governo português e da Comissão, entendo que não é compatível com o Regulamento n.° 1393/2007 o facto de se punir com uma presunção de notificação a falta de nomeação, pela parte com domicílio no estrangeiro, de um representante com domicílio na Polónia encarregado de receber os atos.

29.      Este regulamento revoga e substitui o Regulamento n.° 1348/2000, que se inspira na Convenção elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União Europeia (15). A Convenção de 1997, destinada a elaborar um instrumento visando simplificar e acelerar os processos de transmissão dos atos judiciais e extrajudiciais entre os Estados‑Membros, não entrou em vigor por não ter sido ratificada antes da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.

30.      Contendo embora certas inovações (16), designadamente com o objetivo de melhor preservar os direitos das partes, a Convenção de 1997 inscrevia‑se no seguimento lógico da Convenção da Haia de 15 de novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial (17), que estabelece um mecanismo de cooperação administrativa que permite a citação ou a notificação de um ato através de uma autoridade central encarregada de receber os pedidos e de lhes dar seguimento. Além disso, o artigo IV do Protocolo anexo à Convenção de Bruxelas de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (18), com as adaptações que lhe foram introduzidas pela Convenção de 29 de novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (19), estabeleceu, como modo facultativo de transmissão dos atos judiciais, a sua transmissão direta de um oficial de justiça para outro.

31.      A Convenção da Haia de 1965 é considerada desprovida de caráter obrigatório, no sentido de que só é aplicável quando a lei interna do Estado do foro decidir que um ato deve ser transmitido para o estrangeiro para efeitos de citação ou notificação. Assim, o manual prático sobre o funcionamento desta convenção, redigido pela Secretaria Permanente da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (20), refere que «uma breve resenha» da prática dos Estados Contratantes «parece confirmar, apenas com algumas exceções, o caráter não obrigatório da [referida] convenção» (21), acrescentando, em tom de lamento, que, para cumprir plenamente o objetivo de assegurar que o ato objeto de citação ou notificação chega ao conhecimento efetivo do seu destinatário, a Convenção da Haia de 1965 se deveria ter imiscuído no direito nacional e definir ela própria as condições de uma citação ou notificação válida, o que constituiria o único meio de eliminar os modos de citação ou de notificação presumida, como a entrega ao Ministério Público.

32.      Considero, no entanto, que a evolução profunda que a matéria conheceu, designadamente na sequência da sua comunitarização, implica uma nova leitura das relações entre a regulamentação atualmente resultante do Regulamento n.° 1393/2007 e os direitos processuais nacionais.

33.      Com efeito, há que tomar em consideração a evolução dos objetivos atribuídos à política da União em matéria de cooperação judiciária civil e da vontade de criar um espaço judiciário europeu, destinado, por um lado, a assegurar a livre circulação dos atos judiciais e extrajudiciais e, por outro, a promover os direitos fundamentais.

34.      Retomem‑se, sucessivamente, estas duas finalidades indissociáveis

35.      O Regulamento n.° 1393/2007 insere‑se, em primeiro lugar, na criação de um espaço judiciário europeu no qual deve ser assegurada a livre circulação dos atos judiciais e extrajudiciais.

36.      Como o Tribunal de Justiça decidiu nos seus acórdãos de 8 de novembro de 2005, Leffler (22), e de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort (23), o objetivo do Tratado de Amesterdão, de criar um «espaço de liberdade, de segurança e de justiça», dando uma «dimensão nova» à Comunidade Europeia, e a transferência, do Tratado UE para o Tratado CE, do regime que permite a adoção de medidas que se incluem no domínio da cooperação judiciária em matéria civil com efeitos transfronteiriços atestam a vontade de os Estados‑Membros «ancorarem» estas medidas na ordem jurídica da União (24).

37.      Esta «ancoragem» confere uma nova consistência ao sistema de citação e de notificação transfronteiriça, o qual participa no bom funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos atos judiciais e extrajudiciais.

38.      A vontade de construir um espaço judiciário europeu levou aliás a que o legislador da União ultrapassasse a via da simples coordenação dos processos nacionais, procedendo a avanços na aplicação de processos comunitários específicos, destinados a regular mais rápida e eficazmente os litígios transfronteiriços, como o título executivo europeu para créditos não contestados (25), o procedimento europeu de injunção de pagamento (26) e o processo europeu para ações de pequeno montante (27).

39.      Embora não tenham procedido à unificação dos modos de citação ou de notificação à escala europeia, em contrapartida, estes novos instrumentos estabelecem normas mínimas, relativamente às quais tanto o Regulamento n.° 805/2004 como o Regulamento n.° 1896/2006 especificam que nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção jurídica pode ser considerado suficiente (28).

40.      Sendo que a realização de atos processuais no território de outro Estado‑Membro era tradicionalmente considerada uma ingerência na soberania dos Estados, estes vários regulamentos, através da instauração destas normas mínimas, conseguem um abandono progressivo, ainda que limitado, de certos atributos desta soberania, pois preveem que sejam efetuadas citações ou notificações transfronteiriças diretas por via postal (29), sem concederem aos Estados‑Membros a faculdade de se oporem a este modo de transmissão. Do mesmo modo, diversamente da Convenção da Haia de 1965, a qual prevê que o Estado destinatário pode obstar à transmissão direta, por via postal, de atos judiciais às pessoas que se encontrem no seu território (30), o Regulamento n.° 1393/2007 não permite que o Estado‑Membro em cujo território resida o destinatário a exclua e nem sequer que especifique as condições da sua utilização (31).

41.      A criação de um espaço judiciário europeu é, em segundo lugar, indissociável da finalidade geral de uma União de direito que constitui a promoção dos direitos fundamentais.

42.      Este novo espaço tem, designadamente, por objetivo a promoção das garantias processuais, componentes do direito a um processo equitativo, como consagrado nos artigos 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, conjugando‑as com os imperativos de celeridade e eficácia da justiça civil.

43.      No seguimento do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, e do Programa da Haia, adotado em 2004, o Conselho Europeu proclamou, no programa de Estocolmo, adotado em 2010 (32), que o principal objetivo da ação desenvolvida no âmbito das disposições de direito processual em matéria civil consiste em fazer com que as fronteiras entre os Estados‑Membros não constituam um obstáculo à resolução dos processos cíveis nem à propositura de ações judiciais ou à execução das decisões em matéria civil. O Conselho Europeu declarou igualmente que devia ser dada prioridade a mecanismos destinados a facilitar o acesso das pessoas à justiça, para que estas possam fazer valer os seus direitos em toda a União. Indo mais além da cooperação judiciária tradicional, a edificação de uma «Europa do direito e da justiça» (33) visa, pois, diretamente responder às necessidades dos sujeitos jurídicos (34).

44.      Ora, a instauração de modos de citação e de notificação eficazes figura entre as garantias do processo equitativo. Com efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que «o direito a um tribunal» e o princípio da igualdade de armas, inerentes ao processo equitativo, «que visam todo o direito processual dos Estados Contratantes, […] são igualmente aplicáveis neste domínio específico constituído pela citação e notificação dos atos judiciais às partes» (35) e que a obrigação de os Estados Contratantes «organizarem o seu sistema judiciário de modo a que os seus órgãos jurisdicionais possam garantir a todos o direito a uma decisão definitiva sobre as contestações relativas aos seus direitos e obrigações de caráter civil num prazo razoável […] implica igualmente a instauração de processos de notificação eficazes, que permitam assegurar a notificação da data das audiências às partes em tempo útil» (36).

45.      No seu acórdão de 8 de maio de 2007, Weiss und Partner (37), o Tribunal de Justiça, que considerou que a interpretação do Regulamento n.° 1348/2000 não podia ser dissociada do contexto do desenvolvimento no domínio da cooperação judiciária em matéria civil no qual este regulamento se inscreve, acentuou a proteção dos direitos de defesa, realçando, por analogia com a solução conseguida para a interpretação do Regulamento n.° 44/2001, que os objetivos de eficácia e de rapidez da transmissão dos atos processuais prosseguidos pelo Regulamento n.° 1348/2000 «não podem […] ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa», os quais são «decorrentes do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais» e «constituem um direito fundamental que faz parte dos princípios gerais de direito cujo cumprimento é assegurado pelo Tribunal de Justiça» (38).

46.      Diversas disposições do Regulamento n.° 1393/2007 demonstram a vontade de estabelecer um sistema de citação e de notificação dos atos judiciais adequado a assegurar o direito a um processo equitativo. O sistema da dupla data, que permite tomar em consideração, quando um ato deve ser citado ou notificado num determinado prazo, a lei do Estado‑Membro de origem para fixar a data em relação ao requerente, tendo simultaneamente em conta a lei do Estado‑Membro requerido para determinar a data em relação ao destinatário do ato, responde ao cuidado de assegurar um equilíbrio entre os interesses das partes. A proteção do destinatário do ato é assegurada pela faculdade que lhe é reconhecida de recusar receber o ato se este não estiver traduzido numa língua que ele compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido, pela obrigação do juiz de sobrestar na decisão quando o demandado não comparecer ou ainda pela possibilidade de o demandado beneficiar de uma derrogação do efeito perentório do prazo de recurso se não tiver tomado conhecimento do processo em tempo útil e se os seus argumentos de defesa não parecerem desprovidos de fundamento.

47.      O objetivo da proteção dos direitos de defesa, que já inspirava o Regulamento n.° 1348/2000, é aliás reforçado pelas alterações introduzidas neste texto pelo Regulamento n.° 1393/2007, o qual, por exemplo, melhora a informação do destinatário, exigindo que este seja avisado por escrito, através de um formulário‑tipo, de que pode recusar a receção do ato a citar ou notificar se este não estiver redigido numa língua que ele compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido (39), ou reforça a certeza da receção do ato, exigindo a carta registada com aviso de receção ou qualquer outro procedimento equivalente como modo de citação ou notificação pelo correio (40).

48.      É à luz destes objetivos que deve ser interpretado o Regulamento n.° 1393/2007, respeitando o imperativo de uma aplicação uniforme das suas disposições. A este respeito, saliente‑se que, apesar de, numa primeira fase, ter apresentado uma proposta de diretiva com o objetivo de transformar a Convenção de 1997 num instrumento comunitário (41), a Comissão seguiu o parecer divergente do Parlamento, que tinha proposto legiferar por via de regulamento (42), a fim de garantir uma «aplicação rápida, clara e homogénea» das novas disposições (43). Esta opção pela via do regulamento, em vez da diretiva, como instrumento de instauração deste sistema, põe de relevo a importância que o legislador da União atribui à «aplicabilidade direta» das disposições do Regulamento n.° 1348/2000 e à «sua aplicação uniforme» (44).

49.      Em minha opinião, a citação ou a notificação de um ato judicial deve necessariamente ser efetuada em conformidade com o disposto neste regulamento sempre que o destinatário do ato resida noutro Estado‑Membro.

50.      Esta interpretação é confortada tanto pela redação como pelos objetivos e a economia geral do referido regulamento.

51.      Em primeiro lugar, milita neste sentido uma interpretação literal do artigo 1.° do Regulamento n.° 1393/2007. Apesar de o artigo 1.°, n.° 1, ser ambíguo, pois não indica em que casos um ato judicial ou extrajudicial «deve» ser transmitido de um Estado‑Membro para outro para aí ser objeto de citação ou notificação, esta disposição deve ser lida em conjugação com o artigo 1.°, n.° 2, do referido regulamento, que especifica que este «não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido». Posto que a falta de domicílio conhecido do destinatário constitui o único caso em que a aplicação do Regulamento n.° 1393/2007 está expressamente excluída, daí se pode deduzir, a contrario, que este regulamento é aplicável em todos os casos em que o destinatário tenha um endereço conhecido situado noutro Estado‑Membro.

52.      Em segundo lugar, entendo que o facto de se permitir que cada Estado‑Membro continue a aplicar disposições nacionais que preveem uma ficção de citação quando o destinatário tenha domicílio noutro Estado‑Membro compromete os objetivos de livre circulação dos atos e de promoção dos direitos fundamentais. Importa, especialmente, salientar que a integração das regras de citação e de notificação dos atos judiciais nos elementos do processo equitativo destinados a garantir, para o demandante, o direito de acesso ao juiz e, para o demandado, o direito de ser informado em tempo útil do objeto e da causa do pedido a fim de se poder defender implica a proibição de qualquer modo fictício de citação que tenha por consequência privar as partes das regras de proteção constantes do Regulamento n.° 1393/2007. Ora, uma presunção de notificação poderia ter por efeito, por exemplo, privar o demandado com domicílio noutro Estado‑Membro da possibilidade de se recusar a receber o ato introdutório da instância se não estiver traduzido numa língua que compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido (45).

53.      Em terceiro lugar, resulta da economia geral do Regulamento n.° 1393/2007 que o sistema de citação e notificação que estabelece visa garantir a receção real e efetiva do ato judicial pelo seu destinatário, a qual representa o denominador comum dos diferentes modos de citação ou de notificação postos à disposição dos Estados‑Membros. Nesta perspetiva, não se pode admitir uma entrega puramente fictícia, resultante de uma presunção legal decorrente da junção dos atos aos autos. Do mesmo modo, contrariamente ao que defende o Governo polaco, não creio que o artifício processual constituído pela presunção de notificação por junção aos autos possa ser validamente comparado aos mecanismos de transmissão dos atos estabelecidos por este regulamento.

54.      Em suma, creio que a circunstância de o direito nacional aplicável ao litígio no processo principal prever, em matéria de notificação dos atos judiciais, uma presunção que dispensa a obrigação de notificação no domicílio efetivo da parte que reside no estrangeiro é contrária tanto à redação como à finalidade e à economia geral do Regulamento n.° 1393/2007 e suscetível de o privar do seu efeito útil, contornando o sistema de citação e notificação dos atos judiciais que o mesmo estabelece.

55.      O acórdão de 15 de março de 2012, G (46), corrobora esta interpretação.

56.      Neste acórdão, no qual se colocava a questão da compatibilidade com o direito da União de uma disposição do Código de Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung) que prevê a citação por via edital do ato introdutório da instância quando o local de residência do citando é desconhecido, o Tribunal de Justiça delimitou as condições nas quais pode ser proferida uma decisão à revelia contra um demandado que, na impossibilidade de ser localizado, foi citado para o ato introdutório da instância por via edital nos termos do direito nacional. Apesar de o Regulamento n.° 1393/2007 não ser aplicável às circunstâncias do processo principal em cujo âmbito o referido acórdão foi proferido, dado que o endereço do destinatário do ato não era conhecido (47), a análise do mesmo proporciona dois ensinamentos que são relevantes para a resposta a dar à presente questão prejudicial.

57.      O primeiro destes ensinamentos é que a margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros para fixarem as regras processuais aplicáveis às ações propostas nos seus órgãos jurisdicionais é necessariamente limitada pela obrigação de respeitar o direito da União. Assim, o Tribunal de Justiça indicou que, «[e]mbora, na falta de regulamentação sistemática dos procedimentos internos pelo direito da União, seja […] competência dos Estados‑Membros, no âmbito da sua autonomia processual, fixar as regras processuais aplicáveis às ações propostas nos seus órgãos jurisdicionais, as referidas regras não devem violar o direito da União» (48).

58.      O segundo ensinamento que se retira da análise do referido acórdão é que um modo de citação que não tenha por objetivo permitir que o destinatário receba efetivamente o ato, como a citação por via edital, só pode ser admitido quando o endereço do destinatário do ato não seja conhecido e tiverem sido efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa‑fé para o encontrar (49). Donde resulta, a contrario, que, quando o endereço do destinatário seja conhecido, o ato deve ser citado ou notificado nesse endereço.

59.      Todavia, à conclusão de que o Regulamento n.° 1393/2007 se opõe a uma presunção de notificação como a prevista pela disposição nacional controvertida são opostas três objeções que pretendo agora refutar.

60.      A primeira objeção a esta solução é retirada do artigo 1.135.° do Código de Processo Civil polaco, o qual, embora estabeleça uma presunção de notificação, dispõe igualmente que, na primeira notificação que lhe for feita, a parte deve ser informada da obrigatoriedade de nomear um representante e da possibilidade de requerer a isenção de preparos e custas processuais e nomear um mandatário ad litem.

61.      Creio, porém, que esta advertência não é suscetível de justificar uma derrogação das disposições do Regulamento n.° 1393/2007 e de tornar aceitável uma ficção de notificação que não satisfaz os requisitos do processo equitativo. Tanto mais quanto o Governo polaco indica que a primeira notificação é «a maior parte das vezes» efetuada nos termos deste regulamento, não o sendo, pois, sistematicamente, entendo que a informação inicialmente prestada não assegura a tramitação contraditória do processo e, consequentemente, não pode suprir a falta de notificação posterior dos atos judiciais.

62.      Acresce que, admitir uma presunção de notificação sob pretexto de que o destinatário foi informado da sua obrigação de nomear um representante encarregado de receber as notificações, não é conforme com os princípios da cooperação leal e da confiança mútua, os quais implicam que todos os atos judiciais que devam ser objeto de citação ou notificação a um destinatário que resida noutro Estado‑Membro o sejam segundo o sistema estabelecido pelo Regulamento n.° 1393/2007.

63.      A segunda objeção assenta no considerando 8 do Regulamento n.° 1393/2007, que especifica que este não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado‑Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.

64.      Entendo, no entanto, que esta exceção, que aliás figura unicamente num considerando sem ser retomada ou explicitada num artigo específico, deve ser de interpretação estrita e só pode visar, além da nomeação de um mandatário ad litem, a eleição voluntária de domicílio resultante de uma manifestação da vontade pela qual é reconhecida à pessoa a respeito de cujo domicílio é efetuada a designação qualidade para receber as citações ou as notificações dos atos judiciais.

65.      Creio também que a terceira objeção, relativa à existência de disposições do direito da União que preveem a eleição de domicílio, também não é pertinente.

66.      É certo que tanto o Regulamento n.° 44/2001 como o Regulamento n.° 2201/2003 obrigam a que a parte que pede a execução num Estado‑Membro de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro eleja domicílio na área de jurisdição do tribunal em que tiver sido apresentado o requerimento ou a designar um mandatário ad litem quando a lei do Estado‑Membro requerido não preveja a eleição de domicílio.

67.      No entanto, não vejo como a existência, à escala europeia, deste regime derrogatório das regras de direito comum resultantes do Regulamento n.° 1393/2007 possa autorizar os Estados‑Membros a introduzirem ou manterem na sua ordem jurídica nacional regras de citação ou de notificação transfronteiriça que substituam o sistema de citação ou de notificação estabelecido por este regulamento apesar de estarem reunidas as condições de aplicação do mesmo.

68.      Além disso, a exigência de eleição de domicílio, própria ao processo de exequatur e destinada a facilitar tanto a comunicação ao requerente da decisão relativa ao seu pedido como a interposição de um recurso pela parte contra a qual é requerida a execução, aplica‑se, por hipótese, indistintamente a qualquer cidadão da União, independentemente da sua nacionalidade.

69.      Por último, saliente‑se que, embora as consequências da violação das condições relativas à eleição de domicílio sejam definidas pela lei do Estado‑Membro requerido, contudo, o Tribunal de Justiça delimitou a margem de manobra dos Estados‑Membros, tendo declarado que «a sanção prevista não pode […] pôr em causa a validade da sentença que concede o exequatur, nem permitir a violação dos direitos da parte contra a qual se move a execução» (50).

70.      Quanto ao argumento relativo ao Regulamento de Processo, creio‑o desprovido da mínima pertinência, pois este texto não é comparável ao instrumento de harmonização das legislações nacionais que constitui o Regulamento n.° 1393/2007. Acrescento a título superabundante que a eleição de domicílio prevista no artigo 38.°, n.° 2, do Regulamento de Processo é meramente facultativa (51) e que, além disso, se uma parte não tiver elegido domicílio ou autorizado que as notificações lhe sejam enviadas através de um meio técnico de comunicação, todas as notificações dirigidas à parte em questão serão enviadas, por meio de carta registada, ao seu agente ou advogado.

71.      São estas as razões pelas quais concluo que a disposição controvertida deve ser considerada incompatível com o Regulamento n.° 1393/2007. Independentemente das lacunas e insuficiências de que padeça, designadamente no que respeita às regras de notificação por via postal (52), este regulamento representa tanto um avanço primordial como uma condição essencial da construção de um espaço judiciário europeu, no qual não há lugar para o «fóssil processual» (53) que constitui a ficção de notificação por junção aos autos.

72.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 1.° do Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que prevê que os atos processuais dirigidos a uma parte com domicílio, paradeiro habitual ou sede noutro Estado‑Membro são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada, se a referida parte não nomear um representante autorizado a receber as notificações com domicílio no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos.

73.      As precedentes considerações bastam para responder à interrogação do órgão jurisdicional de reenvio. Porém, caso o Tribunal de Justiça não aprove a minha proposta de interpretação do Regulamento n.° 1393/2007, creio que é útil examinar rapidamente esta questão na perspetiva do artigo 18.° TFUE.

B —    Exame da disposição controvertida na perspetiva do artigo 18.° TFUE

74.      Como o casal Alder, o Governo português e a Comissão, entendo que a obrigação de eleição de domicílio viola o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.° TFUE.

75.      Este princípio tem por corolário, no espaço judiciário europeu, o dever de observar a igualdade de tratamento entre todos os sujeitos jurídicos da União, independentemente da sua nacionalidade ou local de residência. Assim, na sua reunião de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu salientou que o «cidadão só pode gozar a liberdade num verdadeiro espaço de justiça, em que todos possam recorrer aos tribunais e às autoridades de todos os Estados‑Membros tão facilmente como no seu próprio país».

76.      O Tribunal de Justiça enunciou reiteradamente que uma norma processual civil nacional que, numa ação judicial, exige a prestação de uma cautio judicatum solvi não pode conduzir a discriminações relativamente a pessoas às quais o direito da União confere o direito à igualdade de tratamento (54).

77.      No seu acórdão de 10 de fevereiro de 1994, Mund & Fester (55), o Tribunal de Justiça considerou que uma norma nacional de processo civil que, para uma sentença a executar num Estado‑Membro, autoriza o arresto com base apenas no facto de a execução dever ter lugar no estrangeiro, ao passo que, para uma sentença a executar no território nacional, só o autoriza no caso de ser provável que, não sendo aquele efetuado, esta execução venha a ser impossível ou muito dificultada, constitui uma forma dissimulada de discriminação que não é justificada por circunstâncias objetivas.

78.      À luz destas decisões, entendo que uma norma processual que impõe às partes que tiverem o seu domicílio noutro Estado‑Membro a obrigação de nomearem um representante no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos para receberem as citações e as notificações dos atos processuais infringe o princípio da não discriminação.

79.      Embora, como observa o Governo polaco, o artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco não introduza qualquer discriminação direta em razão da nacionalidade, dado que é aplicável em todos os casos em que uma parte, independentemente da sua nacionalidade, tenha o seu domicílio noutro Estado‑Membro, é também evidente que, como justamente alega a Comissão, esta disposição se aplica principalmente aos nacionais dos outros Estados‑Membros, os quais, a maior parte das vezes, não têm residência ou paradeiro habitual na Polónia, e não aos nacionais polacos.

80.      Além disso, a afirmação do Governo polaco segundo a qual a presunção de notificação não é discriminatória, posto que o artigo 136.°, n.° 2, do Código de Processo Civil polaco prevê uma sanção idêntica a respeito da parte com domicílio na Polónia, é, em minha opinião, inexata. Com efeito, diversamente da parte residente no estrangeiro, a parte com domicílio na Polónia não tem a obrigação de nomear um representante para receber as citações ou as notificações. Só se expõe à sanção da presunção de notificação no caso específico de não ter comunicado ao tribunal a sua mudança de residência ou de sede no decurso da instância.

81.      Não creio que as razões aduzidas pelo Governo polaco em apoio da obrigação de eleição de domicílio na Polónia, a saber, principalmente, a necessidade de garantir uma tramitação eficaz do processo judicial, constituam razões que possam justificar a sua manutenção, posto que o Regulamento n.° 1393/2007 tem precisamente por objeto facilitar e acelerar as transmissões transfronteiriças, estabelecendo vários modos de transmissão dos atos.

82.      Consequentemente, concluo que o artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco constitui uma discriminação na perspetiva do artigo 18.° TFUE.

III — Conclusão

83.      Vistas as precedentes considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo ao Sąd Rejonowy w Koszalinie:

«O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (‘citação e notificação de atos’) e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que prevê que os atos processuais dirigidos a uma parte com domicílio, paradeiro habitual ou sede noutro Estado‑Membro são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada, se a referida parte não nomear um representante autorizado a receber as notificações com domicílio no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 324, p. 79.


3 —      A seguir «casal Alder».


4 —      JO L 160, p. 37.


5 —      Artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento.


6 —      Artigo 2.°, n.os 1 e 2, do referido regulamento.


7 —      Capítulo II do Regulamento n.° 1393/2007.


8 —      V. acórdão de 9 de fevereiro de 2006, Plumex (C‑473/04, Colet., p. I‑1417, n.os 19 a 22).


9 —      Artigo 12.° do referido regulamento.


10 —      Artigo 13.° do referido regulamento.


11 —      Artigo 14.° do Regulamento n.° 1393/2007.


12 —      Artigo 15.° do referido regulamento.


13 —      Os Governos polaco e italiano invocam o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1). A este, o Governo polaco acrescenta o Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1), e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.


14 —      Petição 0277/2010, apresentada por A. K., de nacionalidade polaca, sobre a impossibilidade, na Polónia, da citação de documentos judiciais e extrajudiciais por correio ou via eletrónica.


15 —      JO 1997, C 261, p. 2, a seguir «Convenção de 1997».


16 —      V. n.° 3 da introdução do relatório explicativo sobre a convenção, elaborada com base no artigo K.3 do Tratado do União Europeia relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União Europeia (JO 1997, C 261, p. 26).


17 —      A seguir «Convenção da Haia de 1965».


18 —      JO 1972, L 299, p. 32.


19 —      JO 1997, C 15, p. 1.


20 —      Manuel pratique sur le fonctionnement de la ConventionNotification de La Haye, Bureau permanent de la Conférence de La Haye de droit international privé, 3ª ed., Wilson & Lafleur, Montreal, 2006.


21 —      N.° 41, p. 23.


22 —      C‑443/03, Colet., p. I‑9611.


23 —      C‑14/08, Colet., p. I‑5439.


24 —      Acórdãos, já referidos, Leffler (n.° 45), e Roda Golf & Beach Resort (n.° 48).


25 —      Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados.


26 —      Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento.


27 —      Regulamento (CE) n.° 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante.


28 —      Nos termos do considerando 13 do Regulamento n.° 805/2004, «nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção jurídica, no que se refere ao respeito dessas normas mínimas, pode ser considerado suficiente para efeitos de certificação de uma decisão como Título Executivo Europeu» e, nos termos do considerando 19 do Regulamento n.° 1896/2006, «nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção legal deverá poder ser considerado suficiente para efeitos de citação ou notificação de uma injunção de pagamento europeia».


29 —      Artigos 13.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 805/2004, 14.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1896/2006, e 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 861/2007.


30 —      Artigo 10.°, alínea a), desta convenção.


31 —      O artigo 14.° do Regulamento n.° 1393/2007 exige a utilização da carta registada com aviso de receção ou equivalente.


32 —      Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos (JO 2010, C 115, p. 1).


33 —      V. ponto 3 do Programa de Estocolmo.


34 —      V., neste sentido, Hess, B., «Nouvelles techniques de la coopération judiciaire transfrontière en Europe», Revue critique de droit international privé, 2003, p. 215. Este autor invoca uma «alteração conceptual» no sistema europeu de cooperação judiciária, a qual «já não se define na perspetiva da cooperação entre Estados, mas a partir dos interesses e das necessidades dos sujeitos jurídicos» (pp. 221 e 222).


35 —      V. TEDH, acórdão Övüs c. Turquia de 13 de outubro de 2009, §§ 46, 47 e jurisprudência aí referida.


36 —      V. TEDH, acórdão Gospodinov c. Bulgária de 10 de maio de 2007, § 40.


37 —      C‑14/07, Colet., p. I‑3367.


38 —      N.° 47.


39 —      Artigo 8.°, n.° 1, deste regulamento.


40 —      Artigo 14.° do referido regulamento.


41 —      Proposta de Diretiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros [COM(1999) 219 final].


42 —      Proposta alterada de Regulamento do Conselho relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros [COM(2000) 75 final].


43 —      V. justificação da alteração 1 no relatório sobre a proposta de Diretiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros [COM (1999) 219, C5‑0044/1999, 1999/0102 (CNS)].


44 —      Acórdãos, já referidos, Leffler (n.° 46), e Roda Golf & Beach Resort (n.° 49).


45 —      V., neste sentido, Schack, H., «Transnational Service of Process: A Call for Uniform and Mandatory Rules», Revue de droit uniforme, abril de 2001, p. 827. Segundo este autor, «[i]nsofar as national rules on service of process deny the defendant’s right to be heard, they infringe the fair proceeding requirement of Article 6 I ECHR» (p. 836).


46 —      C‑292/10.


47 —      O acórdão G., já referido, aplica a regra enunciada no artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, segundo a qual o juiz deve sobrestar na decisão enquanto não estiver estabelecido que foi dada ao requerido oportunidade para receber o ato introdutório da instância ou ato equivalente em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não estiver determinado que foram efetuadas para o efeito todas as diligências. Porém, o artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007 estabelece uma norma idêntica de suspensão da decisão, o que é facilmente explicável, posto que a regra do artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 foi diretamente importada do artigo 15.° da Convenção da Haia de 1965, na qual se inspira o Regulamento n.° 1393/2007 (v., neste sentido, Pataut, E., «Notifications internationales et règlement ‘Bruxelles I’», Vers de nouveaux équilibres entre ordres juridiques —Mélanges en l’honneur d’Hélène Gaudemet‑Tallon, Dalloz, Paris, 2008, p. 377, especialmente p. 381).


48 —      Acórdão G., já referido (n.° 45).


49 —      Ibidem (n.° 55 e jurisprudência aí referida).


50 —      Acórdão de 10 de julho de 1986, Carron/Alemanha (198/85, Colet., p. 2437, n.° 14).


51 —      Esta disposição esclarece que, além da escolha de domicílio, a petição pode indicar que o advogado ou agente autoriza que lhe sejam enviadas notificações através de telecópia ou de qualquer outro meio técnico de comunicação.


52 —      V., sobre esta matéria, Hess, B., op. cit.


53 —      A expressão é utilizada por Herbert Roth para qualificar o modo de citação fictícia que constituía a «entrega ao Ministério Público», antigamente em vigor em várias legislações de Estados‑Membros (v. Roth, H., «Remise au parquet und Auslandszustellung nach dem Haager Zustellungsübereinkommen von 1965», Praxis des Internationalen Privat‑und Verfahrensrechts, 2000, p. 497).


54 —      Acórdãos de 26 de setembro de 1996, Data Delecta e Forsberg (C‑43/95, Colet., p. I‑4661, n.° 12); de 20 de março de 1997, Hayes (C‑323/95, Colet., p. I‑1711, n.° 13), e de 2 de outubro de 1997, Saldanha e MTS (C‑122/96, Colet., p. I‑5325, n.° 19).


55 —      C‑398/92, Colet., p. I‑467.