Language of document : ECLI:EU:C:2018:220

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de abril de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de responsabilidade parental — Guarda do menor — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigos 8.o, 10.o e 13.o — Conceito de “residência habitual” do menor — Decisão proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro sobre o lugar de residência do menor — Deslocação ou retenção ilícitas — Competência em caso de rapto do menor»

No processo C‑85/18 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Judecătoria Oradea (Tribunal de Primeira Instância de Oradea, Roménia), por decisão de 4 de outubro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de fevereiro de 2018, no processo

CV

contra

DU,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Arabadjiev, S. Rodin (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

visto o pedido do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 2018, nos termos do artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, de se examinar a necessidade de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação urgente,

vista a decisão da Primeira Secção, de 28 de fevereiro de 2018, de submeter o referido reenvio a tramitação urgente,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CV a DU, progenitores de um menor, sobre a fixação do lugar da residência deste último e de uma pensão de alimentos para prover ao seu sustento.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, celebrada na Haia em 25 de outubro de 1980 (a seguir «Convenção de Haia de 1980») tem por objetivos, como decorre do seu preâmbulo, designadamente, proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual. Esta convenção foi ratificada por todos os Estados‑Membros da União Europeia.

4        Nos termos do artigo 3.o desta convenção:

«A deslocação ou retenção da criança é considerada ilícita quando:

a)      Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b)      Este direito estiver a ser exercido de maneira efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»

 Direito da União

 Regulamento n.o 2201/2003

5        Os considerandos 12 e 17 do Regulamento n.o 2201/2003 enunciam:

«(12)      As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

[…]

(17)      Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980, completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.o […]»

6        O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

a)      Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;

b)      À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.      As matérias referidas na alínea b) do n.o 1 dizem, nomeadamente, respeito:

a)      Ao direito de guarda e ao direito de visita;

[…]

3.      O presente regulamento não é aplicável:

[…]

e)      Aos alimentos;

[…]»

7        O artigo 2.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

7.      “Responsabilidade parental”, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.

8.      “Titular da responsabilidade parental”, qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança;

9.      “Direito de guarda”, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência;

[…]

11.      “Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

a)      Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;

e

b)      No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»

8        Nos termos do artigo 8.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Competência geral»:

«1.      Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2.      O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.o, 10.o e 12.o

9        O artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Competência em caso de rapto da criança», prevê:

«Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro e:

a)      Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção;

ou

b)      A criança ter estado a residir nesse outro Estado‑Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:

i)      não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,

ii)      o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),

iii)      o processo instaurado num tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.o 7 do artigo 11.o,

iv)      os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.»

10      O artigo 11.o deste regulamento, sob a epígrafe «Regresso da criança», dispõe:

«1.      Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção de Haia de 1980], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.

[…]

3.      O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.o 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.

Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, exceto em caso de circunstâncias excecionais que o impossibilitem.

[…]»

11      O artigo 13.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência baseada na presença da criança», enuncia no n.o 1:

«Se não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 12.o, são competentes os tribunais do Estado‑Membro onde a criança se encontra.»

 Regulamento (CE) n.o 4/2009

12      O Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1), é aplicável, segundo os termos do seu artigo 1.o, n.o 1, «às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade».

13      O artigo 3.o deste regulamento, sob a epígrafe «Disposições gerais», tem a seguinte redação:

«São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

[…]

d)      O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Resulta da decisão de reenvio que CV e DU, nacionais romenos, constituíam um casal não casado e viviam juntos em Portugal. Tiveram um filho, que nasceu em 29 de outubro de 2010, nesse Estado‑Membro. O filho de CV e DU tem a nacionalidade portuguesa.

15      Em julho de 2015, os progenitores separaram‑se. A mãe, DU, abandonou o domicílio comum. O filho do casal ficou a viver com o pai, CV.

16      Na sequência da separação, os progenitores exerceram, em conformidade com o direito português, a responsabilidade parental conjunta, incluindo, entre outros, o direito de decidir do lugar de residência do menor.

17      Em 11 de abril de 2016, a mãe apresentou num tribunal português um pedido de obtenção da guarda do filho.

18      Em 25 de abril de 2016, o pai deixou Portugal para ir para a Roménia, levando o filho sem o acordo da mãe.

19      Por decisão interlocutória de 15 de julho de 2016, o tribunal português julgou procedente o pedido da mãe, confiando‑lhe a guarda do filho.

20      Em 4 de abril de 2017, a mãe requereu nos tribunais romenos competentes o regresso do filho com base na Convenção de Haia de 1980. O Tribunalul București (Tribunal de Primeira Instância de Bucareste, Roménia) foi assim chamado a apreciar um processo relativo a um rapto internacional de criança.

21      Em seguida, esse órgão jurisdicional, por acórdão em matéria civil, ordenou o regresso do menor em causa a Portugal, com o fundamento de que esse Estado devia ser considerado o Estado‑Membro de residência habitual daquele. Essa decisão foi confirmada por acórdão da Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), de 16 de agosto de 2017, que considerou assim que a Roménia não podia ser considerada o Estado de residência do menor, tendo em conta o caráter ilícito da sua deslocação de Portugal para a Roménia.

22      Não obstante esse processo, o pai intentou, em 21 de abril de 2017, uma ação no Judecătoria Oradea (Tribunal de Primeira Instância de Oradea, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a fixação do lugar de residência do menor em causa no seu domicílio, situado na Roménia, e a condenação da mãe do menor no pagamento de uma pensão de alimentos e das despesas.

23      A este respeito, CV afirma, designadamente, que desde que DU abandonou o domicílio comum, se limitou a visitar esporadicamente o filho e não contribuiu para o seu sustento nem para a sua educação. Esta situação mantém‑se atualmente, tendo DU, segundo CV, apenas um contacto telefónico por mês com o filho.

24      Em sua defesa, DU requer que a ação seja julgada improcedente e suscita, nos termos do artigo 132.o do Código de Processo Civil romeno, uma exceção de incompetência do órgão jurisdicional de reenvio, invocando o artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003 e o facto de os tribunais romenos competentes, nos quais foi instaurado um processo de rapto de criança, terem considerado, pelas decisões acima referidas, que o menor tinha o seu domicílio legal em Portugal.

25      Na sequência da dedução desta exceção de incompetência, o pai requereu ao órgão jurisdicional de reenvio que submetesse ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do conceito de «residência habitual» do menor, tal como figura, em substância, no artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003.

26      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que tem de examinar em primeiro lugar a exceção de incompetência deduzida pela mãe do menor em causa e que, para se pronunciar sobre essa exceção, deverá recorrer ao referido conceito de «residência habitual».

27      A este respeito, esse órgão jurisdicional observa que, embora à data em que lhe foi submetido o litígio no processo principal o menor em causa tivesse a sua residência habitual com o pai, em Oradea, na Roménia, os tribunais romenos competentes tinham declarado, nas decisões acima referidas no n.o 21 do presente despacho, que a deslocação do menor de Portugal para a Roménia era ilícita e que o seu lugar de residência habitual se situava em Portugal.

28      Nestas condições, o Judecătoria Oradea (Tribunal de Primeira Instância de Oradea) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o conceito de residência habitual do menor, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 ser interpretado no sentido de que essa residência habitual corresponde ao lugar em relação ao qual o menor revela um certo grau de integração num meio social e familiar, independentemente do facto de existir uma decisão judicial proferida noutro Estado‑Membro, depois de o menor se ter mudado com o seu pai para o território do Estado onde [o menor] se integrou no referido meio social e familiar? Ou, nesse caso, há que aplicar as disposições do artigo 13.o do Regulamento n.o 2201/2003, que estabelecem a competência baseada na presença do menor?

2)      É pertinente para determinar a residência habitual o facto de o menor ter a nacionalidade do Estado‑Membro em que se estabeleceu com o pai e [de] os progenitores terem apenas a nacionalidade romena?»

 Quanto à tramitação urgente

29      Por nota de 20 de fevereiro de 2018, o presidente do Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 107.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, pediu à secção designada para o efeito, a saber, a Primeira Secção, que examinasse a necessidade de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação urgente.

30      A este respeito, cabe recordar que decorre da jurisprudência que o Tribunal de Justiça reconhece a urgência em decidir nas situações de deslocação de menores, designadamente quando a separação de um filho do progenitor possa deteriorar ou prejudicar as relações, presentes ou futuras, entre estes e causar danos irreparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Aguirre Zarraga, C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828, n.o 39).

31      Decorre da decisão de reenvio que o menor em causa, que tem sete anos, vive há quase dois anos com o pai na Roménia e está separado da mãe, que reside em Portugal. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que os tribunais romenos competentes, aos quais foi submetido um processo de rapto internacional de crianças na aceção da Convenção de Haia de 1980, declararam, por decisão transitada em julgado, a ilicitude da deslocação desse menor de Portugal para a Roménia. Precisa também que CV alegou que DU estabelece apenas um contacto telefónico mensal com o filho de ambos.

32      Nessas circunstâncias e atendendo ao facto de a idade do menor em causa corresponder a uma fase crítica do seu crescimento, o arrastar da situação atual poderia prejudicar seriamente, ou mesmo irremediavelmente, a relação entre esse menor e a mãe. Por outro lado, dado que, segundo as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, a integração social e familiar do menor em causa já está numa fase bastante adiantada no Estado‑Membro da sua residência atual, o arrastar desta situação poderia comprometer ainda mais a sua integração no seu meio familiar e social no caso de um eventual regresso a Portugal (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Aguirre Zarraga, C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828, n.o 40).

33      Nestas condições, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 28 de fevereiro de 2018, submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação urgente.

 Quanto às questões prejudiciais

34      Nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo, quando uma questão submetida a título prejudicial for idêntica a uma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça já se tenha pronunciado, quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

35      Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente reenvio prejudicial.

36      A título preliminar, cabe recordar que a circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado o seu pedido prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões (v., nomeadamente, Acórdãos de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 43, e de 15 de fevereiro de 2017, W e V, C‑499/15, EU:C:2017:118, n.o 45).

37      A este respeito, a resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio deve permitir a este pronunciar‑se sobre a exceção de incompetência deduzida por DU perante ele com fundamento no artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003, devendo esta exceção, segundo esse órgão jurisdicional, ser apreciada antes das restantes exceções e do mérito.

38      Neste contexto, importa constatar que está em causa, no processo principal, uma deslocação ilícita de uma criança, na aceção do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Haia de 1980 e do artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003.

39      Decorre destas disposições que a ilicitude da deslocação ou da retenção de um menor, definida em termos muito semelhantes nas referidas disposições, se constitui quando a deslocação ou a retenção de um menor ocorre em violação do direito de guarda resultante de uma decisão judicial, de uma atribuição de pleno direito ou de um acordo em vigor, por força do direito do Estado‑Membro onde o menor tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou retenção (v. Acórdão de 8 de junho de 2017, OL, C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 36).

40      No presente caso, o menor em causa no processo principal foi deslocado para a Roménia pelo pai sem o acordo da mãe, em violação do direito de guarda conjunta atribuído aos progenitores ao abrigo do direito do Estado‑Membro onde o menor tinha a sua residência habitual imediatamente antes da referida deslocação, ou seja, a República Portuguesa. É também ponto assente que os tribunais romenos, aos quais foi submetido um pedido, em aplicação do artigo 11.o do Regulamento n.o 2201/2003, de adoção de uma decisão baseada na Convenção de Haia de 1980 a fim de obter o regresso desse menor, confirmaram, por sentença transitada em julgado, o caráter ilícito da referida deslocação, ordenando a regresso do menor a Portugal.

41      Daqui resulta que, em circunstâncias como as do processo principal, a competência do tribunal de um Estado‑Membro em matéria de responsabilidade parental relativa a um menor que tenha sido deslocado ilicitamente não deve ser determinada com base na regra de atribuição de competência geral prevista no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, enunciada nas questões prejudiciais, que prevê o caso de uma deslocação lícita para outro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Mercredi, C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.o 42).

42      Com efeito, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2201/2003, a regra de atribuição de competência geral prevista no n.o 1 do referido artigo é aplicável sob reserva, nomeadamente, do disposto no artigo 10.o deste regulamento, que prevê uma regra especial em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de um menor.

43      Além disso, há que salientar que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio apenas têm por objeto a interpretação do Regulamento n.o 2201/2003, quando resulta da decisão de reenvio que o processo principal respeita não só à responsabilidade parental mas também às obrigações alimentares, as quais, segundo o artigo 1.o, n.o 3, alínea e), deste regulamento, estão excluídas do seu âmbito de aplicação.

44      Assim, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 36 do presente despacho, há que reformular as questões submetidas e considerar que têm por objeto o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência em caso de rapto da criança, e o artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009, relativo à competência para deliberar em matéria de obrigações alimentares.

45      Atendendo ao exposto, há que considerar que, com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 e o artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009 devem ser interpretados no sentido de que os tribunais do Estado‑Membro para o qual um menor foi deslocado por um dos seus progenitores de forma ilícita são competentes para decidir sobre um pedido formulado por esse progenitor sobre o direito de guarda e as obrigações alimentares para com esse menor, quando, após essa deslocação, o menor revela um certo grau de integração social e familiar nesse Estado‑Membro, de que ambos os progenitores são, de resto, nacionais, apesar de existir uma decisão judicial provisória proferida pelos tribunais do Estado‑Membro onde o menor residia antes dessa deslocação que atribuiu a sua guarda ao outro progenitor e o domicílio do menor foi fixado na morada do outro progenitor, no Estado de residência habitual inicial do menor, do qual também tem a nacionalidade.

46      Em caso de deslocação ilícita de menores, o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 confere, regra geral, a competência em matéria de responsabilidade parental aos tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da sua deslocação. Em princípio, esta competência mantém‑se, sendo apenas transferida se a criança passar a ter residência habitual noutro Estado‑Membro e, além disso, se uma das condições alternativas enunciadas neste artigo 10.o estiver igualmente preenchida (Acórdão de 1 de julho de 2010, Povse, C‑211/10 PPU, EU:C:2010:400, n.o 41).

47      No processo principal, é pacífico que o menor em causa tinha a sua residência habitual em Portugal imediatamente antes da sua deslocação ilícita para a Roménia.

48      Relativamente ao impacto de uma decisão judicial provisória que atribui a guarda de um menor, como a que foi proferida pelos tribunais portugueses no processo principal, pela qual o domicílio do menor em causa foi fixado no domicílio materno situado em Portugal, cabe recordar que o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 prevê precisamente a situação em que o menor adquire uma nova residência habitual na sequência de uma deslocação ou retenção ilícitas (Acórdão de 8 de junho de 2017, OL, C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 55). Como já foi salientado no n.o 39 do presente despacho, a ilicitude da deslocação ou da retenção constitui‑se, nomeadamente, quando tenha ocorrido em violação de um direito de guarda conferido por decisão judicial.

49      Consequentemente, a existência de tal decisão judicial provisória não é determinante para estabelecer a «residência habitual» do menor em causa na aceção do Regulamento n.o 2201/2003, dado que o conceito de «residência habitual» reflete essencialmente uma questão de facto (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2017, OL, C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 54).

50      Assim, mesmo supondo que o menor em causa tenha, no processo principal, adquirido uma nova residência habitual na Roménia, na aceção deste regulamento, importa constatar que, como foi recordado no n.o 46 do presente despacho, o referido tribunal só pode declarar‑se competente, em aplicação do artigo 10.o do referido regulamento, em vez dos tribunais do Estado‑Membro onde esse menor tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação se uma das condições alternativas enunciadas neste artigo 10.o, alíneas a) e b), estiver igualmente preenchida.

51      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de sublinhar que o Regulamento n.o 2201/2003 visa dissuadir os raptos de menores entre Estados‑Membros e que o rapto ilícito de um menor, como o que está em causa no processo principal, não deve, em princípio, ter por consequência a transferência da competência dos tribunais do Estado‑Membro onde o menor residia habitualmente imediatamente antes da sua deslocação para os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança foi levada, mesmo na hipótese de, após o rapto, o menor ter adquirido residência habitual neste último Estado‑Membro. Consequentemente, considerou que havia que interpretar as condições enunciadas no artigo 10.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 2201/2003 de forma restritiva. (Acórdão de 1 de julho de 2010, Povse, C‑211/10 PPU, EU:C:2010:400, n.os 43 a 45).

52      Ora, no processo principal, não resulta minimamente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que uma destas condições esteja preenchida. Com efeito, por um lado, tendo em conta os pedidos apresentados pela mãe do menor aos tribunais portugueses e romenos, não estamos perante um consentimento à deslocação ou à retenção do menor pela pessoa com direito de guarda, na aceção do artigo 10.o, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003. Por outro lado, tendo em conta a existência de um pedido de regresso, apresentado menos de um ano após a data da deslocação do menor em causa, que os tribunais romenos julgaram procedente, e atendendo a que não se afigura que tenha sido proferida pelos tribunais portugueses uma decisão sobre a guarda que não implique o regresso do menor, nenhuma das condições previstas no artigo 10.o, alínea b), deste regulamento pode ser considerada preenchida.

53      Consequentemente, há que considerar que, numa situação como a do processo principal, os tribunais do Estado‑Membro onde o menor em causa tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ilícita são, em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, competentes para conhecer de um pedido sobre a guarda desse menor.

54      Relativamente à competência do órgão jurisdicional de reenvio para decidir sobre um pedido de pensão de alimentos, cabe recordar que o artigo 3.o, alínea d), do Regulamento n.o 4/2009 prevê que pode ser competente para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros o tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes. Em aplicação desta disposição, o tribunal competente ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 será, em princípio, também competente para decidir de um pedido de obrigação de alimentos acessório à ação relativa à responsabilidade parental nele intentada (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2014, L, C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.o 35, e Despacho de 16 de janeiro de 2018, PM, C‑604/17, não publicado, EU:C:2018:10, n.o 32).

55      Assim, na medida em que, como resulta do n.o 53 do presente despacho, os tribunais romenos não são competentes, em aplicação do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, para conhecer de um pedido relativo à responsabilidade parental em relação ao menor em causa no processo principal, também não dispõem da competência para decidir sobre o pedido relativo à pensão de alimentos com fundamento no artigo 3.o, alínea d), do Regulamento n.o 4/2009. Além disso, não resulta dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que esses tribunais possam, não obstante, ser competentes para decidir em matéria de obrigações alimentares a outro título ao abrigo do Regulamento n.o 4/2009.

56      Consequentemente, tendo em conta os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, o órgão jurisdicional de reenvio não é competente para decidir sobre o pedido relativo ao direito de guarda nem sobre a pensão de alimentos em relação ao filho de CV e de DU, cabendo essa competência aos tribunais portugueses.

57      Atendendo a tudo o que precede, há que responder às questões submetidas que o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 e o artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009 devem ser interpretados no sentido de que, num litígio como o que está em causa no processo principal, no qual um menor que tinha a sua residência habitual num Estado‑Membro foi deslocado por um dos seus progenitores de forma ilícita para outro Estado‑Membro, os tribunais desse outro Estado‑Membro não são competentes para decidir sobre um pedido relativo ao direito de guarda ou à fixação de uma pensão de alimentos em relação a esse menor, na falta de indicações de que o outro progenitor concordou com a sua deslocação ou não apresentou um pedido de regresso do menor.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, e o artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, devem ser interpretados no sentido de que, num litígio como o que está em causa no processo principal, no qual um menor que tinha a sua residência habitual num EstadoMembro foi deslocado por um dos seus progenitores de forma ilícita para outro EstadoMembro, os tribunais desse outro EstadoMembro não são competentes para decidir sobre um pedido relativo ao direito de guarda ou à fixação de uma pensão de alimentos em relação a esse menor, na falta de indicações de que o outro progenitor concordou com a sua deslocação ou não apresentou um pedido de regresso do menor.

Assinaturas’


*      Língua do processo: romeno.