Language of document : ECLI:EU:C:2012:259

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de maio de 2012 (*)

«Propriedade intelectual — Diretiva 91/250/CEE — Proteção jurídica de programas de computador — Artigos 1.°, n.° 2, e 5.°, n.° 3 — Alcance da proteção — Criação direta ou por outro processo — Programa de computador protegido pelo direito de autor — Reprodução das funções por um segundo programa sem acesso ao código fonte do primeiro — Descompilação do código objeto do primeiro programa de computador — Diretiva 2001/29/CE — Direito de autor e direitos conexos na sociedade da informação — Artigo 2.°, alínea a) — Manual de utilização de um programa de computador — Reprodução noutro programa de computador — Violação do direito de autor — Requisito — Expressão da criação intelectual própria do autor do manual de utilização»

No processo C‑406/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), por decisão de 2 de agosto de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de agosto de 2010, no processo

SAS Institute Inc.

contra

World Programming Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, A. Prechal, presidentes de secção, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, G. Arestis (relator), A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen, M. Berger e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 21 de setembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da SAS Institute Inc., por H. J. Carr, QC, e M. Hicks e J. Irvine, barristers,

¾        em representação da World Programming Ltd, por M. Howe, QC, R. Onslow e I. Jamal, barristers, mandatados por A. Carter‑Silk, solicitor,

¾        em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth e C. Murrell, na qualidade de agentes, assistidos por S. Malynicz, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de novembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, n.° 2, e 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42), e do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a SAS Institute Inc. (a seguir «SAS Institute») à World Programming Ltd (a seguir «WPL»), a respeito de uma ação por contrafação proposta pela SAS Institute por violação de direitos de autor sobre os programas de computador e sobre os manuais relativos ao seu sistema informático de bases de dados.

 Quadro jurídico

 Regulamentação internacional

3        O artigo 2.°, n.° 1, da Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna, em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»), dispõe:

«Os termos ‘obras literárias e artísticas’ compreendem todas as produções do domínio literário […] qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão […]»

4        O artigo 9.° do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «ADPIC»), constante do anexo 1 C do Acordo de Marraquexe que institui a Organização Mundial do Comércio, que foi aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1), prevê:

«1.      Os membros devem observar o disposto nos artigos 1.° a 21.° da [Convenção de Berna] e no respetivo anexo […].

2.      A proteção do direito de autor abrangerá as expressões, e não as ideias, processos, métodos de execução ou conceitos matemáticos enquanto tal.»

5        Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, do ADPIC:

«Os programas de computador, quer sejam expressos em código fonte ou em código objeto, serão protegidos enquanto obras literárias ao abrigo da [Convenção de Berna].»

6        O artigo 2.° do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre o direito de autor, adotado em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, e entrado em vigor, no que respeita à União Europeia, em 14 de março de 2010 (JO L 32, p. 1), tem a seguinte redação:

«A proteção conferida pelo direito de autor abrange as expressões, e não as ideias, os processos, os métodos operacionais ou os conceitos matemáticos enquanto tal.»

7        Nos termos do artigo 4.° deste tratado:

«Os programas de computador são protegidos como obras literárias na aceção do artigo 2.° da Convenção de Berna. Essa proteção aplica‑se aos programas de computador, independentemente do seu modo ou forma de expressão.»

 Regulamentação da União

 Diretiva 91/250

8        O terceiro, sétimo, oitavo, décimo quarto, décimo quinto, décimo sétimo, décimo oitavo, vigésimo primeiro e vigésimo terceiro considerandos da Diretiva 91/250 preveem:

«(3)      Considerando que os programas de computador têm vindo a desempenhar um papel de importância crescente num vasto leque de indústrias e que a tecnologia dos programas de computador pode, por conseguinte, ser considerada de importância fundamental para o desenvolvimento da indústria;

[...]

(7)      Considerando que, para efeitos da presente diretiva a expressão ‘programa de computador’ inclui qualquer tipo de programa, mesmo os que estão incorporados no equipamento; que esta expressão inclui igualmente o trabalho de conceção preparatório conducente à elaboração de um programa de computador, desde que esse trabalho preparatório seja de molde a resultar num programa de computador numa fase posterior;

(8)      Considerando que, no tocante aos critérios a aplicar para apreciar se um programa de computador constitui ou não uma obra original, não se deverá recorrer a testes dos seus méritos qualitativos ou estéticos;

[…]

(14) Considerando que, de acordo com [o princípio segundo o qual apenas a expressão de um programa de computador está protegida pelo direito de autor], as ideias e princípios eventualmente presentes na lógica, nos algoritmos e nas linguagens de programação não são protegidos ao abrigo da presente diretiva;

(15)      Considerando que, de acordo com a legislação e a jurisprudência dos Estados‑Membros e com as convenções internacionais sobre direitos de autor, a expressão dessas ideias e princípios deve ser protegida por direitos de autor;

(17)      Considerando que os direitos exclusivos do autor para impedir a reprodução não autorizada da sua obra devem ser sujeitos a uma exceção limitada no caso de se tratar de um programa de computador, de forma a permitir a reprodução tecnicamente necessária para a utilização daquele programa pelo seu adquirente legítimo; que tal significa que as ações de carregamento e funcionamento necessárias à utilização de uma cópia de um programa legalmente adquirido, incluindo a ação de correção dos respetivos erros, não podem ser proibidas por contrato; que, na ausência de cláusulas contratuais específicas, nomeadamente quando uma cópia do programa tenha sido vendida, qualquer outra ação necessária à utilização de uma cópia de um programa poderá ser realizada de acordo com o fim a que se destina pelo adquirente legal dessa mesma cópia;

(18)      Considerando que as pessoas que têm direito a utilizar um programa de computador não podem ser impedidas de realizar os atos necessários de observação, estudo ou teste de funcionamento do programa, desde que estes atos não infrinjam os direitos de autor em relação ao programa;

[…]

(21)      Considerando que se deve ter em conta que, em tais circunstâncias restritas, a realização de atos de reprodução e tradução para modificar a forma do código pela pessoa que tem o direito de usar uma cópia do programa, ou em seu nome, é legítima e compatível com uma prática leal, e deve, portanto, ser dispensada da solicitação do consentimento do titular do direito;

[…]

(23)      Considerando que uma exceção deste tipo aos direitos exclusivos do autor não pode ser aplicada de forma a colidir com uma exploração normal do programa ou a prejudicar os interesses legítimos do titular do direito».

9        Sob a epígrafe «Objeto da proteção», o artigo 1.° da Diretiva 91/250 dispõe:

«1. De acordo com o disposto na presente diretiva, os Estados‑Membros estabelecerão uma proteção jurídica dos programas de computador, mediante a concessão de direitos de autor, enquanto obras literárias, na aceção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas. Para efeitos da presente diretiva, a expressão ‘programas de computador’ inclui o material de conceção.

2.      Para efeitos da presente diretiva, a proteção abrange a expressão, sob qualquer forma, de um programa de computador. As ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador, incluindo os que estão na base das respetivas interfaces, não são protegidos pelos direitos de autor ao abrigo da presente diretiva.

3.      Um programa de computador será protegido se for original, no sentido em que é o resultado da criação intelectual do autor. Não serão considerados quaisquer outros critérios para determinar a sua suscetibilidade de proteção.»

10      O artigo 4.°, alíneas a) e b), desta diretiva, sob a epígrafe «Atos sujeitos a autorização», prevê:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.° e 6.°, os direitos exclusivos do titular, na aceção do artigo 2.°, devem incluir o direito de efetuar ou autorizar:

a)       A reprodução permanente ou transitória de um programa de computador, seja por que meio for, e independentemente da forma de que se revestir, no todo ou em parte. Se operações como o carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa de computador carecerem dessa reprodução, essas operações devem ser submetidas a autorização do titular do direito;

b)       A tradução, adaptação, ajustamentos ou outras modificações do programa e a reprodução dos respetivos resultados, sem prejuízo dos direitos de autor da pessoa que altere o programa».

11      Nos termos do artigo 5.° da Diretiva 91/250, que prevê as exceções aos atos sujeitos a autorização:

«1.      Salvo disposições contratuais específicas em contrário, os atos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 4.° não se encontram sujeitos à autorização do titular sempre que sejam necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, bem como para a correção de erros.

[…]

3.      Quem tiver direito a utilizar uma cópia de um programa pode, sem necessidade de autorização do titular do direito, observar, estudar ou testar o funcionamento do programa a fim de apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do programa quando efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento, em execução do seu contrato.»

12      O artigo 6.° desta diretiva, relativo à descompilação, enuncia:

«1.      Não é necessária a autorização do titular dos direitos quando a reprodução do código e a tradução da sua forma, na aceção das alíneas a) e b) do artigo 4.°, forem indispensáveis para obter as informações necessárias à interoperabilidade de um programa de computador criado independentemente, com outros programas, uma vez preenchidas as seguintes condições:

a)       Esses atos serem realizados pelo licenciado ou por outra pessoa que tenha o direito de utilizar uma cópia do programa, ou em seu nome por uma pessoa devidamente autorizada para o efeito;

b)       Não se encontrarem já fácil e rapidamente à disposição das pessoas referidas na alínea a) as informações necessárias à interoperabilidade;

c)       Esses atos limitarem‑se a certas partes do programa de origem necessárias à interoperabilidade.

2.      O disposto no n.° 1 não permite que as informações obtidas através da sua aplicação:

a)       Sejam utilizadas para outros fins que não o de assegurar a interoperabilidade de um programa criado independentemente;

b)       Sejam transmitidas a outrem, exceto quando tal for necessário para a interoperabilidade do programa criado independentemente; ou

c)       Sejam utilizadas para o desenvolvimento, produção ou comercialização de um programa substancialmente semelhante na sua expressão, ou para qualquer outro ato que infrinja os direitos de autor.

3.      De acordo com o disposto na Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, as disposições do presente artigo não podem ser interpretadas no sentido de permitirem a sua aplicação de uma forma suscetível de lesar os legítimos interesses do titular de direitos ou que não se coadune com uma exploração normal do programa de computador.»

13      Em conformidade com o artigo 9.° da Diretiva 91/250, as disposições desta diretiva não prejudicam quaisquer outras disposições legais, nomeadamente as relativas a direitos de patente, a marcas, a concorrência desleal, a segredos comerciais, a proteção de produtos semicondutores ou ao direito dos contratos. Quaisquer disposições contratuais contrárias ao artigo 6.° ou às execuções previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 5.° serão consideradas nulas.

 Diretiva 2001/29

14      Segundo o vigésimo considerando da Diretiva 2001/29, esta baseia‑se em princípios e normas já estabelecidos pelas diretivas em vigor neste domínio, nomeadamente a Diretiva 91/250. Desenvolve estes princípios e estas normas e integra‑os na perspetiva da sociedade da informação.

15      O artigo 1.° da Diretiva 2001/29 prevê:

«1.      A presente diretiva tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação.

2.      Salvo nos casos referidos no artigo 11.°, a presente diretiva não afeta de modo algum as disposições comunitárias existentes em matéria de:

a)      Proteção jurídica dos programas de computador;

[…]»

16      Nos termos do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)      Aos autores, para as suas obras;

[…]»

 Legislação nacional

17      As Diretivas 91/250 e 2001/29 foram transpostas para a ordem jurídica interna pela Lei de 1988 sobre direitos de autor, modelos e patentes (Copyright, Designs and Patents Act 1988), conforme alterada pelo Regulamento de 1992 sobre os direitos de autor (programas de computador) [Copyright (Computer Programs) Regulations 1992], e pelo Regulamento de 1993 sobre os direitos de autor e direitos conexos (Copyright and Related Rights Regulations 2003) (a seguir «Lei de 1988»).

18      O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Lei de 1988 prevê que o direito de autor é um direito de propriedade que tem por objeto obras originais literárias, dramáticas, musicais ou artísticas. Segundo o artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) a d), desta lei, entende‑se por «obra literária» qualquer obra, que não seja dramática ou musical, escrita, falada ou cantada, nomeadamente as tabelas ou compilações que não sejam bases de dados, os programas de computador, os materiais de conceção preparatórios para um programa de computador e as bases de dados.

19      O artigo 16.°, n.° 1, alínea a), da referida lei prevê que o titular do direito de autor sobre uma obra tem o direito exclusivo de copiar a obra.

20      Segundo o artigo 16.°, n.° 3, alíneas a) e b), da Lei de 1988, a limitação pelo direito de autor de atos sobre uma obra é válida em relação à obra como um todo ou a qualquer parte substancial da mesma, direta ou indiretamente.

21      Em virtude do artigo 17.°, n.° 2, da referida lei, o ato de copiar uma obra literária, dramática, musical ou artística significa reproduzir a obra sob qualquer forma material. Isto inclui o armazenamento da obra em qualquer tipo de suporte através de meios eletrónicos.

22      O artigo 50.° BA, n.° 1, da Lei de 1988 indica que não constitui violação do direito de autor por parte de um utilizador legítimo de uma cópia de um programa de computador o facto de observar, estudar ou testar o funcionamento desse programa a fim de apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do referido programa quando efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento do programa de computador que esse utilizador tem o direito de efetuar. O artigo 50.° BA, n.° 2, desta lei precisa que, quando um ato é permitido ao abrigo do n.° 1, é irrelevante que exista ou não qualquer cláusula ou condição num contrato que vise proibir ou restringir o ato em causa.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      A SAS Institute é uma sociedade que desenvolve «software» analítico. Desenvolveu, ao longo de um período de 35 anos, um conjunto integrado de programas de computador que permite aos utilizadores executar uma grande variedade de tarefas de processamento e análise de dados, nomeadamente análises estatísticas (a seguir «sistema SAS»). O principal componente do sistema SAS, denominado «Base SAS», permite aos utilizadores escrever e executar os seus próprios programas de aplicação com vista a adaptar o sistema SAS para que este trate os seus dados «scripts». Estes «scripts» são escritos numa linguagem própria do sistema SAS (a seguir «linguagem SAS»).

24      A WPL considerou que existia um mercado potencial para «software» de substituição capaz de executar programas de aplicação escritos na linguagem SAS. Assim, a WPL criou o «World Programming SYSTEM», concebido para imitar, tanto quanto possível, a funcionalidade dos componentes do SAS, na medida em que, salvo pequenas exceções, tentou garantir que as mesmas informações produzissem os mesmos resultados. Isto permitiria aos utilizadores do sistema SAS fazer correr no «World Programming System» os «scripts»que desenvolveram para usar com o sistema SAS.

25      A High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, precisa que não está demonstrado que, para o fazer, a WPL tenha tido acesso ao código fonte dos componentes do SAS, copiado qualquer parte do texto desse código ou ainda que tenha copiado qualquer parte da conceção estrutural do referido código.

26      Salienta igualmente que dois órgãos jurisdicionais declararam anteriormente, no âmbito de outros litígios, que o facto de um concorrente do titular dos direitos de autor estudar a forma como o programa funciona e, em seguida, escrever o seu próprio programa para imitar essa funcionalidade não constitui uma violação dos direitos de autor sobre o código fonte de um programa informático.

27      A SAS Institute, que contesta esta abordagem, interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio. Acusa a WPL, principalmente:

¾        de ter copiado os manuais do sistema SAS publicados pela SAS Institute ao criar o «World Programming System», violando assim os seus direitos de autor sobre estes manuais;

¾        de, ao fazê‑lo, ter indiretamente copiado os programas de computador que incluem os componentes do SAS, violando assim os seus direitos de autor sobre esses componentes;

¾        de ter usado uma versão do sistema SAS intitulada «Learning Edition», em violação das condições da licença relativa a esta versão e dos compromissos assumidos em virtude desta, bem como dos seus direitos de autor sobre a referida versão; e

¾        de ter violado os direitos de autor sobre os manuais do sistema SAS ao criar o seu próprio manual.

28      Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No caso de um programa de computador (a seguir ‘primeiro programa’) estar protegido por direito de autor como obra literária, deve o artigo 1.°, n.° 2, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que não constitui violação do direito de autor sobre o primeiro programa o facto de um concorrente do titular do direito, sem ter acesso ao código fonte do primeiro programa, diretamente ou através de um processo como a descompilação do código objeto, criar outro programa ([a seguir] ‘segundo programa’) que reproduz as funções do primeiro programa?

2)      A resposta à primeira questão é afetada por algum dos seguintes fatores:

a)      a natureza e/ou extensão da funcionalidade do primeiro programa;

b)      a natureza e/ou extensão da competência, avaliação e trabalho que foi empregue pelo autor do primeiro programa na definição da funcionalidade do primeiro programa;

c)      o grau de detalhe com que a funcionalidade do primeiro programa foi reproduzida no segundo programa;

d)      o facto de o código fonte do segundo programa reproduzir aspetos do código fonte do primeiro programa de uma forma que excede o que seria estritamente necessário com vista a produzir a mesma funcionalidade do primeiro programa?

3)      No caso de o primeiro programa interpretar e executar aplicações escritas por utilizadores do primeiro programa numa linguagem de programação criada pelo autor do primeiro programa que compreenda palavras‑chave criadas ou escolhidas pelo autor do primeiro programa e uma sintaxe criada pelo autor do primeiro programa, deve o artigo 1.°, n.° 2, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que não constitui violação do direito de autor sobre o primeiro programa o facto de o segundo programa ser escrito de modo a interpretar e executar essas aplicações utilizando as mesmas palavras‑chave e a mesma sintaxe?

4)      No caso de o primeiro programa ler e escrever em ficheiros de dados num determinado formato criado pelo autor do primeiro programa, deve o artigo 1.°, n.° 2, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que não constitui violação do direito de autor sobre o primeiro programa o facto de o segundo programa ser escrito de modo a ler e escrever em ficheiros de dados do mesmo formato?

5)      É relevante para a resposta [à] primeira, terceira e quarta questões o facto de o autor do segundo programa ter criado o segundo programa:

a)      através da observação, estudo e teste do funcionamento do primeiro programa; ou

b)      através da leitura de um manual criado e publicado pelo autor do primeiro programa, que descreve as funções do primeiro programa (a seguir ‘manual’); ou

c)      através de a) e b)?

6)      No caso de uma pessoa ter o direito de usar uma cópia do primeiro programa ao abrigo de uma licença, deve o artigo 5.°, n.° 3, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que o licenciado tem o direito de efetuar operações de carregamento, execução e armazenamento do programa com vista a observar, testar ou estudar o funcionamento do primeiro programa, de modo a determinar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do programa, sem a autorização do titular do direito, se a licença permitir ao licenciado efetuar operações de carregamento, [visualização], execução, [transmissão] e armazenamento do primeiro programa quando o utiliza para o fim particular permitido pela licença, mas os atos praticados com vista a observar, estudar ou testar o primeiro programa estiverem fora do âmbito do fim permitido pela licença?

7)      Deve o artigo 5.°, n.° 3, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que os atos de observação, teste ou estudo do funcionamento do primeiro programa devem ser considerados como praticados com vista a determinar as ideias ou princípios subjacentes a qualquer elemento do primeiro programa quando sejam praticados:

a)      para averiguar a forma como o primeiro programa funciona, em particular quanto a detalhes que não estejam descritos no manual, com o objetivo de escrever o segundo programa da forma referida na primeira questão;

b)      para averiguar como o primeiro programa interpreta e executa instruções escritas na linguagem de programação que interpreta e executa (v. terceira questão);

c)      para averiguar os formatos de ficheiros de dados que são escritos ou lidos pelo primeiro programa (v. quarta questão);

d)      para comparar o desempenho do segundo programa em relação ao primeiro programa, com vista a investigar os motivos pelos quais os seus desempenhos diferem e para melhorar o desempenho do segundo programa;

e)      para realizar testes paralelos ao primeiro programa e ao segundo programa, com vista a comparar os seus resultados no decurso do desenvolvimento do segundo programa, em particular através da execução dos mesmos «scripts» de teste no primeiro programa e no segundo programa;

f)      para averiguar os resultados do ficheiro de registo gerado pelo primeiro programa, com vista a produzir um ficheiro de registo cuja aparência seja idêntica ou semelhante;

g)      para providenciar para que o primeiro programa produza dados (em concreto, dados de correlação de códigos postais com os Estados dos Estados Unidos […]) para efeitos de averiguar se correspondem às bases de dados oficiais de tais dados e, no caso de não corresponderem, para programar o segundo programa de modo a que responda da mesma forma que o primeiro programa à mesma introdução de dados?

8)      No caso de o manual estar protegido por direitos de autor como obra literária, deve o artigo 2.°, alínea a), [da Diretiva 2001/29] ser interpretado no sentido de que constitui violação do direito de autor sobre o manual o facto de o autor do segundo programa reproduzir, ou reproduzir substancialmente, no segundo programa uma das seguintes matérias descritas no manual:

a)      a seleção de operações estatísticas que foram implementadas no primeiro programa;

b)      as fórmulas matemáticas utilizadas no manual para descrever essas operações;

c)      os comandos ou combinações de comandos específicos pelos quais essas operações podem ser invocadas;

d)      as opções que o autor do primeiro programa tiver disponibilizado relativamente aos diversos comandos;

e)      as palavras‑chave e a sintaxe que são reconhecidas pelo primeiro programa;

f)      os valores por omissão que o autor do primeiro programa tiver optado por implementar no caso de determinado comando ou opção não ser indicado pelo utilizador;

g)      o número de iterações que o primeiro programa executa em determinadas circunstâncias?

9)      Deve o artigo 2.°, alínea a), [da Diretiva 2001/29] ser interpretado no sentido de que constitui violação do direito de autor sobre o manual o facto de o autor do segundo programa reproduzir, ou reproduzir substancialmente, num manual que descreve o segundo programa, as palavras‑chave e a sintaxe que são reconhecidas pelo primeiro programa?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira a quinta questões

29      Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que a funcionalidade de um programa de computador assim como a linguagem de programação e o formato de ficheiros de dados usados no âmbito de um programa de computador para explorar algumas das suas funções constituem uma forma de expressão desse programa e podem, nessa medida, estar protegidos pelo direito de autor sobre os programas de computador na aceção desta diretiva.

30      Em conformidade com o artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 91/250, os programas de computador estão protegidos pelo direito de autor, enquanto obras literárias na aceção da Convenção de Berna.

31      O n.° 2 deste artigo alarga essa proteção a qualquer forma de expressão de um programa de computador. Precisa, não obstante, que as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador, incluindo os que estão na base das respetivas interfaces, não são protegidos por direitos de autor ao abrigo desta diretiva.

32      O décimo quarto considerando da Diretiva 91/250 confirma, a este respeito, que, de acordo com o princípio segundo o qual apenas a expressão de um programa de computador está protegida por direito de autor, as ideias e princípios que estão na base da lógica, dos algoritmos e das linguagens de programação não estão protegidos ao abrigo da referida diretiva. O seu décimo quinto considerando indica que, em conformidade com a legislação e a jurisprudência dos Estados‑Membros e com as convenções internacionais sobre direitos de autor, a expressão dessas ideias e princípios deve ser protegida por direitos de autor.

33      No que respeita ao direito internacional, tanto o artigo 2.° do Tratado OMPI sobre o direito de autor como o artigo 9.°, n.° 2, do ADPIC dispõem que a proteção conferida pelo direito de autor abrange as expressões e não as ideias, os processos, os métodos operacionais ou os conceitos matemáticos enquanto tal.

34      O artigo 10.°, n.° 1, do ADPIC prevê que os programas de computador, quer sejam expressos em código fonte ou em código objeto, serão protegidos enquanto obras literárias por força da Convenção de Berna.

35      Num acórdão proferido após a apresentação do pedido de decisão prejudicial no presente processo, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 no sentido de que o objeto da proteção conferida pela Diretiva 91/250 visa o programa de computador em todas as suas formas de expressão, que permitem reproduzi‑lo em diferentes linguagens informáticas, tais como o código fonte e o código objeto (acórdão de 22 de dezembro de 2010, Bezpečnostní softwarová asociace, C‑393/09, Colet., p. I‑13971, n.° 35).

36      Em conformidade com a segunda frase do sétimo considerando da Diretiva 91/250, a expressão «programa de computador» inclui igualmente o trabalho de conceção preparatório conducente à elaboração de um programa de computador, desde que esse trabalho seja de molde a resultar num programa de computador numa fase posterior.

37      Assim, o objeto da proteção da Diretiva 91/250 abrange as formas de expressão de um programa de computador e o trabalho de conceção preparatório suscetível de conduzir, respetivamente, à reprodução ou à elaboração posterior de tal programa (acórdão Bezpečnostní softwarová asociace, já referido, n.° 37).

38      O Tribunal de Justiça conclui daqui que o código fonte e o código objeto de um programa de computador são formas de expressão deste, que merecem, por isso, a proteção de direitos de autor conferida aos programas de computador, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250. Em contrapartida, no que diz respeito à interface gráfica, o Tribunal de Justiça decidiu que a mesma não permite reproduzir o programa de computador, constituindo simplesmente um elemento do mesmo através do qual os utilizadores exploram as funcionalidades do referido programa (acórdão Bezpečnostní softwarová asociace, já referido, n.os 34 e 41).

39      Com base nestas considerações, há que observar que, no que respeita aos elementos de um programa de computador que constituem o objeto da primeira a quinta questões, nem a funcionalidade de um programa nem a linguagem de programação e o formato de ficheiros de dados utilizados no âmbito de um programa de computador para explorar algumas das suas funções constituem uma forma de expressão desse programa na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250.

40      Com efeito, como refere o advogado‑geral no n.° 57 das suas conclusões, admitir que a funcionalidade de um programa de computador possa ser protegida pelo direito de autor equivale a oferecer a possibilidade de monopolizar as ideias, em detrimento do progresso técnico e do desenvolvimento industrial.

41      Por outro lado, o ponto 3.7 da exposição de motivos da Proposta de Diretiva 91/250 [COM (88) 816] refere que a proteção dos programas de computador pelo direito de autor tem como principal vantagem o facto de abranger unicamente a expressão individualizada de uma obra, possibilitando uma flexibilidade suficiente que permite a outros autores criarem programas similares ou mesmo idênticos, desde que não se trate de cópias.

42      Quanto à linguagem de programação e ao formato de ficheiro de dados usados no âmbito de um programa de computador para interpretar e executar programas de aplicações escritos por utilizadores e para ler e escrever dados num formato de ficheiros de dados específico, trata‑se dos elementos deste programa por intermédio dos quais os utilizadores exploram certas funções do referido programa.

43      Importa precisar neste contexto que, se um terceiro obtiver a parte do código fonte ou do código objeto relativa à linguagem de programação ou ao formato de ficheiros de dados usados no âmbito de um programa de computador e criar, com a ajuda desse código, elementos semelhantes no seu próprio programa de computador, tal comportamento é suscetível de constituir uma reprodução parcial, na aceção do artigo 4.°, alínea a), da Diretiva 91/250.

44      Ora, como decorre da decisão de reenvio, a WPL não teve acesso ao código fonte do programa da SAS Institute e não efetuou qualquer descompilação do código objeto deste programa. Graças à observação, ao estudo e ao teste do comportamento do programa da SAS Institute, a WPL reproduziu a funcionalidade deste utilizando a mesma linguagem de programação e o mesmo formato de ficheiros de dados.

45      Por outro lado, há que salientar que a observação feita no n.° 39 do presente acórdão não afeta a possibilidade de a linguagem SAS e de o formato de ficheiros de dados da SAS Institute beneficiarem, enquanto obras, da proteção do direito de autor, por força da Diretiva 2001/29, se forem uma criação intelectual própria do seu autor (v. acórdão Bezpečnostní softwarová asociace, já referido, n.os 44 a 46).

46      Por conseguinte, há que responder à primeira a quinta questões que o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que nem a funcionalidade de um programa de computador nem a linguagem de programação e o formato de ficheiros de dados usados no âmbito de um programa de computador para explorar algumas das suas funções constituem uma forma de expressão desse programa e não estão, nessa medida, protegidos pelo direito de autor sobre os programas de computador na aceção desta diretiva.

 Quanto à sexta e sétima questões

47      Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que a pessoa que obteve uma cópia licenciada de um programa de computador pode, sem autorização do titular do direito de autor que protege esse programa, observar, estudar ou testar o funcionamento deste a fim de determinar as ideias e os princípios que estão na base de qualquer elemento do referido programa, quando efetue operações cobertas por essa licença, com um objetivo que ultrapassa o âmbito definido por esta.

48      No processo principal, decorre da decisão de reenvio que a WPL comprou legalmente cópias da versão de aprendizagem do programa da SAS Institute, que foram fornecidas sob licença «por clique» em virtude da qual o adquirente aceitava os termos dessa licença antes de poder aceder ao «software». Os termos da referida licença restringem a mesma a fins de não produção. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a WPL usou as diferentes cópias da versão de aprendizagem do programa da SAS Institute para efetuar operações que excedem o âmbito da licença em causa.

49      Consequentemente, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se a finalidade de estudo ou de observação do funcionamento de um programa de computador tem incidência na possibilidade de a pessoa que obteve a licença invocar a exceção do artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250.

50      Da leitura dos termos desta disposição há que salientar, por um lado, que o detentor de uma cópia licenciada tem o direito de observar, de estudar ou de testar o funcionamento de um programa de computador a fim de apurar as ideias e os princípios subjacentes a qualquer elemento do programa.

51      A este respeito, o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250 visa assegurar que as ideias e os princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador não sejam protegidos pelo titular do direito de autor mediante contrato de licença.

52      Esta disposição está pois em linha com o princípio enunciado no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 segundo o qual a proteção prevista por esta se aplica a qualquer forma de expressão de um programa de computador e as ideias e os princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador não estão protegidos pelo direito de autor ao abrigo desta diretiva.

53      O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 acrescenta, por outro lado, que será considerada nula qualquer disposição contratual contrária às exceções previstas no artigo 5.°, n.os 2 e 3, desta diretiva.

54      Por outro lado, em virtude do referido artigo 5.°, n.° 3, quem tiver direito a utilizar uma cópia licenciada pode apurar as ideias e os princípios subjacentes a qualquer elemento do programa de computador quando efetuar quaisquer operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento desse programa que tenha o direito de efetuar.

55      Daqui resulta que a determinação destas ideias e destes princípios pode ser realizada no âmbito das operações autorizadas pela licença.

56      Por outro lado, o décimo oitavo considerando da Diretiva 91/250 explica que uma pessoa que tenha direito a utilizar um programa de computador não pode ser impedida de realizar os atos necessários de observação, estudo ou teste de funcionamento do programa, desde que estes atos não infrinjam os direitos de autor em relação ao referido programa.

57      Trata‑se, a este respeito, como refere o advogado‑geral no n.° 95 das suas conclusões, dos atos visados no artigo 4.°, alíneas a) e b), da Diretiva 91/250, que define os direitos exclusivos do titular de efetuar e autorizar, bem como do artigo 5.°, n.° 1, desta, relativo aos atos necessários para a utilização do programa de computador pelo seu adquirente legítimo de uma maneira conforme com a sua finalidade, incluindo para corrigir erros.

58      Com efeito, a este respeito, o décimo sétimo considerando da Diretiva 91/250 precisa que as operações de carregamento e de funcionamento necessárias a essa utilização não podem ser proibidas por contrato.

59      Consequentemente, o titular do direito de autor sobre um programa de computador não pode impedir, invocando o contrato de licença, que a pessoa que obteve essa licença apure as ideias e os princípios subjacentes a todos os elementos desse programa quando realizar as operações que a referida licença lhe permite efetuar, bem como as operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador, na condição de não violar os direitos exclusivos do titular sobre este programa.

60      No que respeita a esta última condição, o artigo 6.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 91/250, relativo à descompilação, precisa, com efeito, que esta não permite que as informações obtidas em virtude da sua aplicação sejam utilizadas para o desenvolvimento, produção ou comercialização de um programa de computador substancialmente semelhante ou para qualquer outro ato que infrinja os direitos de autor.

61      Importa, pois, salientar que não existe violação do direito de autor do programa de computador quando, como no caso em apreço, o adquirente legítimo da licença não teve acesso ao código fonte do programa de computador protegido por essa licença, mas se limitou a estudar, a observar e a testar esse programa a fim de reproduzir a sua funcionalidade num segundo programa.

62      Nestas condições, há que responder à sexta e sétima questões que o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que a pessoa que obteve uma cópia sob licença de um programa de computador pode, sem autorização do titular do direito de autor, observar, estudar ou testar o funcionamento deste programa a fim de apurar as ideias e os princípios subjacentes a qualquer elemento do referido programa, quando efetue operações cobertas por essa licença, bem como operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador, na condição de não violar os direitos exclusivos do titular do direito de autor sobre este programa.

 Quanto à oitava e nona questões

63      Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização desse programa, de certos elementos descritos no manual de utilização de outro programa de computador protegido pelo direito de autor constitui uma violação do direito de autor relativo a este último manual.

64      Decorre da decisão de reenvio que o manual de utilização do programa de computador da SAS Institute é uma obra literária protegida na aceção da Diretiva 2001/29.

65      O Tribunal de Justiça já declarou que as diferentes partes de uma obra gozam de proteção nos termos do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 desde que contenham determinados elementos que são a expressão da criação intelectual própria do autor dessa obra (acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International, C‑5/08, Colet., p. I‑6569, n.° 39).

66      No caso vertente, as palavras‑chave, a sintaxe, os comandos ou combinações de comandos específicos, as opções, os valores por omissão e as iterações são compostos por palavras, números ou conceitos matemáticos que, tomados em conta isoladamente, não são, enquanto tais, uma criação intelectual do autor do programa de computador.

67      É apenas através da escolha, da disposição e da combinação destas palavras, destes números ou destes conceitos matemáticos que é permitido ao autor exprimir o seu espírito criador de modo original e chegar a um resultado, o manual de utilização do programa de computador, que constitui uma criação intelectual (v., neste sentido, acórdão Infopaq International, já referido, n.° 45).

68      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a reprodução dos referidos elementos constitui a reprodução da expressão da criação intelectual própria do autor do manual de utilização do programa de computador em causa no processo principal.

69      A este respeito, a análise, à luz da Diretiva 2001/29, da reprodução destes elementos do manual de utilização de um programa de computador deve ser a mesma, quer se trate da criação de um segundo programa ou do manual de utilização deste último programa.

70      Consequentemente, tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à oitava e nona questões que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização desse programa, de certos elementos descritos no manual de utilização de outro programa de computador protegido pelo direito de autor é suscetível de constituir uma violação do direito de autor sobre este último manual se — o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar — esta reprodução constituir a expressão da criação intelectual própria do autor do manual de utilização do programa de computador protegido pelo direito de autor.

 Quanto às despesas

71      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, deve ser interpretado no sentido de que nem a funcionalidade de um programa de computador nem a linguagem de programação e o formato de ficheiros de dados usados no âmbito de um programa de computador para explorar algumas das suas funções constituem uma forma de expressão desse programa e não estão, nessa medida, protegidos pelo direito de autor sobre os programas de computador na aceção desta diretiva.

2)      O artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que a pessoa que obteve uma cópia sob licença de um programa de computador pode, sem autorização do titular do direito de autor, observar, estudar ou testar o funcionamento deste programa a fim de apurar as ideias e os princípios subjacentes a qualquer elemento do referido programa, quando efetue operações cobertas por essa licença, bem como operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador, na condição de não violar os direitos exclusivos do titular do direito de autor sobre este programa.

3)      O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização desse programa, de certos elementos descritos no manual de utilização de outro programa de computador protegido pelo direito de autor é suscetível de constituir uma violação do direito de autor sobre este último manual se — o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar — esta reprodução constituir a expressão da criação intelectual própria do autor do manual de utilização do programa de computador protegido pelo direito de autor.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.