Language of document : ECLI:EU:C:2018:559

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

11 de julho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigo 1.o, n.o 1 — Transferência de empresa — Artigo 3.o, n.o 1 — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Sub‑rogação nos contratos de trabalho por força de disposições de uma convenção coletiva — Convenção coletiva que exclui a obrigação de o cedente e de o cessionário da empresa responderem solidariamente pelas obrigações, incluindo salariais, emergentes dos contratos de trabalho antes da cessão dessa empresa»

No processo C‑60/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha), por decisão de 30 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2017, no processo

Ángel Somoza Hermo,

Ilunión Seguridad, SA,

contra

Esabe Vigilancia, SA,

Fondo de Garantía Salarial (Fogasa),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: E. Levits, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator) e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de A. Somoza Hermo, por X. Castro Martínez, abogado,

–        em representação do Governo espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Kellerbauer e J. Rius, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Ángel Somoza Hermo e a Ilunión Seguridad, SA, à Esabe Vigilancia, SA, e ao Fondo de Garantía Salarial (Fogasa) acerca do pagamento, a A. Somoza Hermo, de diferenças salariais e de prestações sociais complementares correspondentes aos anos de 2010 a 2012.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 2001/23 codifica a Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122), conforme alterada pela Diretiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 201, p. 88).

4        O considerando 3 da Diretiva 2001/23 tem a seguinte redação:

«É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.»

5        O considerando 8 da mesma diretiva enuncia:

«Por motivos de segurança e de transparência jurídicas, foi conveniente esclarecer o conceito jurídico de transferência à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Esse esclarecimento não alterou o âmbito da Diretiva 77/187/CEE, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça.»

6        O artigo 1.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2001/23 dispõe:

«a)      A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

b)      Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.»

7        Nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2001/23:

«1.      Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.

Os Estados‑Membros podem prever que, após a data da transferência, o cedente e o cessionário sejam solidariamente responsáveis pelas obrigações resultantes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes antes da data da transferência.

[…]

3.      Após a transferência, o cessionário manterá as condições de trabalho acordadas por uma convenção coletiva, nos mesmos termos em que esta as previa para o cedente, até à data da rescisão ou do termo da convenção coletiva ou até à data de entrada em vigor ou de aplicação de outra convenção coletiva.

Os Estados‑Membros podem limitar o período de manutenção das condições de trabalho desde que este não seja inferior a um ano.

4.      a)      Salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, os n.os 1 e 3 não são aplicáveis aos direitos dos trabalhadores a prestações de velhice, invalidez ou sobrevivência concedidas por regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais, não compreendidos nos regimes legais de segurança social dos Estados‑Membros.

b)      Mesmo quando não prevejam, nos termos da alínea a), que o[s] n.os 1 e 3 se aplicam aos direitos nela mencionados, os Estados‑Membros adotarão as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores, bem como das pessoas que no momento da transferência já tenham deixado o estabelecimento do cedente, no que respeita aos direitos adquiridos ou em vias de aquisição a prestações de velhice, incluindo as prestações de sobrevivência, concedidos pelos regimes complementares referidos na alínea a) do presente número.»

8        O artigo 8.o desta diretiva prevê:

«A presente diretiva não afeta a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores ou de favorecerem ou permitirem a celebração de convenções coletivas ou acordos entre parceiros sociais que sejam mais favoráveis aos trabalhadores.»

 Direito espanhol

9        As regras aplicáveis aos trabalhadores em caso de transferência de entidades económicas são definidas no Real Decreto Legislativo 1/1995 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo 1/1995, que aprova o texto consolidado da Lei relativa ao Estatuto dos Trabalhadores), de 24 de março de 1995 (BOE n.o 75, de 29 de março de 1995, p. 9654), na sua versão resultante da Lei 12/2001, de 9 de julho de 2001 (BOE n.o 164, de 10 de julho de 2001, p. 24890, a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»).

10      O artigo 44.o do Estatuto dos Trabalhadores dispõe:

«1.      A transferência de uma empresa, de um centro de trabalho ou de uma unidade produtiva autónoma dessa empresa não extingue só por si a relação laboral; o novo empregador titular fica sub‑rogado nos direitos e obrigações laborais e de segurança social do anterior empregador, incluindo as obrigações relativas a pensões nos termos previstos na legislação específica aplicável, e, em geral, em todas as obrigações do cedente no domínio da proteção social complementar.

2.      Para efeitos do disposto no presente artigo, considera‑se transferência de empresa a transmissão de uma entidade económica que mantenha a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de exercer uma atividade económica, essencial ou acessória.

3.      Sem prejuízo do disposto na legislação de segurança social, o cedente e o cessionário, nas transferências que tenham lugar por atos inter vivos, respondem solidariamente, durante três anos, pelas obrigações emergentes do contrato de trabalho anteriores à transferência que não tenham sido cumpridas.»

11      O artigo 14.o do Convenio colectivo estatal de las empresas de seguridad (Convenção Coletiva Estatal das Empresas de Segurança, BOE n.o 99, de 25 de abril de 2013, p. 31668, a seguir «Convenção Coletiva das Empresas de Segurança») prevê:

«Tendo em conta as características e as circunstâncias específicas da atividade, que exigem a mobilidade dos trabalhadores de um posto de trabalho para outro, esta disposição visa garantir a estabilidade do emprego dos trabalhadores deste setor, mas não a estabilidade do posto de trabalho, com base na regulamentação de execução seguinte, que se aplica aos serviços de vigilância, aos sistemas de segurança, à proteção pessoal e aos serviços de guarda pessoal de campo:

A)      Regulamentação de execução.

Quando uma empresa deixe de ser adjudicatária dos serviços contratados por um cliente, público ou privado, devido a resolução, por qualquer motivo, do contrato de prestação de serviços, a nova empresa adjudicatária está, em qualquer caso, obrigada a sub‑rogar‑se nos contratos dos trabalhadores afetados à execução desse contrato e a esse local de trabalho, qualquer que seja a modalidade de contratação dos mesmos, e/ou a categoria profissional, quando se demonstre uma antiguidade real mínima dos trabalhadores em causa afetados ao serviço objeto de sub‑rogação, de sete meses imediatamente anteriores à data em que se verifica a sub‑rogação, incluindo‑se nesse período as ausências regulamentares do trabalhador do serviço sub‑rogado, estabelecidas nos artigos 45.o, 46.o e 50.o da presente convenção coletiva, as situações de incapacidade temporária e as suspensões disciplinares, qualquer que seja a causa, excluindo‑se expressamente as licenças sem vencimento previstas no artigo 48.o, exceto para os trabalhadores que tenham sido contratados para uma tarefa ou serviço determinado.

[…]

B)      Obrigações das empresas que deixam de prestar o serviço e da empresa adjudicatária.

B.1      Empresa que deixa de ser adjudicatária: a empresa que deixa de prestar o serviço:

[…]

3.      Responde como obrigado único e exclusivo:

a)      pelos pagamentos e montantes devidos pela prestação do trabalho até ao momento da cessação da adjudicação, e

b)      pela liquidação dos montantes devidos, incluindo férias pagas, uma vez que a sub‑rogação implica apenas para a nova empresa adjudicatária a obrigação de manutenção do emprego dos trabalhadores em causa.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      A. Somoza Hermo trabalhava como segurança por conta da Esabe Vigilancia, empresa adjudicatária do serviço de vigilância do Museo de las Peregrinaciones de Santiago de Compostela (Museu das Peregrinações de Santiago de Compostela, Espanha), que depende da Consellería de Cultura de la Xunta de Galicia (Ministério da Cultura da Galiza, Espanha).

13      Em 16 de outubro de 2012, o referido serviço de vigilância foi adjudicado à Vigilancia Integrada, SA (a seguir «VINSA»), atual Ilunión Seguridad, que ficou sub‑rogada, a partir dessa data, nas obrigações emergentes dos contratos de trabalho dos empregados da anterior empresa adjudicatária do referido serviço, incluindo o de A. Somoza Hermo.

14      A este respeito, a VINSA avisou A. Somoza Hermo que, em conformidade com a Convenção Coletiva das Empresas de Segurança, as diferenças salariais e de prestações sociais complementares atribuídas pela Esabe Vigilancia para os anos de 2010 a 2012 e ainda por receber deviam ser pagas por esta última.

15      Uma vez que essas duas empresas recusaram pagar‑lhe os montantes reclamados, A. Somoza Hermo intentou uma ação no Juzgado de lo Social n.o 3 de Santiago de Compostela (Tribunal do Trabalho n.o 3 de Santiago de Compostela, Espanha) para obter o pagamento desses montantes.

16      O referido órgão jurisdicional julgou parcialmente procedente a ação e condenou a Esabe Vigilancia e a VINSA no pagamento solidário das dívidas que não considerou prescritas, com base no artigo 44.o, n.o 1, do Estatuto dos Trabalhadores.

17      A VINSA interpôs recurso da referida sentença no Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha), alegando que a disposição aplicável não é o artigo 44.o do Estatuto dos Trabalhadores, mas o artigo 14.o da Convenção Coletiva das Empresas de Segurança, que obriga a empresa adjudicatária a sub‑rogar‑se nos direitos e obrigações da empresa cedente, emergentes dos contratos de trabalho. Alega que esta sub‑rogação a obriga apenas a assumir as obrigações emergentes dos contratos de trabalho a partir da data da adjudicação e a isenta das obrigações anteriores a essa data.

18      A. Somoza Hermo também interpôs recurso da referida sentença no Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza) quanto aos pedidos de pagamento das diferenças salariais que o Juzgado de lo Social julgou improcedentes.

19      O órgão jurisdicional de reenvio recorda que o Tribunal Supremo (Espanha), num acórdão de 7 de abril de 2016, declarou que o artigo 14.o da Convenção Coletiva das Empresas de Segurança se refere à sucessão no tempo de duas empresas encarregadas da prestação de serviços de segurança privada. Esta sucessão implica a integração obrigatória, por parte do cessionário, dos trabalhadores da anterior empresa.

20      Assim, segundo o referido acórdão, nos casos de sucessão de adjudicatários a sub‑rogação não opera nos termos do artigo 44.o do Estatuto dos Trabalhadores se não existir transferência de ativos patrimoniais ou transferência de pessoal, nos setores em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra. Por conseguinte, nesses casos, a sub‑rogação ocorre por força da convenção coletiva aplicável. Consequentemente, a integração dos trabalhadores da empresa anterior não corresponde ao caso de transferência de pessoal em que a nova sociedade adjudicatária assume voluntariamente a maioria dos trabalhadores que prestavam os serviços em causa. Pelo contrário, nestes casos, a transferência de pessoal decorre do cumprimento das disposições previstas na convenção coletiva aplicável. Com efeito, a nova empresa adjudicatária poderia ter recorrido ao seu próprio pessoal para prestar os serviços em causa, mas, no entanto, vê‑se obrigada por essa convenção coletiva a assumir os trabalhadores afetados a esses serviços pela anterior empresa adjudicatária.

21      O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) considerou que a jurisprudência do Tribunal de Justiça estabelecida no Acórdão de 24 de janeiro de 2002, Temco (C‑51/00, EU:C:2002:48), não se opõe a esta conclusão, dado que a sub‑rogação imposta pela Convenção Coletiva das Empresas de Segurança não decorre de uma situação abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23 ou do artigo 44.o do Estatuto dos Trabalhadores. Com efeito, a relação entre o artigo 44.o do Estatuto dos Trabalhadores e o artigo 14.o da Convenção Coletiva das Empresas de Segurança é uma relação de complementaridade ou de concorrência não conflituosa, uma vez que a norma convencional, que regula uma realidade diferente, introduz uma melhoria ao aplicar um dos efeitos que a norma legal previu para o seu próprio âmbito de aplicação.

22      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, portanto, em substância, sobre a questão de saber se, numa atividade que assenta essencialmente na mão de obra, a sub‑rogação entre empresas, que ocorre na sequência de uma transferência de um contrato de serviços por força de uma convenção coletiva que estabelece que a empresa cessionária é obrigada a integrar o pessoal da anterior empresa adjudicatária, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23. Se assim for, interroga‑se sobre a questão de saber se uma disposição da convenção coletiva aplicável que estabelece a exclusão da responsabilidade solidária do cedente e do cessionário no que se refere ao cumprimento das obrigações contratuais emergentes dos contratos de trabalho anteriores à data de transferência do serviço em causa é conforme com o artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva.

23      Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 […] é aplicável quando uma empresa deixa de ser adjudicatária dos serviços prestados a um cliente devido à resolução do contrato de prestação de serviços em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra (vigilância das instalações), e a nova adjudicatária [assume] uma parte essencial dos efetivos [afetados] à [prestação] do referido serviço, quando essa sub‑rogação nos contratos de trabalho é imposta pelas disposições da convenção coletiva [das empresas de segurança]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, se a legislação do Estado‑Membro adotada para transpor a Diretiva 2001/23 dispõe, em aplicação do [seu] artigo 3.o, n.o 1, que, após a data da transferência, o cedente e o cessionário respondem solidariamente pelas obrigações, incluindo as [salariais], emergentes [dos contratos de trabalho] antes da data da transferência, [é conforme com o referido artigo 3.o, n.o 1,] uma interpretação segundo a qual esta responsabilidade solidária não se aplica quando a obrigação de [integrar] o essencial da mão de obra é imposta à nova adjudicatária pelas disposições da convenção coletiva [das empresas de segurança] e [esta] convenção exclui essa responsabilidade solidária relativamente às obrigações anteriores à transferência?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

24      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva se aplica a uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância de instalações celebrado com uma empresa e, para efeitos da execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa que, por força de uma convenção coletiva, integra uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que a primeira empresa afetava à execução da referida prestação, quando a atividade em causa assenta essencialmente na mão de obra.

25      Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, alínea a), a Diretiva 2001/23 é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

26      A este respeito, decorre de jurisprudência bem assente que o alcance da referida disposição não pode ser apreciado apenas com base numa interpretação literal. Dadas as diferenças entre as versões linguísticas desta diretiva e as divergências entre as legislações nacionais sobre o conceito de cessão convencional, o Tribunal de Justiça interpretou esse conceito de modo suficientemente flexível para satisfazer o objetivo da referida diretiva, que, como decorre do seu considerando 3, é proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresa (Acórdão de 20 de janeiro de 2011, CLECE, C‑463/09, EU:C:2011:24, n.o 29 e jurisprudência referida).

27      Com efeito, nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23 abrange todas as hipóteses de mudança, no quadro de relações contratuais, da pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração da empresa, que contrai as obrigações de entidade patronal perante os empregados da empresa. Assim, para que a Diretiva 2001/23 seja aplicável, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre o cedente e o cessionário, já que a cessão se pode também efetuar por intermédio de um terceiro (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Securitas, C‑200/16, EU:C:2017:780, n.o 23 e jurisprudência referida).

28      Daqui resulta que a inexistência de vínculo contratual entre as duas empresas a quem foi sucessivamente atribuída a vigilância das instalações em causa não influi na questão de saber se a Diretiva 2001/23 é ou não aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Securitas, C‑200/16, EU:C:2017:780, n.o 24).

29      Importa igualmente recordar que, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/23, para que esta diretiva seja aplicável, a transferência deve ter por objeto «uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória».

30      Para determinar se esta condição está efetivamente preenchida, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a integração ou não do essencial dos efetivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de semelhança das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas atividades. Estes elementos devem ser apreciados no âmbito de uma avaliação de conjunto das circunstâncias do caso concreto e não podem, por isso, ser considerados isoladamente (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Securitas, C‑200/16, EU:C:2017:780, n.o 26 e jurisprudência referida).

31      Em particular, o Tribunal de Justiça considerou que o órgão jurisdicional nacional, na sua apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em questão, deve nomeadamente ter em conta o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa (Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C‑509/14, EU:C:2015:781, n.o 33, e de 19 de outubro de 2017, Securitas, C‑200/16, EU:C:2017:780, n.o 27).

32      Daí resulta que a importância respetiva a atribuir aos diferentes critérios da existência de uma transferência na aceção da Diretiva 2001/23 varia necessariamente em função da atividade exercida, ou mesmo dos métodos de produção ou de exploração utilizados na empresa, no estabelecimento ou na parte do estabelecimento em questão (Acórdão 19 de outubro de 2017, Securitas, C‑200/16, EU:C:2017:780, n.o 28 e jurisprudência referida).

33      O Tribunal de Justiça salientou anteriormente que uma entidade económica pode, em certos setores, funcionar sem elementos do ativo, corpóreos ou incorpóreos, significativos, de tal forma que a manutenção da sua identidade para além da operação de que é objeto não pode, por hipótese, depender da cessão de tais elementos (Acórdão de 20 janeiro de 2011, CLECE, C‑463/09, EU:C:2011:24, n.o 35 e jurisprudência referida).

34      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que, em certos setores em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade é suscetível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limita a prosseguir a atividade em causa mas também integra uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu antecessor afetava especialmente a essa tarefa. Nessa hipótese, o novo empresário adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá a prossecução estável das atividades ou de parte das atividades da empresa cedente (Acórdão de 20 janeiro de 2011, CLECE, C‑463/09, EU:C:2011:24, n.o 36 e jurisprudência referida).

35      Deste modo, uma atividade de vigilância de um museu como a que está em causa no processo principal, que não exige a utilização de elementos materiais específicos, pode ser considerada uma atividade que assenta essencialmente na mão de obra e, por consequência, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum de vigilância pode, na falta de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica. É ainda necessário, porém, que a identidade desta última seja mantida para além da operação em causa (v., por analogia, Acórdão de 20 de janeiro de 2011, CLECE, C‑463/09, EU:C:2011:24, n.o 39).

36      A este respeito, decorre da decisão de reenvio que, para exercer as atividades de vigilância do Museu das Peregrinações de Santiago de Compostela, anteriormente confiadas à Esabe Vigilancia, a VINSA integrou os trabalhadores que aquela afetava a essas atividades.

37      Daí resulta que a identidade de uma entidade económica como a que está em causa no processo principal, que assenta essencialmente na mão de obra, pode ser mantida se o essencial dos seus efetivos for integrado pelo alegado cessionário.

38      Além disso, embora o Governo espanhol sustente nas suas observações escritas que a VINSA foi obrigada a integrar o pessoal da Esabe Vigilancia por força de uma convenção coletiva, essa circunstância não tem, em todo caso, influência no facto de a transferência ser relativa a uma entidade económica. De resto, há que sublinhar que o objetivo prosseguido pela Convenção Coletiva das Empresas de Segurança é o mesmo da Diretiva 2001/23 e que esta convenção coletiva visa expressamente, no que respeita à integração de uma parte do pessoal, o caso de uma nova adjudicação como a que está em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2002, Temco, C‑51/00, EU:C:2002:48, n.o 27).

39      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva se aplica a uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância de instalações celebrado com uma empresa e, para efeitos dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa que, por força de uma convenção coletiva, integra uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que a primeira empresa afetava à execução da referida prestação, desde que a operação seja acompanhada da transferência de uma entidade económica entre as duas empresas em causa.

 Quanto à segunda questão

40      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, por força de uma convenção coletiva, se exclua a obrigação de o cedente e de o cessionário da entidade económica em causa responderem solidariamente pelas obrigações, incluindo salariais, emergentes dos contratos de trabalho anteriores à cessão dessa entidade.

41      O artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/23 enuncia o princípio segundo o qual os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são transferidos para o cessionário. O segundo parágrafo do referido artigo 3.o, n.o 1, dispõe que os Estados‑Membros podem prever que, após a data da transferência, o cedente e o cessionário sejam solidariamente responsáveis pelas obrigações resultantes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes antes da data da transferência.

42      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que o artigo 44.o, n.o 3, do Estatuto dos Trabalhadores prevê que o cedente e o cessionário, nas transferências que tenham lugar por atos inter vivos, respondem solidariamente, durante três anos, pelas obrigações emergentes do contrato de trabalho anteriores à transferência que não tenham sido cumpridas. A Convenção Coletiva das Empresas de Segurança não estabelece essa solidariedade.

43      Nas suas observações escritas, o Governo espanhol alega que a segunda questão não é da competência do Tribunal de Justiça. Com efeito, com a formulação utilizada pelo órgão jurisdicional de reenvio, essa questão levaria o Tribunal de Justiça não a efetuar uma interpretação do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/23 mas a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de certas disposições nacionais entre si. Ora, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade dessas disposições.

44      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a competência do Tribunal de Justiça se limita exclusivamente ao exame das disposições do direito da União. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar o alcance das disposições nacionais e o modo como devem ser aplicadas (Despacho de 23 de maio de 2011, Rossius e Collard, C‑267/10 e C‑268/10, não publicado, EU:C:2011:332, n.o 15).

45      No caso em apreço, atendendo à redação da referida questão, há que considerar que, na realidade, esta tem por objeto um exame da conformidade de uma disposição de uma convenção coletiva com uma disposição legislativa nacional. Ora, esse exame, que implica a apreciação de questões de hierarquia das normas no direito interno, não é da competência do Tribunal de Justiça.

46      Daqui resulta que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à segunda questão submetida pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza).

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

1)      O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos EstadosMembros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva se aplica a uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância de instalações celebrado com uma empresa e, para efeitos dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa que, por força de uma convenção coletiva, integra uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que a primeira empresa afetava à execução da referida prestação, desde que a operação seja acompanhada da transferência de uma entidade económica entre as duas empresas em causa.

2)      O Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para responder à segunda questão submetida pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha) por decisão de 30 de dezembro de 2016.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.