Language of document : ECLI:EU:T:2012:260

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

24 de maio de 2012 (*)

«Concorrência — Decisão de uma associação de empresas — Mercado dos serviços de aquisição das transações efetuadas através de cartões de débito, de pagamento único e de crédito — Decisão que declara uma infração ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE — Comissões interbancárias multilaterais supletivas — Artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE — Conceito de restrição acessória — Falta de caráter objetivamente necessário — Restrição da concorrência por efeito — Condições de concessão de uma isenção individual — Direitos de defesa — Medida corretiva — Sanção pecuniária compulsória — Fundamentação — Proporcionalidade»

No processo T‑111/08,

MasterCard, Inc., com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos),

MasterCard International, Inc., com sede em Wilmington,

MasterCard Europe, com sede em Waterloo (Bélgica),

representadas por B. Amory, V. Brophy, S. McInnes, advogados, e T. Sharpe, QC,

recorrentes,

apoiadas por

Banco Santander, SA, com sede em Santander (Espanha), representada por F. Lorente Hurtado, P. Vidal Martínez e A. Rodriguez Encinas, advogados,

Royal Bank of Scotland plc, com sede em Edimburgo (Reino Unido), representada por D. Liddell, solicitor, D. Waelbroeck, advogado, N. Green, QC, e M. Hoskins, barrister,

HSBC Bank plc, com sede em Londres (Reino Unido), representada por M. Coleman, P. Scott, solicitors, e R. Thompson, QC,

Bank of Scotland plc, com sede em Edimburgo, representada inicialmente por S. Kim, K. Gordon e C. Hutton, solicitors, e em seguida por J. Flynn, QC, E. McKnight e K. Fountoukakos‑Kyriakakos, solicitors,

Lloyds TSB Bank plc, com sede em Londres, representada por E. McKnight, K. Fountoukakos‑Kyriakakos, solicitors, e J. Flynn, QC,

e

MBNA Europe Bank Ltd, com sede em Chester (Reino Unido), representada por A. Davies, solicitor, e J. Swift, QC,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Arbault, N. Khan e V. Bottka, e em seguida por A. Khan e V. Bottka, na qualidade de agentes;

recorrida,

apoiada por:

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por E. Jenkinson e I. Rao, na qualidade de agentes, e em seguida por I. Rao, S. Ossowski e F. Penlington, e por último por I. Rao, S. Ossowski e C. Murrell, na qualidade de agentes, assistidos por J. Turner, QC, e J. Holmes, barrister,

British Retail Consortium, com sede em Londres, representado por P. Crockford, solicitor, e A. Robertson, barrister,

e

EuroCommerce AISBL, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada inicialmente por F. Tuytschaever e F. Wijckmans, e em seguida por F. Wijckmans e J. Stuyck, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto, a título principal, um pedido de anulação da decisão C (2007) 6474 final, de 19 de dezembro de 2007, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/34.579 — MasterCard, Processo COMP/36.518 — EuroCommerce, Processo COMP/38.580 — Cartões Comerciais), e, a título subsidiário, um pedido de anulação dos artigos 3.° a 5.° e 7.° desta mesma decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por A. Dittrich, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e M. Prek (relator), juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de julho de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

I —  Recorrente

1        A MasterCard é uma organização internacional de pagamento (a seguir «organização de pagamento MasterCard»), representada por várias pessoas coletivas, a sociedade holding MasterCard, Inc., e as suas duas filiais MasterCard International, Inc., e MasterCard Europe (a seguir, conjuntamente, «recorrentes»).

2        A responsabilidade das recorrentes respeita à gestão e à coordenação dos sistemas de pagamentos efetuados pelos cartões MasterCard e Maestro (a seguir, conjuntamente, respetivamente, «sistema MasterCard» e «cartões MasterCard»), o que inclui designadamente a fixação das regras do sistema e a prestação de serviços de autorização e de compensação aos estabelecimentos financeiros participantes. A responsabilidade das atividades de emissão de cartões MasterCard e a celebração de acordos de filiação com comerciantes para a aceitação dos pagamentos através de cartões MasterCard incumbem às instituições financeiras.

3        Antes de 25 de maio de 2006, toda a propriedade da organização de pagamento MasterCard e os correspondentes direitos de voto pertenciam aos bancos. Nessa data, a MasterCard foi objeto de uma introdução na bolsa de Nova Iorque (Estados Unidos) (a seguir «IPO»), que modificou a sua estrutura e a sua gestão.

II —  Procedimento administrativo na origem da decisão impugnada

4        Em 30 de março de 1992 e 27 de junho de 1997, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu denúncias, respetivamente, do British Retail Consortium (a seguir «BRC») e da EuroCommerce AISBL contra, designadamente, a Europay International SA (a seguir «Europay»), que se tornou MasterCard Europe.

5        Em 22 de maio de 1992, em maio de 1993 e em 8 de setembro de 1994, a Europay efetuou várias notificações. Foram seguidas por uma notificação, com efeitos a partir de 1 de julho de 1995, que abrangia a totalidade dos sistemas de pagamentos da Europay.

6        Em 13 de abril de 2002, na sequência da comunicação de acusações que tinha dirigido à Europay e da resposta desta, a Comissão publicou uma comunicação, em conformidade com o artigo 19.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] CE e [82.°] CE (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), em que anunciava a sua intenção de adotar uma posição favorável a respeito de determinadas regras do sistema da Europay, entre as quais não figuravam as relativas às comissões interbancárias supletivas.

7        Em 22 de novembro de 2002, a Comissão abriu oficiosamente um inquérito sobre as comissões interbancárias supletivas no interior do Espaço Económico Europeu (EEE) no tocante aos cartões comerciais.

8        Em 24 de setembro de 2003, a Comissão enviou às recorrentes uma comunicação de acusações sobre as regras do sistema MasterCard e as suas decisões relativas às comissões interbancárias supletivas.

9        Em 5 de junho de 2004, as recorrentes responderam a essa comunicação de acusações.

10      Em 21 de junho de 2006, a Comissão enviou às recorrentes uma comunicação de acusações adicional (a seguir «CAA»).

11      Em 3 e 4 de julho e em 22 de agosto de 2006, as recorrentes tiveram acesso ao processo da Comissão.

12      Em 15 de outubro de 2006, as recorrentes responderam à CAA (a seguir «RCAA»).

13      Em 14 e 15 de novembro de 2006, procedeu‑se à audição das recorrentes.

14      Em 23 de março de 2007, a Comissão enviou às recorrentes uma carta de exposição dos factos.

15      Em 16 de maio de 2007, as recorrentes responderam à carta de exposição dos factos.

 Decisão impugnada

16      Em 19 de dezembro de 2007, a Comissão adotou a decisão C (2007) 6474 final, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/34.579 — MasterCard, COMP/36.518 — EuroCommerce, COMP/38.580 — Cartões Comerciais) (a seguir «decisão impugnada»), cujos elementos essenciais são a seguir reproduzidos.

I —  Sistema quadripartido de cartões bancários e comissões interbancárias

17      A Comissão recorda que um sistema quadripartido de cartões bancários, igualmente qualificado de sistema aberto, como o sistema MasterCard, se distingue dos sistemas tripartidos na medida em que, nos sistemas quadripartidos, o estabelecimento financeiro emitente do cartão bancário (a seguir «banco de emissão» ou «emitente») pode ser diferente do estabelecimento financeiro que fornece aos comerciantes os serviços de aquisição, isto é, os serviços que lhes permitem aceitar os cartões como meio de pagamento das transações (a seguir «banco de aquisição» ou «adquirente») (considerandos 234 a 249 da decisão impugnada).

18      As comissões interbancárias dizem respeito às relações entre os bancos de emissão e de aquisição por ocasião da liquidação das transações através do cartão e correspondem a um montante deduzido em proveito do banco de emissão. Essas comissões devem ser distinguidas das comissões cobradas pelo banco de aquisição aos comerciantes [«merchant service charge», comissão faturada ao comerciante (a seguir «MSC»)].

19      A Comissão sublinhou que a organização de pagamento MasterCard não impõe geralmente aos bancos de emissão um modo especial de utilização do produto das comissões interbancárias e que não controla de modo sistemático o uso que delas fazem (considerando 138 da decisão impugnada). A Comissão considerou igualmente que as recorrentes não qualificavam ou tinham deixado de qualificar as comissões interbancárias de preços ou de compensação por determinados serviços prestados pelos bancos de emissão aos comerciantes, mas de mecanismo para contrabalançar as exigências dos titulares de cartões e dos comerciantes (considerandos 146 a 155 da decisão impugnada).

20      A decisão impugnada não incide na totalidade das comissões interbancárias recebidas no âmbito do sistema MasterCard, mas apenas naquelas que a decisão impugnada qualifica de comissões interbancárias multilaterais supletivas aplicadas no EEE ou na zona euro, isto é, na falta de comissões interbancárias fixadas bilateralmente entre bancos de emissão e de aquisição ou de comissões interbancárias fixadas coletivamente a nível nacional (a seguir «CIM») (considerando 118 da decisão impugnada).

II —  Definição do mercado relevante

21      Segundo a Comissão, há que distinguir três mercados de produtos distintos no domínio dos sistemas de cartões bancários quadripartidos: antes de mais, um mercado a «montante», correspondente aos serviços prestados por um sistema de cartões bancários a instituições financeiras, mercado no qual os diferentes sistemas de cartões fazem concorrência entre si (a seguir «mercado intersistemas»); em seguida, um primeiro mercado «a jusante», no qual os bancos de emissão concorrem pela clientela dos titulares de cartões bancários (a seguir «mercado da emissão»); por último, um segundo mercado «a jusante», no qual os bancos de aquisição concorrem pela clientela dos comerciantes (a seguir «mercado da aquisição») (considerandos 278 a 282 da decisão impugnada).

22      A Comissão definiu o mercado relevante como constituído pelos mercados nacionais da aquisição nos Estados‑Membros do EEE (considerandos 283 a 329 da decisão impugnada).

23      Não seguiu a argumentação desenvolvida pelas recorrentes no procedimento administrativo de que existia um único mercado de produtos em causa, isto é, aquele no qual os serviços propostos pelos sistemas de cartões de pagamento a pedido conjunto dos titulares de cartões e comerciantes fazem concorrência entre si e estão em concorrência com o conjunto dos outros meios de pagamento, incluindo o dinheiro líquido e os cheques (considerandos 250 a 277 da decisão impugnada).

III —  Aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE

A —  Decisão de uma associação de empresas

24      Segundo a Comissão, as decisões da organização de pagamento MasterCard relativas à fixação das CIM constituem decisões de uma associação de empresas na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, apesar das modificações de estrutura e de gestão introduzidas pela IPO da MasterCard.

25      Em primeiro lugar, considerou, no essencial, que a organização de pagamento MasterCard constituía uma associação de empresas antes da IPO e que este acontecimento não tinha afetado os elementos determinantes que justificam essa qualificação (considerandos 345 a 357 da decisão impugnada). A Comissão considerou, designadamente, que a alteração da propriedade económica da organização de pagamento MasterCard não constituía um elemento determinante (considerando 358 da decisão impugnada). Assinala também que a gestão da associação na Europa continuava a estar sob o controlo dos bancos (considerandos 359 a 367 da decisão impugnada).

26      Em segundo lugar, a Comissão assinalou que é pacífico que as decisões relativas às CIM adotadas anteriormente à IPO constituíam decisões de associações de empresas. Esta qualificação deve ser mantida à luz das decisões relativas às CIM adotadas posteriormente à IPO. Para chegar a esta conclusão, a Comissão baseou‑se, designadamente, na manutenção de uma comunidade de interesses entre a organização de pagamento MasterCard e os bancos e na sua aceitação do seu novo modo de gestão (considerandos 370 a 399 da decisão impugnada).

B —  Restrição de concorrência

27      Salientando a existência de determinados elementos que apontavam no sentido da existência de uma restrição de concorrência pelo objeto, a Comissão baseou a sua análise apenas nos efeitos restritivos da concorrência das CIM no mercado da aquisição (considerandos 401 a 407 da decisão impugnada).

28      Segundo a Comissão, os membros da organização de pagamento MasterCard exercem coletivamente um poder de mercado em relação aos comerciantes e aos seus clientes. Assim, as CIM têm por efeito inflacionar a base das MSC, quando estas poderiam ser de nível inferior sem as CIM e se existisse uma proibição da tarifação unilateral a posteriori das transações dos bancos de emissão (a seguir «proibição de tarifações ex post»). Daqui resulta que as CIM examinadas pela Comissão na decisão impugnada estão na origem de uma restrição de concorrência em matéria de preços entre os bancos de aquisição em detrimento dos comerciantes e dos seus clientes (considerandos 410, 411 e 522 da decisão impugnada).

29      A este respeito, por um lado, considerou que os efeitos restritivos das CIM não funcionavam apenas na aquisição das transações transfronteiriças, mas também na aquisição das transações nacionais, referindo‑se, designadamente, à circunstância de as CIM serem aplicáveis em certos Estados‑Membros, devido à falta de comissões interbancárias bilaterais ou nacionais e que podiam servir de referência para a fixação de comissões interbancárias nacionais (considerandos 412 a 424 da decisão impugnada).

30      Por outro lado, a Comissão inferiu de vários elementos de prova que as CIM determinavam um nível mínimo às MSC (considerandos 425 a 438 da decisão impugnada).

31      Além disso, refere, no essencial, que o papel desempenhado pelas CIM no mercado da emissão e no mercado intersistemas reforçava os seus efeitos restritivos de concorrência no mercado em causa, na medida em que, por um lado, é do interesse dos bancos de emissão oferecer aos seus clientes cartões para os quais estejam previstas CIM de um nível elevado e, por outro, a concorrência entre os sistemas de cartões pela clientela dos bancos faz‑se em detrimento dos sistemas que propõem CIM reduzidas (considerandos 461 a 491 da decisão impugnada).

32      A Comissão concluiu igualmente que não era do interesse dos bancos de aquisição exercer pressão concorrencial de descida nas CIM na medida em que beneficiariam delas, direta ou indiretamente (considerandos 499 a 501 da decisão impugnada).

33      Quanto aos comerciantes, não seriam capazes de condicionar suficientemente o montante das CIM (considerandos 502 a 506 da decisão impugnada). Para chegar a esta conclusão, a Comissão teve, designadamente, em conta os efeitos de outras regras do sistema MasterCard e, nomeadamente, o efeito da regra que impõe aceitar todos os cartões provenientes de todos os bancos («Honour All Cards Rule», a seguir «HACR») (considerandos 507 a 521 da decisão impugnada), bem como o interesse dos consumidores por esse meio de pagamento (considerandos 504 e 506 da decisão impugnada).

C —  Apreciação do caráter eventualmente objetivamente necessário das CIM para o funcionamento do sistema MasterCard

34      De forma liminar, a Comissão recordou que, contrariamente às restrições necessárias à realização de uma operação principal, as únicas restrições desejáveis para o sucesso comercial da referida operação, ou que apresentavam ganhos de eficiência, só podiam ser analisadas no âmbito do artigo 81.°, n.° 3, CE (considerandos 524 a 531 da decisão impugnada).

35      A Comissão considerou que as CIM não podem ser consideradas restrições acessórias na medida em que não têm um caráter objetivamente necessário ao funcionamento de um sistema de cartões de pagamento aberto. Este pode funcionar com base apenas numa remuneração dos bancos de emissão pelos titulares dos cartões, dos bancos de aquisição pelos comerciantes e do proprietário do sistema das comissões pagas pelos bancos de emissão e de aquisição (considerandos 549 a 552 da decisão impugnada). Baseou‑se, a este respeito, no facto de cinco sistemas abertos de cartões bancários funcionarem na Europa sem CIM (considerandos 555 a 614 da decisão impugnada). A Comissão baseou‑se igualmente na descida das comissões interbancárias aplicada pelo banco central da Austrália e na respetiva inexistência de influência na viabilidade do sistema MasterCard (considerandos 634 a 644 da decisão impugnada).

36      Quanto aos efeitos da HACR, a Comissão alega que a supressão das CIM não significa uma liberdade de os bancos de emissão fixarem livre e unilateralmente as comissões interbancárias, uma vez que esse risco podia ser evitado através de uma regra com efeitos menos restritivos para a concorrência, tal como a proibição de tarifações ex post (considerando 553 e 554 da decisão impugnada).

37      A Comissão não seguiu os argumentos das recorrentes relativos ao aumento das comissões induzido pela supressão das CIM. Assim, negou que essa supressão tivesse como consequência um aumento das contribuições pagas pelos titulares dos cartões a um nível que levasse a uma procura insuficiente (considerandos 609 a 614 da decisão impugnada). Do mesmo modo, a Comissão não seguiu a análise das recorrentes relativa ao facto de a falta de CIM provocar uma redistribuição coletiva dos custos no sistema e ter sobre as comissões imputadas aos comerciantes uma consequência idêntica à das CIM (considerandos 615 a 619 da decisão impugnada).

38      Também não considerou que as CIM tinham caráter objetivamente necessário para que o sistema MasterCard pudesse concorrer com os sistemas tripartidos (considerandos 620 a 625 da decisão impugnada).

39      Por outro lado, a Comissão considerou que o efeito de restrição das CIM na concorrência era significativo (considerandos 649 a 660 da decisão impugnada) e que estas afetavam as trocas comerciais entre Estados‑Membros (considerandos 661 e 662 da decisão impugnada).

IV —  Aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE

40      Segundo a Comissão, no essencial, os argumentos económicos aduzidos pelas recorrentes, relativos ao papel das CIM no equilíbrio do sistema MasterCard e na sua maximização, não são suficientes para demonstrar que estão na origem de benefícios objetivos. A Comissão considera que não impôs um ónus da prova excessivo às recorrentes ao pedir que fossem apresentadas provas empíricas. Destacou igualmente certos elementos que vão contra a argumentação das recorrentes, como a produção significativa de certos sistemas de cartões bancários que funcionam sem CIM e a importância dos rendimentos gerados pelos bancos na sua atividade de emissão de cartões (considerandos 679 a 701 e 729 a 733 da decisão impugnada).

41      A Comissão, além disso, analisou a base teórica em que as recorrentes se apoiam, a saber, o modelo de Baxter, mas não considerou procedente a argumentação destas últimas devido aos limites inerentes a esse modelo (considerandos 720 a 724 da decisão impugnada).

42      No que respeita à condição de uma parte equitativa do lucro ser reservada para os utilizadores, a Comissão considerou que as recorrentes não tinham feito prova de que os eventuais benefícios objetivos compensariam os inconvenientes das CIM para os comerciantes e para os seus clientes (considerandos 739 a 746 da decisão impugnada).

V —  Dispositivo

43      Os artigos 1.° e 2.° do dispositivo da decisão impugnada estão assim redigidos:

«Artigo 1.°

Desde 22 de maio de 1992 até 19 de dezembro de 2007, a organização de pagamento MasterCard e as pessoas coletivas que a representam [as recorrentes] infringiram o artigo 81.° [CE] e, desde 1 de janeiro de 1994 até 19 de dezembro de 2007, o artigo 53.° do Acordo EEE, ao estabelecerem um preço mínimo a pagar pelos comerciantes ao seu banco adquirente pela aceitação de cartões de pagamento no [EEE], por meio das comissões interbancárias supletivas no EEE aplicáveis aos cartões de crédito e pagamento único da MasterCard e aos cartões de débito MasterCard e Maestro.

Artigo 2.°

A organização de pagamento MasterCard e as pessoas coletivas que a representam deverão pôr termo à infração […] a que se refere o artigo 1.° nos termos dos artigos 3.° a 5.° seguintes.

A organização de pagamento MasterCard e as pessoas coletivas que a representam não podem repetir a infração através de qualquer ato ou conduta que tenha um objeto ou efeito idêntico ou equivalente. Mais concretamente, não podem aplicar as comissões interbancárias supletivas SEPA/zona euro.»

44      No artigo 3.° da decisão impugnada, a Comissão intima as recorrentes a revogar formalmente, no prazo de seis meses, as CIM em causa, a alterar as regras da rede da associação e a anular todas as decisões relativas às CIM. No artigo 4.° da referida decisão, intima as recorrentes a transmitir aos estabelecimentos financeiros e às câmaras de compensação e bancos de liquidação com transações no EEE as alterações introduzidas às regras da rede da associação no prazo de seis meses. No artigo 5.° desta mesma decisão, as recorrentes são intimadas a publicar na Internet um resumo da decisão impugnada. O artigo 6.° desta última prevê a possibilidade de pedir à Comissão uma prorrogação do prazo de seis meses fixado às recorrentes para respeitar as intimações previstas nos artigos 2.° a 5.° Por último, o artigo 7.° da decisão impugnada prevê que o não cumprimento de uma dessas injunções será punido com uma coima de um montante de 3,5% do seu volume de negócios mundial consolidado diário.

 Tramitação processual

45      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de março de 2008, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

46      Por despacho de 12 de setembro de 2008, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos da Comissão.

47      Por primeiro despacho de 9 de dezembro de 2008, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do BRC e da EuroCommerce em apoio dos pedidos da Comissão.

48      Por segundo despacho de 9 de dezembro de 2008, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção das seguintes sociedades em apoio dos pedidos das recorrentes:

¾        Banco Santander SA;

¾        HSBC Bank plc (a seguir «HSBC»);

¾        Bank of Scotland plc;

¾        Royal Bank of Scotland plc (a seguir «RBS»);

¾        Lloyds TSB Bank plc (a seguir «Lloyds TSB»);

¾        MBNA Europe Bank Ltd (a seguir «MBNA»).

49      As recorrentes pediram, em 4 de agosto e 5 de dezembro de 2008, bem como em 19 de fevereiro, 29 de abril e 23 de julho de 2009, que certos elementos confidenciais contidos, respetivamente, na petição, na contestação, na réplica, em determinadas alegações de intervenção e na tréplica, não fossem comunicados aos intervenientes. Apresentaram uma versão não confidencial desses diferentes articulados. A comunicação dos referidos atos processuais aos intervenientes ficou limitada a esta versão não confidencial. Os intervenientes não suscitaram objeções a este respeito.

50      A RBS pediu, em 25 de fevereiro de 2009, que determinados elementos confidenciais contidos na sua intervenção fossem excluídos da comunicação aos intervenientes. Apresentaram igual pedido a MBNA, a HSBC e a Bank of Scotland, no que respeita à sua intervenção, no dia seguinte. Foi apresentado igual pedido pela EuroCommerce, no que respeita às suas alegações de intervenção, em 3 de março de 2009. Os intervenientes apresentaram uma versão não confidencial das suas alegações de intervenção. A comunicação das referidas alegações de intervenção aos outros intervenientes foi limitada a esta versão não confidencial. Estes intervenientes não suscitaram objeções a este respeito.

51      Em 8 de janeiro de 2010, as recorrentes propuseram ao Tribunal Geral a adoção de uma medida de organização do processo, nos termos do artigo 64.°, n.° 4, do seu Regulamento de Processo. Em 29 de janeiro e 31 de março de 2010, as recorrentes pediram que certos elementos confidenciais contidos, respetivamente, no seu pedido de medidas de organização do processo e na resposta da Comissão a esse pedido não fossem comunicados aos intervenientes e forneceram uma versão não confidencial desses diferentes articulados. A comunicação dos referidos articulados aos intervenientes limitou‑se a esta versão não confidencial. Os intervenientes não suscitaram objeções a este respeito.

52      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção) decidiu dar início à fase oral.

53      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 8 de julho de 2011.

 Pedidos das partes

54      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾        declarar o recurso admissível;

¾        anular a decisão impugnada ou, subsidiariamente, anular os artigos 3.° a 5.° e 7.°;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

55      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar as recorrentes nas despesas.

56      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, o BRC e a EuroCommerce concluem pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

57      A Banco Santander, a RBS, a Lloyds TSB e a MBNA concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

58      A HSBC conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a decisão impugnada.

59      A Bank of Scotland conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada ou, subsidiariamente, anular os seus artigos 3.° a 5.° e 7.°;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

I —  Quanto ao pedido de medidas de organização do processo apresentado pelas recorrentes

60      As recorrentes pretendem que seja pedido à Comissão, a título de medidas de organização do processo, que altere uma passagem da tréplica para suprimir as referências aos compromissos unilaterais que foram subscritos.

61      Resulta dessa passagem da tréplica que, posteriormente à adoção da decisão impugnada, as discussões entre as recorrentes e a Comissão perduraram e conduziram a compromissos relativos a um novo método de cálculo das CIM, compromissos com base nos quais o membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência informou que «não via qualquer razão para propor ao colégio a abertura de um procedimento contra as CIM fixadas segundo esse novo método».

62      As recorrentes consideram que essas referências violam o acordo celebrado com a Comissão de que as discussões e qualquer eventual acordo sobre as CIM seriam «confidenciais» e «com reservas» (without prejudice). A Comissão salienta que a reintrodução das CIM é um facto notório, uma vez que tanto as recorrentes como a Comissão publicaram comunicados de imprensa a esse respeito. Alega igualmente que as recorrentes seguem uma interpretação errada do conceito de «com reservas».

63      Segundo jurisprudência assente, é ao Tribunal Geral que cabe apreciar a utilidade de medidas de organização do processo [acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2003, CorusUK/Comissão, C‑199/99 P, Colet., p. I‑11177, n.° 67; acórdãos do Tribunal Geral de 20 de março de 1991, Pérez‑Mínguez Casariego/Comissão, T‑1/90, Colet., p. II‑143, n.° 94, e de 12 de setembro de 2007, Neumann/IHMI (Forma de uma cabeça de microfone), T‑358/04, Colet., p. II‑3329, n.° 66].

64      No caso, basta observar que as referências controvertidas dizem respeito a um acontecimento posterior à adoção da decisão impugnada, não tendo, portanto, qualquer incidência na sua legalidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 28 de fevereiro de 2002, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑395/94, Colet., p. II‑875, n.° 252 e jurisprudência aí referida).

65      Por conseguinte, há que indeferir o pedido de medidas de organização do processo apresentado pelas recorrentes, sem que seja necessário saber o exato alcance das obrigações resultantes da menção, na correspondência trocada entre as partes, de que as suas discussões eram confidenciais e «com reservas».

II —  Quanto à admissibilidade do conteúdo de determinados anexos aos articulados das partes

66      A Comissão considera que os argumentos que se encontram em determinados anexos à petição inicial e à réplica devem ser julgados inadmissíveis, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Geral, na medida em que a presença de argumentos nos anexos ultrapassa a função meramente probatória e instrumental que lhes é atribuída.

67      Na réplica, as recorrentes alegam que os referidos anexos mais não fazem do que fundamentar os argumentos que figuram no próprio corpo da petição e que, portanto, são admissíveis. O mesmo não acontece com determinados anexos à contestação, que incluem argumentos não invocados no próprio corpo da referida contestação e não devem, por conseguinte, ser tomados em conta para efeitos do presente processo.

68      Por força do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados. Segundo jurisprudência assente, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do próprio texto da petição. Embora o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a falta dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições acima recordadas, devem constar da petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar nos anexos os fundamentos e argumentos que poderia considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (v. acórdão do Tribunal Geral de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colet., p. II‑3601, n.° 94 e jurisprudência aí referida).

69      Esta interpretação do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo visa igualmente as condições de admissibilidade da réplica, que se destina, de acordo com o artigo 47.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a completar a petição (acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 68 supra, n.° 95).

70      Mesmo se, atendendo à presunção de legalidade de que gozam os atos adotados pelas instituições da União Europeia, a petição e a contestação respondem cada uma a finalidades diferentes, e, por conseguinte, a requisitos diferentes, não deixa de ser verdade que, no que respeita à possibilidade de remissão para documentos juntos à contestação, há que seguir o mesmo critério aplicado à petição, uma vez que o artigo 46.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento de Processo precisa que a contestação deve conter os argumentos de direito e de facto invocados.

71      As críticas relativas à remissão para anexos serão analisadas, se for o caso, no momento da análise dos diferentes fundamentos e argumentos a que se referem. Os anexos só serão levados em conta na medida em que suportem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas partes no corpo dos seus articulados e em que seja possível determinar com precisão quais os elementos que contêm que alicerçam ou complementam os referidos fundamentos ou argumentos (v., neste sentido e por analogia, acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 68 supra, n.° 99).

III —  Quanto ao mérito

72      O presente recurso contém, por um lado, a título principal, um pedido de anulação da decisão impugnada e, por outro, a título subsidiário, um pedido de anulação dos seus artigos 3.° a 5.° e 7.°

A —  Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

73      Em apoio deste pedido, as recorrentes apresentam quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE devido a erros na análise dos efeitos das CIM na concorrência, o segundo, à violação do artigo 81.°, n.° 3, CE, o terceiro, à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE devido à qualificação errada de decisões de uma associação de empresas aplicadas às CIM e, o quarto, à existência de vícios do procedimento administrativo e de erros factuais.

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE na medida em que a Comissão concluiu erradamente que a fixação das CIM constituía uma restrição de concorrência

74      Este fundamento articula‑se, no essencial, em duas partes. Na primeira, as recorrentes alegam que a Comissão considerou sem razão que as CIM tinham efeitos restritivos de concorrência. Na segunda, sustentam que a Comissão devia ter concluído que as CIM eram objetivamente necessárias ao funcionamento do sistema MasterCard.

75      Importa compreender a referência feita pelas recorrentes ao alegado caráter objetivamente necessário das CIM no sentido de que a Comissão deveria ter concluído que constituíam uma restrição acessória relativamente ao sistema MasterCard e que, portanto, não podia analisar os seus efeitos na concorrência de forma autónoma, antes devendo tê‑los examinado conjuntamente com os do sistema MasterCard ao qual estavam ligados.

76      Na medida em que a resposta que deve ser dada à segunda parte condiciona a possibilidade de um exame autónomo dos efeitos das CIM na concorrência, importa começar pelo seu exame.

a)     Quanto à parte do fundamento relativa a uma errada apreciação do caráter objetivamente necessário das CIM

77      O conceito de restrição acessória abrange qualquer restrição diretamente ligada e necessária à realização de uma operação principal (acórdão do Tribunal Geral de 18 de setembro de 2001, M6 e o./Comissão, T‑112/99, Colet., p. II‑2459, n.° 104).

78      Por restrição diretamente ligada à realização de uma operação principal, deve entender‑se toda e qualquer restrição subordinada em importância relativamente à realização dessa operação e que comporta um nexo evidente com ela (acórdão M6 e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.° 105).

79      Quanto à condição relativa ao caráter necessário de uma restrição, esta implica uma dupla análise. Com efeito, há que determinar, por um lado, se a restrição é objetivamente necessária à realização da operação principal e, por outro, se é proporcionada relativamente a ela (acórdão M6 e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.° 106).

80      No que respeita ao exame do caráter objetivamente necessário de uma restrição, há que recordar que, na medida em que não pode ser admitida a existência de uma regra de razão, o pressuposto da necessidade objetiva não pode ser interpretado no sentido de que implica uma ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo. Com efeito, é só no âmbito específico do artigo 81.°, n.° 3, CE que essa análise se pode efetuar. Por conseguinte, o exame do caráter objetivamente necessário de uma restrição relativamente à operação principal só pode ser relativamente abstrato. Não se trata de analisar se, tendo em conta a situação concorrencial no mercado em causa, a restrição é indispensável para o sucesso comercial da operação principal, mas sim de determinar se, no contexto específico da operação principal, a restrição é necessária à realização dessa operação. Se, na falta da restrição, a operação principal for dificilmente exequível ou mesmo inexequível, a restrição pode ser considerada objetivamente necessária à sua realização (acórdão M6 e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.os 107 e 109).

81      Quanto ao exame do caráter proporcionado da restrição em relação à realização da operação principal, importa verificar se a sua duração e o seu âmbito de aplicação material e geográfica não excedem o necessário para a realização da operação. Se a duração ou o âmbito de aplicação da restrição excederem o necessário para a realização da operação, deve ser objeto de uma análise separada, no âmbito do artigo 81.°, n.° 3, CE (acórdão M6 e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.° 113).

82      Por último, na medida em que a apreciação do caráter acessório de uma restrição relativamente a uma operação principal envolve apreciações económicas complexas por parte da Comissão, a fiscalização jurisdicional dessa apreciação limita‑se à verificação do respeito das regras processuais, ao caráter suficiente da fundamentação, à exatidão material dos factos, à inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. acórdão M6 e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.° 114).

83      No caso em apreço, só está em causa o requisito relativo ao caráter objetivamente necessário das CIM. No essencial, as recorrentes, apoiadas por diversos intervenientes, apresentam duas alegações. Alegam que a decisão impugnada está ferida de erro por a Comissão ter aplicado critérios jurídicos errados. Consideram igualmente que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação no exame do caráter objetivamente necessário das referidas CIM.

 Quanto à alegação baseada na aplicação de critérios jurídicos errados

84      As recorrentes alegam que a Comissão não analisou as CIM no seu contexto jurídico e económico. Sustentam que a Comissão cometeu um erro de direito ao inferir do postulado de que o sistema MasterCard podia funcionar sem CIM o seu caráter não objetivamente necessário. Resulta, pelo contrário, da jurisprudência que, se, sem a restrição, a operação principal for dificilmente realizável, a restrição pode ser considerada objetivamente necessária à sua realização. O mesmo se diga se essa operação principal for mais difícil de realizar ou só puder ser realizada em condições mais incertas, com uma probabilidade de êxito inferior.

85      A Comissão refuta a justeza deste argumento.

86      À luz da jurisprudência acima referida nos n.os 77 a 82, há que julgar improcedente este argumento.

87      Na verdade, como alegam acertadamente as recorrentes, resulta de jurisprudência assente que a apreciação dos efeitos restritivos da concorrência na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE deve ter em conta o quadro concreto no qual um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada produzem os seus efeitos, designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas em causa operam, a natureza dos serviços visados, bem como as condições reais do funcionamento e a estrutura do mercado em causa (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colet., p. II‑3141, n.° 136 e jurisprudência aí referida).

88      Todavia, isso não implica que devem ser tomadas em consideração, como parecem sustentar as recorrentes, as vantagens que constituem as CIM para o sistema MasterCard para efeitos de determinar se estas são objetivamente necessárias ao seu funcionamento.

89      Como resulta da jurisprudência acima referida no n.° 77, o exame do caráter objetivamente necessário de uma restrição reveste um caráter relativamente abstrato. Com efeito, só as restrições que sejam necessárias para que a operação principal possa, em qualquer hipótese, funcionar podem ser consideradas abrangidas pela teoria das restrições acessórias. Assim, as considerações que se referem ao caráter indispensável da restrição à luz da situação concorrencial no mercado em causa não fazem parte da análise do caráter acessório da restrição (v., neste sentido, acórdão M6 e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.° 121).

90      Consequentemente, o facto de a inexistência das CIM poder ter consequências negativas no funcionamento do sistema MasterCard não implica, em si mesmo, que as CIM devam ser consideradas objetivamente necessárias, se resultar do exame do sistema MasterCard no seu contexto económico e jurídico que continua a ser capaz de funcionar sem elas.

91      Assim, não está ferido de nenhum erro de direito o raciocínio da Comissão que infere o caráter não objetivamente necessário das CIM do facto de o sistema MasterCard poder funcionar sem elas.

92      Consequentemente, ao invés do que sustentam as recorrentes, a Comissão não aplicou critérios jurídicos errados. Por conseguinte, há que rejeitar a presente alegação.

 Quanto à alegação baseada na errada apreciação do caráter objetivamente necessário das CIM

93      Na medida em que as CIM, por um lado, constituem uma modalidade de liquidação supletiva das transações, aplicável às transações na falta de acordo mais específico entre os bancos de emissão e de aquisição, e, por outro, correspondem a uma transferência de fundos em proveito dos bancos de emissão, há que examinar o eventual caráter objetivamente necessário das CIM sob estes dois aspetos.

–       Quanto ao caráter objetivamente necessário das CIM enquanto modalidades de liquidação supletiva das transações

94      As recorrentes alegam, no essencial, que as CIM são objetivamente necessárias ao sistema MasterCard na medida em que constituem uma modalidade de liquidação supletiva das transações. Não existindo CIM, a HACR, na medida em que implica pagar todas as transações efetuadas com cartões MasterCard, teria como consequência colocar os adquirentes à mercê dos emitentes, que poderiam determinar unilateralmente o montante da comissão interbancária, sendo os vendedores e os compradores obrigados a aceitar a transação.

95      No considerando 554 da decisão impugnada, a Comissão respondeu a esta crítica salientando o seguinte:

«a possibilidade de certos bancos de emissão explorarem adquirentes vinculados pela HACR poderia ser afastada por uma regra de rede que tivesse efeitos menos restritivos na concorrência que a solução atual da MasterCard, que exige que, supletivamente, seja aplicado um certo nível de comissões interbancárias. A outra solução seria uma regra que impusesse uma proibição de tarifações ex post, na falta de um acordo bilateral entre eles. Esta regra obrigaria o banco credor a aceitar qualquer pagamento validamente introduzido no sistema por um banco devedor e proibiria a cada banco faturar comissões a outro banco na falta de um acordo bilateral sobre o nível dessas comissões. Esta solução destinada a ‘proteger’ os adquirentes de um abuso de poder dos emitentes por força da regra HACR é menos restritiva para a concorrência que uma CIM, pois não fixa um nível de preços mínimo por cada lado do sistema.»

96      Não se pode deixar de observar que esse raciocínio não contém nenhum erro manifesto de apreciação. Com efeito, a existência de regras de liquidação de transações supletivas menos restritivas de concorrência que as CIM impede que estas sejam consideradas objetivamente necessárias ao funcionamento do sistema MasterCard unicamente com base na sua qualidade de modo de liquidação supletiva das transações.

97      Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação das recorrentes relativa ao facto de a Comissão não poder tomar em consideração a hipótese de um sistema MasterCard que funcione com base numa proibição de tarifações ex post e não com base nas CIM, uma vez que essa proibição não é fruto do jogo do mercado e constitui, por isso, uma interferência do tipo «regulador». Ao raciocinar assim, a Comissão não cumpriu a sua obrigação de examinar a situação da concorrência na falta de acordo.

98      Esta argumentação resulta de uma leitura errada da jurisprudência segundo a qual, se um acordo, uma decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa for considerado proibido em razão das alterações do jogo da concorrência que provocam, é necessário examinar o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria se não existisse o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colet., p. I‑3111, n.° 76 e jurisprudência aí referida).

99      Na verdade, os termos dessa comparação devem ser realistas. Por conseguinte, cabia à Comissão examinar se a hipótese de um sistema MasterCard funcionar sem CIM era economicamente viável e podia, por conseguinte, ser tida em conta a título de comparação. Em contrapartida, não tinha de demonstrar que o jogo do mercado levava os bancos de emissão e de aquisição a decidir por si próprios a adoção de uma regra menos restritiva de concorrência que as CIM.

–       Quanto ao caráter objetivamente necessário das CIM como mecanismo de transferência de fundos a favor dos bancos de emissão

100    Por conseguinte, há que verificar se a Comissão podia validamente considerar que uma regra que proíbe as tarifações ex post era suficiente para permitir o funcionamento do sistema MasterCard — caso em que as CIM não poderiam ser consideradas objetivamente necessárias — ou se, pelo contrário, o funcionamento desse sistema implicava um mecanismo de transferência de fundos a favor dos bancos de emissão.

101    Não se trata de efetuar uma comparação destinada a determinar se o sistema MasterCard funciona de forma mais eficaz com CIM que unicamente com base numa proibição de tarifações ex post. Com efeito, proceder desse modo equivaleria a ter em conta os eventuais benefícios das CIM, o que, como a Comissão salienta com razão, faz parte do exame nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE (v. jurisprudência acima referida no n.° 80 e acórdão do Tribunal Geral de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, 65/98, Colet., p. II‑4653, n.° 107).

102    Nos considerandos 549 a 648 da decisão impugnada, a Comissão considerou que as CIM não eram objetivamente necessárias na medida em que o sistema MasterCard podia funcionar com base apenas numa remuneração dos bancos de emissão pelos titulares dos cartões, dos bancos de aquisição pelos comerciantes e do proprietário do sistema das comissões pagas pelos bancos de emissão e de aquisição.

103    Em apoio da sua análise, a Comissão baseou‑se no facto de cinco sistemas abertos de cartões bancários funcionarem na Europa sem CIM. Referiu‑se igualmente à inexistência de influência no sistema MasterCard na Austrália da redução das comissões interbancárias imposta pelo banco central da Austrália (a seguir «exemplo australiano»). A Comissão baseou ainda a sua análise no facto de os cartões MasterCard estarem na origem de outros rendimentos ou vantagens financeiras para os bancos, no âmbito da sua atividade de emissão, para além das CIM.

104    As recorrentes e alguns intervenientes contestam a pertinência dos elementos de prova apresentados pela Comissão para efeitos da demonstração do caráter não objetivamente necessário das CIM. As suas críticas são dirigidas contra o critério da Comissão de examinar cinco sistemas nacionais diferentes do sistema MasterCard tanto pelas suas características como pela respetiva dimensão. Também contestam a pertinência do exemplo australiano. Além disso, diversos intervenientes salientam as dificuldades que teriam em funcionar num sistema sem CIM unicamente com base numa proibição de tarifações ex post. A necessidade de encontrar outros rendimentos implica um aumento dos custos faturados aos titulares de cartões, uma redução das vantagens dos serviços associados aos cartões MasterCard e uma migração para produtos ou serviços alternativos. Essas dificuldades seriam particularmente importantes para os estabelecimentos financeiros de pequena dimensão ou que apenas dispusessem de uma atividade de emissão.

105    A Comissão refuta estas críticas. Sublinha, designadamente, que a argumentação das recorrentes relativa aos cinco sistemas nacionais, na medida em que está inserida num anexo, deve ser julgada inadmissível.

106    Na medida em que as CIM constituem um mecanismo de transferência de fundos a favor dos bancos de emissão, o seu caráter objetivamente necessário para o funcionamento do sistema MasterCard deve ser analisado no contexto mais geral dos recursos e vantagens económicas conferidos aos bancos pela sua atividade de emissão de cartões.

107    A este respeito, há que salientar que os cartões de crédito geram rendimentos significativos para os bancos de emissão, que consistem, designadamente, nos juros cobrados aos titulares de cartões. Resulta, assim, do considerando 346 da CAA, para o qual remete o considerando 612 da decisão impugnada, que, para os «bancos de emissão, a importância de emprestar dinheiro através de cartões de crédito pode ser significativa, sobretudo nos mercados nos quais os cartões de crédito são amplamente utilizados, como o Reino Unido, o país com o maior número de cartões MasterCard de crédito em circulação». Essa apreciação encontra‑se igualmente na nota de pé de página n.° 829 da decisão impugnada, onde é referido que, «no Reino Unido, por exemplo, os bancos de emissão geram 90% das suas receitas através de recursos provenientes dos titulares de cartões (essencialmente juros) e apenas 10% das comissões interbancárias».

108    No tocante aos cartões de débito, a Comissão alega, no essencial, nos considerandos 347 e 348 da CAA para os quais remete o considerando 612 da decisão impugnada, que os cartões de débito estavam na origem de significativos ganhos comerciais para os bancos, diferentes das comissões interbancárias, permitindo‑lhes reduzir o número de transações em dinheiro e por cheque e, portanto, os custos que de outro modo resultariam da gestão manual de tais métodos de pagamento.

109    Há que observar que a existência desses rendimentos e lucros torna pouco provável que, sem CIM, uma parte considerável dos bancos suspendam ou reduzam de forma significativa a sua atividade de emissão de cartões MasterCard ou que alterem as condições da sua emissão numa medida tal que fosse capaz de conduzir os titulares desses cartões a privilegiar outros métodos de pagamento ou a recorrer aos cartões incluídos em sistemas tripartidos, o que poderia ser suscetível de pôr em causa a viabilidade do sistema MasterCard.

110    Por outras palavras, embora, num sistema sem CIM, se possa contar com uma diminuição das vantagens concedidas aos titulares de cartões ou da rentabilidade da atividade de emissão de cartões, pode‑se razoavelmente concluir que tal diminuição não é suficiente para pôr em causa a viabilidade do sistema MasterCard.

111    Esta conclusão é corroborada pelo exemplo australiano, em que a Comissão se baseou nos considerandos 634 a 644 da decisão impugnada. Com efeito, resulta dos mesmos que uma diminuição muito significativa das comissões interbancárias do sistema MasterCard, imposta pelo banco central da Austrália, não teve impacto significativo na sua viabilidade e, nomeadamente, não levou à migração para sistemas tripartidos, mesmo apesar de estes últimos não estarem abrangidos pela regulamentação adotada pelo banco central da Austrália.

112    As recorrentes e alguns intervenientes consideram que o exemplo australiano não constitui um elemento de prova relevante, porque, em primeiro lugar, se refere a uma redução e não a uma abolição das comissões interbancárias, em segundo lugar, não foi demonstrado pela Comissão que as condições de mercado na Austrália e no EEE fossem suficientemente próximas para permitir comparações e, em terceiro lugar, essa redução gerou efeitos negativos para os titulares de cartões.

113    Na verdade, é incontestável que uma redução, mesmo considerável, das comissões interbancárias não tem um alcance equivalente ao da hipótese de um sistema MasterCard que funcione sem mecanismo de transferência de fundos da vertente «aquisição» para a vertente «emissão», prevista para efeitos de analisar o caráter objetivamente necessário ou não das CIM para o funcionamento do sistema MasterCard.

114    Todavia, também é verdade que, na eventualidade de tal mecanismo apresentar o caráter objetivamente necessário alegado pelas recorrentes, seria possível esperar razoavelmente que a grande redução das comissões interbancárias imposta na Austrália produzisse efeitos negativos no funcionamento do sistema MasterCard.

115    Ora, não se pode deixar de observar que essas consequências negativas não se verificaram. Assim, no tocante à concorrência dos sistemas tripartidos, resulta do considerando 636 da decisão impugnada que «a quota combinada da American Express e Diners Club na Austrália só cresceu ligeiramente, passando de 15% a 17%, para seguidamente se estabilizar». Da mesma forma, a Comissão não verificou uma diminuição da atividade do sistema MasterCard, mas, pelo contrário, um aumento da sua quota de mercado e do seu volume de negócios. Embora esse aumento possa em parte ser explicado, como a própria Comissão reconhece, através da eliminação de um sistema concorrente, esta podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, referir, no considerando 641 da decisão impugnada, que representava uma «tendência clara» suscetível de refutar a argumentação das recorrentes relativa ao colapso de um sistema MasterCard que funcionasse sem CIM.

116    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação das recorrentes relativa ao facto de não poder haver uma presunção de que as condições do mercado na Austrália são necessariamente semelhantes às do EEE, de modo a permitir traçar paralelismos fiáveis.

117    Com efeito, resulta da decisão impugnada que a quota de mercado da Diners Club e da American Express era largamente inferior no EEE relativamente à Austrália (a quota de mercado respetiva era de 17% e de 19% na Austrália, ao passo que só era de 2% e 3% no EEE). Consequentemente, embora existam eventuais diferenças nas condições do mercado entre a Austrália e o EEE, funcionam mais a favor da resistência do sistema MasterCard na Europa num funcionamento sem CIM.

118    No que respeita ao alegado facto de a situação dos detentores de cartões na Austrália ter piorado após a regulação das comissões interbancárias, é verdade que resulta dos elementos de prova fornecidos pelas recorrentes que a diminuição das comissões interbancárias podia conduzir a um aumento das comissões cobradas aos titulares de cartões ou à redução de certos benefícios.

119    Todavia, a circunstância de os bancos de emissão terem repercutido, em parte, nos titulares de cartões a diminuição das comissões interbancárias é, só por si, irrelevante no quadro do exame do caráter eventualmente objetivamente necessário das CIM. Já não seria assim se o aumento das comissões cobradas aos titulares de cartões ou a diminuição das vantagens anteriormente concedidas levassem a reduzir substancialmente o recurso aos cartões MasterCard e, assim, pudessem pôr em causa a viabilidade do sistema. Ora, como acima se salienta no n.° 115, não foi esse o caso.

120    Em face do exposto, a Comissão podia validamente concluir que as CIM não apresentavam um caráter objetivamente necessário para o funcionamento do sistema MasterCard.

121    Nestas condições, não há que analisar as críticas das recorrentes e dos intervenientes relativas à comparação do sistema MasterCard com os cinco sistemas nacionais de cartões bancários que funcionam sem CIM.

122    Assim, a presente parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

b)     Quanto à parte do fundamento relativa a erros de apreciação na análise dos efeitos das CIM na concorrência

123    As recorrentes, apoiadas por diversos intervenientes, alegam que a análise efetuada pela Comissão dos efeitos das CIM na concorrência é errada sob vários aspetos.

124    A Comissão conclui pela improcedência da presente parte do fundamento.

125    Importa recordar que, na decisão impugnada, a Comissão baseou a existência de efeitos restritivos de concorrência, na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, na circunstância de as CIM terem influência, direta ou indireta, no montante das comissões interbancárias cobradas pelos bancos de emissão e de, na medida em que os bancos de aquisição tendiam a repercutir o custo nos comerciantes, fixarem um preço mínimo para as MSC. Daqui deduziu que tinham por efeito restringir a concorrência no mercado da aquisição (considerandos 410 e 522 da decisão impugnada).

126    Mais precisamente, a Comissão:

¾        sublinhou que as CIM, por um lado, se aplicavam às transações transfronteiriças, na falta de comissões interbancárias mais específicas (considerandos 412 a 415 da decisão impugnada) e, por outro, ou se aplicavam às transações nacionais na falta de comissões interbancárias «intrapays» ou serviam de referência no momento da sua adoção (considerandos 416 a 424 da decisão impugnada);

¾        deduziu das duas análises quantitativas dos efeitos das CIM nas MSC (considerandos 426 a 436 da decisão impugnada) e de declarações de comerciantes obtidas no decurso de um estudo efetuado por ela própria em 2004 (a seguir «estudo de mercado dos comerciantes», considerandos 437 e 438 da decisão impugnada) que as CIM constituíam o obstáculo a uma diminuição das MSC inferiores a um determinado nível;

¾        teve em conta os efeitos da concorrência no mercado da emissão e no mercado intersistemas ao salientar que era do interesse dos bancos de emissão propor cartões para os quais estava prevista uma CIM de um nível elevado e, por outro lado, que a concorrência entre os sistemas de cartões para a clientela dos bancos funcionava em detrimento dos sistemas que propunham CIM reduzidas (considerandos 461 a 498 da decisão impugnada);

¾        referiu, no essencial, que não era do interesse dos bancos de aquisição exercer pressão concorrencial de descida nas CIM (considerandos 499 a 501 da decisão impugnada);

¾        concluiu que os comerciantes não estavam em condições de exercer uma pressão suficiente sobre as CIM (considerandos 502 a 521 da decisão impugnada).

127    Como acima se recordou no n.° 87, a apreciação de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada ao abrigo do artigo 81.°, n.° 1, CE deve ter em conta o quadro concreto em que produz os seus efeitos, designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas em causa operam, a natureza dos serviços visados, bem como as condições reais do funcionamento e a estrutura do mercado em causa.

128    Por outro lado, como acima se referiu no n.° 98, se um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada em causa for considerado proibido em razão das alterações do jogo da concorrência que deles resultam, é necessário examinar o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria se não existisse o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa.

 Quanto às alegações relativas à apreciação do jogo da concorrência na falta de CIM

129    As recorrentes e diversos intervenientes alegam que a Comissão não cumpriu o dever de examinar o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria se não existissem CIM. As recorrentes apresentam, no essencial, duas alegações.

130    No âmbito da primeira alegação, as recorrentes referem‑se à inexistência de uma relação de concorrência entre os bancos de emissão e de aquisição para considerar que a Comissão não podia concluir pelo caráter restritivo de concorrência das CIM, uma vez que a sua falta não implicava a existência de um processo de concorrência conducente à redução das comissões interbancárias. Recordam que, sem mecanismo de liquidação supletivo das transações, o sistema MasterCard não poderia funcionar. Consideram ainda que, por um lado, a Comissão, erradamente, concluiu que, não existindo CIM, haveria negociações bilaterais entre os bancos de emissão e os bancos de aquisição e que essas negociações levariam, a prazo, a um desaparecimento das comissões interbancárias e, por outro, teve em conta a proibição de tarifações ex post no seu raciocínio.

131    Esta alegação não pode ser acolhida.

132    Com efeito, por um lado, pelas razões acima mencionadas nos n.os 94 a 120, a circunstância de que a hipótese de um sistema MasterCard que funciona sem CIM — unicamente com base numa regra que proibisse as tarifações ex post — parece ter um caráter economicamente viável é suficiente para justificar que seja tomada em consideração, no âmbito da sua análise dos efeitos das CIM na concorrência.

133    No que respeita, por outro lado, à alegação relativa à referência, na decisão impugnada, às negociações bilaterais entre bancos de emissão e de aquisição, há que sublinhar que, se a Comissão, no considerando 460 da decisão impugnada, se baseou em tais negociações, foi, no essencial, para sublinhar que, num sistema MasterCard que funcionasse sem CIM, os adquirentes que aceitassem comissões interbancárias numa base bilateral correriam o risco de não continuarem a ser competitivos no mercado da aquisição e que, portanto, não existindo CIM, se podia contar que, a prazo, deixariam de ser cobradas comissões interbancárias no pagamento das transações.

134    Não se pode deixar de observar que tal análise não é manifestamente errada. Pode razoavelmente considerar‑se que as CIM, ao permitirem uma transparência entre os bancos de aquisição quanto ao nível das comissões interbancárias aplicadas às transações, facilitam a repercussão de todas as comissões ou, pelo menos, de parte substancial delas nos comerciantes, uma vez que os bancos de aquisição se asseguram de que o aumento ocasionado no montante das MSC não tem influência na sua posição concorrencial. No entanto, pode razoavelmente considerar‑se que tal garantia não se encontra num sistema que funcione sem CIM e que, portanto, a repercussão nos comerciantes de uma comissão interbancária aceite numa base bilateral comporta o risco de afetar a posição concorrencial do banco de aquisição em questão.

135    No âmbito da segunda alegação, as recorrentes e diversos intervenientes criticam a Comissão de não ter demonstrado que a supressão das CIM aumentaria o grau de concorrência existente entre os compradores. Esta alegação pode ser dividida em quatro séries de críticas.

136    Em primeiro lugar, afirma‑se que a Comissão tomou erradamente em consideração a concorrência intersistemas, apesar de esta não ter efeitos na análise dos efeitos das CIM na concorrência entre os adquirentes. Também se alega que, na medida em que a Comissão se baseou expressamente numa restrição da concorrência por efeito, os considerandos da decisão impugnada relativos ao objeto das CIM, como a sua qualificação de «preço mínimo recomendado», não devem ser tomados em consideração.

137    Em primeiro lugar, há que observar que a circunstância, referida pela Comissão nos considerandos 461 a 498 da decisão impugnada, de a concorrência entre o sistema MasterCard e os outros sistemas de cartões bancários pela clientela dos bancos conduzir a uma pressão sobre os montantes das CIM constitui um elemento pertinente do contexto económico, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 127. A Comissão podia, portanto, validamente tê‑la em conta no âmbito da sua análise dos efeitos das CIM na concorrência.

138    Em segundo lugar, importa referir que, nos considerandos 401 a 407 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou que as CIM tinham «provavelmente, pela sua natureza, o potencial de fixar os preços» (considerando 405 da decisão impugnada). Também refutou acertadamente os argumentos das recorrentes baseados na prossecução de objetivos legítimos das CIM ou na inexistência de intenção de restringir a concorrência. No entanto, decidiu, no considerando 407 da decisão impugnada, não «retirar nenhuma conclusão definitiva sobre a questão de saber se as CIM da [organização de pagamento] MasterCard constituíam uma restrição pelo objeto na aceção do artigo 81.°, n.° 1, [CE]», na medida em que era claro que as «CIM da [organização de pagamento] MasterCard [tinha]m por efeito restringir e falsear sensivelmente a concorrência em prejuízo dos comerciantes nos mercados da aquisição».

139    O objetivo e o efeito anticoncorrencial de uma decisão de associação de empresas são condições não cumulativas, mas alternativas, para apreciar se essa decisão é abrangida pela proibição enunciada no artigo 81.°, n.° 1, CE. O caráter alternativo dessa condição, marcado pela conjunção «ou», leva à necessidade de considerar em primeiro lugar o próprio objetivo da decisão, tendo em conta o contexto económico no qual deve ser aplicado. Todavia, no caso de a análise do teor da decisão não indicar um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência, há que examinar então os seus efeitos e, para que possa ser objeto da proibição, exigir a reunião dos elementos que demonstrem que o jogo da concorrência foi, de facto, impedido, restringido ou falseado de forma apreciável. Não é necessário apreciar os efeitos de uma decisão quando o seu objeto anticoncorrencial está demonstrado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão, C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 55).

140    A este respeito, não é inútil sublinhar que o artigo 81.°, n.° 1, alínea a), CE prevê expressamente que constituem restrições de concorrência as medidas que consistam em fixar de forma direta ou indireta os preços de compra ou de venda e que, segundo a jurisprudência, o objetivo do artigo 81.°, n.° 1, alínea a), CE é proibir as empresas de falsearem a evolução normal dos preços no mercado (acórdão do Tribunal Geral de 10 de março de 1992, ICI/Comissão, T‑13/89, Colet., p. II‑1021, n.° 311).

141    Contudo, na medida em que a Comissão não se baseou expressamente na existência de uma restrição de concorrência pelo objeto, há que analisar, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 98, para verificar se as CIM constituem uma restrição da concorrência por efeito, o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria se não existissem as referidas CIM.

142    Em segundo lugar, as recorrentes alegam, no essencial, que o facto de as CIM terem efeito no montante das MSC não afeta, porém, a concorrência entre os adquirentes, com o fundamento de que são aplicáveis da mesma maneira a todos os adquirentes e agem como um custo de entrada comum. Assim, a proibição da tarifação ex post seria impor uma CIM à taxa zero que, do ponto de vista da concorrência, seria equivalente e tão transparente como a CIM atual, residindo a única diferença no respetivo nível.

143    Semelhante argumentação não pode ser acolhida. Se se admitir que as CIM fixam um mínimo às MSC e na medida em que a Comissão podia validamente considerar que um sistema MasterCard que funcionasse sem CIM era economicamente viável, daí decorre necessariamente que estas têm efeitos restritivos de concorrência. Com efeito, em comparação com um mercado de aquisição a funcionar sem elas, as CIM limitam a pressão que os comerciantes podem exercer sobre os bancos de aquisição na negociação das MSC reduzindo as possibilidades de os preços diminuírem abaixo de um determinado limiar.

144    Em terceiro lugar, um interveniente salienta que a Comissão não demonstrou que as CIM fixassem um mínimo às MSC, uma vez que as CIM não são forçosamente repercutidas inteiramente nos comerciantes.

145    Primeiro, antes de apreciar esta argumentação, é conveniente responder às alegações dos recorrentes, formalmente apresentadas no âmbito da segunda parte do seu quarto fundamento, que critica determinados elementos de prova utilizados pela Comissão no quadro da sua demonstração.

146    As recorrentes contestam, por um lado, a referência feita, no considerando 438 da decisão impugnada, às declarações de uma companhia petrolífera, de uma cadeia de supermercados situada no Reino Unido, de uma companhia aérea e de um estabelecimento de mobiliário, segundo as quais as CIM constituem o limite ao exercício da pressão concorrencial que podem exercer sobre os bancos de aquisição. Consideram que a Comissão se baseou de forma seletiva apenas nas declarações dos comerciantes que fossem no sentido da sua análise, omitindo as declarações importantes em sentido contrário, mencionadas na RCAA.

147    Na verdade, decorre das declarações mencionadas na RCAA que existe concorrência entre compradores pela clientela dos comerciantes. Todavia, não existe qualquer contradição com as declarações feitas no considerando 438 da decisão impugnada ou, de modo mais geral, com o raciocínio da Comissão. Com efeito, a circunstância de que existe concorrência nos preços das MSC até um limite decorrente da existência das CIM em nada impedia a Comissão de considerar que se integravam no âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE.

148    As recorrentes sustentam, por outro lado, que o estudo de mercado dos comerciantes constitui um elemento de prova viciado, não suscetível de justificar as conclusões da Comissão.

149    Importa sublinhar que o estudo de mercado dos comerciantes foi utilizado pela Comissão principalmente para justificar três conclusões. Antes de mais, como foi acima sublinhado nos n.os 146 e 147, a Comissão baseou‑se nas declarações de comerciantes interrogados no âmbito desse estudo para demonstrar que as CIM constituíam um limite ao exercício da pressão concorrencial que podiam exercer sobre os bancos de aquisição.

150    Em seguida, a Comissão inferiu desse estudo que os comerciantes não estavam em condições de exercer uma pressão suficiente sobre o montante das CIM pelo facto de um elemento essencial na aceitação dos pagamentos através de cartões pelos comerciantes ser constituído pelo atrativo que representavam para os consumidores e que, por conseguinte, a recusa ou a discriminação desse modo de pagamento podia ter efeitos negativos na sua clientela. Esta segunda conclusão foi utilizada, entre outros elementos, pela Comissão no âmbito da definição do mercado de produtos (considerandos 289 e 290 da decisão impugnada), da demonstração da existência de efeitos restritivos de concorrência das CIM (considerandos 506 e 513 da decisão impugnada), bem como para refutar a teoria económica apresentada pelas recorrentes para justificar a contribuição das CIM para o progresso técnico e económico na aceção da primeira condição do artigo 81.°, n.° 3, CE (considerando 704 da decisão impugnada).

151    Por último e por acréscimo, no âmbito da análise do respeito da segunda condição estabelecida no artigo 81.°, n.° 3, CE pelos métodos de fixação das CIM, a Comissão baseou‑se também no estudo de mercado dos comerciantes para alegar, no essencial, que era duvidoso que os comerciantes beneficiassem do período de financiamento gratuito das aquisições incluído nos cartões de crédito e de pagamento único (considerando 742 da decisão impugnada).

152    Na sua RCAA, as recorrentes criticaram o método seguido pela Comissão para conduzir o estudo de mercado dos comerciantes e as conclusões que daí retirou. Apresentaram também dois estudos sobre a aceitação de cartões de pagamento pelos comerciantes. A Comissão respondeu aos comentários das recorrentes e citou as suas críticas contra os estudos por elas apresentados nos anexos 2 e 3 da decisão impugnada, respetivamente. Esta análise da Comissão é sumariamente contestada na petição, que, neste ponto, remete para o anexo A.15 da petição («A aceitação dos cartões de pagamento pelos comerciantes — uma refutação da crítica da Comissão»).

153    As críticas das recorrentes parecem dizer respeito tanto à fiabilidade do estudo de mercado dos comerciantes como às conclusões que a Comissão dele retirou.

154    Para apreciar a fiabilidade de um elemento de prova, há que ter em conta, designadamente, as circunstâncias da sua elaboração, o seu destinatário e o seu conteúdo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T‑44/02 OP, T‑54/02 OP e T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colet., p. II‑3567, n.° 121 e jurisprudência aí referida).

155    Não se pode deixar de observar que a interpretação tanto dos anexos 2 e 3 da decisão impugnada como do anexo A.15 da petição não revela elementos que permitam pôr em causa a fiabilidade do estudo de mercado dos comerciantes.

156    Mais particularmente, o facto de a Comissão ter procedido por meio de pedidos de informações ao abrigo do artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), revelando assim a sua identidade aos comerciantes interrogados, não pode ser considerado suscetível de pôr em causa a objetividade das respostas obtidas. Quanto à crítica relativa a um excesso de representação dos comerciantes de grande dimensão na amostra tomada pela Comissão, basta salientar que a opção de se centrar nos comerciantes mais em condições de exercer pressão sobre o montante das CIM não parece resultar de um raciocínio manifestamente errado da Comissão, tendo em conta as circunstâncias do caso.

157    No que respeita às conclusões que a Comissão retirou do estudo de mercado dos comerciantes, além do que já foi acima salientado nos n.os 146 e 147, só são relevantes, nesta fase, as críticas formuladas contra a constatação do caráter insuficiente da coação que os comerciantes podem exercer sobre o montante das CIM. Não se pode deixar de observar que a Comissão podia chegar a essa conclusão com base nas respostas dos comerciantes aos seus pedidos de informação. Assim, resulta do ponto 22 do anexo 2 da decisão impugnada que a grande maioria (91%) dos comerciantes salientaram nunca ter renunciado a aceitar cartões como meio de pagamento. Os comerciantes esclareceram igualmente que as principais razões que os levavam a aceitar os cartões não estavam tanto ligadas aos benefícios transacionais como ao facto de a maioria dos clientes possuir cartão particular (90%) e à necessidade de manter a imagem de uma sociedade preocupada com os clientes (67%).

158    Na verdade, como defendem, no essencial, as recorrentes, não se pode negar que o risco de os comerciantes recusarem ou desencorajarem a utilização dos cartões pode constituir um entrave para as recorrentes na fixação do montante das CIM. Todavia, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, considerá‑lo insuficiente, na medida em que só se verificar acima de um limiar máximo de tolerância dos comerciantes, quando o custo da transação se torna maior que os efeitos negativos de uma recusa de aceitar esse meio de pagamento, ou da sua discriminação na sua clientela. No essencial, é o que as próprias recorrentes reconhecem ao explicar que, no âmbito do método utilizado para determinar o montante das CIM pelos cartões de crédito e de pagamento único, «tenta[m] responder à questão: ‘até que montante poderemos levar as [CIM] sem nos depararmos com graves problemas de aceitação que levem os comerciantes a dizer que não querem mais esse produto ou que os incentive a dissuadir os clientes de utilizarem o cartão, seja cobrando um suplemento seja oferecendo um desconto pelo pagamento em dinheiro líquido’» (considerando 175 da decisão impugnada).

159    Em segundo lugar, no que respeita à argumentação apresentada por um interveniente, relativa ao facto de a Comissão ter erradamente considerado que as CIM fixavam um preço mínimo para as MSC apesar de vários elementos contradizerem esta conclusão, há que afastar desde já a alegação relativa à inexistência de uma descida do montante das MSC ou dos preços cobrados aos utilizadores finais verificada após a adoção da decisão impugnada, na medida em que esta alegação se baseia numa situação factual posterior à referida adoção, que não pode, portanto, incidir na legalidade do ato adotado.

160    O interveniente refere‑se ainda, em primeiro lugar, ao facto de, no caso das transações «on‑us», o banco poder não repercutir o montante da comissão interbancária no comerciante. Em seguida, sublinha que resulta dos exemplos utilizados pela Comissão, na decisão impugnada, que as CIM nem sempre são repercutidas nos comerciantes. Por fim, assinala que, em Espanha, uma comparação respeitante a vários anos demonstra que o montante das MSC é, em média, inferior ao montante das CIM.

161    Quanto, antes de mais, à referência às transações «on‑us» (transações internas), há que recordar que se trata de situações em que um banco adquire as transações efetuadas com cartões por ele emitidos. É verdade que o banco não é, então, devedor do montante da comissão interbancária junto de outro banco e que, por conseguinte, lhe é, em princípio, mais fácil não a repercutir nas MSC. Contudo, em face do elevado número de estabelecimentos financeiros que participam no sistema MasterCard, há que sublinhar que essas transações «on‑us» apenas podem constituir uma fração dificilmente previsível do total das transações efetuadas junto de um comerciante. É, portanto, duvidoso que as transações «on‑us» possam verdadeiramente ter incidência no montante das MSC faturadas num sistema da dimensão do sistema MasterCard.

162    Em seguida, no que respeita aos elementos em que a Comissão se baseou, na decisão impugnada, no âmbito da segunda análise quantitativa que efetuou, resumida nos considerandos 432 a 436 da decisão impugnada, refira‑se que foi comparada a parte das CIM nas MSC faturadas por 17 adquirentes aos seus menores e maiores comerciantes. Daqui resulta que, num total de 17 adquirentes, 12 faturavam, mesmo aos maiores comerciantes, MSC superiores às CIM. No que respeita aos comerciantes de menor dimensão, o montante das MSC continuava a ser superior ao das CIM. Também foi observado que a quota média das CIM nas MSC era de 84,27% para os comerciantes de grande dimensão e de 45,97% para os pequenos comerciantes.

163    A leitura desta análise permite verificar que a Comissão podia legitimamente concluir, no considerando 435 da decisão impugnada, que «as CIM da [organização de pagamento] MasterCard fixa[vam] um nível mínimo para as comissões imputadas simultaneamente aos pequenos e grandes comerciantes». Essa conclusão é, além disso, reforçada pelos testemunhos dos comerciantes acima mencionados no n.° 146.

164    Os exemplos de MSC num nível inferior às CIM não contradizem essa conclusão. Com efeito, como acertadamente salienta a Comissão no considerando 450 da decisão impugnada, o facto de um banco de aquisição estar pronto a «absorver» uma parte das CIM não impede que estas afetem o preço das MSC. Por um lado, isso só funciona a favor de uma fração dos comerciantes, aqueles que dispõem de um poder de negociação particularmente significativo. Por outro lado, pode legitimamente considerar‑se que, mesmo no caso desses comerciantes, o preço faturado seria ainda inferior sem as CIM, uma vez que os bancos de aquisição poderiam então oferecer maiores reduções.

165    No que respeita, por último, ao argumento relativo à situação em Espanha, não se pode deixar de observar que resulta efetivamente dos documentos fornecidos pelo interveniente em anexo ao articulado de intervenção que os montantes das MSC faturados eram equivalentes ou mesmo inferiores aos das CIM. Todavia, tal argumento não pode só por si demonstrar o caráter errado da conclusão da Comissão quanto ao efeito das CIM nas MSC. Com efeito, na medida em que os elementos acima mencionados nos n.os 162 e 163 se destinam a demonstrar que, noutros Estados‑Membros da União, as CIM fixam um nível mínimo para as MSC, a argumentação desenvolvida pela Comissão nos considerandos 452 e 453 da decisão impugnada, segundo a qual a situação em Espanha se explica por especificidades nacionais, não é manifestamente errada. Além disso, mesmo nessa situação, pode razoavelmente esperar‑se que os bancos de aquisição estejam em condições de oferecer MSC de montante inferior na falta de CIM.

166    Por último, em quarto lugar, também deve ser rejeitada a argumentação das recorrentes relativa ao facto de o efeito das CIM nos preços pagos pelo consumidor final não ter sido claramente demonstrado pela Comissão. Por um lado, pode razoavelmente concluir‑se que o aumento do montante das MSC é, pelo menos em parte, repercutido pelos vendedores no consumidor final. Por outro lado, essa argumentação é, de qualquer modo, irrelevante, uma vez que o facto de as CIM serem suscetíveis de restringir a pressão concorrencial que os comerciantes podem exercer sobre os adquirentes é suficiente para confirmar a existência de efeitos restritivos de concorrência na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE.

167    Em face do exposto, esta segunda alegação deve igualmente ser rejeitada.

 Quanto às alegações respeitantes à apreciação do mercado de produtos

168    As recorrentes e diversos intervenientes alegam que a Comissão, no essencial, no seu raciocínio, não tomou em conta a natureza dualista do mercado e contestam a definição do mercado de produtos feita pela Comissão.

169    Em primeiro lugar, no que respeita às críticas relativas à definição do mercado de produtos seguida pela Comissão, importa recordar, primeiro, que, em aplicação de jurisprudência assente, a definição do mercado em causa, na medida em que envolve apreciações económicas complexas por parte da Comissão, só pode ser objeto de uma fiscalização limitada por parte do juiz da União (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 30 de março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colet., p. II‑1885, n.° 64, e de 6 de junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colet., p. II‑2585, n.° 26).

170    Em segundo lugar, importa sublinhar que o mercado a tomar em consideração abrange todos os produtos que, em função das suas características, são particularmente adequados à satisfação de necessidades constantes e são pouco intermutáveis com outros produtos (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37). O Tribunal de Justiça decidiu, mais especificamente, que o conceito de mercado de produtos implica que possa existir uma concorrência efetiva entre os produtos que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de intermutabilidade entre todos os produtos pertencentes ao mesmo mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colet., p. 217, n.° 28).

171    Há que salientar igualmente que a definição do mercado em causa não desempenha o mesmo papel consoante se trate de aplicar o artigo 81.° CE ou o artigo 82.° CE. No quadro da aplicação do artigo 82.° CE, a definição adequada do mercado em causa é uma condição necessária e prévia ao juízo a fazer sobre um comportamento alegadamente anticoncorrencial, dado que, antes de concluir pela existência de um abuso de posição dominante, há que apurar a existência de uma posição dominante num determinado mercado, o que pressupõe que esse mercado tenha sido previamente delimitado. No quadro da aplicação do artigo 81.° CE, é para determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum que é necessário definir o mercado em causa. É por esta razão que, no quadro da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, as alegações formuladas contra a definição do mercado feita pela Comissão não podem ter uma dimensão autónoma relativamente às alegações relativas à afetação do comércio entre Estados‑Membros e ao prejuízo para a concorrência. Também já foi decidido que a contestação da definição do mercado em causa é irrelevante se a Comissão tiver concluído acertadamente, com base nos documentos mencionados na decisão impugnada, que o acordo em questão falseava a concorrência e era suscetível de afetar de modo sensível o comércio entre Estados‑Membros (v. acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 2003, Adriatica di Navigazione/Comissão, T‑61/99, Colet., p. II‑5349, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

172    Como já foi acima mencionado nos n.os 21 a 23, a Comissão considerou que os sistemas de cartões bancários quadripartidos ocorriam em três mercados distintos, um mercado intersistemas, um mercado da emissão e um mercado da aquisição, e baseou‑se nos efeitos restritivos das CIM no mercado da aquisição.

173    Não se pode deixar de observar que essa definição não é manifestamente errada e que a sua contestação pelas recorrentes e pelos intervenientes não é convincente.

174    As recorrentes alegam, no essencial, que a Comissão concluiu erradamente pela existência de um mercado autónomo da aquisição, uma vez que o sistema quadripartido oferece um serviço único a pedido conjunto dos detentores de cartões e dos comerciantes.

175    Tal argumentação deve ser rejeitada, não tendo a Comissão cometido nenhum erro manifesto de apreciação ao concluir, nos considerandos 260 a 265 da decisão impugnada, que não existia um serviço único oferecido em resposta a um pedido conjunto dos comerciantes e dos titulares de cartões.

176    Na verdade, existem certas interações entre as vertentes «emissão» e «aquisição», como o caráter complementar dos serviços de emissão e os serviços de aquisição e a presença de efeitos de redes indiretos, na medida em que a importância da aceitação dos cartões pelos comerciantes e o número de cartões em circulação têm influência recíproca.

177    Todavia, há que sublinhar que, não obstante esta complementaridade, por um lado, se pode distinguir os serviços prestados aos titulares de cartões e aos comerciantes e, por outro, os titulares de cartões e os comerciantes exercem pressões concorrenciais separadas, respetivamente, sobre os bancos de emissão e sobre os bancos de aquisição.

178    Esta conclusão não é desmentida pelo facto, salientado por alguns intervenientes, de os bancos de emissão prestarem serviços aos comerciantes, tais como a garantia de pagamento, em caso de fraude, de não pagamento ou de insolvência. Com efeito, se esses serviços são efetivamente fornecidos pelos bancos de emissão, é por intermédio dos bancos de aquisição. Por outras palavras, os comerciantes não exercem diretamente uma pressão concorrencial sobre os bancos de emissão para a prestação desses serviços.

179    Um interveniente critica igualmente a Comissão de não ter tomado em consideração, no âmbito da sua análise dos efeitos restritivos de concorrência das CIM, os outros meios de pagamento, seja no âmbito de um único mercado com os sistemas de cartões bancários seja, em qualquer caso, como exercício de uma pressão concorrencial.

180    Essa argumentação também não pode ser acolhida. Na verdade, a pressão concorrencial dos outros métodos de pagamento influencia o montante das CIM na medida em que não é no interesse das recorrentes nem dos bancos que sejam fixados a um nível tal que os comerciantes venham a privilegiar outros métodos de pagamento. No entanto, como foi acima sublinhado nos n.os 157 e 158, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, afirmar nos considerandos 504 e 506 da decisão impugnada que o efeito dessa pressão era insuficiente à luz da preferência dos consumidores a respeito dos pagamentos por cartão e do risco de perda de transações que poderia implicar uma discriminação em benefício de outros métodos de pagamento.

181    Em segundo lugar, no que respeita às críticas relativas à falta de tomada em conta da natureza dualista do mercado, saliente‑se que, nesse contexto, as recorrentes realçam as vantagens económicas que decorrem das CIM. Assim, no essencial, as recorrentes realçam que estas permitem otimizar o funcionamento do sistema MasterCard financiando despesas destinadas a fomentar a aceitação dos detentores de cartões e a sua utilização. Deduzem daí que, por um lado, não é do interesse dos bancos fixar as CIM num nível excessivo e, por outro, os comerciantes beneficiam das CIM. As recorrentes criticam igualmente a Comissão de ter ignorado o impacto da sua decisão nos detentores de cartões, concentrando‑se unicamente nos comerciantes. A este propósito, diversos intervenientes acrescentam que, num sistema que funcione sem CIM, são obrigados a limitar as vantagens concedidas aos detentores de cartões, ou mesmo a reduzir a sua atividade.

182    Estas críticas são irrelevantes no âmbito de um fundamento relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, uma vez que implicam uma ponderação dos efeitos restritivos de concorrência das CIM, validamente apurados pela Comissão, com as eventuais vantagens económicas que daí pudessem resultar. Ora, só se pode proceder a uma ponderação dos aspetos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de uma restrição no quadro preciso do artigo 81.°, n.° 3, CE (v., neste sentido, acórdão Van den Bergh Foods/Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 107 e jurisprudência aí referida).

 Quanto à alegação relativa à apreciação dos elementos de prova económicos apresentados no processo administrativo

183    As recorrentes alegam que a Comissão não examinou ou respondeu aos elementos de prova económicos que apresentaram no procedimento administrativo. Contrariamente ao que sustenta a Comissão, essa crítica, presente na sua petição, deve ser julgada admissível. O mesmo se diga dos elementos de prova juntos à petição, na medida em que se relacionam com questões de facto, contrariamente aos argumentos da Comissão que figuram em anexo à contestação, não mencionados no referido articulado.

184    De acordo com a jurisprudência acima referida nos n.os 68 a 70, embora o texto da petição possa ser desenvolvido e completado em determinados pontos específicos por remissão para determinadas passagens de documentos a ela anexados, uma remissão global para outros escritos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a falta de elementos essenciais nesta.

185    Não se pode deixar de observar que a alegação das recorrentes surge sob uma forma particularmente sucinta na petição e que a argumentação em que a apoia se encontra, na realidade, desenvolvida nos anexos A.13 («Comentários sobre os aspetos económicos da decisão da Comissão Europeia respeitante às comissões interbancárias da [organização de pagamento] MasterCard para as transações transfronteiriças, notificada em 19 de dezembro de 2007»), A.14 («Comentários sobre o anexo 4 da decisão da Comissão») e A.15 («A aceitação pelos comerciantes dos cartões de pagamento — uma refutação da crítica da Comissão»), redigidos pelos diferentes peritos na origem das provas económicas apresentadas no procedimento administrativo e para os quais as recorrentes fazem uma remissão global.

186    Assim, nos pontos 52 a 54 da petição, as recorrentes limitam‑se a enunciar que forneceram argumentos económicos consideráveis no procedimento administrativo, não seguidos ou deformados pela Comissão, e que as «conclusões dos [seus] economistas» apoiam a sua análise jurídica, segundo a qual a Comissão tinha «errado, designadamente, ao concluir que a comissão interbancária [era] uma limitação da concorrência, [ao] concentrar‑se no impacto da comissão interbancária (ou das diferenças no seu nível) quanto às MSC, sem analisar o efeito nos custos dos detentores de cartões, ao contestar que o mecanismo [devia] fixar um nível da comissão interbancária que maximizasse o volume das transações e ao ignorar que isso promovia o bem‑estar do consumidor».

187    Por conseguinte, há que considerar que, embora a petição apresente o enunciado da alegação das recorrentes, não inclui qualquer argumentação suscetível de a sustentar.

188    Assim, tem razão a Comissão quando afirma que não resultam do texto da petição elementos suficientemente precisos para que o Tribunal possa exercer a sua fiscalização e para que ela prepare a sua defesa.

189    Daqui resulta, por um lado, que não compete ao Tribunal procurar nos anexos A.13 a A.15 o que pode ser a argumentação das recorrentes em apoio dessa alegação e, por outro, que esta deve ser julgada inadmissível, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo na medida em que não contém os elementos essenciais que permitam ao Tribunal exercer a sua fiscalização e à Comissão assegurar a sua defesa.

190    De resto, importa sublinhar que a presente alegação, na medida em que parece criticar a Comissão por não ter tomado em consideração os argumentos económicos que provavam as vantagens resultantes das CIM para o sistema MasterCard, os detentores de cartões ou o consumidor, em geral, é irrelevante no âmbito de um fundamento relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, essas considerações, admitindo que tivessem fundamento, não poderiam, de qualquer forma, ser levadas em conta no quadro da fiscalização da apreciação das CIM pela Comissão, nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE.

 Quanto à alegação relativa à fundamentação da decisão impugnada

191    Alguns intervenientes alegam que a decisão impugnada está ferida de falta de fundamentação, na medida em que a Comissão não justificou a sua mudança de critério relativamente à decisão anterior quanto aos efeitos das CIM, a saber, a decisão de 24 de julho de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (COMP/29.373 — Visa international) (a seguir «decisão Visa II»). Recordam que, nesta, a Comissão admitiu que as CIM constituíam, por um lado, uma remuneração entre bancos que devem tratar em conjunto no âmbito da liquidação de uma transação por cartão de pagamento e não têm, portanto, a escolha do parceiro e, por outro, que um emitente prestava serviços que beneficiavam o comerciante, por intermédio do adquirente. Ora, no presente processo, a Comissão reconhece a necessidade de um mecanismo supletivo, referindo‑se à proibição de tarifações ex post, mas cria uma presunção contra qualquer CIM.

192    Em qualquer caso, sem que seja necessário apreciar a admissibilidade desta alegação, basta sublinhar que assenta numa premissa errada. Com efeito, se, na decisão Visa II, a Comissão considerou que as CIM da Visa podiam ser objeto de uma isenção ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE, foi após ter concluído que restringiam a concorrência exercida, nomeadamente, entre os adquirentes (considerando 68 da decisão Visa II). A Comissão considerou igualmente que as CIM não eram objetivamente necessárias ao funcionamento do sistema Visa (considerandos 58 a 60 da decisão Visa II). Isto é, no essencial, o entendimento seguido pela Comissão na decisão impugnada no que diz respeito ao exame das CIM da MasterCard nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE. Assim, a presente alegação baseia‑se na comparação de considerandos que não têm o mesmo objeto, a saber, a análise, por um lado, dos efeitos restritivos de concorrência das CIM das recorrentes nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, no âmbito da decisão impugnada, e, por outro, o respeito das condições do artigo 81.°, n.° 3, CE, no quadro da decisão Visa II.

193    Improcede, portanto, esta alegação e, com ela, o fundamento na íntegra.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 3, CE

194    O presente fundamento é apresentado pelas recorrentes como sendo constituído por duas partes. Com a sua primeira parte, as recorrentes criticam a Comissão de lhes ter aplicado um ónus da prova exagerado no que respeita à demonstração do respeito das condições previstas no artigo 81.°, n.° 3, CE. Com a sua segunda parte, alegam que a análise dessas condições pela Comissão enferma de erros manifestos de apreciação.

195    Quanto à primeira parte do fundamento, as recorrentes sustentam, no essencial, que a Comissão devia analisar os argumentos e os elementos de prova apresentados unicamente com base na ponderação das probabilidades. Assim, os argumentos apresentados pelas recorrentes no procedimento administrativo deveriam ter conduzido a Comissão, na falta da apresentação de uma explicação ou justificação, a concluir que tinham demonstrado que as CIM respeitavam as condições do artigo 81.°, n.° 3, CE. Sustentam igualmente que o princípio in dubio pro reo é aplicável e que, portanto, em caso de dúvida, a Comissão devia decidir a seu favor. Por último, alguns intervenientes alegam, no essencial, que a decisão impugnada acaba por impor às recorrentes que justifiquem a fixação de CIM a um nível específico em vez de demonstrar o caráter razoável da metodologia utilizada para as fixar, o que representa um ónus da prova muito elevado.

196    Como é recordado no artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, incumbe à empresa ou à associação de empresas que invoca o benefício das disposições do artigo 81.°, n.° 3, CE fazer a prova de que estão preenchidos os pressupostos aí enunciados. Por consequência, quem invoca o artigo 81.°, n.° 3, CE deve demonstrar que esses pressupostos estão preenchidos, através de argumentos e provas convincentes (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, GlaxoSmithKlein Services/Comissão, T‑168/01, Colet., p. II‑2969, n.° 235 e jurisprudência aí referida).

197    Por seu turno, a Comissão deve analisar adequadamente esses argumentos e provas, isto é, determinar se demonstram que estão preenchidos os pressupostos da aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE. Nalguns casos, esses argumentos e provas podem obrigar a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que o ónus da prova de quem invoca o artigo 81.°, n.° 3, CE foi cumprido. A Comissão, nesse caso, tem de refutar esses argumentos e provas (v. acórdão GlaxoSmithKlein Services/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 236 e jurisprudência aí referida).

198    Na medida em que não é possível analisar de forma abstrata se a Comissão não teve em conta a jurisprudência acima referida no n.° 197, há que analisar conjuntamente as duas partes do presente fundamento.

199    Qualquer decisão de associação de empresas que restrinja a concorrência, seja pelos efeitos seja pelo objeto, pode, em princípio, beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE (v., neste sentido, acórdão GlaxoSmithKlein Services/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 233 e jurisprudência aí referida).

200    A aplicação desta disposição está sujeita a determinadas condições, cuja verificação é simultaneamente necessária e suficiente. É necessário, em primeiro lugar, que a decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas contribua para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos em causa ou para promover o progresso técnico e económico, em segundo lugar, que uma parte equitativa do ganho daí resultante seja reservado para os utilizadores, em terceiro lugar, que não imponha qualquer restrição não indispensável às empresas participantes e, em quarto lugar, que não lhes dê a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa (v., neste sentido, acórdão GlaxoSmithKlein Services/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 234 e jurisprudência aí referida).

201    Há que recordar que o juiz num pedido de anulação de uma decisão de aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE, na medida em que está perante apreciações económicas complexas, procede, quanto ao mérito, a uma fiscalização limitada à verificação da exatidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação desses factos e à correção das qualificações jurídicas que deles são retiradas (v. acórdão GlaxoSmithKlein Services/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 241 e jurisprudência aí referida).

202    Compete‑lhe, contudo, verificar não só se as provas invocadas são materialmente exatas, fiáveis e coerentes mas também se constituem a totalidade dos dados relevantes a ter em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram. Em contrapartida, não lhe cabe substituir pela sua a apreciação económica do autor da decisão cuja legalidade tem de apreciar (acórdão GlaxoSmithKlein Services/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.os 242 e 243).

203    No que diz respeito ao exame pela Comissão da primeira condição imposta pelo artigo 81.°, n.° 3, CE, as recorrentes criticam‑na por se ter concentrado no ponto de saber se o progresso técnico e económico decorria especificamente das CIM, quando há que tomar em conta todas as vantagens do sistema MasterCard. Sustentam que a primeira condição está, em qualquer caso, preenchida, mesmo apesar de se ter de analisar as CIM de modo autónomo, à luz da maximização da produção do sistema MasterCard que permitem. A este propósito, as recorrentes criticam a Comissão por não ter levado em conta os efeitos positivos das CIM no mercado da emissão e de lhes ter aplicado um ónus da prova excessivo, quando ela própria reconhece que as CIM podem contribuir para a melhoria do progresso económico e técnico.

204    Alguns intervenientes salientam as vantagens objetivas, diretas e indiretas, que podem ser atribuídas às CIM. No que se refere às vantagens diretas, os comerciantes beneficiam do tratamento da transação pelo emitente e são os principais beneficiários da garantia de pagamento, suportada pelo emitente e financiada pelas CIM. Há que recordar que as outras modalidades de pagamento estão na origem de custos elevados para os comerciantes, igualmente repercutidos na totalidade dos consumidores. Relativamente às vantagens indiretas, é feita referência ao período de financiamento gratuito existente nos cartões de pagamento único e de crédito, na medida em que permite estimular as aquisições e aumentar o seu montante. É igualmente invocada a divergência de abordagem entre a decisão impugnada e a decisão Visa II quanto a este ponto. A falta de explicação para esta diferença de abordagem constitui uma falta de fundamentação.

205    A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento. Alguns intervenientes em apoio dos seus pedidos contestam que as CIM possam ser consideradas a contrapartida de vantagens de que beneficiam os comerciantes.

206    Nos termos da primeira condição imposta pelo artigo 81.°, n.° 3, CE, os acordos suscetíveis de ser isentos devem «contribu[ir] para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico». A este respeito, há que referir que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral que a melhoria não pode ser identificada com todas as vantagens que os participantes retiram do acordo quanto à respetiva atividade de produção ou distribuição. Esta melhoria deve, designadamente, apresentar vantagens objetivas sensíveis, de modo a compensar os inconvenientes que o acordo implica no plano da concorrência (v. acórdão Van den Bergh Foods/Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 139 e jurisprudência aí referida).

207    Há que rejeitar à partida a crítica das recorrentes relativa ao facto de a Comissão ter erradamente analisado unicamente as CIM sem tomar em conta a contribuição do sistema MasterCard na íntegra para o progresso técnico e económico, mesmo apesar de ter reconhecido a existência dessa contribuição. Com efeito, na medida em que as CIM não constituem restrições acessórias relativamente ao sistema MasterCard, foi com razão que a Comissão analisou se existiam vantagens objetivas sensíveis decorrentes especificamente das CIM. Assim, a circunstância de a Comissão reconhecer, no considerando 679 da decisão impugnada, que os sistemas de cartões de pagamento, como o sistema MasterCard, constituem um progresso técnico e económico é irrelevante para a questão de saber se as CIM preenchem a primeira condição imposta pelo artigo 81.°, n.° 3, CE.

208    Resulta dos considerandos 674 a 677 da decisão impugnada, cuja veracidade não é contestada pelas recorrentes, que a sua argumentação, tal como apresentada no decurso do procedimento administrativo, assenta no papel das CIM na compensação entre as vertentes «emissão» e «aquisição» do sistema MasterCard.

209    Esta argumentação tem, no essencial, como postulados que os bancos de emissão e os bancos de aquisição prestem um serviço conjunto que implique custos comuns (primeiro postulado) e que os bancos de emissão suportem a maior parte dos custos do sistema (segundo postulado). Por conseguinte, para que possam continuar a promover os cartões de pagamento e fornecer serviços que tornem atrativos os referidos cartões, é necessário que seja feita uma transferência a seu favor da vertente «aquisição» do sistema. Essa transferência permite alcançar um equilíbrio a nível do qual a produção do sistema MasterCard atinge o máximo (terceiro postulado). Foi esta maximização do sistema MasterCard que esteve na origem do progresso económico e técnico que representa. Os métodos de fixação das CIM aplicados pelas recorrentes permitem a melhor repartição dos custos entre as vertentes «aquisição» e «emissão» do sistema.

210    No que respeita ao primeiro postulado, por razões semelhantes às acima mencionadas nos n.os 175 a 177, basta sublinhar que, apesar das interações existentes entre as atividades de emissão de cartões e de aquisição das transações efetuadas, a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao afastar, nos considerandos 681 e 682 da decisão impugnada, a qualificação de custos comuns ligados a um serviço conjunto apresentada pelas recorrentes.

211    No que respeita ao segundo postulado, como a Comissão observa, no essencial, no considerando 686 da decisão impugnada, basta observar que o mesmo se baseia numa apresentação parcial das atividades de emissão e de aquisição, apenas tendo em conta os custos suportados pelos bancos de emissão, ao omitir as receitas ou as outras vantagens económicas que decorrem da sua atividade de emissão de cartões, não obstante a sua importância, acima salientada nos n.os 106 a 108.

212    Por último, no que respeita ao terceiro postulado, refira‑se que a Comissão não se limitou a rejeitar os elementos de prova apresentados pelas recorrentes com o fundamento de que não dispunham de valor probatório suficiente, mas sublinhou também, respectivamente, nos considerandos 702 a 708 e 709 a 724 da decisão impugnada, que tanto o funcionamento do sistema MasterCard como os métodos de fixação das CIM se afastavam consideravelmente do modelo teórico — o modelo de Baxter — no qual as recorrentes baseiam a sua argumentação.

213    Assim, no que diz respeito à comparação do sistema MasterCard com o modelo de Baxter, a Comissão assinalou, designadamente, uma diferença fundamental relativamente aos motivos da aceitação dos cartões de pagamento pelos comerciantes. No essencial, enquanto o modelo de Baxter implica uma livre aceitação desses cartões pelos comerciantes, tendo em conta as vantagens que representam para estes os serviços associados a esse modo de pagamento, é, na prática, igualmente motivada pela pressão que representa a procura dos consumidores a favor de tal modo de pagamento e o risco de perda de transações associado a uma recusa ou uma discriminação deste.

214    No que respeita aos métodos seguidos para a fixação das CIM, a Comissão sublinhou as diferenças existentes entre a prática seguida pelas recorrentes e o modelo de Baxter.

215    Quanto ao método aplicável aos cartões de crédito e de pagamento único (MasterCard Standard Interchange Methodology, considerandos 710 a 718 da decisão impugnada), a crítica principal da Comissão respeita à insuficiência da análise da evolução da procura dos titulares de cartões e comerciantes para esse modo de pagamento, quando este é um dos elementos essenciais do modelo de Baxter. Assim, a procura dos comerciantes está simplesmente estimada com referência ao que poderia ser o custo da criação de um sistema de cartões de fidelidade. Observa os limites dessa análise, uma vez que o conjunto dos comerciantes não tem o desejo nem a possibilidade de criar um sistema de cartões de fidelidade. No que se refere à análise da procura dos titulares de cartões, a Comissão alega que as recorrentes não medem a sua evolução, fiando‑se unicamente nas informações fornecidas pelos bancos de emissão.

216    No tocante à metodologia aplicável aos cartões de débito (Global MasterCard Debit Interchange Fee Methodology, considerandos 719 a 724 da decisão impugnada), a Comissão, reconhecendo que está mais próxima do modelo de Baxter, porquanto leva em conta tanto os custos ligados à emissão como os relacionados com a aquisição, sublinha, no essencial, que decorre de uma visão exageradamente ampla dos custos ligados à emissão, incluindo as despesas inerentes a qualquer método de pagamento, como as despesas de realização de conta‑corrente.

217    Em face do exposto, há que observar que a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, rejeitar a argumentação apresentada pelas recorrentes para justificar uma imputação dos benefícios objetivos que podem decorrer do sistema MasterCard ao papel desempenhado pelas suas CIM.

218    Mais especificamente, resulta dos n.os 210 a 215 supra que a abordagem das recorrentes se destina, por um lado, a sobreavaliar os custos suportados pelos bancos de emissão e, por outro, a avaliar de forma insuficiente os benefícios que os comerciantes retiram deste modo de pagamento.

219    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação das recorrentes de que forneceram provas económicas abundantes da sua argumentação. Neste contexto, as recorrentes remetem para as passagens pertinentes da sua RCAA e para as provas económicas que lhe estavam anexadas, bem como para os anexos A.13 e A.14. Recordam igualmente a conclusão da Comissão apresentada no considerando 83 da decisão Visa II, de que «quanto mais comerciantes há no sistema mais útil é aos titulares de cartões e vice‑versa», que interpretam como um reconhecimento da sua argumentação.

220    A este respeito, como a Comissão, no essencial, alega num dos anexos da decisão impugnada dedicado à refutação dos elementos de prova económicos aduzidos pelas recorrentes (ponto 10 do anexo 4 da decisão impugnada), há que salientar que, mesmo admitindo que seja possível deduzir destes elementos que as CIM contribuem para aumentar a produção do sistema MasterCard, isso não basta para demonstrar que preenchem a primeira condição imposta pelo artigo 81.°, n.° 3, CE.

221    Com efeito, há que observar que os primeiros beneficiários de um aumento da produção do sistema MasterCard são a organização de pagamento MasterCard e os bancos que nela participam. Contudo, como resulta da jurisprudência acima referida no n.° 206, a melhoria, na aceção da primeira condição do artigo 81.°, n.° 3, CE, não pode ser identificada com todos os benefícios que os participantes retiram do acordo quanto à respetiva atividade de produção ou de distribuição.

222    No que respeita aos comerciantes, embora um aumento do número de cartões em circulação possa aumentar a utilidade do sistema MasterCard a seu respeito, tem igualmente como consequência reduzir a pressão que podem conseguir exercer sobre o montante das CIM e, portanto, aumentar o poder de mercado das recorrentes. Com efeito, pode razoavelmente concluir‑se que o risco de efeitos prejudiciais para a clientela dos comerciantes de uma recusa ou de uma discriminação desse meio de pagamento se afigura tanto mais elevado quanto maior for o número de cartões em circulação.

223    Este raciocínio encontra‑se, no essencial, nos considerandos 729 e 730 da decisão impugnada. Com efeito, embora, no considerando 729, se admita «o facto de, em princípio, num sistema de cartões de pagamento caracterizado por externalidades de rede indiretas, as comissões interbancárias poderem contribuir para maximizar o efeito útil da rede para os seus utilizadores», também é salientado, no considerando 730, que as CIM podem ser utilizadas pelos bancos para «obter ganhos de eficiência ou auferir rendas».

224    No que respeita à referência que figura no considerando 83 da decisão Visa II, há que observar que, embora a Comissão tenha admitido que a utilidade do sistema Visa para cada categoria de utilizadores era consequência do número de utilizadores pertencente a outra categoria, sublinhou também que era difícil determinar a utilidade marginal média de um pagamento com cartão Visa para cada categoria de utilizadores e a necessidade de encontrar um indicador de substituição aceitável, que respondesse às suas preocupações entre as quais figurava a de a CIM ser fixada num nível capaz «de maximizar o rendimento» (considerando 80 da decisão Visa II). Consequentemente, se as CIM da Visa beneficiaram de uma isenção, não foi unicamente com base na sua contribuição para o aumento da produção do sistema, mas porque foram fixadas com referência a três categorias de custos correspondentes a serviços que podiam ser considerados efetuados, pelo menos parcialmente, a favor dos comerciantes, a saber, o custo do tratamento das transações, o custo do fornecimento da «garantia de pagamento» e o custo do período de financiamento gratuito (considerandos 84 e 85 da decisão Visa II).

225    Ora, embora as recorrentes sustentem, numa nota de pé de página da petição, que «as provas não impugnadas apresentadas nessa data demonstram que a comissão interbancária representa um pouco mais de dois terços do custo da garantia de pagamento, do período sem juros e dos custos de gestão [...] e não inclui sequer uma taxa para várias outras vantagens, como as vendas em aumento e as vantagens de ‘cash flow’, que os comerciantes recebem igualmente», há que referir que esta alegação não é acompanhada de nenhum elemento que permita verificar a sua veracidade.

226    Há que concluir, portanto, que, na falta de prova da existência de um vínculo suficientemente estreito entre as CIM e as vantagens objetivas de que beneficiariam os comerciantes, a circunstância de poderem contribuir para o aumento da produção do sistema MasterCard não é, por si só, suscetível de demonstrar que está preenchida a primeira condição imposta pelo artigo 81.°, n.° 3, CE.

227    As recorrentes criticam igualmente a Comissão, por um lado, de não ter tomado em consideração as vantagens decorrentes das CIM para os titulares de cartões e, por outro, de se comportar como um «regulador de preços» das CIM.

228    No que diz respeito à primeira crítica, resulta na verdade de jurisprudência assente que as vantagens objetivas sensíveis abrangidas pela primeira condição do artigo 81.°, n.° 3, CE se podem produzir não apenas no mercado em causa mas também em qualquer outro mercado em que o acordo em causa possa produzir efeitos benéficos, ou mesmo, de maneira mais geral, em qualquer serviço cuja qualidade ou eficácia possam ser melhoradas pela existência do referido acordo (acórdãos do Tribunal Geral de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, Colet., p. II‑1011, n.° 343, e GlaxoSmithKlein Services/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 248). Todavia, uma vez que os comerciantes constituem um dos dois grupos de utilizadores abrangidos pelos cartões de pagamento, a própria existência da segunda condição do artigo 81.°, n.° 3, CE implica necessariamente que a existência de vantagens objetivas sensíveis imputáveis às CIM seja igualmente demonstrada a seu respeito.

229    Portanto, não tendo feito essa prova, a crítica das recorrentes relativa à insuficiente tomada em consideração das vantagens das CIM para os titulares de cartões é, em todo o caso, inoperante.

230    No que respeita à segunda crítica — que reproduz a argumentação desenvolvida no âmbito da primeira parte do presente fundamento –, as recorrentes, bem como diversos intervenientes, alegam, no essencial, que a argumentação desenvolvida no procedimento administrativo levou a transferir o ónus da respetiva refutação para a Comissão. Criticam igualmente a Comissão por lhes impor que justificassem a fixação das CIM num nível específico. Por último, as recorrentes e alguns intervenientes referem‑se à circunstância de a Comissão ter lançado, posteriormente à decisão impugnada, um concurso relativo a um estudo sobre os «custos e benefícios para os comerciantes pela aceitação dos diferentes métodos de pagamento», para sublinhar, no essencial, a falta de dados que permitam satisfazer o nível de prova económica exigido pela Comissão.

231    Há que recordar que a Comissão não deixou de cumprir o seu dever resultante da jurisprudência acima referida no n.° 197, na medida em que examinou e refutou validamente a argumentação desenvolvida pelas recorrentes no procedimento administrativo.

232    No que diz respeito à alegação relativa à inexistência de dados que permitam satisfazer o nível de prova económica exigido pela Comissão, admitindo‑a demonstrada, não pode implicar uma atenuação ou mesmo uma inversão do ónus da prova, como parecem sustentar as recorrentes. A este respeito, há que observar que se poderia entender que essa dificuldade tem origem no sentido da argumentação desenvolvida pelas recorrentes no procedimento administrativo.

233    Assim, não tendo podido demonstrar com precisão a extensão das vantagens que podem ser consideradas justificativas de uma contrapartida financeira dos comerciantes pelos custos suportados pelos bancos de emissão, pode razoavelmente considerar‑se que cabia às recorrentes, para provar que as CIM respondiam à primeira condição imposta pelo artigo 81.°, n.° 3, CE, identificar os serviços fornecidos pelos bancos de emissão de cartões de débito, de pagamento único ou de crédito suscetíveis de constituir benefícios objetivos para os comerciantes. Cabia‑lhes igualmente demonstrar a existência de uma correlação suficientemente clara entre os custos envolvidos na prestação desses serviços e o montante das CIM. No que diz respeito a este último aspeto, há que sublinhar que a determinação desses custos não pode ser efetuada abstraindo dos outros rendimentos auferidos pelos bancos de emissão por ocasião da prestação desses serviços ou através da inclusão dos custos que não lhes estão diretamente associados.

234    Na medida em que, pelas razões acima mencionadas nos n.os 214 a 218, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, concluir que tanto o método aplicável aos cartões de crédito e de pagamento único como o relativo aos cartões de débito não permitia demonstrar que a primeira condição do artigo 81.°, n.° 3, CE estava preenchida, a circunstância, sublinhada por vários intervenientes, de as CIM constituírem a contrapartida de certos benefícios para os comerciantes não é, nas circunstâncias do caso, suscetível de demonstrar que preenchem os requisitos dessa disposição.

235    Do mesmo modo, não se pode criticar a Comissão por se ter afastado sem explicação da posição que tinha privilegiado na decisão Visa II, quanto à análise das CIM ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE, uma vez que a isenção tinha sido concedida na decisão Visa II com base num método de cálculo que limitava o montante das CIM a determinadas vantagens específicas para os comerciantes, o que distingue as circunstâncias que caracterizam a adoção da referida decisão das do caso vertente.

236    Em face do exposto, há que concluir que as recorrentes não demonstraram que o raciocínio da Comissão sobre a primeira condição do artigo 81.°, n.° 3, CE estivesse ferido de ilegalidade. Visto ser necessária a reunião das condições enunciadas nesse artigo para que este se possa aplicar, há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento, sem que seja necessário analisar as críticas das recorrentes sobre os outros aspetos da análise da Comissão nos termos desse artigo.

237    Por conseguinte, a primeira parte do fundamento, relativa ao caráter exagerado do ónus da prova imposto às recorrentes, deve igualmente ser julgada improcedente. Com efeito, resulta dos desenvolvimentos expostos que a Comissão examinou os argumentos e as provas apresentados pelas recorrentes e, nas circunstâncias do caso, podia validamente concluir que não permitiam demonstrar que as condições de aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE estavam reunidas. Na medida em que a Comissão podia validamente concluir que as recorrentes não tinham feito prova da exceção que invocavam, improcede também a alegação relativa à violação do princípio in dubio pro reo.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE devido à errada qualificação da organização de pagamento MasterCard de associação de empresas

238    As recorrentes, apoiadas pelos intervenientes, criticam a Comissão de ter considerado erradamente que existia uma associação de empresas, na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, ao não ter em conta as alterações introduzidas pela IPO na estrutura e na gestão da MasterCard, quando delas resulta que os bancos já não a controlam e que ela decide unilateralmente as CIM. Observam, nomeadamente, que a existência ou não de um controlo dos bancos é um elemento relevante. A Comissão também não teve razão ao considerar que os bancos europeus tinham continuado, após a IPO, a assumir a responsabilidade pelas atividades da organização de pagamento MasterCard na Europa através do conselho de administração europeu.

239    Além disso, tanto as recorrentes como diversos intervenientes criticam o critério da existência de uma comunidade de interesses entre a organização de pagamento MasterCard e os bancos quanto à fixação das CIM, aplicado pela Comissão. Criticam‑na por não ter demonstrado que a organização de pagamento MasterCard continuava a agir no interesse dos bancos ou em seu nome e não no dos acionistas da MasterCard, no momento da fixação das CIM. Um interveniente também salienta que este critério não se apoia em nenhum precedente jurisprudencial. Diversos intervenientes alegam que não estão em condições de exercer qualquer influência nas instâncias da organização de pagamento MasterCard e que esta os trata como clientes.

240    A Comissão conclui pela improcedência desta parte do fundamento.

241    Segundo jurisprudência assente, o artigo 81.° CE aplica‑se às associações, na medida em que a sua atividade própria ou das empresas que a elas aderem tende a produzir os efeitos pretendidos por essa disposição (v. acórdão do Tribunal Geral de 26 de janeiro de 2005, Piau/Comissão, T‑193/02, Colet., p. II‑209, n.° 72 e jurisprudência aí referida).

242    Há que recordar igualmente que os conceitos de «acordo», de «decisões de associações de empresas» e de «prática concertada» abrangem, do ponto de vista subjetivo, formas de colusão que partilham da mesma natureza e que só se distinguem pela sua intensidade e pelas formas como se manifestam (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.° 23).

243    Mais especificamente no tocante ao conceito de «decisões de associações de empresas», como sublinhou o advogado‑geral P. Léger nas suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, Colet., pp. I‑1577, I‑1582, n.° 62), visa evitar que as empresas possam furtar‑se às regras de concorrência unicamente devido à forma pela qual coordenam o seu comportamento no mercado. Para garantir a efetividade desse princípio, o artigo 81.°, n.° 1, CE fixa não apenas as modalidades diretas de coordenação dos comportamentos entre empresas (os acordos e as práticas concertadas) mas também as formas institucionalizadas de cooperação, isto é, as situações em que os operadores económicos atuam por intermédio de uma estrutura coletiva ou de um órgão comum.

244    Por conseguinte, há que verificar, no presente caso, se, apesar das alterações introduzidas pela IPO, a organização de pagamento MasterCard continua a ser uma forma institucionalizada de coordenação do comportamento dos bancos.

245    Em primeiro lugar, embora seja pacífico que, desde a IPO, as decisões relativas às CIM são adotadas pelos órgãos da organização de pagamento MasterCard e que os bancos não participam nesse processo decisório, resulta contudo dos elementos de facto e de direito existentes à data da adoção da decisão impugnada, data relevante para o exame da sua legalidade nos termos da jurisprudência acima referida no n.° 64, que os bancos continuaram a exercer um poder decisório coletivamente sobre aspetos essenciais do funcionamento da organização de pagamento MasterCard, posteriormente à IPO, tanto a nível nacional como a nível europeu.

246    Primeiro, no que respeita ao funcionamento da organização de pagamento MasterCard a nível nacional, a Comissão concluiu, nos considerandos 58 a 62 da decisão impugnada, para os quais remete o considerando 359 desta mesma decisão, que os bancos tinham o direito de adotar regras nacionais específicas aplicáveis num determinado mercado e que substituíssem parcialmente as regras da rede mundial. Entre elas «figuram as regras supletivas aplicáveis a todas as transações ‘intrapays’, incluindo as adquiridas por membros situados fora desse país» (considerando 60 da decisão impugnada). O exemplo mais emblemático desse poder decisório exercido a nível nacional é constituído pela fixação de comissões interbancárias nacionais aplicáveis de preferência às CIM. A Comissão também salientou, no considerando 61 da decisão impugnada, que essas regras nacionais não tinham de ser aprovadas ou certificadas pelas recorrentes.

247    Segundo, a Comissão podia legitimamente pôr em evidência, nos considerandos 50 a 57 e 364 e 365 da decisão impugnada, a manutenção, posteriormente à IPO, do conselho de administração europeu, composto por representantes dos bancos europeus, e a sua competência para decidir sobre «questões essenciais», entre as quais figuram a apreciação dos pedidos de adesão, as coimas, as regras de funcionamento intrarregionais, as avaliações e os custos, desde que essas avaliações e custos não tivessem efeitos de exclusão, a melhoria e o desenvolvimento dos produtos intrarregionais, «na medida em que as iniciativas em matéria de desenvolvimento de produtos não respeitassem aos elementos sensíveis do ponto de vista da concorrência», o orçamento das despesas anuais, os fundos excedentários e as regras relativas ao «co‑branding» e aos cartões afinidade (considerando 52 da decisão impugnada).

248    Na verdade, como recordam as recorrentes nos seus articulados, o conselho de administração europeu era obrigado a seguir as diretrizes do conselho de administração mundial e podiam ser‑lhe retirados os seus poderes decisórios. Todavia, a possibilidade de o conselho de administração mundial emitir diretrizes que precisassem, por exemplo, os limites das competências do conselho de administração europeu não retira nada à circunstância de este último exercer um poder decisório. O mesmo se diga da possibilidade de o conselho de administração mundial exercer por si próprio as prerrogativas do conselho de administração europeu ou lhe retirar seus poderes, à luz das condições particularmente estritas que enquadram a sua execução, recordadas nos considerandos 55 e 56 da decisão impugnada.

249    Não se pode deixar de observar que a manutenção de um poder decisório, a nível europeu e nacional, dos bancos no seio da organização de pagamento MasterCard tende a relativizar consideravelmente as consequências a retirar da IPO. À data da adoção da decisão impugnada, a organização de pagamento MasterCard parecia mais continuar a funcionar na Europa como uma associação de empresas, relativamente à qual os bancos não constituíam apenas clientes dos serviços prestados, mas participavam coletivamente e de forma descentralizada em aspetos essenciais do poder decisório.

250    Em segundo lugar, a Comissão podia validamente concluir, no essencial, que as CIM refletiam os interesses dos bancos, apesar de estes já não controlarem a MasterCard desde a IPO e também não participarem na fixação do montante das CIM, pelo facto de existir uma comunidade de interesses entre a organização de pagamento MasterCard e os bancos sobre este ponto.

251    Primeiro, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de uma comunidade de interesses ou de um interesse comum constitui um elemento relevante para efeitos da apreciação da existência de uma decisão de associação de empresas na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 1987, Verband der Sachversicherer/Comissão, 45/85, Colet., p. 405, n.° 29).

252    Segundo, a Comissão podia com razão considerar que os bancos, incluindo os que tinham atividade no mercado da aquisição, dispunham de um interesse na fixação de CIM a um nível elevado.

253    Com efeito, estes, como justamente sublinhou a Comissão no considerando 383 da decisão impugnada, beneficiam, graças às CIM, de um limite mínimo de preço, que lhes permite repercuti‑los facilmente nos comerciantes, pelas razões acima mencionadas no n.° 134. Assim, as CIM só representam um custo para os bancos, no âmbito da sua atividade de aquisição, quando decidem tomá‑las a seu cargo. Todavia, decorre dos n.os 162 a 164 supra que tal hipótese reveste mais um caráter de exceção.

254    Além disso, ainda nessa situação, pode razoavelmente considerar‑se que as CIM permanecem uma fonte de rendimentos para os bancos, na medida em que estes dispõem igualmente de uma atividade de emissão. A este respeito, há que observar que nem as recorrentes nem os intervenientes apresentaram elementos suscetíveis de pôr em causa a observação da Comissão, que figura no considerando 385 da decisão impugnada, relativa ao facto de, em razão da existência, até 31 de dezembro de 2004, de uma regra do sistema MasterCard, a NAWIR (No Acquiring Without Issuing Rule), que impunha aos bancos que pretendessem adquirir transações que tivessem igualmente uma atividade de emissão de cartões, a quase‑totalidade dos bancos que dispunham de uma atividade de aquisição serem igualmente emitentes de cartões e beneficiarem, por isso, de CIM.

255    Terceiro, a Comissão também podia validamente afirmar, no considerando 386 da decisão impugnada, que a organização de pagamento MasterCard dispunha também de um interesse na fixação de CIM numa taxa elevada, «na medida em que os direitos de adesão que [a MasterCard e as suas filiais consolidadas] cobravam aos bancos em troca dos seus serviços de coordenação e de rede [eram] relativos às transações» (considerando 386 da decisão impugnada). Com efeito, o número de transações e, portanto, os rendimentos da organização de pagamento MasterCard dependem essencialmente da vontade de os bancos proporem cartões MasterCard aos seus clientes. Assim, é no interesse da organização de pagamento MasterCard fixar CIM num nível considerado atrativo pelos bancos, o que realça o facto, referido pela Comissão nos considerandos 461 a 498 da decisão impugnada, de a concorrência intersistemas se fazer em detrimento dos sistemas de cartões que oferecessem um nível mais baixo de CIM.

256    Quarto, resulta dos articulados das recorrentes que estas não negam a realidade da constatação feita no considerando 389 da decisão impugnada, segundo a qual «[a] evolução verificada após a IPO mostra também que [a organização de pagamento MasterCard] tem em conta os interesses concretos dos bancos quando fixa o nível das [CIM]». A sua argumentação consiste antes em sustentar que se limitam a agir como um fornecedor de serviços que tenta satisfazer as necessidades dos seus clientes: bancos de emissão, bancos de aquisição e comerciantes.

257    No entanto, impõe‑se observar que colocar‑se no mesmo plano dos bancos e dos comerciantes não é muito convincente, na medida em que, no tocante a estes últimos, é essencialmente o limite máximo da sua tolerância ao preço das transações por cartão que é visado, como foi acima sublinhado nos n.os 212 a 217.

258    A argumentação das recorrentes relativa ao facto de a organização de pagamento MasterCard, desde a IPO da MasterCard, só tomar em consideração o interesse dos seus acionistas públicos também não é convincente. Na medida em que a fixação de CIM numa taxa elevada contribui para um maior número de transações e, portanto, para uma incidência favorável nos rendimentos da organização de pagamento MasterCard, pode razoavelmente concluir‑se que não existe qualquer oposição de interesses entre os acionistas da MasterCard e os bancos.

259    Não se pode deixar de observar que, à luz dos dois elementos acima mencionados, a saber, a manutenção de um poder decisório dos bancos posteriormente à IPO no seio da organização de pagamento MasterCard e a existência de uma comunidade de interesses entre esta e os bancos na questão das CIM, a Comissão podia validamente considerar, no essencial, que, apesar das alterações introduzidas pela IPO da MasterCard, a organização de pagamento MasterCard tinha continuado a ser uma forma institucionalizada de coordenação do comportamento dos bancos. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão manteve a qualificação de decisões de uma associação de empresas relativamente às decisões tomadas pelos órgãos da organização de pagamento MasterCard que determinavam as CIM.

260    Por conseguinte, há que julgar o terceiro fundamento improcedente, sem que seja necessário examinar as críticas das recorrentes relativas aos outros elementos tomados em conta pela Comissão em apoio da sua conclusão, nomeadamente a aceitação pelos bancos do novo modo de gestão relativo às CIM (considerandos 394 a 396 da decisão impugnada).

4.     Quanto ao quarto fundamento, segundo o qual a decisão impugnada está ferida de erros processuais e de facto

261    O presente fundamento é composto por duas partes, relativas, por um lado, à violação dos direitos de defesa das recorrentes e, por outro, a erros de facto suscetíveis de viciar a decisão impugnada.

a)     Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à violação dos direitos de defesa das recorrentes

262    As recorrentes invocam quatro argumentos que criticam, em primeiro lugar, um recurso abusivo a uma carta de exposição dos factos, em segundo lugar, a falta de clareza dessa carta, em terceiro lugar, a presença de elementos novos na decisão impugnada e, em quarto lugar, a forma pela qual a Comissão informou algumas autoridades nacionais da concorrência.

 Quanto à primeira alegação, relativa a um recurso abusivo a uma carta de exposição dos factos

263    As recorrentes criticam a Comissão por ter utilizado uma carta de exposição dos factos em vez de uma segunda CAA. Entendem que esta carta de exposição dos factos ultrapassa o quadro da simples apresentação adicional de elementos de prova ao conter novos argumentos jurídicos e factos essenciais.

264    A Comissão conclui pela improcedência da presente alegação.

265    Segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa exige que tenha sido dada à empresa interessada a possibilidade, no procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a relevância dos factos e das circunstâncias alegados, bem como sobre os documentos utilizados pela Comissão em apoio da sua alegação da existência de uma infração ao Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 10, e de 6 de abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C‑310/93 P, Colet., p. I‑865, n.° 21).

266    O artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 reflete esse princípio, na medida em que prevê o envio às partes de uma comunicação de acusações que deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do processo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 67), para permitir aos interessados tomarem efetivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são imputados pela Comissão e apresentarem utilmente a sua defesa antes de esta adotar uma decisão definitiva. Essa exigência é respeitada quando a decisão não impute aos interessados infrações diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas se baseie em factos sobre os quais os interessados tenham tido a oportunidade de se explicar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 19 de março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colet., p. II‑913, n.° 109 e jurisprudência aí referida).

267    Contudo, essa indicação pode ser feita de forma sumária e a decisão não tem de ser necessariamente uma cópia da comunicação de acusações (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 265 supra, n.° 14), uma vez que essa comunicação constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito têm caráter puramente provisório (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, Colet., p. 4487, n.° 70). Assim, admite‑se que sejam feitos aditamentos à comunicação de acusações tendo em conta a resposta das partes cujos argumentos demonstrem que estas puderam, efetivamente, exercer os seus direitos de defesa. A Comissão pode também, atendendo ao procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral, Compagnie générale maritime e o./Comissão, referido no n.° 228 supra, n.° 448, e de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão, T‑310/01, Colet., p. II‑4071, n.° 438).

268    Assim, a comunicação de um complemento de acusações aos interessados só é necessária se o resultado das averiguações levar a Comissão a imputar às empresas atos novos ou a modificar sensivelmente os elementos de prova das infrações contestadas (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 266 supra, n.° 192).

269    Por último, há que recordar igualmente que, segundo a jurisprudência, existe violação dos direitos de defesa quando exista uma possibilidade de que, por causa de uma irregularidade praticada pela Comissão, o procedimento administrativo pudesse ter tido um resultado diferente. Uma empresa recorrente demonstra que tal violação ocorreu quando demonstra de forma bastante não que a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente, mas sim que poderia ter assegurado melhor a sua defesa sem essa irregularidade, por exemplo, devido ao facto de poder ter utilizado em sua defesa os documentos cujo acesso lhe foi recusado durante o processo administrativo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, Colet., p. I‑10821, n.° 31 e jurisprudência aí referida, e de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, Colet., p. I‑6375, n.° 28).

270    No caso, há que sublinhar que, embora, nos considerandos 202 a 213 da CAA, a Comissão se tenha baseado nas características da organização de pagamento MasterCard anteriormente à IPO para concluir que esta constituía uma associação de empresas na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, pode inferir‑se de outras passagens dessa comunicação de acusações que a Comissão considerava que a IPO anunciada da MasterCard não mudava a sua conclusão quanto à existência de uma infração ao artigo 81.° CE. Assim, no seu considerando 25, salienta‑se que os documentos apresentados pelas recorrentes não demonstram que o conselho de administração europeu perderia o poder de fixar as CIM após a IPO. No considerando 28 da referida CAA, a Comissão forneceu uma descrição das alterações introduzidas pela IPO que dava a entender que os bancos continuariam a desempenhar um papel na nova estrutura.

271    Embora um dos elementos a que a Comissão recorreu na CAA tenha vindo a revelar‑se diferente do que veio a ser decidido no âmbito da IPO, na medida em que o conselho de administração europeu não manteve o poder de fixar as CIM, não deixa de ser verdade que a CAA permitiu às recorrentes apresentarem o seu ponto de vista sobre a acusação da Comissão relativa à qualificação do sistema MasterCard de associação de empresas na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE e, mais especificamente, à inexistência de influência da IPO nessa qualificação. Daqui se deduz logicamente que lhes foi dada igualmente a possibilidade de serem ouvidas pela Comissão quanto a este ponto, na audição que se realizou posteriormente à sua RCAA.

272    Esta possibilidade de as recorrentes apresentarem o seu ponto de vista no procedimento administrativo é comprovada pelo facto de terem dedicado uma parte importante da sua RCAA aos efeitos da IPO na aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE.

273    Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, há que considerar que o recurso a uma carta de exposição dos factos e não a uma comunicação de acusações não constitui uma violação dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão apenas era obrigada a pôr em evidência os elementos de prova que pretendia utilizar para refutar os argumentos apresentados pelas recorrentes no procedimento administrativo.

274    Por conseguinte, há que rejeitar a presente alegação.

 Quanto à segunda alegação, relativa à falta de clareza da carta de exposição dos factos

275    Segundo as recorrentes, o conteúdo da carta de exposição dos factos não era suficientemente claro para lhes permitir compreender como é que a Comissão pretendia utilizar os documentos em que a Comissão se baseava, não obstante os pedidos de esclarecimento que tinham dirigido tanto à Comissão como ao auditor, o que a Comissão viria a admitir na contestação. Remetem para anexos A.8.2 e A.20, que reproduzem a sua correspondência com a Comissão sobre essa questão. Entendem que essa falta de clareza ocasionou uma violação dos seus direitos de defesa.

276    Quanto à admissibilidade desta alegação, afirmam que na petição explicam por que razão a carta de exposição dos factos é inadequada e que os anexos se limitam a fornecer elementos de prova.

277    A Comissão considera que a presente alegação é inadmissível.

278    Observe‑se que a argumentação das recorrentes surge apenas de forma particularmente sucinta na sua petição. Assim, no ponto 122 da petição, critica‑se, de forma geral, a Comissão por não ter fornecido às «recorrentes todos os esclarecimentos necessários que lhes permitissem compreender de que modo a Comissão se propunha utilizar os documentos que referia na [carta de exposição dos factos]». No ponto 123, é mencionado que as recorrentes se encontravam confrontadas «com grandes dificuldades para fornecer uma resposta significativa». Por último, no ponto 124, afirma‑se que as recorrentes «identificaram pelo menos vinte exemplos na [carta de exposição dos factos] nos quais a Comissão não indicava de que modo os elementos de prova citados pela Comissão seriam utilizados». Contudo, nenhum exemplo é apontado na própria petição. Do mesmo modo, esta não contém nenhuma indicação que permita apreciar as «dificuldades» a que as recorrentes se referem.

279    Além disso, as remissões efetuadas no anexo A.8.2 da petição («Troca de correspondência entre o conselho [das recorrentes] e a Comissão») e no anexo A.20 da petição («Cartas de 17 de abril a [...] 12 de julho de 2007, entre o conselho [das recorrentes] e a Comissão sobre a não adequação da carta de factos») não permitem compensar as deficiências da petição inicial neste aspeto.

280    Há que observar que as recorrentes se limitam a proceder a uma remissão global para o anexo A.20. Pelos motivos acima expostos nos n.os 68 a 70, esse anexo não pode ser tido em conta.

281    No que diz respeito ao anexo A.8.2, pode considerar‑se que as recorrentes remetem para uma passagem determinada desse anexo, constituída por uma carta das recorrentes de 13 de abril de 2007, e que, portanto, o seu conteúdo pode ser tomado em consideração. Todavia, a sua interpretação revela apenas uma enumeração das passagens da carta de exposição dos factos que as recorrentes consideravam não «ser claras» e em relação às quais pediam uma clarificação da Comissão. Por conseguinte, não se pode deixar de observar que não é possível concluir, unicamente da leitura dessa enumeração e na falta de argumentos mais precisos das recorrentes sobre esse ponto, que a alegada falta de clareza pode ter causado uma violação dos direitos de defesa das recorrentes.

282    Em face do exposto, há que concluir que a presente alegação deve ser julgada inadmissível, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, na medida em que não contém os elementos essenciais que permitam ao Tribunal exercer a sua fiscalização e à Comissão assegurar a sua defesa.

 Quanto à terceira alegação, relativa à presença de elementos novos na decisão impugnada

283    As recorrentes alegam que a decisão impugnada contém, em primeiro lugar, novos argumentos, em segundo lugar, nova fundamentação e, em terceiro lugar, explicações adicionais ou mais precisas dos elementos de prova, que não puderam contestar. Remetem, a este respeito, para o anexo A.21 («Violação, pela Comissão, dos direitos de defesa [das recorrentes] — Argumentos, fundamentação e provas relativas à IPO»). Houve, igualmente quanto a este ponto, uma violação dos seus direitos de defesa.

284    Esta alegação é admissível, uma vez que o anexo A.21 se limita a identificar as diferenças entre a CAA e a decisão impugnada.

285    A Comissão entende que esta alegação é inadmissível e, em qualquer caso, improcedente.

286    Em primeiro lugar, no que respeita às críticas relativas à presença de novos argumentos na decisão impugnada, basta assinalar que não dizem respeito aos aspetos da decisão impugnada com base nos quais se concluiu que a Comissão podia manter a qualificação de decisão de uma associação de empresas posteriormente à IPO.

287    Assim, quanto à conclusão de que os bancos continuavam a exercer coletivamente um poder decisório sobre aspetos essenciais da organização de pagamento MasterCard a nível nacional e europeu, não fazem parte dos elementos alegadamente novos mencionados no anexo A.21 da petição o poder de os bancos adotarem regras nacionais específicas aplicáveis num determinado mercado e que substituíam parcialmente as regras da rede mundial (n.° 246 supra) ou ainda a manutenção do poder do conselho de administração europeu de decidir sobre «questões essenciais» (n.° 247 supra).

288    Quanto à conclusão relativa à existência de uma comunidade de interesses entre a organização de pagamento MasterCard e os bancos na fixação de CIM num nível elevado, não resulta do anexo A.21 (n.os 253 e 254 supra) nenhuma contestação dos argumentos que permitem concluir que os bancos dispunham de um interesse na fixação das CIM a um nível elevado. Também não resulta desse anexo que o argumento que consta do considerando 386 da decisão impugnada, de que a organização de pagamento MasterCard dispunha também de um interesse na fixação das CIM numa taxa elevada (n.° 255 supra), surge pela primeira vez na decisão impugnada. Por último, nenhuma impugnação se dirige ao facto, referido no considerando 389 da decisão impugnada, de a organização de pagamento MasterCard ter em conta os interesses concretos dos bancos quando fixa o nível das CIM (n.° 256 supra).

289    Em segundo lugar, o mesmo é válido para as críticas relativas à existência de uma «nova fundamentação» na decisão impugnada. A única alegação eventualmente relevante é a relativa à redação do considerando 360 da decisão impugnada, relativo à existência de uma cooperação horizontal entre os bancos no seio da organização de pagamento MasterCard. Contudo, há que observar que a diferença assinalada pelas recorrentes diz respeito a um aspeto particularmente diminuto da fundamentação da Comissão e não ao sentido da conclusão a que chegou.

290    Em terceiro lugar, no que respeita às críticas relativas à existência, na decisão impugnada, de explicações adicionais ou mais precisas dos elementos de prova, há que sublinhar que só duas críticas que figuram no anexo A.21 da petição dizem respeito a aspetos relevantes do raciocínio da Comissão e que a sua análise, quanto a esses pontos, é sustentada por outros elementos de prova, não contestados pelas recorrentes. É também o que ocorre com a observação, constante do considerando 59 da decisão impugnada, segundo a qual a direção da organização de pagamento MasterCard incentivava a tomada de decisão horizontal entre os bancos. O mesmo se diga da conclusão que consta do considerando 354 da decisão impugnada, segundo a qual os bancos europeus continuaram a assumir a responsabilidade pelas atividades na Europa com exceção das questões consideradas sensíveis do ponto de vista das regras antitrust.

291    Por conseguinte, improcede a presente alegação.

 Quanto ao quarto fundamento, baseado numa informação insuficiente de certas autoridades nacionais da concorrência

292    As recorrentes observam que a Comissão admite que a RCAA não foi comunicada às autoridades nacionais da concorrência segundo modalidades idênticas, algumas delas tendo‑a recebido apenas um dia útil antes da audição. As recorrentes alegam que, se tivessem sido informadas dessa comunicação tardia, teriam requerido o adiamento da audição. Existe uma violação dos princípios da boa administração, bem como das suas expectativas legítimas e dos seus direitos de defesa, na medida em que a decisão impugnada não pôde ser adotada com base numa compreensão completa da sua defesa.

293    A Comissão conclui pela improcedência da presente alegação.

294    Nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão, antes de tomar uma decisão como a que está em causa, consulta um comité consultivo composto por representantes das autoridades dos Estados‑Membros.

295    Na verdade, na medida em que, segundo o artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18), «a Comissão convidará as autoridades responsáveis em matéria de concorrência dos Estados‑Membros a estarem presentes na audição oral», é, portanto, conveniente que as autoridades da concorrência, ou pelo menos, as que desejem participar na audição, tenham conhecimento das observações escritas das partes num prazo razoável antes da referida audição.

296    Contudo, a circunstância de a RCAA ter sido dirigida a algumas autoridades nacionais da concorrência um único dia útil antes da audição não constitui um incumprimento suscetível de levar à anulação da decisão impugnada.

297    Com efeito, decorre do artigo 14.° do Regulamento n.° 1/2003 que o papel essencial do comité consultivo é emitir um parecer escrito sobre o anteprojeto de decisão. Ora, o envio tardio da RCAA não teve influência na validade da consulta do comité consultivo, na medida em que as autoridades da concorrência estavam em condições de tomar conhecimento da RCAA antes da sua consulta no seio desse comité.

298    Além disso, como realça acertadamente a Comissão, esse envio tardio da RCAA não impediu as recorrentes de invocarem o seu ponto de vista na audição.

299    Por conseguinte, há que rejeitar, esta alegação e, portanto, a primeira parte do fundamento na íntegra.

b)     Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à existência de erros de facto

300    As recorrentes alegam, no essencial, que alguns erros de facto da Comissão são de uma importância tal que viciam a decisão impugnada. Invocam, neste âmbito, três alegações, relativas, em primeiro lugar, à natureza manifestamente errada da comparação do sistema MasterCard com os cinco sistemas nacionais tomados em conta pela Comissão, em segundo lugar, a uma apreciação seletiva pela Comissão das declarações dos comerciantes recolhidas durante o procedimento administrativo e, em terceiro lugar, ao caráter fundamentalmente viciado do estudo de mercado dos comerciantes.

301    Já foi dada resposta à segunda e terceira alegações nos n.os 145 a 158 supra. No que toca à primeira alegação, há que recordar que a conclusão relativa à inexistência de um caráter objetivamente necessário das CIM é suficientemente justificada por outras provas ou argumentos diferentes da comparação com estes cinco sistemas nacionais. Esta alegação deve, portanto, ser rejeitada por, em qualquer caso, ser inoperante.

302    Assim, há que julgar improcedente a segunda parte e, portanto, o presente fundamento, bem como o pedido de anulação da decisão impugnada.

B —  Quanto ao pedido de anulação dos artigos 3.° a 5.° e 7.° da decisão impugnada

303    A título subsidiário, as recorrentes pedem a anulação dos artigos 3.° a 5.° e 7.° da decisão impugnada.

304    No artigo 3.° da decisão impugnada, a Comissão intima as recorrentes a revogarem formalmente, no prazo de seis meses, as CIM em causa, a alterarem as regras da rede da associação e a anularem todas as decisões relativas às CIM. No artigo 4.°, as recorrentes são intimadas a transmitir aos estabelecimentos financeiros membros do sistema MasterCard, às câmaras de compensação e aos bancos de liquidação a que respeitam as transações no EEE as alterações introduzidas nas regras da rede da associação no prazo de seis meses. No artigo 5.°, as recorrentes são intimadas a publicar na Internet um resumo da decisão impugnada. Por último, o artigo 7.° da decisão impugnada prevê que a inobservância de uma das intimações previstas nos artigos 2.° a 5.° será punida com uma coima de um montante de 3,5% do seu volume de negócios mundial consolidado diário.

305    Não se pode deixar de observar que, embora o título do pedido das recorrentes se refira a uma anulação dos artigos 3.° a 5.° e 7.° da decisão impugnada, as recorrentes unicamente apresentam, no âmbito do fundamento único invocado em apoio desse pedido, argumentação relativa aos artigos 3.° e 7.° da decisão impugnada.

306    O artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe:

«[S]e[…] a Comissão verificar uma infração ao disposto nos artigos 81.° [CE] ou 82.° [CE], pode, mediante decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a porem termo a essa infração. Para o efeito, a Comissão pode impor‑lhes soluções de conduta ou de caráter estrutural proporcionadas à infração cometida e necessárias para pôr efetivamente termo à infração. As soluções de caráter estrutural só podem ser impostas quando não houver qualquer solução de conduta igualmente eficaz ou quando qualquer solução de conduta igualmente eficaz for mais onerosa para a empresa do que a solução de caráter estrutural [...]»

307    Segundo o artigo 24.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, «[a] Comissão pode, mediante decisão, aplicar sanções pecuniárias compulsórias às empresas e associações de empresas até 5% do volume de negócios diário médio realizado durante o exercício precedente, por cada dia de atraso, a contar da data fixada na decisão, a fim de as compelir a [...] [p]ôr termo a uma infração ao disposto nos artigos 81.° [CE] ou 82.°[CE] em conformidade com uma decisão tomada nos termos do artigo 7.°».

308    Na primeira parte do seu fundamento, as recorrentes alegam que a decisão impugnada está ferida de falta de fundamentação no que respeita à medida corretiva imposta pela Comissão no artigo 3.° da decisão impugnada e à sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 7.° desta mesma decisão.

309    Há que recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato possam ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato respeita as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’ s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

310    No que respeita à alegação relativa à falta de fundamentação da intimação que figura no artigo 3.° da decisão impugnada, há que sublinhar que a base jurídica da obrigação imposta às recorrentes de revogar formalmente no prazo de seis meses as CIM em causa, de alterar as regras da rede da associação e de anular todas as decisões relativas às CIM é precisada no considerando 756 da decisão impugnada. A sua justificação decorre dos considerandos 759 e 761 desta mesma decisão, em que é apresentada como uma consequência da intimação dirigida às recorrentes no sentido de deixarem de determinar na prática um preço mínimo para as MSC.

311    Não se pode deixar de observar que esta fundamentação, embora sendo sumária, permitiu que as recorrentes conhecessem as justificações da intimação da Comissão e que o Tribunal Geral exercesse a fiscalização da sua legalidade.

312    Na verdade, a decisão impugnada não contém qualquer explicação relativa à proporcionalidade da obrigação imposta no artigo 3.° da decisão impugnada, ao invés da proporcionalidade das obrigações previstas nos artigos 4.° e 5.° e da sanção pecuniária compulsória decidida no artigo 7.° da decisão impugnada.

313    Contudo, na medida em que a obrigação de alterar as regras da rede da associação e de anular todas as decisões relativas às CIM é considerada uma consequência direta da declaração da ilegalidade das CIM, a Comissão não tinha de fornecer qualquer fundamentação expressa quanto a esse ponto.

314    Esta conclusão não é desmentida pela argumentação das recorrentes relativa ao facto de a Comissão ter, no passado, reconhecido que as CIM podiam ser compatíveis com o artigo 81.° CE ou admitido o princípio segundo o qual as CIM poderiam preencher a primeira condição do artigo 81.°, n.° 3, CE. Uma vez que esta argumentação é irrelevante para a determinação da medida corretiva, a Comissão não era obrigada a fornecer qualquer fundamentação quanto a este ponto. Além disso, como já foi acima recordado no n.° 192, as CIM da Visa ficaram isentas com base numa proposta alterada de CIM que limitava o respetivo valor aos custos incorridos pelos bancos de emissão para o fornecimento de certos benefícios específicos aos comerciantes, o que as distingue das CIM aqui em causa.

315    Consequentemente, há que julgar improcedente a alegação relativa à falta de fundamentação do artigo 3.° da decisão impugnada.

316    No que respeita à fundamentação da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 7.° da decisão impugnada, há que sublinhar que a sua base jurídica é explicada no considerando 773 da decisão impugnada. A sua justificação é tratada no considerando 774 desta mesma decisão, no qual a Comissão afirma que a existência de um «risco sério de [a organização de pagamento] MasterCard continuar a aplicar as [CIM] ou tentar tomar medidas que contornem efetivamente a medida corretiva é um motivo suficiente para considerar que há que aplicar sanções pecuniárias compulsórias às [recorrentes] a fim de garantir o respeito da medida corretiva».

317    Por último, a escolha do montante da sanção pecuniária compulsória é explicado nos considerandos 775 e 776 da decisão impugnada. A Comissão referiu‑se à «necessidade de fixar o montante das sanções num nível tal que seja financeiramente mais razoável para uma empresa respeitar uma decisão [...] do que auferir os lucros do desrespeito das suas obrigações». Mencionou igualmente a dimensão considerável da organização de pagamento MasterCard e a anterior tentativa de entrave da aplicação do direito da concorrência através da IPO da MasterCard. Com base nisso, a Comissão decidiu fixar o montante da sanção pecuniária compulsória em 70% do montante máximo de 5% do volume de negócios diário médio realizado pela MasterCard durante o exercício social anterior.

318    Tendo essa fundamentação permitido às recorrentes conhecer as justificações da sanção pecuniária compulsória aplicada pelo artigo 7.° da decisão impugnada e ao Tribunal Geral exercer a fiscalização da sua legalidade, improcede igualmente a alegação relativa à falta de fundamentação do artigo 7.° da decisão impugnada.

319    Esta conclusão não é desmentida pela argumentação de um interveniente de que o artigo 7.° deve ser anulado por falta de fundamentação na medida em que a Comissão não explicou por que razão considerava a MasterCard uma empresa autónoma ao aplicar uma sanção pecuniária compulsória baseada no seu volume de negócios, apesar de afirmar que punia uma decisão de associação de empresas.

320    Importa sublinhar que o artigo 24.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 se refere especificamente à possibilidade de aplicar sanções pecuniárias compulsórias às associações de empresas.

321    Uma vez que a MasterCard International e a MasterCard Europe constituem filiais integralmente consolidadas da MasterCard, há que considerar que a Comissão, ao tomar em conta o volume de negócios desta última, mais não fez do que aplicar o artigo 24.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 às circunstâncias do caso. Não era, por conseguinte, obrigada a fornecer uma explicação específica sobre este ponto.

322    Com a segunda parte do seu fundamento, as recorrentes contestam a proporcionalidade da medida corretiva prevista no artigo 3.° da decisão impugnada.

323    Há que recordar que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições não vão além dos limites do adequado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colet., p. I‑2265, n.° 96, e de 12 de julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, Colet., p. I‑5689, n.° 81).

324    No que respeita, mais especificamente, à proporcionalidade da medida corretiva em causa, há que recordar que o artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003 indica expressamente a extensão do âmbito de aplicação do princípio da proporcionalidade nas situações abrangidas pelo seu campo de aplicação. Com efeito, nos termos desta disposição, a Comissão pode impor às empresas interessadas qualquer medida corretiva de natureza estrutural ou comportamental, proporcionada à infração cometida e necessária para pôr efetivamente termo à infração (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, Colet., p. I‑5949, n.° 39).

325    No caso vertente, a obrigação de revogar formalmente as CIM, de alterar as regras da rede da associação e de anular todas as decisões relativas às CIM, enunciada no artigo 3.° da decisão impugnada, é a consequência direta da declaração da ilegalidade das referidas CIM. Não reveste, portanto, um caráter desproporcionado, uma vez que se limita a fazer cessar a infração em causa.

326    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação das recorrentes segundo a qual, na medida em que a Comissão admite que pode haver CIM que eventualmente preencham as condições do artigo 81.°, n.° 3, CE, uma medida corretiva que imponha a revogação das CIM ou a sua fixação em zero é desproporcionada, na medida em que o que deveria fazer era determinar o método de cálculo das CIM para que fossem compatíveis com o artigo 81.° CE.

327    Não se pode deixar de observar que tal argumentação procede de um raciocínio errado. Com efeito, era no âmbito da sua demonstração do respeito das condições previstas no artigo 81.°, n.° 3, CE que incumbia às recorrentes propor um método de fixação das CIM eventualmente suscetível de as compatibilizar com essa disposição. Na falta de tal demonstração, compete à Comissão fazer cessar a infração ao artigo 81.° CE que validamente declarou.

328    As recorrentes alegam igualmente que o prazo de seis meses é igualmente desproporcionado. Referem‑se ao facto de a Visa, na decisão Visa II, ter «obtido cerca de cinco anos para introduzir uma alteração muito menos radical, e [de] nenhuma medida de execução ter sido imposta».

329    Como foi acima sublinhado nos n.os 192 e 314, a decisão Visa II foi adotada num contexto que não é comparável ao da decisão impugnada. Em qualquer caso, o prazo permitido ao autor de uma infração para lhe pôr termo não pode ser utilmente comparado com o período pelo qual foi concedida uma isenção.

330    Quanto ao prazo de seis meses, as recorrentes não apresentam nenhum elemento que permita considerar que lhes era particularmente difícil respeitar a medida corretiva dentro desse prazo. Por outro lado, há que sublinhar que o artigo 6.° da decisão impugnada prevê a possibilidade de pedirem à Comissão uma prorrogação desse prazo.

331    Consequentemente, há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento e, portanto, o fundamento na íntegra.

332    Em face do exposto, os pedidos apresentados no âmbito do presente recurso devem ser julgados improcedentes.

 Quanto às despesas

333    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

334    Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão. Não tendo o BRC e a EuroCommerce apresentado qualquer pedido a este respeito, suportarão as suas próprias despesas.

335    Não tendo a Comissão pedido a condenação da Banco Santander, da HSBC, da Bank of Scotland, da RBS, da Lloyds TSB e da MBNA nas despesas relacionadas com as suas intervenções, esses intervenientes suportarão unicamente as suas próprias despesas.

336    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo suportarão as suas próprias despesas. O Reino Unido de Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A MasterCard, Inc., a MasterCard International, Inc., e a MasterCard Europe suportarão as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      O Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte suportará as suas próprias despesas.

4)      O British Retail Consortium e a EuroCommerce AISBL suportarão as suas próprias despesas.

5)      A Banco Santander, SA, a Royal Bank of Scotland plc, a HSBC Bank plc, a Bank of Scotland plc, a Lloyds TSB Bank plc e a MBNA Europe Bank Ltd suportarão as suas próprias despesas.

Dittrich

Wiszniewska‑Białecka

Prek

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de maio de 2012.

Assinaturas

Índice


Factos na origem do litígio

I — Recorrente

II — Procedimento administrativo na origem da decisão impugnada

Decisão impugnada

I — Sistema quadripartido de cartões bancários e comissões interbancárias

II — Definição do mercado relevante

III — Aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE

A — Decisão de uma associação de empresas

B — Restrição de concorrência

C — Apreciação do caráter eventualmente objetivamente necessário das CIM para o funcionamento do sistema MasterCard

IV — Aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE

V — Dispositivo

Tramitação processual

Pedidos das partes

Questão de direito

I — Quanto ao pedido de medidas de organização do processo apresentado pelas recorrentes

II — Quanto à admissibilidade do conteúdo de determinados anexos aos articulados das partes

III — Quanto ao mérito

A — Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE na medida em que a Comissão concluiu erradamente que a fixação das CIM constituía uma restrição de concorrência

a)  Quanto à parte do fundamento relativa a uma errada apreciação do caráter objetivamente necessário das CIM

Quanto à alegação baseada na aplicação de critérios jurídicos errados

Quanto à alegação baseada na errada apreciação do caráter objetivamente necessário das CIM

— Quanto ao caráter objetivamente necessário das CIM enquanto modalidades de liquidação supletiva das transações

— Quanto ao caráter objetivamente necessário das CIM como mecanismo de transferência de fundos a favor dos bancos de emissão

b)  Quanto à parte do fundamento relativa a erros de apreciação na análise dos efeitos das CIM na concorrência

Quanto às alegações relativas à apreciação do jogo da concorrência na falta de CIM

Quanto às alegações respeitantes à apreciação do mercado de produtos

Quanto à alegação relativa à apreciação dos elementos de prova económicos apresentados no processo administrativo

Quanto à alegação relativa à fundamentação da decisão impugnada

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 3, CE

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE devido à errada qualificação da organização de pagamento MasterCard de associação de empresas

4.  Quanto ao quarto fundamento, segundo o qual a decisão impugnada está ferida de erros processuais e de facto

a)  Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à violação dos direitos de defesa das recorrentes

Quanto à primeira alegação, relativa a um recurso abusivo a uma carta de exposição dos factos

Quanto à segunda alegação, relativa à falta de clareza da carta de exposição dos factos

Quanto à terceira alegação, relativa à presença de elementos novos na decisão impugnada

Quanto ao quarto fundamento, baseado numa informação insuficiente de certas autoridades nacionais da concorrência

b)  Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à existência de erros de facto

B — Quanto ao pedido de anulação dos artigos 3.° a 5.° e 7.° da decisão impugnada

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.