Language of document : ECLI:EU:C:2013:147

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

7 de março de 2013 (*)

«Diretiva 2001/29/CE — Artigo 3.°, n.° 1 — Difusão por um terceiro, através da Internet, das emissões de radiodifusoras de televisão comercial — ‘Live streaming’ — Comunicação ao público»

No processo C‑607/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales) (Chancery Division) (Reino Unido), por decisão de 17 de novembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de novembro de 2011, no processo

ITV Broadcasting Ltd,

ITV 2 Ltd,

ITV Digital Channels Ltd,

Channel 4 Television Corporation,

4 Ventures Ltd,

Channel 5 Broadcasting Ltd,

ITV Studios Ltd

contra

TVCatchup Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, J. Malenovský (relator), U. Lõhmus e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de novembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da ITV Broadcasting Ltd, da ITV 2 Ltd, da ITV Digital Channels Ltd, da Channel 4 Television Corporation, da 4 Ventures Ltd, da Channel 5 Broadcasting Ltd e da ITV Studios Ltd, por J. Mellor, QC, J. Bowhill, barrister, P. Stevens e J. Vertes, solicitors,

¾        em representação da TVCatchup Ltd, por L. Gilmore, solicitor, e M. Howe, QC,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski e L. Christie, na qualidade de agentes, assistidos por C. May, barrister,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e M. Perrot, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e N. Conde, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e F. Wilman, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a ITV Broadcasting Ltd, a ITV 2 Ltd, a ITV Digital Channels Ltd, a Channel 4 Television Corporation, a 4 Ventures Ltd, a Channel 5 Broadcasting Ltd e a ITV Studios Ltd à TVCatchup Ltd (a seguir «TVC»), a propósito da difusão por esta última, através da Internet e praticamente em tempo real, das emissões televisivas difundidas pelas recorrentes no processo principal.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 23 e 27 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(23) A presente diretiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros atos.

[...]

(27)      A mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na aceção da presente diretiva.»

4        Nos termos do artigo 3.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material»:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[...]

3.      Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

5        Nos termos do artigo 2.° da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO L 248, p. 15):

«[…] [o]s Estados‑Membros garantirão aos autores o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público por satélite de obras protegidas pelo direito de autor.»

6        O artigo 8.°, n.° 1, desta diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros garantirão que a retransmissão por cabo de emissões provenientes de outros Estados‑Membros se processe, no seu território, no respeito pelo direito de autor e direitos conexos aplicáveis e com base em contratos individuais ou acordos coletivos entre os titulares de direitos de autor, os titulares de direitos conexos e os distribuidores por cabo.»

 Direito inglês

7        A section 20 da Lei de 1988 relativa à propriedade intelectual em matéria de direitos de autor, de modelos e de patentes (Copyright, Designs and Patents Act 1988), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, sob a epígrafe «Contrafação por comunicação ao público», prevê:

«1.      A comunicação da obra ao público é um ato limitado pelo direito de autor relativo a

(a)      uma obra literária, dramática, musical ou artística;

(b)      um registo sonoro ou um filme; ou

(c)      uma obra radiodifundida.

2.      As referências feitas na presente parte à comunicação ao público consideram‑se feitas à comunicação ao público mediante transmissão eletrónica e, quando estejam relacionadas com uma obra, incluem

(a)      a radiodifusão da obra;

(b)      a disponibilização da obra ao público por transmissão eletrónica de forma a que os membros do público possam ter acesso à mesma no local e no momento que escolham individualmente.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        As recorrentes no processo principal são radiodifusoras de televisão comercial que, ao abrigo da legislação nacional, são titulares dos direitos de autor sobre as próprias emissões televisivas e sobre os filmes e outros conteúdos que integram as suas emissões. São financiadas pelas receitas de publicidade incluídas nas suas emissões.

9        A TVC oferece serviços de difusão de emissões televisivas na Internet. Esses serviços permitem aos utilizadores receberem, «em direto», através da Internet, fluxos de emissões televisivas gratuitas, incluindo as emissões televisivas difundidas pelas recorrentes no processo principal.

10      A TVC certifica‑se de que os utilizadores dos seus serviços apenas obtêm o acesso a um conteúdo a que já têm o direito de aceder no Reino Unido mediante a respetiva licença de televisão. As condições a que os utilizadores devem dar o seu acordo incluem assim a posse de uma licença de televisão válida e a restrição da utilização dos serviços da TVC ao Reino Unido. O sítio Internet da TVC dispõe de equipamentos que lhe permitem autenticar o local onde se encontra o utilizador e recusa o acesso quando as condições impostas aos utilizadores não estão preenchidas.

11      Os serviços prestados pela TVC são financiados pela publicidade. Trata‑se de uma publicidade audiovisual apresentada antes de poder ser visto o fluxo de vídeo da emissão em causa. A publicidade já contida nas emissões de origem é conservada sem alteração e remetida ao utilizador como elemento do fluxo. É igualmente apresentada publicidade «in‑skin» no computador, ou outro dispositivo, do utilizador.

12      São utilizados quatro grupos de servidores pela TVC no âmbito das suas atividades, a saber, os servidores de aquisição, de codificação, de origem e periféricos.

13      Os sinais de entrada utilizados pela TVC são sinais de radiodifusão normais, terrestres e por satélite, transmitidos pelas recorrentes no processo principal. Os sinais são captados através de uma antena e transferidos para os servidores de aquisição que extraem os fluxos de vídeo individuais do sinal recebido sem os alterar. Os servidores de codificação convertem esses fluxos para um formato diferente. Os servidores de origem preparam, em seguida, fluxos de vídeo para enviar através da Internet em diferentes formatos. A partir daqui, os canais propostos pela TVC só são objeto de processamento adicional se pelo menos um utilizador tiver pedido o canal em questão. Se um dado canal não for pedido, o sinal é descontinuado.

14      Os servidores periféricos estão ligados ao computador ou ao telefone móvel do utilizador através da Internet. Quando um servidor periférico recebe um pedido de canal por parte de um utilizador, liga‑se ao servidor de origem que difunde esse canal, a menos que o canal em questão seja já difundido pelo servidor periférico para outro utilizador. O software do servidor periférico cria um fluxo separado para cada utilizador que pede um canal por seu intermédio. Por conseguinte, é a um utilizador individual e não a um grupo de utilizadores que é dirigido um pacote individual de dados.

15      Os fluxos fornecidos pelos servidores periféricos podem apresentar‑se sob diferentes formatos. Os formatos utilizados são os fluxos Adobe Flash, para os computadores, HTTP, para os aparelhos portáteis Apple, bem como RTSP, para os telefones móveis Android e Blackberry.

16      As recorrentes no processo principal demandaram a TVC na High Court of Justice (England & Wales) (Chancery Division) por violação dos direitos de autor sobre as suas emissões e filmes devido, designadamente, a uma comunicação ao público proibida pela section 20 da Lei de 1988 relativa à propriedade intelectual em matéria de direitos de autor, de modelos e de patentes, na sua versão aplicável aos factos no processo principal, e pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29.

17      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os acórdãos de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, Colet., p. I‑11519), e de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal (C‑431/09 e C‑432/09, Colet., p. I‑9363), não permitem determinar claramente se uma entidade, como a TVC, procede a uma «comunicação ao público» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 quando, com plena consciência das consequências dos seus atos e tendo em vista atrair um público para as suas próprias transmissões e a sua própria publicidade, difunde na Internet emissões radiodifundidas a membros do público que teriam o direito de aceder ao sinal de radiodifusão original utilizando os seus próprios aparelhos de televisão ou os seus próprios computadores portáteis em sua casa.

18      Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales) (Chancery Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O direito de autorizar ou proibir uma ‘comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio’, previsto no artigo 3.°, n.° 1, da [D]iretiva [2001/29], é aplicável quando:

a)      os autores autorizam que as suas obras sejam incluídas numa radiofusão televisiva terrestre em sinal aberto, destinada a ser recebida quer no território de um Estado‑Membro quer em determinada área geográfica de um Estado‑Membro;

b)      uma entidade terceira (ou seja, [uma entidade] diferente do radiodifusor de origem) fornece um serviço pelo qual subscritores individuais na área prevista de receção da emissão, que poderiam receber legalmente a emissão num recetor de televisão nas suas próprias residências, podem aceder ao servidor daquela entidade terceira e receber o conteúdo da emissão através de um fluxo Internet?

2)      Para a resposta à questão anterior, é relevante o facto de:

a)      o servidor da entidade terceira permitir apenas uma ligação para cada subscritor individual, criando cada subscritor a sua própria ligação de Internet ao servidor e destinando‑se cada pacote de dados enviado pelo servidor através da Internet a um único subscritor individual?

b)      o serviço da entidade terceira ser financiado através de publicidade apresentada ‘pre‑roll’ (ou seja, no lapso de tempo que decorre entre a ligação do subscritor e o momento em que começa a receber o conteúdo da emissão) ou ‘in‑skin’ (ou seja, no ecrã do software de visualização do programa que o subscritor recebe no seu dispositivo de visualização, mas fora da imagem do programa), mas os anúncios publicitários contidos no programa emitido serem apresentados ao subscritor no ponto em que foram inseridos pelo radiodifusor?

c)      [A entidade] interveniente:

i)      prestar um serviço alternativo ao serviço do radiodifusor de origem, atuando, por isso, em concorrência direta com o radiodifusor de origem para obter audiência, ou

ii)      atuar em concorrência direta com o radiodifusor de origem para obter receitas publicitárias?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão e à segunda questão, alínea a)

19      Com a primeira questão e a segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma retransmissão das obras incluídas numa radiodifusão televisiva terrestre:

¾        que é efetuada por uma entidade que não seja o radiodifusor de origem;

¾        através de um fluxo Internet colocado à disposição dos subscritores dessa entidade que podem receber essa retransmissão acedendo ao seu servidor;

¾        entendendo‑se que esses subscritores se encontram na zona de receção da referida radiodifusão televisiva terrestre e a podem receber legalmente num recetor de televisão.

20      A título liminar, cumpre observar que a Diretiva 2001/29 tem por principal objetivo instituir um elevado nível de proteção dos autores, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, designadamente na sua comunicação ao público. Daqui resulta que o conceito de comunicação ao público deve ser entendido em sentido amplo, como aliás refere o considerando 23 dessa diretiva (acórdãos SGAE, já referido, n.° 36, e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, Colet., p. I‑9083, n.° 186).

21      Em primeiro lugar, importa determinar o conteúdo do conceito de «comunicação» e responder à questão de saber se a atividade em causa no processo principal está abrangida pelo seu âmbito de aplicação.

22      A este respeito, há que recordar que a Diretiva 2001/29 não define, de forma exaustiva, o conceito de comunicação. Por conseguinte, há que precisar o sentido e o alcance deste conceito à luz do contexto em que se insere assim como à luz do objetivo evocado no n.° 20 do presente acórdão.

23      Ora, decorre em especial do considerando 23 da Diretiva 2001/29 que os direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público abrangem qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público não presente no local de onde provêm as comunicações, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão. Além disso, resulta do artigo 3.°, n.° 3, dessa diretiva que a autorização da inclusão de obras protegidas numa comunicação ao público não esgota o direito de autorizar ou proibir outras comunicações ao público dessas obras.

24      Daqui decorre que o legislador da União, ao regular as situações em que uma dada obra é objeto de múltiplas utilizações, entendeu que cada transmissão ou retransmissão de uma obra que utilize um modo técnico específico deve ser, em princípio, individualmente autorizada pelo autor da obra em causa.

25      Estas conclusões são de resto corroboradas pelos artigos 2.° e 8.° da Diretiva 93/83, que exigem uma nova autorização para uma retransmissão simultânea, inalterada e integral, por satélite ou por cabo, de uma transmissão inicial de emissões de televisão ou de rádio que contêm obras protegidas, ainda que estas emissões possam já ser recebidas na respetiva zona de cobertura por outros modos técnicos, como ondas radioelétricas das redes terrestres.

26      Uma vez que uma disponibilização das obras através da retransmissão, na Internet, de uma radiodifusão televisiva terrestre é feita empregando um modo técnico específico que é diferente do da comunicação de origem, deve ser considerada uma «comunicação» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29. Por conseguinte, essa retransmissão não pode subtrair‑se à autorização dos autores das obras retransmitidas quando estas são comunicadas ao público.

27      A referida conclusão não pode ser posta em causa pela objeção da TVC segundo a qual a disponibilização das obras na Internet como a que é feita no processo principal constitui um mero meio técnico para garantir ou melhorar a receção da radiodifusão televisiva terrestre na zona de cobertura.

28      Na verdade, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não constitui uma «comunicação» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 um mero meio técnico para garantir ou melhorar a transmissão de origem na zona de cobertura (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Football Association Premier League e o., n.° 194, e Airfield e Canal Digitaal, n.os 74 e 79).

29      Assim, a intervenção desse meio técnico deve limitar‑se a manter ou a aumentar a qualidade da receção de uma transmissão já existente e não pode servir para outra transmissão diferente.

30      Ora, no presente processo, a intervenção da TVC consiste numa transmissão das obras protegidas em causa que é diferente da efetuada pela entidade de radiodifusão em questão. A intervenção da TVC não pretende de modo algum manter ou aumentar a qualidade da receção da transmissão efetuada por essa entidade. Nestas condições a referida intervenção não pode ser considerada um mero meio técnico no sentido precisado no n.° 28 do presente acórdão.

31      Em segundo lugar, para serem abrangidas pelo conceito de «comunicação ao público» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, é ainda necessário que as obras protegidas sejam efetivamente comunicadas a um «público».

32      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de público a que se refere a referida disposição visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica, por outro lado, um número de pessoas bastante importante (v., neste sentido, acórdão SGAE, já referido, n.os 37, 38 e jurisprudência referida).

33      No que diz respeito mais especificamente a este último critério, importa ter em conta o efeito cumulativo que resulta do facto de as obras serem postas à disposição de destinatários potenciais. A este propósito, é designadamente pertinente saber quantas pessoas têm acesso à mesma obra paralela e sucessivamente (acórdão SGAE, já referido n.° 39).

34      Neste contexto, é irrelevante a questão de saber se os destinatários potenciais acedem às obras comunicadas através de uma ligação individual. Com efeito, esta técnica não impede que um grande número de pessoas tenha acesso paralelamente à mesma obra.

35      No caso em apreço, importa referir que a retransmissão das obras através da Internet, em causa no processo principal, visa todas as pessoas que residem no Reino Unido, que dispõem de uma conexão Internet e que pretendem obter uma licença de televisão nesse Estado. Essas pessoas podem aceder às obras protegidas paralelamente, no quadro do «live streaming» das emissões televisivas na Internet.

36      Assim, a referida retransmissão visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica um número considerável de pessoas. Por conseguinte, há que concluir que, com a retransmissão em questão, as obras protegidas são efetivamente comunicadas a um «público» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29.

37      Todavia, a TVC alega que a retransmissão em causa no processo principal não satisfaz a condição do público novo que é, contudo, necessária na aceção dos acórdãos, já referidos, SGAE (n.° 40), Football Association Premier League e o. (n.° 197), e Airfield e Canal Digitaal (n.° 72). Com efeito, os destinatários da retransmissão efetuada pela TVC teriam o direito de seguir a emissão radiodifundida, de conteúdo idêntico, através dos respetivos aparelhos de televisão.

38      A este respeito, cumpre observar que as situações examinadas nos processos que deram origem aos referidos acórdãos diferem claramente da que está em causa no processo principal. Com efeito, nesses processos, o Tribunal de Justiça examinou situações em que um operador tinha tornado acessível, pela sua intervenção deliberada, uma radiodifusão que inclui obras protegidas a um público novo que não foi tido em conta pelos autores em causa quando autorizaram a transmissão radiodifundida em questão.

39      Em contrapartida, o processo principal diz respeito à transmissão das obras incluídas numa radiodifusão terrestre e à disponibilização das mesmas obras na Internet. Como decorre dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, cada uma dessas duas transmissões deve ser autorizada individual e separadamente pelos autores em causa uma vez que cada uma delas é efetuada em condições técnicas específicas, utilizando um modo diferente de transmissão das obras protegidas e cada uma destinada a um público. Neste contexto, já não há que analisar, a jusante, a condição do público novo, que só é pertinente em situações a respeito das quais o Tribunal de Justiça se pronunciou nos processos que deram origem aos acórdãos, já referidos, SGAE, Football Association Premier League e o., Airfield e Canal Digitaal.

40      Em face do exposto, importa responder à primeira questão e à segunda questão, alínea a), que o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma retransmissão das obras incluídas numa radiodifusão televisiva terrestre:

¾        que é efetuada por uma entidade que não seja o radiodifusor de origem;

¾        através de um fluxo Internet colocado à disposição dos subscritores dessa entidade que podem receber essa transmissão acedendo ao seu servidor;

¾        ainda que esses subscritores se encontrem na zona de receção da referida radiodifusão televisiva terrestre e a possam receber legalmente num recetor de televisão.

 Quanto à segunda questão, alínea b)

41      Com a segunda questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a resposta à primeira questão é influenciada pelo facto de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, ser financiada pela publicidade e revestir assim um caráter lucrativo.

42      A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou, na verdade, que o caráter lucrativo de uma «comunicação», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, não é irrelevante (acórdão Football Association Premier League e o., já referido, n.° 204). No entanto, admitiu que esse caráter não é necessariamente uma condição indispensável que determine a própria existência de uma comunicação ao público (v., neste sentido, acórdão SGAE, já referido, n.° 44).

43      Assim, o caráter lucrativo não é determinante para a qualificação de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, de «comunicação» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29.

44      Por conseguinte, há que responder à segunda questão, alínea b), que a resposta à primeira questão não é influenciada pelo facto de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, ser financiada pela publicidade e revestir assim um caráter lucrativo.

 Quanto à segunda questão, alínea c)

45      Com a segunda questão, alínea c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a resposta à primeira questão é influenciada pelo facto de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, ser efetuada por uma entidade que se encontra em concorrência direta com o radiodifusor de origem.

46      A este respeito, basta concluir que não decorre da Diretiva 2001/29 nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma relação de concorrência entre as entidades que efetuam transmissões paralelas de obras protegidas pelo direito de autor ou retransmissões sucessivas destas seja pertinente para efeitos da qualificação de uma transmissão de «comunicação ao público» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29.

47      Por conseguinte, há que responder à segunda questão, alínea c), que a resposta à primeira questão não é influenciada pelo facto de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, ser efetuada por uma entidade que se encontra em concorrência direta com o radiodifusor de origem.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma retransmissão das obras incluídas numa radiodifusão televisiva terrestre:

¾        que é efetuada por uma entidade que não seja o radiodifusor de origem;

¾        através de um fluxo Internet colocado à disposição dos subscritores dessa entidade que podem receber essa transmissão acedendo ao seu servidor;

¾        ainda que esses subscritores se encontrem na zona de receção da referida radiodifusão televisiva terrestre e a possam receber legalmente num recetor de televisão.

2)      A resposta à primeira questão não é influenciada pelo facto de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, ser financiada pela publicidade e revestir assim um caráter lucrativo.

3)      A resposta à primeira questão não é influenciada pelo facto de uma retransmissão, como a que está em causa no processo principal, ser efetuada por uma entidade que se encontra em concorrência direta com o radiodifusor de origem.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.