Language of document : ECLI:EU:C:2003:294

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20 de Maio de 2003 (1)

«Protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais - Directiva 95/46/CE - Protecção da vida privada - Divulgação de dados sobre os rendimentos de assalariados de entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof»

Nos processos apensos C-465/00, C-138/01 e C-139/01,

que têm por objecto três pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, respectivamente pelo Verfassungsgerichtshof (C-465/00) e pelo Oberster Gerichtshof (C-138/01 e C-139/01) (Áustria), destinados a obter, nos litígios pendentes nestes órgãos jurisdicionais entre

Rechnungshof (C-465/00)

e

Österreichischer Rundfunk,

Wirtschaftskammer Steiermark,

Marktgemeinde Kaltenleutgeben,

Land Niederösterreich,

Österreichische Nationalbank,

Stadt Wiener Neustadt,

Austrian Airlines, Österreichische Luftverkehrs-AG,

e entre

Christa Neukomm (C-138/01),

Joseph Lauermann (C-139/01)

e

Österreichischer Rundfunk,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, M. Wathelet (relator) e R. Schintgen, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, P. Jann, V. Skouris, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,


secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação do Rechnungshof, por F. Fiedler, na qualidade de agente (C-465/00),

-    em representação da Österreichischer Rundfunk, por P. Zöchbauer, Rechtsanwalt (C-465/00),

-    em representação da Wirtschaftskammer Steiermark, por P. Mühlbacher e B. Rupp, na qualidade de agentes (C-465/00),

-    em representação da Marktgemeinde Kaltenleutgeben, por F. Nistelberger, Rechtsanwalt (C-465/00),

-    em representação do Land Niederösterreich, por E. Pröll, C. Kleiser e L. Staudigl, na qualidade de agentes (C-465/00),

-    em representação do Österreichische Nationalbank, por K. Liebscher e G. Tumpel-Gugerell, na qualidade de agentes (C-465/00),

-    em representação da Stadt Wiener Neustadt, por H. Linhart, na qualidade de agente (C-465/00),

-    em representação da Austrian Airlines, Österreichische Luftverkehrs-AG, por H. Jarolim, Rechtsanwalt (C-465/00),

-    em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de agente (C-465/00, C-138/01 e C-139/01),

-    em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente (C-465/00),

-    em representação do Governo italiano, por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato (C-465/00) e O. Fiumara, avvocato generale dello Stato (C-138/01 e C-139/01),

-    em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente (C-465/00, C-138/01 e C-139/01),

-    em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente (C-465/00),

-    em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente (C-465/00, C-138/01 e C-139/01),

-    em representação do Governo do Reino Unido, por R. Magrill, na qualidade de agente, assistida por J. Coppel, barrister (C-465/00, C-138/01 e C-139/01),

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por U. Wölker e X. Lewis, na qualidade de agentes (C-465/00, C-138/01 e C-139/01),

vistos os relatórios para audiência,

ouvidas as alegações da Marktgemeinde Kaltenleutgeben, representada por F. Nistelberger, do Land Niederösterreich, representado por C. Kleiser, do Österreichische Nationalbank, representado por B. Gruber, Rechtsanwalt, da Austrian Airlines, Österreichische Luftverkehrs-AG, representada por H. Jarolim, do Governo austríaco, representado por W. Okresek, na qualidade de agente, do Governo italiano, representado por M. Fiorilli, avvocato dello Stato, do Governo neerlandês, representado por J. van Bakel, na qualidade de agente, do Governo finlandês, representado por T. Pynnä, na qualidade de agente, do Governo sueco, representado por A. Kruse e B. Hernqvist, na qualidade de agentes, e da Comissão, representada por U. Wölker e C. Docksey, na qualidade de agentes, na audiência de 18 de Junho de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Novembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despachos de 12 de Dezembro de 2000, 28 e 14 de Fevereiro de 2001, que deram entrada no Tribunal de Justiça, o primeiro em 28 de Dezembro de 2000, e os outros dois em 27 de Março de 2001, o Verfassungsgerichtshof (C-465/00) e o Oberster Gerichtshof (C-138/01 e C-139/01) submeteram, em aplicação do artigo 234.° CE, cada um deles duas questões prejudiciais, formuladas em termos no essencial idênticos, sobre a interpretação da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).

2.
    Essas questões foram suscitadas no âmbito de litígios que opõem, por um lado, o Rechnungshof (Tribunal de Contas) a um grande número de organismos sujeitos à sua auditoria e, por outro, C. Neukomm e J. Lauermann à sua entidade patronal, a Österreichischer Rundfunk (a seguir «ÖRF»), estação de radiodifusão de direito público, a propósito da obrigação que incumbe às autoridades públicas sujeitas à auditoria do Rechnungshof de comunicarem a este último os vencimentos e pensões que ultrapassem um determinado nível, pagos aos respectivos assalariados e pensionistas, bem como o nome dos beneficiários, com vista à elaboração de um relatório anual a apresentar ao Nationalrat (câmara baixa do Parlamento), ao Bundesrat (câmara alta do Parlamento) e aos Landtagen (parlamentos dos Länder) e posto à disposição do público (a seguir «relatório»).

Enquadramento jurídico

Disposições nacionais

3.
    Nos termos do disposto no § 8 da Bundesverfassungsgesetz über die Begrenzung von Bezügen öffentlicher Funktionäre (lei constitucional federal sobre a limitação da retribuição dos funcionários públicos, BGBl. I 1997/64, conforme alterada, a seguir «BezBegrBVG»):

«1)    As entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof deverão comunicar-lhe, nos três primeiros meses de cada conjunto de dois anos civis, as retribuições ou pensões pagas às pessoas que, pelo menos durante um dos dois anos civis anteriores, tenham recebido retribuições ou pensões anualmente superiores a 14 vezes o montante de 80% da quantia base de referência mensal nos termos do § 1 [ou seja, relativamente a 2000, retribuições e pensões 14 vezes superiores ao montante de 5 887,87 euros]. As entidades deverão também comunicar as retribuições e pensões das pessoas que recebam outras retribuições ou pensões de entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof. As pessoas que recebam retribuições ou pensões de duas ou mais entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof deverão comunicar esta circunstância às referidas entidades. Se uma entidade não cumprir esta obrigação de comunicação, o Rechnungshof deverá inspeccionar os documentos correspondentes e redigir o seu relatório com base nesta inspecção.

2)    Na aplicação do n.° 1, deverão ainda ser tidas em conta as prestações sociais e em espécie, desde que não sejam prestações do seguro de doença ou de acidente ou se baseiem em regulamentações análogas às dos Länder. Deverão ser somadas as várias retribuições ou pensões recebidas das entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof.

3)    O Rechnungshof deverá resumir num relatório estas comunicações, classificadas por valores anuais. No relatório deverão ser incluídas todas as pessoas cujas retribuições e pensões anuais recebidas de entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof excedam, na sua totalidade, o montante referido no n.° 1. O relatório deverá ser transmitido ao Nationalrat, ao Bundesrat e aos Landtagen.»

4.
    Resulta dos despachos de reenvio que, à luz dos trabalhos preparatórios da BezBegrBVG, a doutrina deduz desta última disposição que o relatório deve indicar o nome das pessoas em causa e, tendo em conta este, o montante do rendimento anual por elas auferido.

5.
    O Verfassungsgerichtshof sublinha que, em conformidade com as intenções do legislador, o relatório deve ser colocado à disposição do grande público, a fim de assegurar uma «ampla informação» deste. Através desta informação, é exercida uma pressão sobre as entidades jurídicas em causa no sentido de manterem os salários a um nível pouco elevado para que os fundos públicos sejam utilizados de forma racional, moderada e eficaz.

6.
    As entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof são o Estado federal, os Länder, os grandes municípios e, sempre que exista um pedido fundamentado de um Governo regional, também os municípios com menos de 20 000 habitantes, as associações de municípios, as instituições de segurança social, os organismos representativos de interesses profissionais estabelecidos por lei, a ÖRF, as instituições, fundos e fundações geridos por órgãos do Estado federal ou dos Länder ou por pessoas para isso nomeadas por órgãos do Estado federal ou dos Länder, as empresas geridas pelo Estado federal, por um Land ou por um município ou controladas (isoladamente ou em conjunto com outras entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof) através de uma participação social de pelo menos 50%, ou de qualquer outra forma.

Regulamentação comunitária

7.
    Resulta dos quinto a nono considerandos da Directiva 95/46 que esta foi adoptada com fundamento no artigo 100.°-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE) a fim de favorecer a livre circulação dos dados pessoais através da harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros sobre a protecção das pessoas singulares relativamente ao tratamento de tais dados.

8.
    Nos termos do artigo 1.° da Directiva 95/46:

«1.    Os Estados-Membros assegurarão, em conformidade com a presente directiva, a protecção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais.

2.    Os Estados-Membros não podem restringir ou proibir a livre circulação de dados pessoais entre Estados-Membros por razões relativas à protecção assegurada por força do n.° 1.»

9.
    A este respeito, os segundo e terceiro considerandos da Directiva 95/46 têm a seguinte redacção:

«(2)    Considerando que os sistemas de tratamento de dados estão ao serviço do homem; que devem respeitar as liberdades e os direitos fundamentais das pessoas singulares independentemente da sua nacionalidade ou da sua residência, especialmente a vida privada, e contribuir para o progresso económico e social, o desenvolvimento do comércio e o bem-estar dos indivíduos;

(3)    Considerando que o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno no qual, nos termos do artigo [14.° CE], é assegurada a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais, exigem não só que os dados pessoais possam circular livremente de um Estado-Membro para outro, mas igualmente que sejam protegidos os direitos fundamentais das pessoas.»

10.
    O décimo considerando da mesma directiva acrescenta:

«Considerando que o objectivo das legislações nacionais relativas ao tratamento de dados pessoais é assegurar o respeito dos direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente do direito à vida privada reconhecido não só no artigo 8.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais como nos princípios gerais do direito comunitário; [...]»

11.
    Por força do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 95/46, os dados pessoais [ou seja, nos termos do artigo 2.°, alínea a), «qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável»] serão:

«a)    Objecto de um tratamento leal e lícito;

b)    Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades [...];

c)    Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente;

[...]»

12.
    Por «tratamento de dados pessoais», o artigo 2.°, alínea b), da Directiva 95/46 entende:

«qualquer operação ou conjunto de operações efectuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição».

13.
    Nos termos do artigo 7.° da Directiva 95/46, o tratamento de dados pessoais só poderá ser efectuado se estiver preenchida uma das seis condições que enuncia, designadamente se:

«c)    For necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

[...]

e)    For necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento [...] a quem os dados sejam comunicados.»

14.
    Nos termos do seu septuagésimo segundo considerando, a referida directiva permite tomar em consideração o princípio do direito de acesso do público aos documentos oficiais aquando da implementação dos princípios nela estabelecidos.

15.
    No que respeita ao âmbito de aplicação da Directiva 95/46, o artigo 3.°, n.° 1, desta prevê que ela se aplica ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos num ficheiro ou a ele destinados. No entanto, nos termos do n.° 2 da mesma disposição, a referida directiva «não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

-    efectuado no exercício de actividades não sujeitas à aplicação do direito comunitário, tais como as previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia, e, em qualquer caso, ao tratamento de dados que tenha como objecto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado (incluindo o bem-estar económico do Estado quando esse tratamento disser respeito a questões de segurança do Estado), e as actividades do Estado no domínio do direito penal,

-    efectuado por uma pessoa singular no exercício de actividades exclusivamente pessoais ou domésticas».

16.
    Além disso, o artigo 13.° da Directiva 95/46 autoriza os Estados-Membros a afastar a aplicação de algumas disposições da directiva, em especial o seu artigo 6.°, n.° 1, sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à protecção, designadamente, de «um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-Membro ou da União Europeia, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal» [artigo 13.°, n.° 1, alínea e)] ou de «missões de controlo, de inspecção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública» em determinados casos especiais, entre os quais figura o que acabámos de recordar, referido na alínea e) [artigo 13.°, n.° 1, alínea f)].

Os litígios nos processos principais e as questões prejudiciais

Processo C-465/00

17.
    Surgiram diferenças de entendimento quanto à interpretação do § 8 da BezBegrBVG entre o Rechnungshof e um grande número de organismos sujeitos à sua auditoria a propósito de retribuições e de pensões pagas em 1998 e 1999.

18.
    Assim, os demandados nos processos principais, entre os quais figuram entidades locais (um Land e duas comunas), empresas públicas, algumas das quais estão em concorrência com outras empresas nacionais ou estrangeiras não sujeitas à auditoria do Rechnungshof, bem como um organismo representativo de interesses profissionais estabelecido por lei (a Wirtschaftskammer Steiermark), não comunicaram os dados relativos aos rendimentos das pessoas em causa, ou comunicaram-nos, em diversos graus, de forma anónima. Recusaram o acesso aos documentos relevantes ou sujeitaram-nos a condições que o Rechnungshof não aceitou. Foi por essa razão que este recorreu para o Verfassungsgerichtshof, em aplicação do artigo 126.° a, da Bundes-Vverfassungsgesetz (lei constitucional austríaca), que atribui àquele órgão jurisdicional competência para conhecer das «divergências de opinião no que respeita à interpretação das disposições legislativas que regulam a competência do Rechnungshof».

19.
    O Rechnungshof deduz do § 8 da BezBegrBVG a obrigação de indicar no relatório o nome das pessoas em causa, mencionando os respectivos rendimentos anuais. Os demandados no processo principal têm uma opinião diferente e não se consideram obrigados a comunicar dados pessoais relativos aos referidos rendimentos, como os nomes ou funções das pessoas em questão, com indicação das retribuições recebidas por estas últimas. Baseiam-se principalmente na Directiva 95/46, no artigo 8.° da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), que garante a protecção da vida privada, e no argumento segundo o qual a obrigação de publicidade cria um obstáculo à mobilidade dos trabalhadores, contrário ao artigo 39.° CE.

20.
    O Verfassungsgerichtshof pergunta-se, em substância, se o § 8 da BezBegrBVG, como interpretado pelo Rechnungshof, é compatível com o direito comunitário, a fim de lhe dar, eventualmente, uma interpretação conforme com este ou de o declarar (parcialmente) inaplicável.

21.
    O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, a este respeito, a necessidade de interpretar as disposições da Directiva 95/46, em especial os seus artigos 6.°, n.° 1, alíneas b) e c), e 7.°, alíneas c) e e), à luz do artigo 8.° da CEDH. Em sua opinião, uma ampla informação do público, tal como prevista pelo legislador nacional no que respeita aos rendimentos de assalariados de entidades jurídicas sujeitas à auditoria do Rechnungshof cuja retribuição anual exceda um certo limite (ou seja, em 1999, 1 127 486 ATS e, em 1998, 1 120 000 ATS), deve ser considerada uma ingerência na vida privada, que só pode ser justificada, ao abrigo do artigo 8.°, n.° 2, da CEDH, se essa informação contribuir para o bem-estar económico do país. Com efeito, está excluída a possibilidade de justificar a ingerência nos direitos fundamentais com a existência de um simples «interesse do público em ser informado». A este respeito, o Verfassungsgerichtshof duvida que a divulgação, através do relatório, de dados pessoais sobre os rendimentos contribua para o «bem-estar económico do país». Em qualquer caso, constituiria uma ingerência desproporcionada na vida privada. O controlo contabilístico exercido pelo Rechnungshof é incontestavelmente suficiente para garantir a boa utilização dos fundos públicos.

22.
    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta-se igualmente se o alcance do direito comunitário varia em função da natureza da entidade jurídica obrigada a contribuir para a divulgação dos rendimentos individuais de alguns dos seus assalariados.

23.
    Foi nestas condições que o Verfassungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes:

«1)    Devem as disposições do direito comunitário, em especial as relativas à protecção de dados, ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que obriga um organismo estatal a compilar e comunicar dados sobre retribuições com o objectivo de publicar os nomes e as retribuições dos empregados de

    a)    uma entidade territorial,

    b)    um organismo de radiodifusão de direito público,

    c)    um banco central nacional,

    d)    um organismo representativo de interesses profissionais estabelecido por lei,

    e)    uma empresa com fins lucrativos que está parcialmente controlada pelo Estado?

2)    No caso de o Tribunal de Justiça responder afirmativamente, pelo menos em parte, à questão anterior:

    Estas disposições que se opõem a uma regulamentação nacional com o conteúdo atrás descrito são directamente aplicáveis, no sentido de que as pessoas obrigadas a revelar dados podem invocá-las para evitar a aplicação de disposições nacionais com elas incompatíveis?»

Processos C-138/01 e C-139/01

24.
    C. Neukomm e J. Lauermann, que são funcionários da ÖRF, entidade sujeita à auditoria do Rechnungshof, apresentaram nos tribunais austríacos um pedido de providências cautelares destinado a impedir a ÖRF de dar satisfação ao pedido de comunicação de dados apresentado pelo Rechnungshof.

25.
    As providências cautelares foram indeferidas em primeira instância. O Arbeits-und Sozialgericht Wien (Áustria) (C-138/01), fazendo uma distinção entre a transmissão dos dados ao Rechnungshof e a sua inserção no relatório, considerou que este último só pode ser anónimo, ao passo que a simples transmissão dos dados ao Rechnungshof, mesmo nominativa, não viola o artigo 8.° da CEDH nem a Directiva 95/46. Em contrapartida, o Landesgericht St. Pölten (Áustria) (C-139/01) considerou que a inserção de dados nominativos no relatório é legal, considerando que o anonimato não permite ao Rechnungshof exercer um controlo suficiente.

26.
    O Oberlandesgericht Wien (Áustria) confirmou, em sede de recurso, o indeferimento das providências cautelares decretado pelos tribunais de primeira instância. Considerando, no quadro do processo C-138/01, que, ao comunicar os dados em causa, a entidade patronal mais não faz do que dar execução a uma atribuição que lhe é conferida por lei, e que o tratamento ulterior desses dados pelo Rechnungshof não é efectuado sob o controlo da entidade patronal, aquele órgão jurisdicional sublinhou, no quadro do processo C-139/01, a conformidade do § 8 da BezBegrBVG com os direitos fundamentais e com a Directiva 95/46, mesmo no caso de uma lista nominativa das pessoas em causa.

27.
    C. Neukomm e J. Lauermann interpuseram recurso de revista para o Oberster Gerichtshof.

28.
    O órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao pedido prejudicial apresentado no processo C-465/00 e, fazendo suas as interrogações do Verfassungsgerichtshof, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes, formuladas em termos idênticos nos processos C-138/01 e C-139/01:

«1)    Devem as normas de direito comunitário, em especial as relativas à protecção de dados [artigos 1.°, 2.°, 6.°, 7.° e 22.° da Directiva 95/46/CE, em conjugação com o artigo 6.° do Tratado UE (ex-artigo F) e o artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem] ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que obriga um organismo de radiodifusão de direito público, na sua qualidade de entidade jurídica, a comunicar dados relativos às retribuições dos seus assalariados e que obriga um organismo estatal a compilar e comunicar esses dados com o objectivo de publicar os nomes e as retribuições desses assalariados?

2)    No caso de o Tribunal de Justiça responder afirmativamente à questão anterior: as disposições que se opõem a uma regulamentação nacional com o conteúdo atrás descrito são directamente aplicáveis, no sentido de que o organismo obrigado a comunicar os dados pode invocá-las para evitar a aplicação das normas nacionais com aquelas incompatíveis e, consequentemente, de que o referido organismo não pode invocar uma obrigação imposta pela lei nacional contra os assalariados lesados pela publicação dos dados?»

29.
    Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2001, os processos C-138/01 e C-139/01 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão. Para efeitos do acórdão, há que apensar igualmente o processo C-465/00 e os processos C-138/01 e C-139/01.

30.
    Há que reconhecer que as questões submetidas respectivamente pelo Verfassungsgerichtshof e pelo Oberster Gerichtshof são, no essencial, idênticas, pelo que devem ser analisadas conjuntamente.

Quanto à aplicabilidade da Directiva 95/46

31.
    A resposta às questões submetidas pressupõe que a Directiva 95/46 seja aplicável aos processos principais. Ora, essa aplicabilidade é contestada no Tribunal de Justiça. Há que decidir esta questão a título preliminar.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

32.
    Os demandados no processo C-465/00 consideram, em substância, que a actividade de auditoria do Rechnungshof se enquadra no âmbito de aplicação do direito comunitário e, portanto, da Directiva 95/46. Em especial, tendo por objecto as retribuições recebidas pelos assalariados das entidades em causa, esta actividade abarca aspectos cobertos por disposições comunitárias em matéria social, como os artigos 136.° CE, 137.° CE e 141.° CE, a Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), e o Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, conforme alterado e actualizado pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1).

33.
    Além disso, os referidos demandados alegam que a auditoria do Rechnungshof, por um lado, afecta a possibilidade de os assalariados das entidades em causa procurarem um emprego noutro Estado-Membro, em razão da publicidade que rodeia os seus salários e limita o seu poder de negociação com as sociedades estrangeiras e, por outro, dissuade os nacionais dos outros Estados-Membros de procurarem emprego junto das entidades sujeitas à referida auditoria.

34.
    A Austrian Airlines, Österreichische Luftverkehrs-AG afirma que a violação da livre circulação de trabalhadores seria particularmente grave no seu caso, uma vez que está em concorrência com companhias de outros Estados-Membros, que não estão sujeitas a tal auditoria.

35.
    O Rechnungshof, os Governos austríaco e italiano, bem como a Comissão em certa medida, consideram, em contrapartida, que a Directiva 95/46 não é aplicável aos processos principais.

36.
    Segundo o Rechnungshof e os Governos austríaco e italiano, a actividade de auditoria referida no § 8 da BezBegrBVG, que prossegue finalidades de interesse geral em matéria de contabilidade pública, não se enquadra no âmbito de aplicação do direito comunitário.

37.
    Após ter concluído que a directiva, adoptada com fundamento no artigo 100.°-A do Tratado, tem como objectivo a realização do mercado interno, no quadro do qual se inscreve a protecção do direito à vida privada, o Rechnungshof e os Governos austríaco e italiano alegam que a auditoria em questão não é susceptível de criar entraves à livre circulação dos trabalhadores, uma vez que de modo algum impede os assalariados das entidades em causa de irem trabalhar para outro Estado-Membro nem os assalariados de outros Estados-Membros de trabalharem por conta dessas entidades. De qualquer forma, o nexo entre a actividade de auditoria e a mobilidade dos trabalhadores, mesmo admitindo que estes últimos procuram evitar trabalhar para uma empresa sujeita à auditoria do Rechnungshof em razão da publicidade associada aos salários recebidos, é demasiado aleatório e indirecto para constituir uma ameaça à livre circulação e permitir, assim, uma ligação com o direito comunitário.

38.
    A Comissão defende uma posição semelhante. Na audiência, considerou, no entanto, que a operação de recolha de dados pelas entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof, com vista à sua comunicação a este último e à sua inclusão no relatório, se enquadra no âmbito de aplicação da Directiva 95/46. Com efeito, essa recolha serve não só para a actividade de controlo contabilístico mas também, e em primeiro lugar, para o pagamento dos salários, que constitui uma actividade do âmbito do direito comunitário, tendo em conta a existência de várias disposições de ordem social do Tratado que são relevantes na matéria, como o artigo 141.° CE, e em razão da eventual incidência dessa actividade sobre a livre circulação dos trabalhadores.

Apreciação do Tribunal de Justiça

39.
    Importa recordar que a Directiva 95/46, adoptada por força do artigo 100.°-A do Tratado, visa garantir a livre circulação entre Estados-Membros dos dados pessoais através da harmonização das regras nacionais que protegem as pessoas singulares relativamente ao tratamento de tais dados. Com efeito, o artigo 1.° da referida directiva, que define o seu objecto, dispõe, no seu n.° 2, que os Estados-Membros não podem restringir ou proibir a livre circulação de dados pessoais entre Estados-Membros por razões relativas à protecção das liberdades e direitos fundamentais das pessoas singulares, designadamente da sua vida privada, relativamente ao tratamento desses dados.

40.
    Visto que qualquer dado pessoal é susceptível de circular entre os Estados-Membros, a Directiva 95/46 impõe, em princípio, o respeito pelas regras de protecção desses dados em relação a qualquer tratamento dos mesmos, conforme definido pelo seu artigo 3.°

41.
    Cabe acrescentar que o recurso ao fundamento jurídico do artigo 100.°-A do Tratado não pressupõe a existência de uma ligação efectiva com a livre circulação entre Estados-Membros em cada uma das situações visadas pelo acto baseado em tal fundamento. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou (v. acórdãos de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-376/98, Colect., p. I-8419, n.° 85, e de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C-491/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 60), o que é importante, para justificar o recurso à base jurídica do artigo 100.°-A do Tratado, é que o acto adoptado com esse fundamento tenha efectivamente por objecto melhorar as condições do estabelecimento e do funcionamento do mercado interno. Ora, no caso vertente, esta característica fundamental nunca foi contestada perante o Tribunal de Justiça, no que respeita às disposições da Directiva 95/46, em especial às disposições relativamente às quais o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a compatibilidade da regulamentação nacional em causa com o direito comunitário.

42.
    Nestas condições, a aplicabilidade da Directiva 95/46 não pode depender da questão de saber se as situações concretas em causa nos processos principais têm uma ligação suficiente com o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado e, em especial nos referidos processos, com a livre circulação dos trabalhadores. Com efeito, uma interpretação contrária poderia tornar os limites do domínio de aplicação da referida directiva particularmente incertos e aleatórios, o que seria contrário ao objectivo essencial desta, que é aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros a fim de eliminar os obstáculos ao funcionamento do mercado interno que decorrem precisamente das disparidades entre as legislações nacionais.

43.
    Além disso, a aplicabilidade da Directiva 95/46 a situações que não comportam um nexo directo com o exercício das liberdades fundamentais de circulação garantidas pelo Tratado é confirmada pela redacção do artigo 3.°, n.° 1, desta directiva, que define o seu âmbito de aplicação de forma muito ampla, ao não fazer depender a aplicação das regras de protecção da questão de saber se o tratamento comporta uma ligação efectiva com a livre circulação entre Estados-Membros. A mesma confirmação é dada pelas excepções contidas no n.° 2 do mesmo artigo, em especial as que têm que ver com o tratamento de dados pessoais «efectuado no exercício de actividades [...] previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia» ou ainda «no exercício de actividades exclusivamente pessoais ou domésticas». De facto, essas derrogações não seriam, pelo menos, redigidas dessa maneira se a referida directiva fosse exclusivamente aplicável a situações que comportassem uma ligação suficiente com o exercício das liberdades de circulação.

44.
    A mesma observação pode ser feita a propósito das excepções contidas no artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 95/46, que respeitam ao tratamento de categorias especiais de dados, designadamente os previstos nesta mesma disposição, alínea d), que visa o tratamento efectuado «por uma fundação, uma associação ou qualquer outro organismo sem fins lucrativos de carácter político, filosófico, religioso ou sindical».

45.
    Por último, cabe sublinhar que o tratamento de dados pessoais em causa nos processos principais não é abrangido pela excepção referida no artigo 3.°, n.° 2, primeiro travessão, da Directiva 95/46. Com efeito, esse tratamento não diz respeito ao exercício de actividades que não caem sob a alçada do direito comunitário, como as previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia. Tão-pouco se trata de um tratamento que tenha por objecto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e as actividades do Estado relativas a domínios do direito penal.

46.
    As finalidades enunciadas nos artigos 7.°, alíneas c) e e), e 13.°, alíneas e) e f), da Directiva 95/46 comprovam, aliás, a vocação desta em abranger tratamentos de dados como os que estão em causa nos processos principais.

47.
    Assim, há que considerar que a Directiva 95/46 é aplicável ao tratamento de dados pessoais previsto por uma regulamentação como a que está em causa nos processos principais.

Quanto à primeira questão

48.
    Através da sua primeira questão, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se a Directiva 95/46 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais, que obriga um órgão de fiscalização estatal a coligir e a comunicar, para efeitos de publicação, dados relativos aos rendimentos de pessoas empregadas por entidades que estão sujeitas a essa fiscalização quando esses rendimentos excedam um certo limite.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

49.
    O Governo dinamarquês considera que a Directiva 95/46 não regula verdadeiramente o direito dos terceiros de acederem, a seu pedido, aos documentos. Em especial, o artigo 12.° desta directiva apenas visa o direito que assiste a qualquer pessoa de obter informações que lhe digam respeito. Segundo este governo, a protecção das informações de carácter pessoal, que sejam consideradas não sensíveis, deve ceder perante o princípio da transparência, que ocupa um lugar essencial na ordem jurídica comunitária. O Governo dinamarquês, tal como o Governo sueco, observa, a este propósito, que, nos termos do septuagésimo segundo considerando da directiva, é permitido, aquando da sua implementação, tomar em consideração o princípio do direito de acesso do público aos documentos oficiais.

50.
    O Rechnungshof, os Governos austríaco, italiano, neerlandês, finlandês e sueco, bem como a Comissão, consideram que as disposições nacionais em causa nos processos principais são compatíveis com a Directiva 95/46, em razão, de uma maneira geral, do amplo poder de apreciação de que dispõem os Estados-Membros para a sua implementação, em especial quando se trata de prosseguir uma missão de interesse público, prevista na lei, ao abrigo dos artigos 6.°, alíneas b) e c), e 7.°, alíneas c) ou e), desta directiva. São invocados, a este respeito, tanto os princípios da transparência e da boa gestão dos recursos públicos como a prevenção dos abusos.

51.
    Tais objectivos de interesse geral poderiam validamente justificar uma ingerência na vida privada, garantida pelo artigo 8.°, n.° 2, da CEDH, quando esteja prevista na lei, seja necessária numa sociedade democrática para a prossecução de objectivos legítimos e não seja desproporcionada relativamente ao objectivo prosseguido.

52.
    O Governo austríaco sublinha, em especial, que, no quadro do controlo da proporcionalidade, há que tomar em consideração a medida em que os dados afectam a vida privada. Por conseguinte, dados relativos à intimidade da pessoa, à saúde, à vida familiar ou à sexualidade devem ser mais protegidos do que dados relativos aos rendimentos e aos impostos, os quais, embora revistam também carácter pessoal, dizem menos respeito à identidade da pessoa e são, consequentemente, menos sensíveis (v., neste sentido, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Fressoz et Roire c./França, de 21 de Janeiro de 1999, Recueil des arrêts et décisions 1999-I, § 65).

53.
    O Governo finlandês considera igualmente que a protecção da vida privada não é absoluta. Assim, os dados relativos a uma pessoa que actua no quadro das suas funções ou das missões públicas correspondentes não são abrangidos pela protecção da vida privada.

54.
    O Governo italiano alega que dados como os que estão em causa nos processos principais já são, por si mesmos, públicos na maioria dos Estados-Membros, uma vez que resultam de grelhas de salários ou de tabelas de remuneração estabelecidas por lei, regulamento ou pelas convenções colectivas. Nestas condições, este governo não considera contrário ao princípio da proporcionalidade prever a sua difusão, precisando igualmente a identidade das diferentes pessoas que recebem os rendimentos em causa. Consequentemente, dado que tem por objectivo tornar mais clara uma situação que já resulta de dados à disposição da colectividade nacional, essa difusão constitui a medida mínima que permite assegurar a realização dos objectivos de transparência e de boa administração.

55.
    O Governo neerlandês acrescenta, porém, que os órgãos jurisdicionais de reenvio deveriam verificar, para cada entidade pública em causa, se o objectivo de interesse geral pode ser alcançado tratando os dados pessoais de uma forma menos atentatória da vida privada das pessoas em causa.

56.
    O Governo do Reino Unido, por seu turno, defende que, para responder à primeira questão, são irrelevantes as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice em 18 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1), Carta a que o Verfassungsgerichtshof fez uma breve referência.

57.
    Nos processos C-138/01 e C-139/01, a Comissão pergunta-se se, no quadro da apreciação da proporcionalidade, efectuada por força do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 95/46, não bastaria, para alcançar o objectivo prosseguido pela BezBegrBVG, transmitir os dados sob forma anónima, por exemplo, indicando a função da pessoa em causa e não o seu nome. Mesmo admitindo que o Rechnungshof tenha necessidade dos dados nominativos para efectuar um controlo mais preciso, pergunta-se se a inserção desses dados no relatório, com indicação do nome do interessado, é verdadeiramente indispensável para o exercício de tal controlo, tanto mais que o referido relatório não é apenas apresentado às assembleias parlamentares, mas deve também ser objecto de ampla divulgação.

58.
    Por outro lado, a Comissão recorda que, nos termos do artigo 13.° da Directiva 95/46, os Estados-Membros podem, nomeadamente, afastar a aplicação do seu artigo 6.°, n.° 1, alínea b), a fim de salvaguardar vários objectivos de interesse geral e, em especial, «um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-Membro» [artigo 13.°, n.° 1, alínea e)]. Todavia, segundo a Comissão, as medidas derrogatórias devem igualmente ser conformes com o princípio da proporcionalidade, o que induz as mesmas considerações já formuladas no número precedente a propósito do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da referida directiva.

59.
    Os demandados no processo C-465/00 consideram, no conjunto, que a regulamentação nacional em causa é incompatível com o artigo 6.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 95/46 e não pode ser legitimada ao abrigo do artigo 7.°, alíneas c) ou e) desta, uma vez que constitui uma ingerência injustificada à luz do artigo 8.°, n.° 2, da CEDH e, em qualquer caso, desproporcionada. A auditoria contabilística efectuada pelo Rechnungshof é suficiente para garantir a utilização racional dos fundos públicos.

60.
    Mais concretamente, não está demonstrado que a publicação do nome e do montante dos rendimentos de todas as pessoas empregadas pelas entidades públicas quando esse montante excede um certo limite constitua uma medida destinada a favorecer o bem-estar económico do país. O objectivo do legislador terá sido exercer pressão sobre as entidades em causa para que estas mantivessem os salários a um nível pouco elevado. Os referidos demandados defendem igualmente que esta medida visa, no caso presente, pessoas que não são, na sua maior parte, personalidades públicas.

61.
    Por outro lado, mesmo que a elaboração pelo Rechnungshof de um relatório contendo dados pessoais sobre os rendimentos e destinado a debate público fosse considerado uma ingerência na vida privada justificada ao abrigo do artigo 8.°, n.° 2, da CEDH, o Land Niederösterreich e a ÖRF consideram que esta medida viola igualmente o artigo 14.° da CEDH. Pessoas que recebem rendimentos equivalentes são, com efeito, tratadas de forma desigual, consoante sejam ou não empregadas por uma entidade sujeita à auditoria do Rechnungshof.

62.
    A ÖRF chama a atenção para outra desigualdade de tratamento injustificada ao abrigo do artigo 14.° da CEDH. Com efeito, entre os assalariados das entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof, só aqueles cujos rendimentos ultrapassam o limite fixado no § 8 da BezBegrBVG têm de suportar uma ingerência na sua vida privada. Se o legislador atribui uma importância real ao carácter razoável da retribuição recebida pelos agentes de certas entidades jurídicas, seria então necessário publicar os rendimentos da totalidade das pessoas empregadas, independentemente do seu montante.

63.
    Por último, a ÖRF, o Marktgemeinde Kaltenleutgeben e a Austrian Airlines, Österreichische Luftverkehrs-AG alegam que a letra do § 8 da BezBegrBVG se presta a uma interpretação conforme ao direito comunitário, segundo a qual os rendimentos em causa só devem ser comunicados ao Rechnungshof e mencionados no relatório de forma anónima. Esta interpretação deveria prevalecer, uma vez que seria susceptível de resolver a contradição entre esta disposição e a Directiva 95/46.

Resposta do Tribunal de Justiça

64.
    Importa assinalar, a título preliminar, que os dados em causa nos processos principais, que respeitam tanto às retribuições pagas por certas entidades como aos respectivos beneficiários, constituem dados pessoais na acepção do artigo 2.°, alínea a), da Directiva 95/46, uma vez que se trata de «informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável». O seu registo e a sua utilização pela entidade em causa, bem como a sua transmissão ao Rechnungshof e a sua inclusão, por este último, num relatório destinado a ser comunicado a diversas instâncias políticas e amplamente difundido, apresentam as características de um tratamento de dados pessoais na acepção do artigo 2.°, alínea b), da referida directiva.

65.
    Ora, nos termos da Directiva 95/46, sem prejuízo das derrogações admitidas ao abrigo do seu artigo 13.°, qualquer tratamento de dados pessoais deve ser conforme, por um lado, aos «princípios relativos à qualidade dos dados», enunciados no artigo 6.° da directiva e, por outro, a um dos «princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados», enumerados no artigo 7.° da mesma.

66.
    Mais concretamente, os dados devem ser «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas» [artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 95/46], bem como «adequados, pertinentes e não excessivos», relativamente a essas finalidades [artigo 6.°, n.° 1, alínea c)]. Além disso, segundo o artigo 7.°, alíneas c) e e), da mesma directiva, o tratamento de dados pessoais é lícito, respectivamente, se «for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito» ou se «for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento [...] a quem os dados sejam comunicados».

67.
    Todavia, nos termos do artigo 13.°, alíneas e) e f), da referida directiva, os Estados-Membros podem derrogar o artigo 6.°, n.° 1, desta quando isso for necessário para proteger, respectivamente, «um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-Membro ou da União Europeia, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal» ou de «missões de controlo, de inspecção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública», em casos especiais, entre os quais o referido na alínea e), que acabámos de evocar.

68.
    Cabe ainda acrescentar que as disposições da Directiva 95/46, na medida em que regulam o tratamento de dados pessoais susceptíveis de pôr em causa as liberdades fundamentais e, em especial, o direito à vida privada, devem necessariamente ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais que, segundo jurisprudência constante, são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão, C-274/99 P, Colect., p. I-1611, n.° 37).

69.
    Estes princípios foram aliás retomados no artigo 6.°, n.° 2, UE, nos termos do qual «[a] União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH] e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário».

70.
    A própria Directiva 95/46, embora tenha como objectivo principal garantir a livre circulação dos dados pessoais, prevê, no seu artigo 1.°, n.° 1, que os «os Estados-Membros assegurarão [...] a protecção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais». Vários considerandos da referida directiva, designadamente os décimo e décimo primeiro, exprimem igualmente esta mesma exigência.

71.
    A este respeito, cabe sublinhar que o artigo 8.° da CEDH, enunciando no seu n.° 1 o princípio da não ingerência das autoridades públicas no exercício do direito à vida privada, admite, no n.° 2, que tal ingerência é possível quando «estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros».

72.
    Deste modo, para efeitos da aplicação da Directiva 95/46, e, em especial, dos seus artigos 6.°, n.° 1, alínea c), 7.°, alíneas c) e e), e 13.°, importa verificar, em primeiro lugar, se uma regulamentação como a que está em causa nos processos principais prevê uma ingerência na vida privada e, eventualmente, se essa ingerência se justifica à luz do artigo 8.° da CEDH.

Quanto à existência de uma ingerência na vida privada

73.
    Importa considerar, em primeiro lugar, que a recolha de dados nominativos relativos aos rendimentos profissionais de um indivíduo, com vista à sua comunicação a terceiros, se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 8.° da CEDH. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem julgou, a este propósito, que a expressão «vida privada» não devia ser interpretada de forma restritiva e que «nenhuma razão de princípio permite excluir as actividades profissionais [...] do conceito de vida ‘privada’» (v., designadamente, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdãos Amann c. Suíça de 16 de Fevereiro de 2000, Recueil des arrêts et décisions 2000-II, § 65, e Rotaru c. Roménia de 4 de Maio de 2000, Recueil des arrêts et décisions 2000-V, § 43).

74.
    Há que reconhecer que, se a simples memorização pela entidade patronal de dados nominativos relativos às retribuições pagas ao seu pessoal não pode, enquanto tal, constituir uma ingerência na vida privada, a comunicação desses dados a um terceiro, neste caso, a uma autoridade pública, viola o direito ao respeito da vida privada dos interessados, seja qual for a utilização posterior das informações assim comunicadas, e apresenta a natureza de uma ingerência na acepção do artigo 8.° da CEDH.

75.
    Para demonstrar a existência de tal ingerência, pouco importa que as informações comunicadas apresentem ou não carácter sensível ou que os interessados tenham ou não sofrido eventuais inconvenientes em razão dessa ingerência (v., neste sentido, acórdão Amann c. Suíça, já referido, § 70). Basta que se determine que dados relativos aos rendimentos auferidos por um trabalhador ou um pensionista foram comunicados pela entidade patronal a um terceiro.

Quanto à justificação da ingerência

76.
    Uma ingerência como a mencionada no n.° 74 do presente acórdão viola o artigo 8.° da CEDH salvo se, «prevista por lei», prosseguir um ou vários dos objectivos legítimos referidos no n.° 2 desta disposição e for «necessária numa sociedade democrática» para alcançar esse ou esses objectivos.

77.
    É ponto assente que a ingerência em causa nos processos principais está prevista no § 8 da BezBegrBVG. No entanto, coloca-se a questão de saber se esta disposição está redigida em termos suficientemente precisos para permitir aos destinatários da lei determinar a sua conduta e se responde, assim, à exigência de previsibilidade que se pode depreender da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v., designadamente, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Rekvényi c. Hungria de 20 de Maio de 1999, Recueil des arrêts et décisions 1999-III, § 34).

78.
    A este respeito, o § 8, n.° 3, da BezBegrBVG prevê que o relatório elaborado pelo Rechnungshof «deve indicar todas as pessoas cujas retribuições e pensões anuais recebidas de entidades [...] excedam na sua totalidade o montante referido no n.° 1», sem exigir expressamente a divulgação do nome das pessoas em causa em relação com os rendimentos que auferem. Segundo os despachos de reenvio, é a doutrina que, baseando-se nos trabalhos preparatórios, interpreta a lei constitucional neste sentido.

79.
    Incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar se a interpretação segundo a qual o § 8, n.° 3, da BezBegrBVG impõe a divulgação do nome das pessoas em causa em relação com os rendimentos que auferem corresponde à exigência de previsibilidade recordada no n.° 77 do presente acórdão.

80.
    Todavia, esta questão só se colocará, eventualmente, após analisar se uma interpretação neste sentido da disposição nacional em causa é compatível com o artigo 8.° da CEDH, à luz da exigência de proporcionalidade, tendo em conta os objectivos prosseguidos. Esta última questão será analisada nos números subsequentes.

81.
    A este respeito, resulta do despacho de reenvio, no processo C-465/00, que o objectivo do § 8 da BezBegrBVG é exercer uma pressão sobre as entidades públicas em causa para que mantenham os salários dentro de limites razoáveis. O Governo austríaco observa, de uma forma mais geral, que a ingerência prevista por esta disposição tem como objectivo garantir a utilização racional e adequada dos fundos públicos pela administração. Tal objectivo constitui uma finalidade legítima tanto na acepção do artigo 8.°, n.° 2, da CEDH, que alude ao «bem-estar económico do país», como do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 95/46, que se refere a «finalidades determinadas, explícitas e legítimas».

82.
    Importa ainda verificar se a ingerência em causa é necessária, numa sociedade democrática, para alcançar o objectivo legítimo prosseguido.

83.
    Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o adjectivo «necessário», na acepção do artigo 8.°, n.° 2, da CEDH, implica que esteja em causa «uma necessidade social imperiosa» e que a medida tomada seja «proporcionada ao objectivo legítimo que se pretende alcançar» (v., designadamente, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Gillow c. Reino Unido de 24 de Novembro de 1986, série A, n.° 109, § 55). Além disso, as autoridades nacionais gozam de uma margem de apreciação «cujo alcance depende não só da finalidade, mas igualmente da própria natureza da ingerência» (v. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Leander c. Suécia de 26 de Março de 1987, série A, n.° 116, § 59).

84.
    Importa, assim, ponderar o interesse da República da Áustria em garantir uma utilização óptima dos fundos públicos e, em especial, a manutenção dos salários em limites razoáveis com a gravidade da violação ao direito das pessoas em causa ao respeito da sua vida privada.

85.
    A este respeito, por um lado, para controlar a boa utilização dos fundos públicos, o Rechnungshof e as diferentes assembleias parlamentares têm indiscutivelmente necessidade de conhecer o montante das despesas consagradas aos recursos humanos nas diferentes entidades públicas. A isto acresce o direito que, numa sociedade democrática, assiste aos contribuintes e à opinião pública em geral de serem informados da utilização das receitas públicas, designadamente em matéria de despesas de pessoal. Tais informações, coligidas no relatório, são susceptíveis de contribuir para o debate público relativo a uma questão de interesse geral e que serve, portanto, o interesse público.

86.
    Coloca-se, porém, a questão de saber se a indicação do nome das pessoas em causa em relação com os rendimentos auferidos é proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido e se os motivos invocados no Tribunal de Justiça para justificar tal divulgação se afiguram pertinentes e suficientes.

87.
    Há que concluir que, segundo a interpretação preconizada pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, o § 8 da BezBegrBVG impõe a divulgação dos nomes das pessoas em causa, em relação com os rendimentos auferidos, que excedam um certo limite, não apenas para as pessoas que exerçam funções retribuídas segundo uma tabela publicada, mas para todas as pessoas remuneradas por uma entidade sujeita à auditoria do Rechnungshof. Além disso, tais informações não são apenas comunicadas a este último e, por seu intermédio, às diversas assembleias parlamentares, mas também amplamente divulgadas junto do público.

88.
    Incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar se tal publicidade é, simultaneamente, necessária e proporcionada ao objectivo de manutenção dos salários dentro de limites razoáveis e, em especial, apreciar se tal objectivo não poderia ter sido alcançado de forma igualmente eficaz através da transmissão das informações nominativas apenas às instâncias de controlo. Do mesmo modo, coloca-se a questão de saber se não teria sido suficiente informar o grande público apenas das retribuições e outras vantagens pecuniárias de que as pessoas empregadas pelas entidades públicas em causa podem contratual ou estatutariamente beneficiar, mas não das importâncias que cada uma dessas pessoas efectivamente recebeu, no decurso do ano em causa, e de que uma fracção, variável, pode depender da respectiva situação familiar e pessoal.

89.
    No que respeita, por outro lado, à gravidade da violação ao direito das pessoas em causa ao respeito da sua vida privada, não se pode excluir que estas últimas possam ser lesadas em razão das repercussões negativas da publicidade associada aos seus rendimentos profissionais, designadamente no que respeita às perspectivas que se lhes poderiam oferecer de virem a trabalhar para outras empresas situadas ou não na Áustria e que não estão sujeitas à auditoria do Rechnungshof.

90.
    Cabe concluir que a ingerência decorrente da aplicação de uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais só se pode justificar ao abrigo do artigo 8.°, n.° 2, da CEDH, na medida em que a ampla divulgação não apenas do montante dos rendimentos anuais, quando estes excedem um certo montante, das pessoas empregadas por entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof, mas também dos nomes dos beneficiários desses rendimentos, seja simultaneamente necessária e adequada ao objectivo de manter os salários dentro de limites razoáveis, circunstância que incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio apreciar.

Quanto às consequências à luz das disposições da Directiva 95/46

91.
    Se os órgãos jurisdicionais de reenvio concluírem pela incompatibilidade da regulamentação em causa com o artigo 8.° da CEDH, aquela também não pode satisfazer a exigência de proporcionalidade enunciada nos artigos 6.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, alíneas c) ou e), da Directiva 95/46. Tão-pouco poderia ser abrangida por uma das derrogações previstas no artigo 13.° da referida directiva, o qual exige igualmente o respeito da exigência de proporcionalidade tendo em conta a finalidade de interesse geral que é prosseguida. De qualquer modo, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que pode legitimar uma violação ao direito ao respeito da vida privada contrária ao artigo 8.° da CEDH.

92.
    Se, em contrapartida, os órgãos jurisdicionais de reenvio considerassem que o § 8 da BezBegrBVG é ao mesmo tempo necessário e adequado ao objectivo de interesse geral prosseguido, incumbir-lhes-ia ainda, como resulta dos n.os 77 a 79 do presente acórdão, verificar se, ao não prever expressamente a divulgação do nome das pessoas em causa em relação com os rendimentos que auferem, o § 8 da BezBegrBVG responde à exigência de previsibilidade.

93.
    Finalmente, cabe recordar, à luz das considerações que precedem, que incumbe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar qualquer disposição de direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva aplicável para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE (v. acórdão de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, Colect., p. I-4135, n.° 8).

94.
    Tendo em conta o conjunto das considerações que precedem, há que responder à primeira questão que os artigos 6.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, alíneas c) e e), da Directiva 95/46 não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, na condição de se demonstrar que a ampla divulgação não apenas do montante dos rendimentos anuais, quando estes excedem um certo montante, das pessoas empregadas por entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof, mas também dos nomes dos beneficiários desses rendimentos, é necessária e adequada ao objectivo de boa gestão dos fundos públicos prosseguido pelo legislador, circunstância que incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

95.
    Através da segunda questão, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam se as disposições da Directiva 95/46 que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais são directamente aplicáveis, no sentido de que podem ser invocadas por um particular perante os órgãos jurisdicionais nacionais para afastar a aplicação dessa regulamentação.

96.
    Os demandados no processo C-465/00 e o Governo neerlandês consideram que os artigos 6.°, n.° 1, e 7.° da Directiva 95/46 respondem aos critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça para que lhes seja reconhecido efeito directo. Com efeito, estas disposições são suficientemente precisas e incondicionais para ser invocadas pelas entidades obrigadas a proceder à divulgação dos dados relativos aos rendimentos das pessoas em causa a fim de afastar a aplicação das regras nacionais contrárias às referidas disposições.

97.
    O Governo austríaco alega, em contrapartida, que as disposições pertinentes da Directiva 95/46 não são directamente aplicáveis. Em especial, os artigos 6.°, n.° 1, e 7.° desta não são incondicionais, uma vez que a sua execução implica que os Estados-Membros, que dispõem de uma ampla margem de apreciação, adoptem medidas específicas para esse efeito.

98.
    A este respeito, há que recordar que, em todos os casos em que disposições de uma directiva mostrem ser, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, estas disposições podem ser invocadas, na falta de medidas de aplicação adoptadas nos prazos, contra toda e qualquer disposição nacional que não esteja em conformidade com a directiva, ou ainda na medida em que sejam susceptíveis de definir direitos que os particulares estejam em condições de invocar contra o Estado (v., nomeadamente, acórdãos de 19 de Janeiro de 1982, Becker, 8/81, Recueil, p. 53, n.° 25, e de 10 de Setembro de 2002, Kügler, C-141/00, Colect., p. I-6833, n.° 51).

99.
    Tendo em conta a resposta à primeira questão, a segunda questão visa determinar se pode ser reconhecida tal natureza ao artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 95/46, nos termos do qual «os dados pessoais serão [...] adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente», e ao artigo 7.°, alíneas c) ou e), nos termos do qual o tratamento de dados pessoais só poderá ser efectuado se, designadamente, «for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito» ou «for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento [...] a quem os dados sejam comunicados».

100.
    Estas disposições são suficientemente precisas para ser invocadas por um particular e aplicadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Além disso, embora a Directiva 95/46 comporte indiscutivelmente, para os Estados-Membros, uma margem de apreciação mais ou menos importante para a implementação de algumas das suas disposições, os artigos 6.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, alíneas c) ou e), contêm obrigações incondicionais.

101.
    Assim, há que responder à segunda questão que os artigos 6.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, alíneas c) e e), da Directiva 95/46 são directamente aplicáveis, no sentido de que podem ser invocados por um particular perante os órgãos jurisdicionais nacionais para afastar a aplicação das regras de direito interno contrárias a essas disposições.

Quanto às despesas

102.
    As despesas efectuadas pelos Governos austríaco, dinamarquês, italiano, neerlandês, finlandês, sueco e do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, compete a estes decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Verfassungsgerichtshof, por despacho de 12 de Dezembro de 2000, e pelo Oberster Gerichtshof, por despachos de 14 e 28 de Fevereiro de 2001, declara:

1.
    Os artigos 6.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, alíneas c) e e), da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, na condição de se demonstrar que a ampla divulgação não apenas do montante dos rendimentos anuais, quando estes excedem um certo montante, das pessoas empregadas por entidades sujeitas à auditoria do Rechnungshof, mas também dos nomes dos beneficiários desses rendimentos, é necessária e adequada ao objectivo de boa gestão dos fundos públicos prosseguido pelo legislador, circunstância que incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar.

2.
    Os artigos 6.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, alíneas c) e e), da Directiva 95/46 são directamente aplicáveis, no sentido de que podem ser invocados por um particular perante os órgãos jurisdicionais nacionais para afastar a aplicação das regras de direito interno contrárias a essas disposições.

Rodríguez Iglesias
Puissochet
Wathelet

Schintgen

Gulmann
Edward

La Pergola

Jann
Skouris

Macken

Colneric
von Bahr

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Maio de 2003.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: alemão.