Language of document : ECLI:EU:T:2011:285

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

16 de Junho de 2011 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Fixação dos preços – Repartição do mercado – Manipulação dos concursos – Afectação sensível do mercado – Coimas – Orientações para o cálculo das coimas de 2006»

No processo T‑199/08,

Ziegler SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por J.‑L. Lodomez e J. Lodomez, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Bouquet e O. Beynet, e em seguida por Bouquet e N. von Lingen, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C(2008) 926 final da Comissão, de 11 de Março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.543 – Serviços de mudanças internacionais), bem como, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: S. Papasavvas, exercendo funções de presidente, N. Wahl e A. Dittrich (relator), juízes,

secretário: T. Weiler, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de Abril de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Factos

A –  Objecto do litígio

1        Nos termos da Decisão C(2008) 926 final da Comissão, de 11 de Março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.543 – Serviços de mudanças internacionais) (a seguir «decisão»), cujo resumo se encontra publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 11 de Agosto de 2009 (JO C 188, p. 16), a recorrente, Ziegler SA, participou num cartel no mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, fixando de forma directa e indirecta os preços, repartindo uma parte desse mercado e manipulando o processo de apresentação de propostas. A Comissão das Comunidades Europeias explica que o cartel vigorou durante quase 19 anos (de Outubro de 1984 a Setembro de 2003). Os seus membros fixaram preços, apresentaram propostas fictícias (denominadas «orçamentos de conveniência», a seguir «OC») aos seus clientes, e ressarciram‑se reciprocamente das propostas recusadas, através de um sistema de compensações financeiras (a seguir «comissões»).

B –  Recorrente

2        A recorrente foi criada sob a denominação Transports internationaux, Ziegler et Cie em 1908. Tem a denominação Ziegler desde 1981, tendo adoptado a forma de sociedade anónima em 1983. Até Dezembro de 1983, a actividade dos serviços de mudanças era uma divisão da recorrente. Em 11 de Dezembro de 2003, a divisão «Serviços de mudanças» da Ziegler foi objecto de transferência de ramo de actividade para a empresa Euro Time, que faz parte do grupo Ziegler e cuja denominação foi alterada para Ziegler Relocation SA.

3        A Ziegler qualifica‑se de empresa familiar pertencente a pessoas singulares, todas descendentes dos fundadores da empresa, e a duas sociedades gestoras de participações sociais, ligadas igualmente à família Ziegler.

4        No decurso do exercício que encerrou em 31 de Dezembro de 2006, a Ziegler realizou um volume de negócios próprio de 124 milhões de euros e um volume de negócios consolidado de 244 420 326 euros com as suas filiais. No seu sítio Internet, apresenta‑se como uma sociedade gestora de participações sociais que dirige uma grande rede logística europeia (designado como «Grupo»), que realiza cerca de 1,5 mil milhões de euros de volume de negócios e emprega mais de 4000 pessoas.

C –  Procedimento administrativo

5        Nos termos da decisão, a Comissão instaurou o processo por iniciativa própria, porquanto dispunha de informação que indicava que determinadas empresas belgas, que actuavam no sector dos serviços de mudanças internacionais, participaram em acordos susceptíveis de serem abrangidos pela proibição prevista no artigo 81.° CE.

6        Assim, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), foram realizadas investigações sem aviso prévio nas instalações da Allied Arthur Pierre NV, da Interdean NV, da Transworld International NV e da Ziegler em Setembro de 2003. Na sequência dessas investigações, a Allied Arthur Pierre apresentou um pedido de imunidade ou de redução da coima, nos termos da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 2002»). A Allied Arthur Pierre admitiu a sua participação nos acordos sobre as comissões e sobre os OC, enumerou os concorrentes implicados, nomeadamente um concorrente anteriormente desconhecido dos serviços da Comissão, e entregou documentos que corroboravam as suas declarações orais.

7        Por força do disposto no artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), foram dirigidos diversos pedidos, por escrito, de informação às empresas implicadas nos acordos anticoncorrenciais, a concorrentes e a uma organização profissional. No dia 18 de Outubro de 2006, a comunicação de acusações foi adoptada e enviada a várias empresas. Todos os seus destinatários responderam às acusações. Os respectivos representantes, com excepção dos da Amertranseuro International Holdings Ltd, da Stichting Administratiekantoor Portelje e da Trans Euro Ltd, alegaram o seu direito de acesso aos documentos constantes do processo da Comissão, que apenas se encontravam acessíveis nas instalações desta. Foi‑lhe dado o acesso entre os dias 6 e 29 de Novembro de 2006. A audição ocorreu em 22 de Março de 2007.

8        Em 6 de Julho de 2007, a Allied Arthur Pierre apresentou provas suplementares relativas aos acordos sobre os OC e sobre as comissões relacionados com a Allied Arthur Pierre, a Interdean e a Ziegler desde 1988. Em 23 de Agosto de 2007, foi enviada uma «exposição de factos» a todas as partes, indicando que a Comissão tinha a intenção de utilizar essas provas contra a Allied Arthur Pierre, a Interdean e a Ziegler. Em anexo à exposição dos factos, a Comissão enviou uma cópia desses elementos de prova a todas as partes. Estas tiveram a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista.

9        Em 11 de Março de 2008, a Comissão adoptou a decisão.

D –  Decisão

10      A Comissão afirma que os destinatários da decisão, entre os quais a recorrente, participaram num cartel no mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, ou imputa‑lhes a responsabilidade por esse cartel. Os participantes no cartel fixaram os preços, repartiram entre si clientes e manipularam a apresentação de propostas em concursos, pelo menos entre 1984 e 2003. Cometeram, por isso, uma infracção única e continuada ao artigo 81.° CE.

11      Segundo a Comissão, os serviços em causa incluem tanto a mudança de bens de pessoas singulares, que são particulares ou trabalhadores de uma empresa ou de uma instituição pública, como a mudança de bens de empresas ou de instituições públicas. Estas mudanças caracterizam‑se pelo facto de a Bélgica constituir o seu ponto de origem ou de destino. Atendendo igualmente a que todas as empresas de mudanças internacionais em questão se situam na Bélgica, a Comissão considerou que o centro geográfico dos acordos, decisões e práticas concertadas era a Bélgica.

12      O volume de negócios acumulado dos participantes no cartel dos serviços de mudanças internacionais foi avaliado pela Comissão em 41 milhões de euros no ano de 2002. Uma vez que esta avaliou a dimensão do sector em cerca de 83 milhões de euros, a quota acumulada das empresas em causa foi fixada em aproximadamente 50%.

13      A Comissão explica que o cartel visava, nomeadamente, fixar e manter preços elevados e repartir concomitante ou sucessivamente o mercado de diversas formas: acordos sobre preços, acordos sobre a repartição do mercado através de um sistema de orçamentos fictícias (os OC) e acordos sobre um sistema de compensações financeiras para as propostas recusadas ou em caso de não apresentação de propostas (as comissões).

14      A Comissão entende que, entre 1984 e o início dos anos 90, o cartel funcionou com base em acordos escritos de fixação de preços. Paralelamente, foram introduzidas as comissões e os OC. Uma comissão era um elemento oculto do preço final que o consumidor devia pagar, sem receber uma prestação equivalente. De facto, aquela representava uma quantia que a empresa de mudanças que obtinha o contrato para a mudança internacional devia aos concorrentes que não tinham obtido o contrato, quer aqueles tivessem também apresentado uma proposta ou se tivessem abstido de o fazer. Tratava‑se, assim, de uma espécie de compensação financeira para as empresas de mudanças que não tinham obtido o contrato. Os participantes no cartel facturavam‑se reciprocamente comissões sobre as propostas recusadas ou que se tinham abstido de apresentar, invocando serviços fictícios, e o montante dessas comissões era facturado aos clientes. A Comissão afirma que essa prática deve ser considerada uma fixação de preços para os serviços de mudanças internacionais na Bélgica.

15      Os participantes no cartel cooperavam igualmente para apresentar os OC, que levavam os clientes, isto é, os empregadores que pagavam a mudança, a crer erradamente que podiam escolher segundo critérios baseados na concorrência. Um OC consistia num orçamento fictício, entregue ao cliente ou à pessoa que se mudava, por uma empresa de mudanças que não tinha a intenção de realizar a mudança. Com a entrega do OC, a empresa de mudanças que pretendia ganhar o contrato (a seguir «empresa solicitante») fazia com que a instituição ou a empresa em causa recebesse vários orçamentos, quer directa, quer indirectamente, por intermédio da pessoa que pretendia mudar‑se. Para este efeito, a empresa solicitante indicava aos seus concorrentes o preço, a taxa de seguro e as despesas de armazenagem a que estes deviam facturar o serviço. Esse preço, mais elevado do que o preço pedido pela empresa recorrente, era seguidamente indicado no OC. Segundo a Comissão, como o empregador normalmente escolhia a sociedade de mudanças que oferecia o preço mais baixo, as empresas implicadas na mesma mudança internacional sabiam, em princípio, antecipadamente qual delas poderia ganhar o contrato para essa mudança.

16      Além disso, a Comissão realça que o preço pedido pela empresa solicitante podia ser mais elevado do que aquele que de outro modo seria pedido, porque as outras empresas implicadas na mesma mudança tinham entregue OC em que figurava um preço indicado pela empresa solicitante. A título de exemplo, a Comissão cita, no considerando 233 da Decisão, uma mensagem de correio electrónico interna da Allied Arthur Pierre, de 11 de Julho de 1997, que indica: «[O] cliente pediu dois (OC), por isso podemos pedir um preço elevado.» Portanto, a Comissão refere que a apresentação de OC aos clientes constituía uma manipulação do processo de apresentação de propostas, de modo a que os preços indicados em todas as propostas fossem deliberadamente mais elevadas do que o preço da empresa solicitante, e, em todo o caso, mais elevadas do que seriam num ambiente concorrencial.

17      A Comissão sustenta que estes procedimentos perduraram até 2003. Em seu entender, estas actividades complexas tinham um mesmo objectivo de fixação dos preços e de repartição do mercado e de, deste modo, falsear a concorrência.

18      Em conclusão, a Comissão adoptou o dispositivo da decisão, cujo artigo 1.° dispõe o seguinte:

«As seguintes empresas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, [CE], fixando de forma directa e indirecta os preços dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, repartindo uma parte desse mercado e manipulando o processo de apresentação de propostas durante os períodos indicados:

[…]

j)      [Ziegler], de 4 de Outubro de 1984 a 8 de Setembro de 2003.»

19      Consequentemente, no artigo 2.°, l), da decisão, a Comissão aplicou à recorrente uma coima de 9,2 milhões de euros.

20      Para calcular o montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão, a metodologia exposta nas suas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»).

21      A 24 de Julho de 2009, a Comissão adoptou a Decisão C (2009) 5810 final, que alterou a decisão no que respeita ao valor das vendas realizadas por dois outros destinatários da referida decisão.

 Tramitação processual e pedidos das partes

22      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de Junho de 2008, a recorrente interpôs o presente recurso.

23      Por despacho de 15 de Janeiro de 2009, Ziegler/Comissão (T‑199/08 R, não publicado na Colectânea), o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias apresentado pela recorrente, em que esta requeria a suspensão da execução do artigo 2.°, alínea l), da decisão. Por despacho de 30 de Abril de 2010, Ziegler/Comissão [C‑113/09 P(R), não publicado na Colectânea], o presidente do Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto desse despacho pela recorrente.

24      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal Geral (oitava secção) decidiu abrir a fase oral do processo e colocar determinadas questões à Comissão, pedindo‑lhe igualmente que apresentasse alguns documentos, o que aquela fez no prazo assinalado. Além disso, por despacho de 9 de Março de 2010, o Tribunal Geral ordenou à Comissão que apresentasse a versão confidencial da decisão. Esse documento não foi transmitido à recorrente. Considerando, após exame das passagens confidenciais, que esse documento não continha informações necessárias para decidir a causa, o Tribunal Geral decidiu não o juntar aos autos e restituiu‑o à Comissão.

25      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência, que teve lugar em 27 de Abril de 2010.

26      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão;

–        subsidiariamente, suprimir a referida coima;

–        mais subsidiariamente, reduzir substancialmente o montante dessa coima;

–        condenar a Comissão nas despesas.

27      Além disso, a recorrente pede ao Tribunal Geral que se digne ordenar, antes de proferir decisão, a entrega do processo administrativo completo na secretaria do Tribunal Geral.

28      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao direito

29      A recorrente aduz cinco fundamentos, que apresenta como fundamentos para a anulação da decisão, e quatro fundamentos subsidiários, que apresenta como fundamentos para a supressão ou redução da coima.

A –  Fundamentos para a anulação da decisão

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação e a erros de direito na apreciação das condições necessárias para a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE

a)     Argumentos das partes

30      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a definição do mercado adoptada pela Comissão é demasiado restrita. Admite que os «serviços de mudanças com origem ou destino na Bélgica» não são permutáveis, do lado da procura, com os de «mudanças internacionais», mas alega que existe uma permutabilidade do lado da oferta. Assim, a Comissão não pode restringir o mercado apenas às empresas que oferecem serviços de «mudanças internacionais com origem ou destino à Bélgica», devendo antes ter em consideração todas as empresas que oferecem «serviços de mudanças internacionais», independentemente da sua localização. A recorrente precisa que a forte presença de empresas estrangeiras no mercado belga prova que o mercado geográfico não podia ser restrito apenas à Bélgica.

31      Em segundo lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter sobreavaliado o volume de negócios das empresas activas no mercado e, consequentemente, a dimensão do mercado. Alega que uma abordagem correcta do volume de negócios realizado pelas empresas activas no mercado das mudanças internacionais exige que se faça uma distinção entre o volume de negócios gerado pela empresa enquanto subempreiteira no âmbito de uma mudança internacional e o volume de negócios gerado enquanto empresa que tem o controlo de uma mudança internacional. Segundo a recorrente, apenas o volume de negócios das mudanças internacionais em que uma empresa actuou como «empresa de controlo» deve ser tomado em conta para determinar o volume de negócios das empresas em causa, o volume total do mercado e as quotas de mercado dessas empresas. A recorrente afirma que a Comissão considerou esse argumento e retirou essa parte do volume de negócios para calcular a coima. Por estes motivos, a recorrente entende que o seu volume de negócios em 2002 foi de 2 897 000 euros, e não de 4 114 500 euros.

32      Em terceiro lugar, a recorrente afirma que, consequentemente, a Comissão não produziu a prova da afectação sensível das trocas comerciais entre Estados‑Membros, dado que o limiar de 40 milhões de euros previsto na «comunicação De Minimis» não foi atingido. Alega que várias empresas afirmaram que as suas estimativas eram aproximadas e que era importante, para não se incluir duas vezes o mesmo valor na estimativa, retirar do valor declarado o valor realizado enquanto subempreiteiro. Na sua réplica, a recorrente acrescenta que o limiar de 5% para a soma das quotas de mercado das empresas em causa também não tinha sido atingido. De todo o modo, as presunções constantes dessa comunicação não são suficientes para provar a afectação sensível do mercado.

33      A Comissão observa que os acordos, decisões e práticas concertadas tinham por objecto restringir a concorrência. Consequentemente, a definição do mercado relevante – que não efectuou – não era exigida e a argumentação da recorrente a esse respeito é inoperante. Ademais, o argumento assente na definição do mercado é inoperante na medida em que, mesmo que a definição de mercado fosse exigida, e que esta fosse mais ampla, isso não implicaria a anulação da decisão, porquanto a existência dos acordos, decisões e práticas concertadas não era contestada pela recorrente.

34      Por questões de exaustividade, a Comissão afirma que a argumentação da recorrente é improcedente. O facto de os operadores estrangeiros poderem entrar em concorrência com as empresas belgas em relação às mudanças com origem ou destino na Bélgica e de existir uma forte presença de empresas estrangeiras nesse mercado não iria contra a constatação factual da Comissão de que o centro geográfico dos acordos, decisões e práticas concertadas era a Bélgica.

35      Relativamente à dimensão do mercado, a Comissão alega que, no caso de os argumentos da recorrente se referirem à Comunicação da Comissão relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (de minimis) (JO 2001, C 368, p. 13), esses argumentos são inoperantes, porquanto as restrições caracterizadas, nomeadamente a fixação de preços e a repartição dos mercados, são sempre interditas, independentemente das quotas de mercado das empresas envolvidas.

36      Ainda que a recorrente se referisse às orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2004, C 101, p. 81, a seguir «orientações de 2004»), esses argumentos seriam igualmente improcedentes, senão mesmo inoperantes. A Comissão refere, assim, que a presunção negativa do n.° 52 das orientações de 2004 remete para duas condições cumulativas, a saber, um volume de negócios inferior a 40 milhões de euros e quotas de mercado de menos de 5%. Ora, a Comissão considerou que nenhuma das duas condições estava preenchida. Além disso, a presunção positiva do n.° 53 das orientações de 2004 prevê, quanto a um acordo susceptível, pela sua própria natureza, de afectar o comércio entre os Estados‑Membros, que basta que apenas umas das condições alternativas esteja preenchida.

37      Na fase da tréplica, a Comissão acrescentou que baseou igualmente a afectação do comércio entre os Estados‑Membros no carácter transfronteiriço das mudanças e contesta a admissibilidade do argumento, suscitado na réplica, de que o limiar de 5% não foi atingido no caso em apreço.

38      A Comissão afirma ainda que, nos cálculos do valor económico do sector, o volume de negócios realizado em subempreitada não foi incluído. Realça que utilizara dois métodos para calcular a dimensão do mercado em causa, ambos os quais resultaram num valor de 83 milhões de euros, correspondente a uma quota de mercado acumulada de 50%. Em contrapartida, no cálculo do valor das vendas a tomar em conta como base para o cálculo das coimas, a Comissão aceitou excluir, relativamente a todos os participantes, as vendas realizadas em subempreitada.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

39      O primeiro fundamento desdobra‑se em três partes, que importa tratar em conjunto, porquanto estão estreitamente ligadas. De facto, a primeira parte respeita à definição do mercado e a segunda à dimensão do mercado em causa, bem como às quotas de mercado das empresas em causa. Neste enquadramento, a recorrente contesta, na terceira parte, a conclusão da Comissão de que existe uma afectação sensível do comércio entre Estados‑Membros.

40      A título preliminar, importa analisar o argumento da Comissão de que as objecções relativas à definição incorrecta do mercado relevante, à estimativa errada da sua dimensão e das quotas de mercado das empresas em causa são inoperantes.

 Observações preliminares

41      A Comissão alega que, segundo a jurisprudência, a definição de mercado relevante não é exigida nos casos de restrições manifestas da concorrência. Dado que, no presente processo, os acordos, decisões e práticas concertadas efectivamente tinham por objecto restrições flagrantes da concorrência, a Comissão conclui que a definição de mercado relevante não era exigida e que, consequentemente, a argumentação da recorrente é inoperante.

42      Esta argumentação não pode ser acolhida

43      É certo que, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, a Comissão está dispensada de provar os efeitos anticoncorrenciais reais dos acordos ou das práticas que têm por objecto impedir, restringir ou falsear a concorrência (acórdãos de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965‑1968, pp. 423, 434, e de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão, T‑143/89, Colect., p. II‑917, n.° 30, confirmado pelo acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.os 12 a 15).

44      Não é menos verdade que resulta de jurisprudência assente que o artigo 81.°, n.° 1, CE, não é aplicável se a repercussão dos acordos, decisões e práticas concertadas nas trocas intracomunitárias ou na concorrência não for «sensível». De facto, um acordo escapa à proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE, quando apenas restringe a concorrência ou afecta o comércio entre Estados‑Membros de uma maneira insignificante (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, LTM, 56/65, Colect. 1965‑1968, p. 381, 388; de 9 de Julho de 1969, Völk, 5/69, Colect. 1969‑1970, p. 295, n.° 7, e de 28 de Abril de 1998, Javico, C‑306/96, Colect., p. I‑1983, n.os 12 e 17; acórdão do Tribunal Geral de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 207).

45      Consequentemente, a obrigação de proceder a uma delimitação do mercado numa decisão adoptada em aplicação do artigo 85.° CE impõe‑se à Comissão quando, sem essa delimitação, não é possível determinar se o acordo ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e tem por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência (acórdão de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 230).

46      Ora, é a apreciação que a Comissão fez dessas condições de aplicação do artigo 81.° CE que a recorrente põe em causa no âmbito do primeiro fundamento, uma vez que a definição e a dimensão do mercado, bem como as quotas de mercado detidas, apenas são, na realidade, questões prévias (v., nesse sentido, acórdão de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o. /Comissão, T 29/92, Colect., p. II‑289, p. 75).

47      Quanto ao carácter sensível da restrição à concorrência, não parece decorrer claramente da petição que a recorrente pretende produzir uma alegação a esse respeito, porquanto, com excepção de uma simples referência ao acórdão Völk, referido no n.° 44 supra, no âmbito do primeiro fundamento subsidiário, aquela não parece distinguir entre o carácter sensível da restrição à concorrência e a afectação do comércio entre os Estados‑Membros. Portanto, mesmo que se admita que foi aduzido um fundamento relativo a uma infracção à regra de minimis, esse fundamento é inadmissível por força do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do regulamento de processo do Tribunal Geral, que exige uma impugnação especificada.

48      Quanto à afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros, a recorrente parece por vezes confundir a comunicação de minimis e as orientações de 2004. No entanto, é manifesto que, no âmbito do seu primeiro fundamento – ainda que fale de uma «comunicação De Minimis» –, a recorrente se refere, na realidade, às orientações de 2004. De facto, a recorrente contestou expressamente que a Comissão tenha produzido prova da afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros (n.° 32 supra). Por esse motivo, há que rejeitar a afirmação da Comissão de que a recorrente suscitou um novo argumento em sede de réplica, uma vez que a referência ao limiar de 5% na réplica apenas representa a ampliação do fundamento existente e não um novo fundamento.

49      Na decisão, a Comissão baseia‑se, para provar a afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros, nas orientações de 2004, que indicam os limiares mínimos para as quotas de mercado e os volumes de negócio consolidados das empresas em causa. Ora, nos termos do n.° 55 das orientações, a aplicação do limiar de 5% das quotas de mercado previsto nos n.os 52 e 53 implica uma determinação prévia do mercado em causa.

50      Consequentemente, na medida em que fazem referência à determinação da afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros, nomeadamente ao limiar de 5%, os argumentos relativos à definição errónea do mercado relevante, à avaliação errónea da sua dimensão bem e às quotas de mercado das empresas em causa não são inoperantes. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a recorrente não ter contestado a existência dos acordos, decisões e práticas concertadas, porquanto essa admissão não engloba a da afectação sensível do comércio por esses acordos, decisões e práticas concertadas. Além disso, contrariamente ao que afirma a Comissão, a inexistência dessa afectação, condição para a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, implicaria a anulação da decisão por incompetência da Comissão.

 Quanto à afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros

51      No considerando 373 da decisão, a Comissão considera que, nos termos das suas orientações de 2004, o carácter sensível dos efeitos dos acordos pode ser presumido, porquanto a soma das quotas de mercado dos serviços de mudanças em causa excede 5% do mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica e o volume de negócios realizados pelas partes com os serviços em causa excede os 40 milhões de euros. No caso em apreço, as empresas de mudanças em causa realizaram um volume de negócios superior a 41 milhões de euros em 2002 e a soma das suas quotas de mercado era de aproximadamente 50%. Além disso, a Comissão alega na sua tréplica, que, no considerando 372 da decisão, se baseou igualmente no carácter transfronteiriço das mudanças para demonstrar que o comércio foi afectado. Importa, assim, analisar se a Comissão provou, na decisão, a afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros.

–       Quanto ao carácter transfronteiriço

52      No que respeita, antes de mais, ao carácter transfronteiriço das mudanças em causa, não se pode deixar de observar que esse carácter, que não é contestado, não se confunde com a questão do carácter «sensível» da afectação do comércio entre os Estados‑Membros.

53      De facto, se todas as transacções transfronteiriças fossem automaticamente susceptíveis de afectar de forma sensível o comércio entre os Estados‑Membros, a noção de carácter sensível, que é, no entanto, uma condição de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, desenvolvida pela jurisprudência, seria esvaziada de todo o seu conteúdo. A esse respeito, a Comissão reconheceu na audiência que, mesmo nos casos de uma infracção pelo objecto, é necessário que a infracção seja susceptível de afectar as trocas intracomunitárias de forma sensível. Tal decorre igualmente, além disso, das orientações de 2004, porquanto a presunção positiva, prevista no artigo 53.° destas orientações, apenas se aplica aos acordos e às práticas que são, pela sua própria natureza, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros.

54      Na audiência, a Comissão invocou, contudo, o acórdão de 1 de Outubro de 1987, Vereniging van Vlaamse Reisbureaus (311/85, Colect., p. 3801), para sustentar a sua tese de que o carácter transfronteiriço das mudanças internacionais era, em si, suficiente para justificar a sua competência. Ora, não se pode deixar de observar que este acórdão, nomeadamente o seu n.° 18, não aborda a problemática do carácter sensível da afectação do comércio. De facto, esse termo não é sequer mencionado nesse acórdão.

55      Em todo o caso, a decisão não contém qualquer fundamentação baseada unicamente no carácter transfronteiriço das mudanças em causa. Decorre, em particular, quer da sua redacção, quer do seu contexto, que o considerando 372 da decisão, que não refere o acórdão Vereniging van Vlaamse Reisbureaus, referido no n.° 54 supra, não se destina a demonstrar o carácter sensível da afectação do comércio.

–       Quanto ao limiar de 40 milhões de euros

56      No que respeita ao limiar de 40 milhões de euros, a recorrente acusa a Comissão de ter sobreavaliado o volume de negócios acumulado pelos participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas.

57      O Tribunal Geral, aquiescendo a um pedido da recorrente, convidou a Comissão a apresentar determinados documentos, para dar à recorrente plenas condições para contestar esse montante. A Comissão apresentou, assim, as versões não confidenciais das respostas dos outros destinatários da decisão à comunicação de acusações, bem como as respostas daqueles aos seus pedidos de informação. Contudo, a recorrente indicou, na audiência, que não retirava qualquer argumento dos documentos apresentados pela Comissão. Portanto, admitindo que a abordagem da Comissão em relação à subempreitada está correcta, a soma das vendas permaneceria, assim, abaixo do limiar dos 40 milhões de euros, mesmo que se tome em consideração a Decisão C(2009) 5810 (n.° 21 infra), que implica uma redução do volume de negócios consolidada de mais de 600.000 euros.

58      Há, no entanto, que considerar que os argumentos da recorrente relativos à necessidade de estabelecer uma distinção entre o volume de negócios gerado enquanto subempreiteira e o volume de negócios gerado enquanto empresa que controla uma mudança internacional são procedentes. De facto, para não se incluir duas vezes o mesmo montante na estimativa das vendas efectuadas, é necessário deduzir ao volume de negócios realizado com os serviços em causa o volume de negócios realizado enquanto subempreiteiro. Caso contrário, para uma única mudança, este último montante seria incluído uma primeira vez no volume de negócios da empresa que controla o serviço e uma segunda vez no do subempreiteiro. Além disso, o volume de negócios do subempreiteiro não foi realizado no mercado dos serviços de mudanças destinados ao consumidor final.

59      A explicação dada pela Comissão no considerando 530 da decisão para justificar a sua opção de excluir essas vendas do cálculo da coima é, aliás, convincente. No entanto, a Comissão não logra explicar por que razão se deve incluir duas vezes o mesmo valor na avaliação da dimensão do mercado para efeitos da determinação da existência de uma afectação sensível do comércio. Esta avaliação e a do volume de negócios acumulado dos participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas enfermam, assim, de erro manifesto.

60      Esta conclusão é corroborada pelas respostas da Comissão às questões escritas e orais do Tribunal Geral.

61      A Comissão tentou, em primeiro lugar, extrair um argumento do parágrafo 54 das orientações de 2004. Ora, esta disposição limita‑se a excluir as vendas entre empresas de um mesmo grupo, não visando de nenhuma forma a questão da subempreitada. A mesma não pode, nomeadamente, servir de base ao argumento a contrario que a Comissão parece invocar.

62      Em segundo lugar, a Comissão alega na sua resposta por escrito que a sua abordagem não resulta «necessariamente» numa contabilização dupla duma mesma mudança, porquanto, por um lado, um determinado número de empresas de mudanças belgas não participava nos acordos, decisões e práticas concertadas e, por outro, a subempreitada era, em determinados casos, efectuada por conta de empresas estrangeiras. A Comissão admite assim, implicitamente, que, nos outros casos, esta abordagem equivalia a incluir duas vezes os volumes de negócios realizados enquanto subempreiteiro. Além disso, na audiência, a Comissão reconheceu que existia uma contabilização dupla nos casos em que a subempreitada se fazia entre dois participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas. Além disso, admitiu que, se o seu método tivesse sido corrigido neste ponto, o limiar de 40 milhões de euros já não seria atingido.

63      Decorre do que precede que a Comissão não provou que o limiar de 40 milhões foi atingido no caso em apreço.

–       Quanto ao limiar de 5%

64      Relativamente ao limiar de 5%, a recorrente alega que a Comissão deveria ter definido o mercado e que deveria ter incluído todos os «serviços de mudanças internacionais».

65      No que respeita a este segundo fundamento, há que rejeitar a afirmação de que a Comissão partiu de um mercado demasiado restrito. A Comissão observou, acertadamente, que os acordos, decisões e práticas concertadas tinham por objecto a restrição da concorrência no sector das mudanças internacionais para ou a partir da Bélgica. De facto, as mudanças em causa caracterizavam‑se pelo facto de a Bélgica constituir o seu ponto de origem e de destino e pelo facto de os acordos, decisões e práticas concertadas terem lugar na Bélgica. Além disso, a Comissão teve em consideração, na sua avaliação da dimensão do mercado, os volumes de negócios das empresas estrangeiras nesse mercado. Consequentemente, a Comissão tinha razão quando concluiu que os serviços em causa eram os serviços de mudanças internacionais na Bélgica.

66      No que respeita ao fundamento da falta de definição do mercado, não se pode deixar de observar que o cálculo de uma quota do mercado implica, numa lógica prévia, a definição desse mercado. De facto, como o Tribunal Geral já referiu no n.° 49 supra, o n.° 55 das orientações de 2004 reconhece expressamente que, «[p]ara efeitos da aplicação do limiar da quota de mercado, é necessário determinar o mercado relevante, que é composto pelo mercado do produto relevante e pelo mercado geográfico relevante». Esta obrigação resulta ainda mais claramente de outras versões linguísticas deste ponto (em inglês, por exemplo, «it is necessary» e, em alemão, «muss»).

67      Além disso, relativamente ao carácter vinculativo das orientações adoptadas pela Comissão, o Tribunal de Justiça já declarou que, ao adoptar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a instituição em causa autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode renunciar a essas regras, sob pena de poder ser punida, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 211).

68      Ora, é pacífico que a Comissão não respeitou a obrigação enunciada no n.° 55 das orientações de 2004. Nas suas peças processuais e na audiência, aquela insistiu não só que não era obrigada a definir o mercado relevante, como também que não o tinha feito. Consequentemente, a conclusão da Comissão de que o limiar de 5% tinha sido atingido deve, em princípio, ser afastada.

69      Contudo, nas circunstâncias do processo em apreço, o Tribunal Geral considera que a Comissão fez, no entanto, prova bastante de que a segunda condição alternativa subjacente à presunção prevista no n.° 53 das orientações de 2004 tinha sido cumprida.

70      De facto, a Comissão forneceu, nos considerandos 88 a 94, uma descrição suficientemente detalhada do sector em causa, incluindo a oferta, a procura e o âmbito geográfico. Logo, a Comissão identificou de forma precisa os serviços em causa, bem como o mercado. O Tribunal Geral considera que tal descrição do sector pode ser suficiente, na medida em que é suficientemente detalhada para permitir ao Tribunal Geral verificar as afirmações de base da Comissão e em que, nessa base, é manifesto que a quota de mercado acumulado ultrapassa largamente o limiar de 5%.

71      A esse respeito, importa notar, em primeiro lugar, que a Comissão tinha razão quando considerou que os serviços em causa eram os serviços de mudanças internacionais na Bélgica (n.° 65 supra). Em segundo lugar, nesta base, a Comissão avaliou a dimensão do mercado em 83 milhões de euros e a quota de mercado das empresas participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas em de cerca de 50%. Estes valores devem ser ajustados para se levar em conta a Decisão C (2209) 5810 (n.° 21 infra) e a exclusão das vendas realizadas em sede de subempreitada (n.° 59 supra), o que resulta, segundo a Comissão, num volume de negócios acumulado de mais de 20 milhões de euros e a uma quota de mercado acumulada de quase 30%. Esta quota de mercado situa‑se, contudo, bem acima do limiar de 5%. Em terceiro lugar, em resposta às questões do Tribunal Geral, a própria recorrente declarou, na audiência, que para que o limiar de 5% não fosse ultrapassado, a dimensão do mercado relevante teria de ser de, pelo menos, 435 milhões de euros. Ora, a única possibilidade de se chegar a tal dimensão do mercado relevante seria partir de um mercado muito mais abrangente do que o dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, mercado esse que foi, no entanto, identificado correctamente pela Comissão como o mercado em causa.

72      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral considera que, excepcionalmente, a Comissão podia basear‑se na segunda condição alternativa do n.° 53 das orientações de 2004, sem efectuar expressamente uma definição do mercado na acepção do n.° 55 das orientações.

73      Por último, como a Comissão correctamente observou, no âmbito da presunção positiva prevista no n.° 53 das orientações de 2004 basta que apenas uma das duas condições alternativas esteja preenchida para provar o carácter sensível da afectação do comércio entre os Estados‑Membros.

74      Daqui resulta que improcede o primeiro fundamento da recorrente.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo aos erros de apreciação manifestos e aos erros de direito na aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE

75      Este fundamento divide‑se em três partes. Nas duas primeiras, visa‑se uma redução da coima devido a circunstâncias atenuantes. Na terceira parte, a recorrente reclama uma redução da coima devido às suas dificuldades económicas e financeiras.

a)     Argumentos das partes

76      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão conhecia o sistema dos OC e que o tolerou durante anos. Esta prática era conhecida dos agentes da Comissão e de tal forma difundida nos seus serviços que é inconcebível que esta nunca tivesse tido conhecimento dela. Mais de 30% das infracções detectadas em matéria de OC diziam respeito a agentes da Comissão. Quanto ao argumento de que a Comissão, enquanto instituição, não tinha conhecimento deste sistema, a recorrente afirma que se trata de «pura ficção». Além disso, essa prática era do conhecimento de directores‑gerais, de directores, de chefes de unidade e de comissários. Não obstante, a Comissão tolerou este sistema permitindo que os seus agentes dele beneficiassem.

77      A recorrente entende que este comportamento da Comissão, que durante anos nada fez para pôr termo à prática dos OC, era susceptível de criar uma certa confusão quanto à questão de saber se a prática constituía ou não uma infracção. Esta circunstância e a intervenção tardia da Comissão justificam uma redução da coima.

78      Em segundo lugar, a recorrente alega que o sistema dos OC não resultava de um acordo, de uma decisão ou de uma prática concertada, mas que respondia a uma exigência do mercado, porquanto os OC eram solicitados pelos próprios clientes. Consequentemente, era muito difícil às empresas em causa recusarem o fornecimento desse OC, sem correrem o risco de desagradar aos seus clientes e de os perder.

79      Em terceiro lugar, a recorrente invoca as dificuldades económicas e financeiras com que se defronta há vários anos. A esse respeito, a Comissão não avaliou correctamente as circunstâncias apresentadas pela recorrente, ainda que, nos termos do n.° 35 das orientações de 2006, possa levar em consideração a falta de capacidade contributiva de uma empresa num contexto social e económico particular. A recorrente realça que a única referência que é feita ao facto de a coima apenas representar 3,76% do seu volume de negócios mundial em 2006 não é suficiente para determinar a sua capacidade contributiva. Na realidade, a recorrente está numa situação próxima da insolvência.

80      A Comissão refuta estes argumentos e realça que se trata antes de um fundamento relativo ao montante da coima.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

81      O segundo fundamento, apresentado na parte da petição epigrafada «Fundamentos para a anulação da decisão», baseia‑se alegadamente em «erros de apreciação manifestos e em erros de direito na aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE». Contudo, com esse fundamento apenas se visa a redução da coima devido a circunstâncias atenuantes e às dificuldades económicas e financeiras, e não a anulação da decisão. Ainda que a recorrente se tenha oposto, na audiência, à requalificação do fundamento, não se pode deixar de observar que, na petição, aquela afirma unicamente que as circunstâncias invocadas justificam uma «redução da coima». Consequentemente, esses argumentos serão abordados quando o Tribunal Geral analisar os fundamentos relativos ao montante da coima (n.os 150 e segs. infra).

3.     Quando ao terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

82      No âmbito deste fundamento, a recorrente alega falta de fundamentação do cálculo do montante de base da coima (primeira parte) e da rejeição do seu argumento relativo às suas dificuldades económicas e financeiras (segunda parte).

a)     Argumentos das partes

83      A recorrente alega que, no que respeita à gravidade da infracção, a Comissão limitou‑se a fixar em 17% a proporção do valor das vendas a considerar, sem qualquer outra explicação. Da mesma forma, no tocante ao montante adicional aplicado a título de dissuasão, a Comissão escolheu o escalão mais baixo, isto é, 17%, sem outra explicação. Assim, a fundamentação relativa ao montante da coima mais não é do que puramente formal e a recorrente não pode entender a metodologia aplicada pela Comissão para chegar a esses resultados. A Comissão caracteriza as infracções detectadas como estando «entre as mais graves». Nos termos do n.° 23 das orientações de 2006, a proporção a considerar devia situar‑se, pois, no «nível superior da escala». Assim, a Comissão fixou essa proporção a um nível ligeiramente superior à metade dessa escala, sem explicar os motivos dessa escolha e sem referir as circunstâncias e factores que a conduziram a esse resultado.

84      Relativamente às suas dificuldades económicas e financeiras, a recorrente refere que a Comissão rejeitou essa argumentação com a simples alegação de que a coima calculada para a Ziegler apenas representava 3,6% do volume de negócios mundial da empresa em 2006. Contudo, segundo a recorrente, a Comissão, ainda que não seja obrigada a tomar posição todos os argumentos que aquela invoca, não pode ignorar totalmente a sua argumentação. Ao fazê‑lo, a Comissão violou igualmente o direito da recorrente a ser ouvida.

85      A Comissão contesta estes argumentos e observa que eventuais vícios na fundamentação da fixação da coima, nomeadamente quanto à gravidade da infracção ou à capacidade contributiva, não acarretam a anulação da decisão.

b)     Apreciação do Tribunal

86      A título preliminar, importa observar que os argumentos aduzidos no âmbito deste fundamento apenas dizem respeito à coima aplicada e não à declaração da existência de uma infracção. Como a Comissão referiu com razão, a violação do dever de fundamentar a fixação da coima não tem como consequência a anulação integral da decisão. De facto, essa preterição de formalidades essenciais apenas afecta o artigo 2.° da decisão, com base no qual as coimas são aplicadas.

87      Segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE, que constitui uma formalidade essencial na acepção do artigo 230.° CE, deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida adoptada e ao tribunal competente exercer o seu controlo. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa [acórdãos de 6 de Julho de 1993, CT Control (Roterdão) e JCT Benelux/Comissão, C‑121/91 e C‑122/91, Colect., p. I‑3873, n.° 31, e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63; acórdão de 5 de Abril de 2001, Bic e o./Conselho, T‑82/00, Colect. p. II‑1241, n.° 24).

88      Em relação à primeira parte do fundamento, não se pode deixar de observar que a fundamentação da fixação do montante da coima, incluindo o montante adicional aplicado a título de dissuasão, não é, efectivamente, muito detalhada. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que a Comissão cumpria o seu dever de fundamentação quando indicava, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção cometida, sem ser obrigada a apresentar uma exposição mais detalhada ou os elementos quantificados relativos ao modo de cálculo da coima (v. acórdão de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 252 e jurisprudência aí citada).

89      No caso em apreço, a Comissão expôs, no considerando 542 da decisão, os motivos que a levaram a concluir pelo carácter muito grave da infracção, a saber, a própria natureza das notórias restrições à concorrência que foram constatadas. Além disso, no mesmo considerando explicou por que razão não tinha analisado o âmbito geográfico e o impacto da infracção, referindo‑se à jurisprudência segundo a qual, no caso de restrições flagrantes, a infracção pode ser qualificada de muito grave, sem que seja necessário que esses comportamentos se caracterizem por terem uma extensão geográfica ou um impacto particulares (acórdãos de 18 de Julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colect., p. II‑2917, n.os 84 e 85, e de 27 de Julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T‑49/02 a T‑51/02, Colect., p. II‑3033, n.os 178 e 179). Daí decorre, à luz desta jurisprudência, que a Comissão fundamentou suficientemente a qualificação da infracção como «muito grave».

90      No entanto, em primeiro lugar, é desejável que a Comissão reforce a fundamentação relativamente ao cálculo das coimas, para permitir às empresas conhecerem em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada. De uma forma mais geral, isso pode servir a transparência da acção administrativa e facilitar o exercício, pelo Tribunal Geral, da sua competência de plena jurisdição, que lhe deve permitir apreciar, para além da legalidade da decisão impugnada, o carácter apropriado da coima aplicada (acórdão de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641, n.° 46).

91      Em segundo lugar, convém realçar que a jurisprudência citada pela Comissão se refere às orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, [CA] (JO 1998, C9, p. 39) e remonta a tempos anteriores à adopção das orientações. As orientações de 2006 implicaram, contudo, uma mudança fundamental da metodologia de cálculo das coimas. Em particular, a classificação das coimas em três categorias («pouco grave», «grave» e «muito grave») foi abolida, tendo sido introduzida uma escala que vai de 0 a 30%, para permitir uma diferenciação mais subtil. Além disso, o montante de base da coima está desde então «ligado a uma proporção do valor das vendas, determinad[a] em função do grau de gravidade da infracção, multiplicado pelo número de anos de infracção.» (n.° 19 das orientações de 2006). Regra geral, «a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%.» (n.° 21). No caso dos acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que «são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves», a proporção das vendas tidas em conta deve, geralmente, situar‑se «num nível superior da escala» (n.° 23).

92      Nessas circunstâncias, em princípio a Comissão não pode limitar‑se a fundamentar a qualificação da infracção como «muito grave» e não a escolha da proporção de vendas tomada em consideração. De facto, como foi referido supra, o corolário da margem de apreciação de que a Comissão goza em matéria de coimas é um dever de fundamentação que permite ao particular conhecer as justificações das medidas tomadas e ao Tribunal Geral exercer o seu controlo.

93      No caso em apreço, é forçoso reconhecer que, no considerando 543 da decisão, a Comissão fixou essa taxa num nível ligeiramente superior à metade dessa escala, a saber, 17%, fundamentando a sua escolha apenas com a natureza «muito grave» da infracção. No entanto, a Comissão não explicou mais circunstanciadamente de que forma a qualificação da infracção como «muito grave» a levou a fixar a taxa em 17% e não a uma proporção num nível nitidamente «superior da escala». Esta fundamentação apenas pode ser suficiente na situação em que a Comissão aplica uma taxa muito próxima do limite inferior do escalão previsto para as infracções mais graves, que é, aliás, muito favorável à recorrente. Com efeito, neste caso, não é necessária uma fundamentação adicional que ultrapasse a fundamentação subjacente às orientações. Em contrapartida, se aquela pretendesse aplicar uma taxa mais elevada, teria de apresentar uma fundamentação mais detalhada.

94      Atendendo a que, no tocante ao montante adicional aplicado a título de dissuasão, o considerando 556 da decisão se refere ao considerando 542 e a que o limite inferior do escalão é o mesmo, as observações supra também se aplicam aos argumentos referentes à fundamentação apresentada para a fixação desse montante. Consequentemente, há que julgar improcedente a primeira parte do fundamento.

95      Relativamente à segunda parte do fundamento, relativa às dificuldades económicas e financeiras da recorrente, há que distinguir, segundo jurisprudência assente, entre o fundamento da falta ou insuficiência da fundamentação e o fundamento relativo à inexactidão dos fundamentos da decisão impugnada devido a erro sobre os factos ou na apreciação jurídica. Este último aspecto enquadra‑se na apreciação da legalidade da decisão, do ponto de vista do mérito, e não na preterição de formalidades essenciais, pelo que não pode constituir uma infracção ao artigo 253.° CE (acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 87, e acórdão do Tribunal Geral de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colect., p. II‑2081, n.° 47).

96      No caso ora em apreço, a Comissão respondeu à argumentação da recorrente no considerando 632 da decisão, em que referiu que a coima apenas representava 3,67% do seu volume de negócios mundial em 2006, o que se pode considerar que cumpre a obrigação de fundamentação. A entender‑se que esse simples cálculo não é suficiente para determinar a capacidade contributiva da recorrente, tal facto diz respeito à legalidade material da decisão, e não a uma deficiência da fundamentação (v. n.os 165 e segs. infra). Assim, importa julgar improcedente a segunda parte do fundamento.

97      Daqui se conclui que há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

4.     Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

98      Os quarto e quinto fundamentos referem‑se a alegadas violações do direito de defesa. No âmbito do quarto fundamento, relativo a uma violação do direito a um processo justo e ao princípio geral da boa administração, a recorrente põe em causa a imparcialidade da Comissão.

a)     Argumentos das partes

99      A recorrente alega que, atendendo a que uma grande parte dos OC em causa foram solicitados por agentes da Comissão, esta devia ter‑se declarado incompetente para apreciar o processo, a favor das autoridades belgas da concorrência. De facto, a Comissão, que admitiu ser vítima das práticas controvertidas, foi, neste processo, simultaneamente juiz e parte. Consequentemente, existe um risco objectivo de parcialidade.

100    Segundo a recorrente, a prova dessa parcialidade deduz‑se, nomeadamente, da circunstância de um mesmo facto ter sido utilizado diversas vezes pela Comissão, o que lhe permitiu ampliar artificialmente o número de infracções detectadas. Além disso, o risco de parcialidade reflectiu‑se no facto de a decisão formular, no seu conjunto, uma apreciação extremamente severa da situação, quando, na realidade, as práticas em causa eram muito marginais.

101    Por último, num documento intitulado «Observações sobre o relatório para a audiência» e quando da audiência, a recorrente alega que, após a adopção da decisão, os OC continuaram a ser solicitados às empresas de mudanças em causa por agentes da Comissão de todos os escalões e mesmo por um membro que ia deixar a Comissão.

102    A Comissão argumenta que, relativamente ao alegado risco de parcialidade, o argumento é inoperante como fundamento de anulação e improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

103    A recorrente alega que o comportamento da Comissão resultou numa restrição grave ao exercício do seu direito de defesa, devendo por isso, ser anulada a decisão. Ora, essa pretensão é improcedente.

104    Com efeito, no presente processo, a recorrente não pôs em causa a competência da Comissão para adoptar uma decisão relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE. Além disso, decorre da jurisprudência que a alegada falta de objectividade da Comissão não constitui uma violação do direito de defesa susceptível de implicar a anulação da decisão recorrida, mas enquadra‑se, sim, no exame feito no âmbito do controlo da apreciação dos meios de prova ou da fundamentação da decisão (v. acórdão de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98, Colect., p. II‑3275, n.° 464, e jurisprudência citada).

105    Por conseguinte, o presente fundamento é inoperante enquanto fundamento de anulação.

106    Por questões de exaustividade, importa salientar que este fundamento é igualmente improcedente. De facto, os elementos invocados pela recorrente não são susceptíveis de demonstrar que o alegado preconceito da Comissão ou de um dos seus agentes tem expressão na decisão (v., nesse sentido, acórdão de 20 de Março de 2002, AB Asea Brown Boveri/Comissão, T‑31/99, Colect., p. II‑1881, n.° 105). A alegação de que a Comissão «ampliou artificialmente o número de infracções detectadas» não procede. O facto de, relativamente à mesma mudança, para a qual foi elaborado um OC ou paga uma comissão, aparecerem vários documentos no quadro anexo à decisão, não «amplia» a infracção, mas indica simplesmente que há vários documentos que dizem respeito à mesma mudança. Quanto ao argumento de que as práticas em causa não eram generalizadas mas sim «muito marginais», basta observar que os acordos, decisões e práticas concertadas vigoraram durante cerca de vinte anos e afectaram cerca de 30% do mercado (v. n.° 71 supra) e remeter para as afirmações da recorrente de que a prática correspondia a uma procura do mercado e estava de tal forma generalizada que seria «extremamente difícil recusarem o fornecimento de OC sem correrem o risco de desagradar aos [seus] clientes e de os perder». Por fim, no que diz respeito aos argumentos apresentados pela recorrente nas observações sobre o relatório para a audiência e na audiência, não se pode deixar de observar que esses argumentos também não susceptíveis de corroborar a sua afirmação de que a Comissão foi parcial na instrução do processo. A este respeito, a recorrente não prova em que medida o comportamento imputado a certos agentes, a admitir que este se verificou, poderia pôr em causa o direito a um processo justo.

107    Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente

5.     Quanto ao quinto fundamento, decorrente da violação do direito de defesa

108    O quinto fundamento diz respeito à violação do direito de acesso ao processo e do princípio da boa administração.

a)     Argumentos das partes

109    A recorrente acusa a Comissão de lhe ter recusado o acesso às respostas à comunicação das acusações dadas pelas restantes destinatárias desta última, bem como às respostas aos pedidos de informação da Comissão. O processo de instrução era essencialmente composto por escritos, documentos e depoimentos provenientes de um dos participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas. A Comissão definiu a quota de mercado das dez empresas em causa apenas com base no volume de negócios global declarado por estas sociedades na sequência do pedido de informações de 2005. Assim, seria interessante conhecer o volume de negócios especificado pelas outras empresas, para pôr em dúvida a dimensão do mercado e as quotas de mercado de cada uma das empresas em causa definidos pela Comissão. Em todo o caso, não cabe à Comissão decidir sozinha quais os documentos e elementos que são úteis à defesa da recorrente.

110    A recorrente considera que, uma vez que lhe não facultado acesso às respostas das partes, a Comissão devia, pelo menos, ter tomado medidas úteis para permitir o confronto dos números que lhe tinham sido declarados. Por causa da recusa apresentada à recorrente, esta não pôde controlar eficazmente os números usados pela Comissão. O conhecimento destes números teria permitido à recorrente contestar utilmente a presunção da Comissão relativa à afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros.

111    A Comissão alega que os dados quantitativos sobre a dimensão do mercado não são elementos de acusação ou defesa. A recorrente foi afectada unicamente pela sua própria resposta, já que, no que diz respeito à fixação das coimas, apenas foi considerado o valor das suas vendas, sem levar em conta os contratos de subempreitada. Por isso, os números apresentados pelas outras participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas são irrelevantes para a recorrente.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

112    A recorrente alega, essencialmente, que a recusa da Comissão ao seu pedido de acesso às respostas das outras destinatárias à comunicação das acusações e às respostas aos pedidos de informação constitui uma violação do seu direito de defesa, na medida em que a Comissão não tomou medidas úteis para permitir o confronto dos valores que lhe tinham sido declarados.

113    A este respeito, decorre da jurisprudência que o respeito do direito de defesa, que constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser observado em todas as circunstâncias, designadamente, em qualquer procedimento susceptível de levar à aplicação de sanções, mesmo que se trate de um procedimento administrativo, exige que a empresa interessada tenha tido a oportunidade de se pronunciar utilmente sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias invocados pela Comissão (acórdão de 26 de Abril de 2007, Bolloré e o./Comissão, T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02, Colect., p. II‑947, n.° 66 e a jurisprudência citada).

114    No que diz respeito, em particular, às respostas à comunicação das acusações, o Tribunal Geral entendeu que, a partir do momento em que a Comissão tenciona basear‑se numa passagem de uma resposta à comunicação de acusações ou num documento anexo a essa resposta para concluir pela existência de uma infracção num processo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, deve ser dada às outras partes no processo a possibilidade de se pronunciarem sobre esse elemento de prova (acórdão de 27 de Setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colect., p. II‑3435, n.° 343 e a jurisprudência citada).

115    A este respeito, importa salientar que, à excepção dos elementos de prova contidos na «exposição dos factos» transmitida à recorrente em 23 de Agosto de 2007, a decisão não se baseia em qualquer facto, acusação ou circunstância que não constasse já da comunicação das acusações. Quanto à «exposição dos factos», a recorrente não contesta as afirmações da Comissão de que este documento não acrescentou qualquer acusação, mas apenas se limitou a referir elementos de prova adicionais, sobre os quais a recorrente teve oportunidade de se pronunciar.

116    No que diz respeito aos volumes de negócios e quotas de mercado cuja discriminação a recorrente considera que era necessário conhecer para pôr em causa a dimensão do mercado e as quotas de mercado de cada uma das empresas em causa, importa observar que os valores utilizados nos considerandos 89 e 373 para provar o carácter sensível da afectação das trocas entre Estados‑Membros já constavam da comunicação das acusações.

117    Por conseguinte, a Comissão não se baseou nas respostas à comunicação das acusações para determinar a existência da infracção, tendo‑se antes baseado em valores já conhecidos da recorrente.

118    Todavia, não se pode deixar de observar que, apenas com base na comunicação das acusações, não foi dada à recorrente oportunidade de contestar os valores utilizados pela Comissão para provar a afectação sensível do comércio. Com efeito, uma empresa individual interessada, não tem qualquer possibilidade de verificar se o volume de negócios e as quotas de mercado consolidadas de todos participantes em acordos, decisões e práticas concertadas excedem os limiares de 40 milhões de euros ou de 5%. Cada empresa apenas pode contestar com segurança os seus próprios valores. Assim, para contestar a dimensão do mercado e as quotas de mercado das outras sociedades em causa, e para apresentar os seus próprios argumentos quanto a esses valores, é indispensável conhecer a discriminação do volume de negócios das outras empresas, caso contrário a recorrente não pode dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a relevância dos factos, das acusações e das circunstâncias alegadas pela Comissão.

119    Assim, no quadro de uma medida de organização do processo, o Tribunal Geral convidou a Comissão a transmitir as partes relevantes das versões não confidenciais das respostas à comunicação das acusações dos outros destinatários da decisão, bem como das respostas aos pedidos de informação, na medida em que estas respostas dissessem respeito aos valores utilizados pela Comissão na comunicação das acusações. Estes documentos foram juntos aos autos, pelo que a recorrente pôde deles tomar conhecimento. Ora, já se observou, no n.° 57 supra, que, na audiência, a recorrente confirmou que não retirava qualquer argumento dos documentos apresentados pela Comissão.

120    Nestas condições, há que considerar que o direito de defesa da recorrente não foi violado.

121    Com efeito, é certo que decorre da jurisprudência que qualquer violação do direito de defesa ocorrida na fase do procedimento administrativo não pode ser regularizada com o simples facto de o acesso se ter tornado possível numa fase ulterior, designadamente durante o processo jurisdicional relativo a um eventual recurso de anulação da decisão em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 104).

122    Contudo, para apreciar se a não divulgação de um documento pôde lesar a defesa da empresa em causa durante o procedimento administrativo, há que distinguir entre o acesso a documentos susceptíveis de ilibar a empresa e o acesso a documentos que demonstrem a existência da infracção imputada (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 121 supra, n.° 130).

123    Relativamente a estes últimos documentos, o Tribunal de Justiça decidiu que incumbia à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegara na sua decisão teria sido diferente se devesse ser afastado, enquanto meio de prova de acusação, um documento não comunicado no qual a Comissão se baseou para punir essa empresa (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 121 supra, n.° 73). Esta conclusão impõe‑se a fortiori se não estiverem em causa documentos nos quais a Comissão se baseou para provar a existência da infracção imputada, mas sim documentos que podiam pôr em causa a existência de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, pela inexistência do carácter sensível da afectação do comércio. Ora, a recorrente nem sequer tentou produzir essa prova (v. n.° 119 supra).

124    Por conseguinte, há que julgar improcedente o presente fundamento.

125    Quanto ao pedido da recorrente de que fosse ordenada a apresentação do processo administrativo completo na secretaria do Tribunal Geral, cabe observar que o Tribunal Geral concedeu provimento a esse pedido, na parte em que o mesmo dizia respeito às partes relevantes das respostas das outras destinatárias da decisão à comunicação das acusações e das respostas aos pedidos de informação da decisão. Quanto ao resto, a recorrente não explicou a relevância dos documentos pedidos, pelo que o seu pedido deve ser julgado improcedente.

B –  Fundamentos para a anulação ou redução da coima

126    A recorrente apresenta quatro fundamentos subsidiários, o primeiro dos quais visa a supressão da coima e os seguintes, de carácter ainda mais subsidiário, visam uma redução significativa da coima.

1.     Quanto à afectação sensível do comércio e da concorrência

a)     Argumentos das partes

127    A recorrente recorda que, para que os acordos, decisões e práticas concertadas fiquem sujeitos à proibição prevista no artigo 81.° CE, a lesão da concorrência e a afectação do comércio entre os Estados‑Membros têm de ser sensíveis.

128    A Comissão remete para as suas considerações relativas ao primeiro fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

129    Não se pode deixar de observar que o presente fundamento, visa, na realidade, duas condições de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Assim, há que remeter para as observações expostas no quadro da apreciação do primeiro fundamento (n.os 47 e segs. supra), em que os argumentos da recorrente foram analisados e julgados improcedentes.

2.     Quanto à gravidade

a)     Argumentos das partes

130    A recorrente alega que a gravidade das infracções depende de um grande número de elementos, nomeadamente das circunstâncias particulares do processo e do respectivo contexto. Ora, a Comissão não teve em conta estes princípios, tendo‑se cingido a um único critério, a saber, a própria natureza da infracção.

131    Quanto aos acordos de fixação directa dos preços, a recorrente alega que os preços mínimos que a Allied Arthur Pierre pretendia impor não foram respeitados por nenhuma das partes. Além disso, as práticas punidas não conduziram a um aumento real dos preços de venda. Consequentemente, a coima é totalmente desproporcionada face à efectiva extensão das práticas denunciadas, ao seu efeito real no mercado e na concorrência, e ao número de infracções constatadas. A Comissão violou igualmente o princípio da igualdade de tratamento ao incluir no cálculo da coima, apenas para a recorrente, o volume de negócios realizado com actividades não relacionadas com a infracção, favorecendo assim outros operadores, nomeadamente a Allied Arthur Pierre e a Interdean, implicadas de forma mais relevante nos acordos, decisões e práticas concertadas. Finalmente, a Comissão não demonstrou o impacto concreto dos acordos, decisões e práticas concertadas no mercado, apesar de o mesmo seja mensurável.

132    A Comissão alega que todos estes argumentos são inoperantes, porquanto estão em causa infracções intrinsecamente graves, tais como a fixação dos preços e a repartição dos mercados.

133    A Comissão observa igualmente que a jurisprudência sublinhou sempre a ampla margem de apreciação da Comissão em matéria de fixação de coimas. No caso vertente, por força desta jurisprudência, a Comissão apenas teve em conta, para a fixação da percentagem das vendas que determina o montante da coima (17%), o carácter «muito grave» da infracção devido à natureza das restrições em causa. Por outro lado, a tomada em consideração de outros factores implicaria a fixação de uma percentagem mais elevada. Ao invés, o impacto da infracção não entrou em linha de conta nesta apreciação. Além disso, as quotas de mercado não eram relevantes para a fixação da coima.

b)     Apreciação do Tribunal

134    A recorrente alega que a Comissão errou quando determinou a gravidade da infracção unicamente em função da sua natureza intrínseca.

135    A este respeito convém observar que, no considerando 542 da decisão, a Comissão alega que os acordos ou as práticas concertadas que impliquem o tipo de restrição verificado no presente caso, podem ser qualificadas de «muito graves» unicamente com base na respectiva natureza intrínseca, sem que seja necessário que tais comportamentos se caracterizem por uma extensão geográfica ou um impacto particulares. Neste sentido, a Comissão cita, tanto na decisão como na contestação, o acórdão Scandinavian Airlines System/Comissão, referido no n.° 89 supra.

136    Nesse acórdão, o Tribunal Geral declarou que a apreciação da gravidade da infracção deve ser efectuada tendo especialmente em conta a natureza das restrições impostas à concorrência, que a gravidade da infracção pode ser determinada por referência à natureza e ao objectivo dos comportamentos abusivos e que resulta de jurisprudência consolidada que os elementos relativos ao objectivo de um comportamento, podiam ter mais importância, para efeitos de fixação do montante da coima, do que os relativos aos seus efeitos (v. n.° 83 do acórdão e da jurisprudência aí citada).

137    No processo em apreço, a infracção tinha por objecto uma fixação dos preços e uma repartição dos mercados. Essa infracção manifesta ao direito da concorrência é, por natureza, especialmente grave.

138    Além disso, contrariamente às orientações de 1998, as orientações de 2006 deixaram de mencionar a necessidade, para efeitos de apreciação da gravidade, de se tomar em consideração «a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores», ou «o impacto concreto [da infracção] no mercado quando […] for quantificável».

139    Ora, as orientações de 2006 prevêem explicitamente no ponto 20 que «[a] apreciação da gravidade será feita numa base casuística para cada tipo de infracção, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso». Para além disso, já foi observado no n.° 91 supra que as orientações de 2006 implicaram uma mudança fundamental na metodologia de cálculo das coimas. Em particular, a classificação das infracções em três categorias («pouco grave», «grave» e «muito grave») foi abolida, tendo sido introduzida uma escala que vai de 0 a 30%, para permitir uma diferenciação mais subtil. Nos termos do n.° 19 das orientações de 2006, o montante de base da coima está «ligado a uma proporção do valor das vendas, determinad[a] em função do grau de gravidade da infracção». Regra geral, «a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%» (n.° 21 das orientações).

140    Portanto, a Comissão não pode exercer a margem de apreciação de que dispõe em matéria de aplicação de coimas e assim determinar a taxa precisa, situada entre os 0 e os 30%, sem ter em conta as circunstâncias particulares do caso concreto. Assim, o n.° 22 das orientações de 2006 prevê que, «[a] fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos factores, como a natureza da infracção, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infracção e se a infracção foi ou não posta em prática».

141    Esta dificuldade em determinar uma percentagem precisa é, em certa medida, menor no caso de acordos horizontais secretos de fixação dos preços e de repartição do mercado, nos quais, por força do n.° 23 das orientações de 2006, a proporção das vendas a tomar em conta situar‑se‑á geralmente num nível «superior da escala». Deste número resulta que, para as restrições mais graves, a taxa deve, no mínimo, ser superior a 15%.

142    No caso em apreço, não há que anular a decisão neste aspecto, pelo facto de a taxa de 17% ter sido fixada com base no fundamento exclusivo da natureza intrinsecamente grave da infracção. Com efeito, quando a Comissão aplica uma taxa igual ou quase igual à taxa mínima prevista para as restrições mais graves, não se torna necessário tomar em consideração elementos ou circunstâncias adicionais. Tal só se imporia se fosse aplicada uma taxa mais elevada. A este respeito, a recorrente não pretende certamente que a Comissão devia ter adoptado uma taxa mais elevada, nem a Comissão pediu ao Tribunal que aumentasse o montante da coima.

143    Consequentemente, improcede o argumento que se baseia na determinação abstracta da gravidade da infracção.

144    No que respeita ao argumento assente numa alegada violação do princípio da igualdade, basta observar que foi com base na sua cooperação com a Comissão que a Allied Arthur Pierre beneficiou de uma redução por força do disposto na comunicação de 2002 sobre a cooperação. Quanto à Interdean, o Tribunal examinará a questão de saber porque motivo foi concedida a esta sociedade, e não à recorrente, uma redução, no quadro do quarto fundamento subsidiário (n.os 170 e segs. infra). Finalmente, a afirmação de que a Comissão só no caso da recorrente incluiu no cálculo da coima o volume de negócios realizado por actividades não relacionadas com a infracção, é contestada pela Comissão, por não ter qualquer suporte nos factos. A este respeito, resulta da decisão que foi unicamente para calcular o limiar de 10% que levado em conta o volume global de negócios da recorrente, e portanto as suas actividades além das mudanças internacionais na Bélgica. Por conseguinte, este argumento também improcede.

3.     Quanto às circunstâncias atenuantes

a)     Argumentos das partes

145    A recorrente invoca três circunstâncias atenuantes.

146    Em primeiro lugar a recorrente observa que o facto de ter adoptado, sem demora, as medidas necessárias para dar cumprimento às regras do direito comunitário da concorrência podia ser considerado uma circunstância atenuante.

147    Em segundo lugar, a Comissão não tomou em consideração a circunstância de que os OC eram emitidos porque respondiam a uma procura do mercado. A Comissão não pode pretender que uma prática tão generalizada dentro dos seus serviços lhe fosse totalmente desconhecida durante tanto tempo. Esta circunstância é, pois, susceptível de ter mantido e desenvolvido a convicção de que tal prática não era ilícita, uma vez que era solicitada pelos membros de serviços públicos.

148    Em terceiro lugar, a recorrente alega que nunca contestou a materialidade das infracções.

149    A Comissão contesta estes argumentos.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

150    No quadro do presente fundamento bem como no quadro da primeira e segunda partes do segundo fundamento principal, a recorrente invoca três circunstâncias atenuantes.

 Cessação da prática infractora

151    Quanto à cessação da prática infractora por parte da recorrente, considera‑se que a mesma não constitui uma circunstância atenuante que justifique uma redução da coima.

152    Na verdade, como a Comissão observou correctamente, o primeiro travessão do n.° 29 das orientações de 2006 prevê que, embora o montante de base da coima possa ser reduzido quando a empresa em causa prova que pôs termo à infracção desde as primeiras intervenções da Comissão, isso «não será aplicado aos acordos ou práticas de natureza secreta (em especial os cartéis)». Além disso, o benefício desta circunstância atenuante limita‑se aos casos em que a infracção cessa na sequência das primeiras intervenções da Comissão. Ora, a recorrente participou na infracção até 8 de Setembro de 2003, tendo as inspecções tido lugar depois desta data, a saber, 16 de Setembro de 2003.

 Crença na licitude da prática infractora

153    Nos termos do último travessão do n.° 29 das orientações de 2006, «[o] montante de base da coima pode ser diminuído […] designadamente quando […] o comportamento anti‑concorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação».

154    A recorrente alega que o facto da Comissão ter tido conhecimento da prática infractora e de a ter tolerado durante anos criou nela a crença legítima, ainda que errónea, na licitude dessa prática. Além disso, a recorrente apenas se limitou a responder à procura por parte do mercado.

155    A este respeito, a Comissão tem razão quando afirma que a pessoa que está em contacto com o fornecedor, por exemplo, o agente da Comissão, não é o verdadeiro cliente das empresas de mudanças. No considerando 264 da decisão, observa que compete à empresa ou à instituição pública que paga a mudança seleccionar uma empresa de mudanças. É precisamente com o objectivo de terem a possibilidade de fazer uma escolha que várias empresas e instituições públicas exigem a submissão de várias ofertas. Consequentemente, os argumentos de que os OC eram emitidos em resposta à procura por parte do mercado ou de que apenas eram submetidos depois de o cliente ter feito a sua escolha, devem ser julgados improcedentes.

156    O facto de agentes de uma instituição terem pedido OC não pode, pois, ser invocado pela recorrente, que devia saber que esses pedidos não podem ser formulados em nome ou a instigação das instituições, porquanto os mesmos são manifestamente contrários aos seus interesses económicos. Na verdade, a exigência de fornecer três orçamentos destina‑se precisamente a assegurar um mínimo de concorrência e a evitar que uma única empresa de mudanças possa determinar unilateralmente o preço de uma mudança.

157    Além disso, mesmo admitindo que os factos conhecidos por uma pessoa que trabalhe para a Comissão podem ser imputados a esta última enquanto instituição, há que observar que o mero conhecimento do comportamento anticoncorrencial não significa que este comportamento tenha sido implicitamente «autorizado ou incentivado» pela Comissão, na acepção do último travessão do n.° 29 das orientações de 2006. Com efeito, uma alegada inércia não pode ser equiparada a um acto positivo, como é o caso de uma autorização ou um incentivo.

158    Por último, a recorrente não demonstrou que a alegada inacção da Comissão a tivesse, de facto, levado a crer na licitude da prática ou que tivesse gerado uma confusão a tal respeito. De facto, o sentido económico da obrigação de o agente fornecer vários orçamentos é evidente. Não se trata de uma mera formalidade mas sim de um meio de identificar a oferta mais vantajosa. Portanto, no caso em apreço a violação das regras da concorrência é tão evidente, nomeadamente no que respeita aos OC, que um operador diligente não pode invocar uma crença legítima na licitude desta prática.

159    Em todo o caso, há que observar que os argumentos da recorrente apenas dizem respeito aos OC. Ora, a prática dos OC é apenas uma das três vertentes de uma infracção complexa, única e continuada, que inclui, igualmente, um acordo escrito sobre os preços e sobre o pagamento de comissões.

 Não impugnação dos factos

160    Contrariamente à comunicação da Comissão de 18 de Julho de 1996 sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO C 207, p. 4), a comunicação de 2002 sobre a cooperação não prevê a redução com base na não impugnação da materialidade dos factos. Devido à cooperação de Allied Arthur Pierre, a Comissão já tinha em seu poder elementos de prova suficientes para provar a infracção e a não impugnação pela recorrente não apresentou qualquer valor acrescentado. Nestas circunstâncias, a Comissão pôde validamente considerar que não havia que conceder à recorrente uma redução da coima devido à sua cooperação.

161    Consequentemente, o presente fundamento improcede.

4.     Quanto às circunstâncias excepcionais

a)     Argumentos das partes

162    No âmbito dos fundamentos subsidiários, a recorrente invoca, tal como na terceira parte do segundo fundamento e na segunda parte do terceiro fundamento, a sua falta de capacidade contributiva.

163    A Comissão remete para as suas observações formuladas no quadro do segundo e terceiro fundamentos.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

164    Importa lembrar que, no quadro da apreciação do presente fundamento, o Tribunal toma igualmente em consideração os argumentos invocados na terceira parte do segundo fundamento e na segunda parte do terceiro fundamento. A recorrente invoca pois, no essencial, a sua incapacidade de pagamento da coima, queixando‑se de um tratamento desigual relativamente à Interdean.

165    No que diz respeito, em primeiro lugar, à alegada incapacidade contributiva da recorrente, importa observar que uma redução excepcional da coima por dificuldades económicas está sujeita, nos termos do ponto 35 das orientações de 2006, para além de um pedido, à verificação cumulativa de duas condições, a saber, primeiro, a dificuldade intransponível em pagar a coima e, em segundo lugar, a existência de um « dado contexto social e económico».

166    Relativamente à primeira condição, a Comissão limitou‑se a observar, no considerando 632 da decisão, que, «tendo em conta que a coima […] não representa mais do que 3,76% do volume de negócios mundial da empresa em 2006, esta coima não é susceptível de pôr em causa a viabilidade económica da [recorrente]». Assim, a Comissão concluiu que a primeira condição não estava preenchida.

167    Ora, não se pode deixar de observar que esta apreciação é abstracta e de modo algum toma em consideração a situação concreta da recorrente. Um mero cálculo da percentagem que a coima representa relativamente ao volume de negócios mundial da empresa não pode, por si só, fundamentar a conclusão de que essa coima não é susceptível de pôr irremediavelmente em causa a viabilidade económica da empresa. Na verdade, se fosse esse o caso, seria possível indicar limiares concretos de aplicação do n.° 35 das orientações de 2006. Consequentemente, o considerando 632 da decisão não é susceptível de fundamentar a improcedência do pedido da Ziegler.

168    Quanto à segunda condição, a Comissão declarou, nos considerandos 651 e 655 da decisão, que o contexto social e económico no presente processo não revestia um carácter particular na acepção do n.° 35 das orientações de 2006 e que, assim, havia que indeferir todos os pedidos destinados a obter uma redução da coima com esse fundamento. Dado que a recorrente não questionou a declaração de que esta segunda condição não estava preenchida, a Comissão podia indeferir os argumentos da recorrente no sentido da redução da coima devido às suas dificuldades económicas e financeiras.

169    O facto de esta fundamentação se encontrar na parte consagrada à apreciação da situação da Interdean, e não na parte que se refere à Ziegler, não é susceptível de pôr em causa esta conclusão. Na verdade, resulta claro da redacção dos considerandos 651 e 655 da decisão que o que aí se diz vale igualmente para a recorrente.

170    No que respeita, em segundo lugar, à alegada violação do princípio da igualdade face à Interdean, não se pode deixar de observar que a Comissão indeferiu o pedido formulado pela Interdean ao abrigo do n.° 35 das orientações de 2006 pela mesma razão que indeferiu o da recorrente, a saber, a inexistência de um «contexto social e económico particular» (ver considerando 655 da decisão). A este respeito não há, pois, qualquer diferença de tratamento.

171    É verdade, porém, que a Comissão concedeu uma redução da coima à Interdean nos termos do disposto no ponto 37 das orientações de 2006. Contudo, resulta da decisão que a situação da Interdean e a da recorrente não são comparáveis. A este respeito, basta observar que a coima da recorrente está longe do limite de 10% do seu volume de negócios total, enquanto a da Interdean ultrapassou largamente, antes da redução, esse limite.

172    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a sua situação se deteriorou desde a adopção da decisão. Ora, como a própria recorrente de resto reconheceu expressamente na audiência, os acontecimentos posteriores à adopção da decisão não são susceptíveis de influir na legalidade desta. Assim, este fundamento improcede.

173    Daqui se conclui que há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

174    Nos termos do artigo 87, n.° 2, do regulamento de processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida , há que condená‑la nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias no Tribunal, de acordo com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ziegler SA é condenada nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias no Tribunal Geral.

Papasavvas

Wahl

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Junho de 2011.

Assinaturas

Índice


Factos

A –  Objecto do litígio

B –  Recorrente

C –  Procedimento administrativo

D –  Decisão

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto ao direito

A –  Fundamentos para a anulação da decisão

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação e a erros de direito na apreciação das condições necessárias para a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

Observações preliminares

Quanto à afectação sensível do comércio entre os Estados‑Membros

–  Quanto ao carácter transfronteiriço

–  Quanto ao limiar de 40 milhões de euros

–  Quanto ao limiar de 5%

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo aos erros de apreciação manifestos e aos erros de direito na aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

3.  Quando ao terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

4.  Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

5.  Quanto ao quinto fundamento, decorrente da violação do direito de defesa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

B –  Fundamentos para a anulação ou redução da coima

1.  Quanto à afectação sensível do comércio e da concorrência

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

2.  Quanto à gravidade

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

3.  Quanto às circunstâncias atenuantes

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

Cessação da prática infractora

Crença na licitude da prática infractora

Não impugnação dos factos

4.  Quanto às circunstâncias excepcionais

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.