Language of document : ECLI:EU:C:2004:403

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
1 de Julho de 2004 (1)

«Livre circulação de pessoas – Trabalhadores – Imposto sobre o rendimento – Sujeição parcial de um sujeito passivo que recebe uma pequena parte dos seus rendimentos num Estado-Membro e que reside noutro Estado-Membro»

No processo C-169/03,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Regeringsrätten (Suécia), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Florian W. Wallentin

e

Riksskatteverket,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação do artigo 39.° CE,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),



composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, A. La Pergola, S. von Bahr, R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts, juízes,

advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de F. Wallentin, pelo próprio,

em representação da Riksskatteverket, por T. Wallén, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Mercier, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por A. Guimarães-Purokoski, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Março de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 10 de Abril de 2003, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Abril seguinte, o Regeringsrätten submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 39.° CE, a fim de determinar se as disposições de direito sueco relativas à cobrança de um imposto especial sobre os rendimentos das pessoas com domicílio no estrangeiro podem, sob certos aspectos, considerar‑se contrárias a este artigo.

2
Esta questão coloca‑se no âmbito de um litígio que opõe F. W. Wallentin à Riksskatteverket (administração das contribuições).


Quadro jurídico, litígio no processo principal e questão prejudicial

3
F. W. Wallentin, de nacionalidade alemã, tinha, na época dos factos do litígio no processo principal, domicílio na Alemanha, onde prosseguia estudos. Os seus pais pagavam‑lhe mensalmente o montante de 650 DEM e recebia uma bolsa do Estado alemão, no montante de 350 DEM por mês, para despesas de alojamento e despesas correntes. Esses montantes não constituíam, por natureza, rendimento tributável por força do direito fiscal alemão.

4
Entre 3 e 25 de Julho de 1996, F. W. Wallentin frequentou, na Igreja da Suécia, um estágio remunerado. Para esse efeito, permaneceu na Suécia de 1 de Julho a 26 de Agosto de 1996. Essa Igreja pagou‑lhe o montante de 8 724 SEK como remuneração do estágio.

5
F. W. Wallentin apresentou aos serviços fiscais suecos um pedido de isenção do imposto sobre o rendimento relativamente a esse montante. Este pedido foi indeferido, tendo os serviços fiscais indicado que devia ser feita uma retenção fiscal de 25% sobre o montante em causa, a título de imposto sobre o rendimento, em aplicação da «Lagen (1991:586) om särskild inkomstskatt för utomlands bosatta» (lei relativa ao imposto especial sobre o rendimento de residentes no estrangeiro, a seguir «lei SINK»), que regula os casos de sujeição parcial ao imposto sobre o rendimento.

6
A lei SINK é aplicável às pessoas domiciliadas no estrangeiro que, durante as estadias de curta duração na Suécia, que não excedam seis meses por ano, aí aufiram rendimentos. Trata‑se de um imposto que é retido na fonte e que não comporta qualquer direito de dedução ou de redução ligado à situação pessoal do contribuinte. Em contrapartida, a taxa do imposto especial sobre o rendimento é inferior à taxa aplicável ao imposto geral sobre o rendimento que, sendo progressivo, ronda os 30%, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio.

7
As pessoas domiciliadas na Suécia durante mais de seis meses por ano e sujeitas ao imposto geral sobre o rendimento (sujeitos passivos integrais) beneficiam de uma redução de base que, para o ano fiscal em causa, ascendia a 8 600 SEK. A totalidade dessa redução apenas é concedida aos sujeitos passivos que tenham tido domicílio na Suécia durante um ano fiscal completo. Quando se trate de períodos de domicílio mais curtos, mas que excedam seis meses, a redução é concedida proporcionalmente ao número de meses de estadia.

8
F. W. Wallentin defende que o facto de a redução de base apenas ser concedida aos sujeitos passivos integrais, e não aos sujeitos passivos parciais, constitui uma discriminação proibida pelo artigo 39.° CE.

9
O länsrätten i Norbottens län (Suécia), chamado a pronunciar‑se em primeira instância, deu provimento ao pedido de F. W. Wallentin. Com base em recurso dos serviços fiscais, esta decisão foi anulada pelo Kammarrätten i Sundsvall (Suécia) e F. W. Wallentin interpôs recurso no Regeringsrätten. Por ter dúvidas sobre a questão de saber se a regulamentação em causa é contrária ao artigo 39.° CE, este último decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«O artigo 39.° do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação dum Estado‑Membro disponha que as pessoas singulares que não são consideradas residentes no país para efeitos fiscais, mas que aí obtêm um rendimento de trabalho (obrigação fiscal limitada), sejam tributadas através de retenção na fonte constituída de forma a que não são admitidas nem a dedução de base nem outras deduções relativas à sua situação pessoal, enquanto os residentes no país têm direito a tais deduções quando da tributação normal de todos os rendimentos obtidos nesse Estado‑Membro ou no estrangeiro (obrigação fiscal ilimitada), mas em que a inexistência do direito à dedução de base e outras é tomada em consideração mediante a aplicação duma taxa de imposto mais baixa que a aplicável aos sujeitos passivos residentes no país?»


Quanto à questão prejudicial

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

10
O Riksskatteverket e os Governos francês e finlandês alegam, baseando‑se nos acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, Colect., p. I‑225), de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C‑80/94, Colect., p. I‑2493), e de 12 de Junho de 2003, Gerritse (C‑234/01, Colect., p. I‑5933), que a distinção entre sujeitos passivos integrais e sujeitos passivos parciais do imposto sobre o rendimento é adequada, porque as situações em que se encontram esses sujeitos passivos não são objectivamente comparáveis, tanto do ponto de vista da fonte dos seus rendimentos como da sua capacidade contributiva pessoal ou da sua situação pessoal e familiar. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a capacidade contributiva pessoal do não‑residente, uma vez que resulta do facto de se tomarem em conta todos os seus rendimentos e a sua situação pessoal e familiar, pode ser mais facilmente apreciada no lugar onde se situa o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais, que corresponde, em geral, à sua residência habitual. O facto de a redução não ser concedida não é, portanto, discriminatório.

11
Segundo o Riksskatteverket, F. W. Wallentin não pode querer estar numa situação comparável à das pessoas domiciliadas na Suécia. A sua situação compara‑se mais com a das pessoas que residiram e trabalharam na Suécia durante uma parte do ano e que, portanto, beneficiaram da redução de base de maneira proporcional. A redução em causa poderia, portanto, ser atribuída a F. W. Wallentin, proporcionalmente, em relação aos dois meses durante os quais permaneceu na Suécia, mas não na totalidade.

12
O Governo finlandês sublinha que deve ser preservada a coerência do regime fiscal. É contrário a essa coerência fazer beneficiar de uma redução aplicável a uma tributação progressiva um contribuinte que deve pagar um imposto de taxa fixa no âmbito de um regime de retenção na fonte. O contribuinte residente no estrangeiro e sujeito ao imposto sobre o rendimento retido na fonte e cobrado na Suécia beneficia, desta forma, de uma vantagem injustificada.

13
F. W. Wallentin e a Comissão defendem, no entanto, que a regulamentação em causa constitui uma discriminação proibida pelo artigo 39.° CE e que, no caso vertente, a redução de base deve ser concedida na totalidade.

14
A Comissão remete especialmente para o n.° 36 do acórdão Schumacker, já referido, no qual o Tribunal de Justiça considerou que os princípios, conforme recordados no n.° 10 do presente acórdão, não se aplicam ao caso de o não‑residente não auferir um rendimento significativo no Estado‑Membro da sua residência e obter o essencial dos seus recursos tributáveis de uma actividade exercida no Estado do emprego, pelo que o Estado da residência não lhe pode conceder os benefícios que resultam da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar. Este raciocínio é igualmente aplicável no caso presente.

Resposta do Tribunal

15
Resulta da jurisprudência do Tribunal que, em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não‑residentes num Estado não são, em regra, comparáveis na medida em que o rendimento auferido no território de um Estado por um não‑residente constitui, na maior parte dos casos, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da sua residência, e que a capacidade contributiva pessoal do não‑residente, resultante da tomada em consideração de todos os seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode mais facilmente ser apreciada no local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais, que corresponde, geralmente, à sua residência habitual (acórdãos Schumacker, já referido, n.os 31 e 32; de 14 de Setembro de 1999, Gschwind, C‑391/97, Colect., p. I‑5451, n.° 22; de 16 de Maio de 2000, Zurstrassen, C‑87/99, Colect., p. I‑3337, n.° 21; e Gerritse, já referido, n.° 43).

16
Do mesmo modo, o facto de um Estado‑Membro não atribuir a um não‑residente certos benefícios fiscais que concede ao residente não é, regra geral, discriminatório, tendo em conta as diferenças objectivas entre a situação dos residentes e a dos não‑residentes, tanto do ponto de vista da fonte dos rendimentos como da capacidade contributiva pessoal ou da situação pessoal e familiar (acórdãos, já referidos, Schumacker, n.° 34; Gschwind, n.° 23; e Gerrtse, n.° 44).

17
O Tribunal já decidiu, todavia, que assim não sucede no caso de o não‑residente não auferir rendimentos significativos no Estado de residência e obter o essencial dos seus recursos tributáveis de uma actividade exercida no Estado de emprego, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar (v. acórdãos Schumacker, já referido, n.° 36, e de 12 de Dezembro de 2002, de Groot, C‑385/00, Colect., p. I‑11819, n.° 89). Com efeito, quando se trate de um não‑residente que aufere o essencial dos seus rendimentos num Estado‑Membro diverso do da sua residência, a discriminação consiste em a situação pessoal e familiar desse não‑residente não ser tomada em consideração nem no Estado de residência nem no Estado de emprego (acórdão Schumacker, já referido, n.° 38), independentemente das diferentes taxas aplicáveis ao imposto especial sobre o rendimento e ao imposto geral sobre o rendimento.

18
É precisamente esse o caso do processo principal, que se caracteriza pelo facto de F. W. Wallentin não auferir, na época dos factos em causa, nenhum rendimento tributável no Estado da sua residência, na medida em que a pensão mensal de alimentos paga pelos pais e a bolsa de apoio que o Estado alemão lhe concedia não constituíam, por força da legislação fiscal deste Estado, rendimentos tributáveis.

19
Quanto à questão de saber se a redução de base reflecte uma tomada em consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte, o Tribunal de Justiça decidiu, no que respeita ao montante de base não tributável em direito alemão («Grundfreibetrag»), que esta prossegue uma finalidade social, uma vez que permite garantir ao contribuinte um mínimo vital não sujeito ao imposto sobre o rendimento (acórdão Gerritse, já referido, n.° 48). Nenhum elemento dos autos permite que se imponha uma apreciação diferente no caso da redução de base prevista no direito fiscal sueco.

20
Daqui resulta que o facto de esta redução não ser concedida às pessoas parcialmente sujeitas ao imposto, que não auferem qualquer rendimento tributável no Estado da sua residência, constitui uma discriminação proibida pelo artigo 39.° CE.

21
O argumento baseado no facto de a concessão da redução fiscal a um não‑residente pôr em causa a coerência fiscal, quando existe, em direito fiscal sueco, um nexo directo entre a tomada em consideração da situação pessoal e familiar e o direito de se tributar integralmente e de modo progressivo os rendimentos mundiais dos residentes, não pode ser acolhido. Com efeito, numa situação como a do processo principal, o Estado da residência não pode tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte, pois a carga fiscal é aí inexistente. Quando tal acontece, o princípio comunitário da igualdade de tratamento exige que a situação pessoal e familiar do estrangeiro não‑residente seja tomada em consideração no Estado do emprego da mesma forma que para os nacionais residentes e que lhes sejam concedidos os mesmos benefícios fiscais (v. acórdão Schumacker, já referido, n.° 41).

22
A distinção entre residentes e não‑residentes, em causa no processo principal, não encontra assim qualquer justificação na necessidade de se garantir a coerência do regime fiscal aplicável (v., numa situação semelhante, acórdão Schumacker, já referido, n.° 42).

23
Além disso, a concessão, no presente caso, da mesma redução fiscal que a que está prevista para as pessoas domiciliadas na Suécia durante todo o ano fiscal não confere um benefício injustificado a F. W. Wallentin, uma vez que ele não dispõe de nenhuns recursos tributáveis no seu Estado‑Membro de residência, eventualmente constitutivos do direito à concessão de uma redução semelhante neste último Estado.

24
Deve, portanto, responder‑se à questão colocada que o artigo 39.° CE se opõe a que uma legislação de um Estado‑Membro disponha que as pessoas singulares, relativamente às quais se considere que não têm domicílio fiscal neste Estado‑Membro, mas que aí auferem um rendimento de trabalho,

sejam tributadas por retenção na fonte, de tal forma que a redução de base ou todas as outras reduções ou deduções relativas à situação pessoal do contribuinte não sejam autorizadas,

ao passo que os contribuintes domiciliados nesse mesmo Estado têm direito de imputar essas reduções ou deduções aquando da imposição geral dos seus rendimentos recebidos nesse Estado e no estrangeiro,

quando os não‑residentes no Estado de tributação apenas dispuseram, no seu próprio Estado de residência, de recursos que, por natureza, não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento.


Quanto às despesas

25
As despesas efectuadas pelos Governos francês e finlandês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

pronunciando‑se sobre as questões submetidas pelo Regeringsrätten, por despacho de 10 de Abril de 2003, declara:

O artigo 39.° CE opõe‑se a que uma legislação de um Estado‑Membro disponha que as pessoas singulares, relativamente às quais se considere que não têm domicílio fiscal neste Estado‑Membro, mas que aí auferem um rendimento de trabalho,

sejam tributadas por retenção na fonte, de tal forma que a redução de base ou todas as outras reduções ou deduções relativas à situação pessoal do contribuinte não sejam autorizadas,

ao passo que os contribuintes domiciliados nesse mesmo Estado têm direito de imputar essas reduções ou deduções aquando da imposição geral dos seus rendimentos recebidos nesse Estado e no estrangeiro,

quando os não‑residentes no Estado de tributação apenas dispuseram, no seu próprio Estado de residência, de recursos que, por natureza, não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento.

Jann

La Pergola

von Bahr

Silva de Lapuerta

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Julho de 2004.

O secretário

O presidente da Primeira Secção

R. Grass

P. Jann


1
Língua do processo: sueco.