Language of document : ECLI:EU:T:2011:362

Processo T‑138/07

Schindler Holding Ltd e o.

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado da instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Manipulação dos concursos públicos – Repartição dos mercados – Fixação dos preços»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Direito a um processo equitativo – Inaplicabilidade do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

(Artigo 81.° CE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°)

2.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção e aplica coimas – Carácter penal – Inexistência

(Artigos 81.° CE e 229.° CE; Regulamento n.° 1/2003, artigos 23.°, n.° 5, e 31.°)

3.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara a existência de uma infracção – Utilização de declarações de outras empresas que participaram na infracção como meio de prova – Admissibilidade – Requisitos

(Artigos 81.° CE e 82.° CE)

4.      Actos das instituições – Notificação – Irregularidades – Efeitos – Suspensão do prazo para interposição de recurso

(Artigos 230.°, quinto parágrafo, CE, e 254.°, n.° 3, CE)

5.      Concorrência – Regras da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação – Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre as filiais detidas a 100% por esta

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

6.      Concorrência – Regras da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre as filiais detidas a 100% por esta

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

7.      Direito da União – Princípios gerais de direito – Segurança jurídica – Legalidade das penas – Alcance

8.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 – Violação do princípio da legalidade das penas – Inexistência – Carácter previsível das alterações introduzidas pelas Orientações

(Artigo 229.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigos 23.°, n.° 2, e 31.°; Comunicações da Comissão 98/C 9/03 e 2002/C 45/03)

9.      Concorrência – Regras da União – Infracções – Coimas – Determinação – Critérios – Aumento do nível geral das coimas

(Regulamentos n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

10.    Concorrência – Coimas – Competência própria da Comissão que decorre do Tratado

[Artigos 81.° CE, 82.° CE, 83.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), CE, 202.°, terceiro travessão, CE e 211.°, primeiro travessão, CE; Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação das Orientações para o cálculo das coimas – Violação do princípio da não retroactividade das leis penais – Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

12.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação das Orientações para o cálculo das coimas – Admissibilidade – Violação dos princípios da protecção da confiança legítima, da transparência e da previsibilidade – Inexistência

(Comunicação 1998/C 9/03 da Comissão)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação da comunicação sobre a cooperação – Violação dos princípios da não retroactividade e da protecção da confiança legítima – Inexistência

(Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não aplicação ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Violação do direito de não contribuir para a sua própria incriminação e dos princípios da presunção de inocência e da proporcionalidade – Inexistência – Ultrapassagem do poder de apreciação da Comissão na adopção da comunicação sobre a cooperação – Inexistência

(Artigo 81.° CE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 18.° a 21.° e 23.°; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão, pontos 11 e 23)

15.    Direito da União – Princípios – Direitos fundamentais – Direito de propriedade – Restrições – Admissibilidade

(Artigos 81.° CE, 82.° CE e 295.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

16.    Concorrência – Coimas – Orientações para o cálculo das coimas – Natureza jurídica

(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

17.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Obrigação de ter em consideração o impacto concreto no mercado – Inexistência – Papel preponderante do critério relativo à natureza da infracção

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

18.    Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigo 253.° CE; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

19.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Obrigação de ter em consideração a dimensão do mercado – Inexistência

(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão)

20.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Tomada em consideração da capacidade económica efectiva da empresa para causar um prejuízo – Obrigação de fixar o montante da coima de modo proporcional à dimensão da empresa – Inexistência – Fixação do montante da coima em função da repartição dos membros do acordo por categorias – Requisitos – Fiscalização jurisdicional

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

21.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Cessação da infracção anteriormente à intervenção da Comissão – Caso de uma infracção grave – Exclusão

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)

22.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Obrigação da Comissão de ter em conta um programa de conformidade da empresa em causa com as regras de concorrência – Inexistência

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

23.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

24.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Atitude da empresa durante o procedimento administrativo – Apreciação do grau da cooperação de cada uma das empresas participantes no acordo

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

25.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Margem de apreciação reservada à Comissão – Limites – Respeito do princípio da proporcionalidade – Requisitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

1.      O princípio nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo é um princípio geral de direito da União, reafirmado pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e garantido pelo artigo 6.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Este princípio inspira‑se nos direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito da União, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros bem como nas indicações fornecidas, nomeadamente, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Embora, ao adoptar uma interpretação autónoma do conceito de «acusação em matéria penal», os órgãos da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais tenham laçado as bases de um alargamento progressivo da aplicação da vertente penal do artigo 6.° a domínios que não se integram formalmente nas categorias tradicionais do direito penal, tais como as sanções pecuniárias aplicadas por violação do direito da concorrência, no entanto, quanto às categorias que não fazem parte do núcleo duro do direito penal, as garantias proporcionadas pela vertente penal desta disposição não devem necessariamente aplicar‑se em todo o seu rigor.

(cf. n.os 51‑52)

2.      As decisões da Comissão que aplicam coimas pela violação do direito da concorrência não têm natureza penal. Assim, um procedimento em cujo âmbito a Comissão adopta uma decisão que declara uma infracção e aplica coimas que pode depois ser submetido ao controlo dos órgãos jurisdicionais da União preenche os requisitos do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Embora seja verdade que a Comissão não é um tribunal na acepção do artigo 6.° desta Convenção, deve, no entanto, respeitar os princípios gerais de direito da União no decurso do procedimento administrativo.

Além disso, o controlo exercido pelo juiz da União sobre as decisões da Comissão garante que são cumpridos os requisitos de um processo equitativo, tal como consagrado pelo artigo 6.°, n.° 1, da referida Convenção. A este respeito, é necessário que a empresa em causa possa submeter qualquer decisão que lhe seja aplicada a um órgão jurisdicional de plena jurisdição, que tenha designadamente o poder de rever a decisão adoptada em todos os âmbitos, tanto de facto como de direito. Ora, quando o juiz da União controla a legalidade de uma decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE, pode ser chamado pelos recorrentes a proceder a uma análise exaustiva tanto da verificação material dos factos como da sua apreciação jurídica pela Comissão. Além disso, no que respeita às coimas, goza de competência de plena jurisdição por força do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003.

(cf. n.os 53‑56)

3.      Nenhuma disposição nem nenhum princípio geral de direito da União proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa declarações de outras empresas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado. Todavia, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo, cuja exactidão é contestada por várias empresas incriminadas, não pode ser considerada prova suficiente dos factos em causa sem ser apoiada por outros elementos de prova.

(cf. n.° 57)

4.      As irregularidades no processo de notificação de uma decisão são alheias ao acto e, portanto, não podem afectá‑lo. Estas irregularidades podem apenas, em certas circunstâncias, impedir o início da contagem do prazo referido no artigo 230.°, quinto parágrafo, CE, para interposição de recurso. Não é esse o caso quando a recorrente teve incontestavelmente conhecimento do conteúdo da decisão impugnada e fez uso do seu direito de recurso no prazo referido neste artigo.

(cf. n.° 61)

5.      O comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas. Com efeito, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa. Assim, o facto de uma sociedade‑mãe e a sua filial constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE permite à Comissão dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar a implicação pessoal desta última na infracção.

No caso especial de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras de concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial, e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial.

Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela respectiva sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, apresente elementos de prova suficientes, susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado.

(cf. n.os 69‑72, 82)

6.      No caso especial de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência da União, a imputação do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe não necessita da prova de que a sociedade‑mãe influencia a política da sua filial no domínio específico que foi objecto da infracção. Em contrapartida, os vínculos organizacionais, económicos e jurídicos existentes entre a sociedade‑mãe e a sua filial podem demonstrar a existência de uma influência da primeira sobre a estratégia da segunda e, logo, justificar que sejam consideradas uma só entidade económica. Assim, se a Comissão provar que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe, pode responsabilizar solidariamente a sociedade‑mãe pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, excepto se a sociedade‑mãe provar que a sua filial se comporta de maneira autónoma no mercado. Com efeito, não é uma relação de instigação entre a sociedade‑mãe e a sua filial relativamente à infracção nem, por maioria de razão, uma implicação da primeira na referida infracção, mas o facto de constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE que permite à Comissão dirigir uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe de um grupo de sociedades.

A circunstância de a sociedade‑mãe não ter dado às suas filiais instruções que permitissem ou encorajassem contactos contrários ao artigo 81.° CE e não ter tido conhecimento de tais contactos, não constitui um elemento susceptível de provar a autonomia das referidas filiais. O facto de as filiais terem participado em infracções distintas, de natureza diferente, em quatro países diferentes, também não pode ilidir a presunção de responsabilidade uma vez que a Comissão não se baseou num possível paralelismo entre as infracções verificadas para imputar à sociedade‑mãe o comportamento das suas filiais. Do mesmo modo, o facto de a sociedade‑mãe ter adoptado um código de conduta destinado a impedir as violações, pelas suas filiais, do direito da concorrência e das orientações relativas ao mesmo, por um lado, não altera nada à realidade da infracção verificada em relação à mesma e, por outro, não permite demonstrar que as referidas filiais determinavam de maneira autónoma a sua política comercial. Pelo contrário, a aplicação do referido código de conduta sugere antes um controlo efectivo pela sociedade‑mãe da política comercial das suas filiais.

(cf. n.os 82, 85, 87‑88)

7.      O princípio da legalidade das penas é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual constitui um princípio geral do direito da União que exige, designadamente, que qualquer regulamentação comunitária, especialmente quando esta aplica ou permite aplicar sanções, seja clara e precisa, a fim de que os interessados possam conhecer, sem ambiguidade, os direitos e obrigações dela resultantes e agir em conformidade.

O princípio da legalidade das penas, que faz parte dos princípios gerais de direito da União na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais, designadamente no artigo 7.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Este princípio exige que a lei defina claramente as infracções e as penas que as punem. Esta condição está preenchida quando o sujeito de direito pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, se necessário, com a ajuda da interpretação que dela é feita pelos tribunais, que actos e omissões accionam a sua responsabilidade penal. Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a clareza da lei é apreciada não só na perspectiva da disposição pertinente mas também na das precisões efectuadas por jurisprudência constante e publicada.

Este princípio impõe‑se tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que impõem ou permitem impor sanções administrativas. Aplica‑se não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infracção, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infracção às primeiras.

O artigo 7.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais não exige que os termos das disposições por força das quais essas sanções são aplicadas sejam a tal ponto precisos que as consequências que podem decorrer da infracção a essas disposições sejam previsíveis com uma certeza absoluta. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o facto de uma lei conferir um poder de apreciação não colide, em si, com a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente, tendo em conta o objectivo legítimo em jogo, para proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade. A este propósito, além do texto da própria lei, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram precisados em jurisprudência assente e publicada.

(cf. n.os 95‑97, 99)

8.      No que respeita à legalidade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 face ao princípio da legalidade das penas, o legislador da União não atribuiu à Comissão uma margem de apreciação excessiva ou arbitrária para a fixação das coimas por infracção às regras da concorrência.

Com efeito, em primeiro lugar, esta disposição limita o exercício da referida margem de apreciação ao estabelecer critérios objectivos que a Comissão deve ter em conta. A este respeito, por um lado, recorde‑se que o montante da coima que pode ser aplicada conhece um limite quantificável e absoluto, calculado em função de cada empresa, para cada infracção, pelo que o montante máximo da coima que pode ser aplicada a uma dada empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, esta disposição impõe à Comissão que fixe as coimas em cada caso concreto tomando em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

Em segundo lugar, no exercício do seu poder de apreciação para fixar coimas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão é obrigada a observar os princípios gerais de direito, especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

Em terceiro lugar, para efeitos de assegurar a previsibilidade e a transparência da sua acção, o exercício pela Comissão do seu poder de apreciação é igualmente limitado pelas regras de conduta que a si mesma impôs na Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis e nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA. Para este efeito, as referidas comunicação e orientações, por um lado, enunciam regras de conduta de que a Comissão não pode afastar‑se sob pena de ser sancionada por violação dos princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima e, por outro, garantem a segurança jurídica das empresas em causa ao determinar a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

Além disso, a adopção, pela Comissão, das referidas orientações e, em seguida, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que está inserida no quadro jurídico imposto pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, contribuiu unicamente para precisar os limites do exercício do poder de apreciação da Comissão que resultavam já destas disposições, sem que daí se possa deduzir uma insuficiência inicial da determinação, pelo legislador da União, dos limites da competência da Comissão no domínio em causa.

Em quarto lugar, nos termos do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o juiz da União decide com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular estas decisões, mas também suprimir, reduzir ou elevar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa conhecida e acessível da Comissão está sujeita à plena fiscalização do juiz da União. Esta fiscalização permitiu esclarecer, em jurisprudência assente e publicada, os conceitos indeterminados que podia conter o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e, depois, o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Assim, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. O facto de esse operador não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas.

(cf. n.os 101‑102, 105‑108)

9.      Em matéria de aumento do nível das coimas na sequência da adopção das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão pode, a todo o tempo, adaptar o nível das coimas se a aplicação eficaz das regras de concorrência da União o exigir, podendo então essa alteração da prática administrativa da Comissão ser objectivamente justificada pelo objectivo de prevenção geral das infracções às regras de concorrência da União. O aumento do nível das coimas não pode, pois, em si, ser considerado ilegal face ao princípio da legalidade das penas, uma vez que se mantém no quadro legal definido pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

(cf. n.° 112)

10.    Em matéria de competência da Comissão para aplicar coimas por infracções às regras de concorrência da União, não se pode considerar que o poder de aplicar essas coimas pertence originariamente ao Conselho, que o transferiu para a Comissão ou delegou nesta a respectiva execução, na acepção do artigo 202.°, terceiro travessão, CE. De acordo com as disposições dos artigos 81.° CE, 82.° CE, 83.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), CE e 202.°, terceiro travessão, CE, este poder integra‑se no papel específico da Comissão de velar pela aplicação do direito da União, papel este que, tratando‑se da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, foi precisado, enquadrado e formalizado pelos Regulamentos n.os 17 e 1/2003. O poder de aplicar coimas que estes regulamentos atribuem à Comissão decorre, pois, das previsões do próprio Tratado e destina‑se a permitir a aplicação efectiva das proibições previstas nos referidos artigos.

(cf. n.° 115)

11.    O princípio da não retroactividade das disposições penais, consagrado no artigo 7.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras da concorrência e exige que as sanções aplicadas correspondam às que estavam fixadas na época em que a infracção foi cometida. A adopção de orientações susceptíveis de modificar a política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade.

No que se refere ao respeito do princípio da não retroactividade pelas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, o aumento do nível das coimas inscreve‑se no quadro legal fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que as orientações dispõem expressamente, no n.° 5, alínea a), que as coimas aplicadas nunca poderão ultrapassar 10% do volume de negócios previsto pelas referidas disposições.

A principal inovação das referidas orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta assim essencialmente numa tarifação, ainda que relativa e flexível, das coimas.

O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a determinados tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados nos Regulamentos n.os 17 e 1/2003, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política de concorrência da União. Pelo contrário, a aplicação eficaz das regras da concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem confiar legitimamente que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas. Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de que, a todo o momento, a Comissão decida aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado.

Nestas condições, as referidas orientações não violam o princípio da não retroactividade na medida em que levaram à aplicação de coimas mais elevadas do que as aplicadas no passado ou em que os limites da previsibilidade foram ultrapassados. As orientações e, em especial, o novo método de cálculo das coimas que as mesmas comportam, admitindo que tenha tido um efeito agravante quanto ao nível das coimas infligidas, eram com efeito razoavelmente previsíveis.

(cf. n.os 118‑119, 123‑128, 133)

12.    Foi com um intuito de transparência e para aumentar a segurança jurídica das empresas em causa que a Comissão publicou as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA e nelas enunciou o método de cálculo que impôs a si mesma em cada situação. Ao adoptar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima. As orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas. Por outro lado, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. É certo que um operador não pode, antecipadamente, perante as referidas orientações, prever o montante preciso da coima que a Comissão aplicará em cada caso concreto. Todavia, devido à gravidade das infracções que a Comissão é chamada a punir, os objectivos de repressão e de dissuasão justificam que se evite que as empresas possam avaliar os benefícios que retirariam da sua participação numa infracção tendo em conta, por antecipação, o montante da coima que lhes seria aplicada devido a esse comportamento ilícito.

(cf. n.os 135‑136, 201‑202)

13.    Não viola o princípio da não retroactividade nem o da protecção da confiança legítima a tomada em conta, quando da determinação do montante de coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência da União, da comunicação sobre a imunidade de coimas e a redução do seu montante nos processos relativos a cartéis. Com efeito, destes dois princípios, o primeiro não se opõe à aplicação de orientações que tenham, por hipótese, um efeito agravante quanto ao nível das coimas desde que a política que implementam seja razoavelmente previsível. Quanto ao segundo, os operadores económicos não podem confiar legitimamente na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada pelas instituições no âmbito do respectivo poder de apreciação.

(cf. n.os 143‑144)

14.    Embora seja verdade que, ao abrigo dos princípios gerais do direito da União, dos quais fazem parte integrante os direitos fundamentais e à luz dos quais todos os textos de direito da União devem ser interpretados, as empresas têm o direito não serem coagidas pela Comissão a confessarem a sua participação numa infracção às regras da concorrência, esta última não fica por essa razão impedida de tomar em consideração, na fixação do montante da coima, o auxílio que uma empresa, por sua própria vontade, lhe tenha prestado para demonstrar a existência da infracção. A este respeito, a cooperação a título da comunicação sobre a imunidade de coimas e a redução do seu montante nos processos relativos a cartéis tem carácter puramente voluntário para a empresa em causa. Esta não é, com efeito, de modo algum obrigada a fornecer elementos de prova relativos ao alegado cartel. O nível de cooperação que a empresa pretende oferecer durante o procedimento administrativo depende exclusivamente da sua livre escolha, não sendo, em caso algum, imposto pela comunicação sobre a cooperação. Além disso, nenhuma disposição desta comunicação exige que a empresa em causa se abstenha de contestar ou de corrigir factos errados apresentados por outra empresa.

Esta comunicação também não ignora o princípio in dubio pro reo e o princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o qual faz parte também dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reafirmada no artigo 6.°, n.° 2, UE, bem como no artigo 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, são reconhecidos na ordem jurídica da União. Com efeito, a cooperação ao abrigo desta comunicação, por um lado, tem carácter puramente voluntário para a empresa em causa e não implica nenhuma obrigação de fornecer elementos de prova e, por outro, não afecta a obrigação que incumbe à Comissão, que tem o ónus da prova das infracções que declara, de apresentar os elementos de prova adequados para demonstrar, de forma juridicamente adequada, a existência dos factos constitutivos da infracção. Para este fim, a Comissão pode basear‑se, sem violar o princípio da presunção de inocência, não apenas em documentos que tenha recolhido quando de inspecções nos termos dos Regulamentos n.os 17 e 1/2003 ou que tenha recebido em resposta a pedidos de informação ao abrigo dos referidos regulamentos, mas também em elementos de prova que uma empresa lhe tenha apresentado voluntariamente nos termos desta comunicação.

A comunicação sobre a cooperação também não ignora o princípio da proporcionalidade. Esta comunicação afigura‑se um instrumento apropriado e indispensável para demonstrar a existência de cartéis horizontais secretos e, portanto, orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência. Com efeito, ainda que os instrumentos previstos nos artigos 18.° a 21.° do Regulamento n.° 1/2003, a saber, os pedidos de informações e as inspecções, constituam medidas indispensáveis no âmbito do combate a violações ao direito da concorrência, os cartéis secretos são frequentemente difíceis de detectar e de instruir sem a cooperação das empresas em causa. Assim, uma parte num cartel que pretenda pôr termo à sua participação pode ser dissuadida de informar a Comissão devido à elevada coima que lhe pode ser aplicada. Ao estabelecer a atribuição de uma imunidade ou de uma redução significativa das coimas para as empresas que forneçam à Comissão elementos de prova da existência de um cartel horizontal, a comunicação sobre a cooperação visa evitar que essa parte renuncie a informar a Comissão da existência de um cartel.

Por último, a Comissão não ultrapassou os poderes que lhe confere o Regulamento n.° 1/2003 quando se dotou de regras de conduta na comunicação sobre a cooperação destinadas a guiá‑la no exercício do seu poder de apreciação em matéria de fixação das coimas, com o objectivo de ter em conta designadamente o comportamento das empresas durante o procedimento administrativo e assim melhor garantir a igualdade de tratamento entre as empresas em causa. Com efeito, a Comissão tem a faculdade, mas não a obrigação, de aplicar uma coima a uma empresa autora de uma violação do artigo 81.° CE. Além disso, o artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003 não enumera de forma limitativa os critérios que a Comissão pode ter em conta para fixar o montante da coima. O comportamento da empresa no decurso do procedimento administrativo pode, assim, fazer parte dos elementos que há que ter em consideração no momento dessa fixação.

(cf. n.os 149‑150, 153, 155, 160, 162‑163, 168‑169, 171, 174‑176)

15.    As competências da União devem ser exercidas com observância do direito internacional. O direito de propriedade é protegido não só pelo direito internacional, mas faz igualmente parte dos princípios gerais do direito da União. Todavia, a prevalência do direito internacional sobre o direito da União não é extensiva ao direito primário e, em particular, aos princípios gerais de que fazem parte os direitos fundamentais. A este propósito, o direito de propriedade não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituam, atendendo ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido. Dado que a aplicação dos artigos 81.° CE e 86.° CE constitui um dos aspectos do interesse público comunitário, podem ser feitas restrições, em aplicação destes artigos, ao uso do direito de propriedade, na condição de não serem desmesuradas e de não violarem a própria substância deste direito.

(cf. n.os 187‑190)

16.    Mesmo que as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não possam ser qualificadas como norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está obrigada a observar, elas enunciam no entanto uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento. Ao adoptar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima. Além disso, as referidas orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas.

(cf. n.os 200‑202)

17.    A gravidade das infracções ao direito da concorrência da União deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração.

Em conformidade com o ponto 1 A, primeiro parágrafo, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão deve, no âmbito da avaliação da gravidade da infracção, proceder a uma análise do impacto concreto no mercado apenas quando se verificar que esse impacto é quantificável. Para apreciar esse impacto, compete à Comissão referir‑se ao jogo da concorrência que teria normalmente existido se não tivesse existido infracção. Assim, dado que as recorrentes não demonstram que o impacto concreto dos cartéis era mensurável, a Comissão não é obrigada a ter em conta o impacto concreto das infracções para efeitos da apreciação da sua gravidade. O efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui, com efeito, um critério determinante para a apreciação da gravidade de uma infracção. Elementos atinentes ao aspecto intencional podem ter mais importância do que os que dizem respeito aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infracções intrinsecamente graves como a repartição dos mercados. É deste modo que a natureza da infracção desempenha um papel primordial, designadamente, para caracterizar as infracções de «muito graves». Resulta da descrição das infracções muito graves pelas referidas orientações que acordos ou práticas concertadas que tenham por objectivo, designadamente, a repartição dos mercados podem ser qualificados de infracções «muito graves» apenas com base na sua natureza, não sendo necessário caracterizar esses comportamentos mediante um impacto ou um âmbito geográfico específicos e sem que a não tomada em consideração do impacto concreto das infracções possa dar lugar a uma violação do princípio da presunção de inocência.

Nestas condições, independentemente da estrutura alegadamente variada dos cartéis, pela sua própria natureza, as infracções às regras de concorrência declaradas numa decisão da Comissão figuram entre as violações mais graves do artigo 81.° CE uma vez que têm por objecto uma concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem partes de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novas, e para não concorrerem entre si quanto à manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes. Além da grave alteração da concorrência que implicam, estes acordos, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objectivo principal do Tratado de integração do mercado da União. Também as infracções deste tipo, em especial quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas de particularmente graves ou de infracções manifestas.

(cf. n.os 198, 214‑215, 221‑223, 234‑235, 254)

18.    Em matéria de decisões da Comissão que declaram uma infracção às regras de concorrência da União e aplicam coimas, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção e a sua duração, sem que seja obrigada a apresentar uma exposição mais detalhada ou os elementos quantificados relativos ao modo de cálculo da coima. Uma vez que, na decisão impugnada, a Comissão indicou que os montantes iniciais das coimas foram determinados tendo em conta a natureza das infracções e o âmbito do mercado geográfico em causa e analisou a gravidade das infracções em relação às características dos participantes, procedendo, para cada infracção, a uma diferenciação das empresas em causa em função dos seus volumes de negócios relativos aos produtos objecto do cartel no país abrangido pela infracção, os elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade das infracções constatadas foram, pois, suficientemente expostos na decisão impugnada no respeito pelo disposto no artigo 253.° CE.

(cf. n.os 203, 240, 243‑245)

19.    Em matéria de decisões da Comissão que declaram uma infracção às regras de concorrência da União e aplicam coimas, a dimensão do mercado em causa não é, em princípio, um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente, entre outros, para apreciar a gravidade da infracção, não estando, aliás, a Comissão obrigada a proceder a uma delimitação do mercado em causa ou a uma apreciação da sua dimensão quando a infracção em causa tem um objectivo anticoncorrencial. Com efeito, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam.

Nestas condições, não revestem carácter excessivo os montantes iniciais das coimas que foram fixados para a infracção no Luxemburgo, que correspondem a metade do limite mínimo normalmente previsto pelas orientações para uma infracção muito grave.

(cf. n.os 247‑248)

20.    No âmbito do cálculo do montante das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, um tratamento diferenciado entre as empresas em questão é inerente ao exercício dos poderes atribuídos à Comissão por esta disposição. Com efeito, no âmbito da sua margem de apreciação, a Comissão deve individualizar a sanção em função dos comportamentos e das características próprias das empresas em questão, para garantir, em cada caso concreto, a plena eficácia das regras comunitárias de concorrência. Assim, segundo as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA para uma infracção de determinada gravidade, pode haver lugar, nos casos que envolvam várias empresas como os cartéis, a ponderar o montante inicial geral para determinar um montante inicial específico tendo em conta o peso, e portanto o impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa sobre a concorrência, designadamente quando existe uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza. Em particular, é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores.

Por outro lado, o direito da União não contém qualquer princípio de aplicação geral segundo o qual a sanção deva ser proporcional à importância da empresa no mercado dos produtos que são objecto da infracção.

Por último, no que se refere à apreciação da gravidade da infracção em função da classificação dos membros de um cartel em categorias, para verificar se essa repartição é conforme aos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, o juiz da União, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação de que a Comissão goza na matéria, deve limitar‑se a verificar se esta repartição é coerente e objectivamente justificada. Além disso, segundo as orientações para o cálculo das coimas acima referidas, o princípio de igualdade de sanção para um mesmo comportamento pode levar à aplicação de montantes diferenciados para as empresas em causa sem que essa diferenciação obedeça a um cálculo aritmético.

(cf. n.os 255‑258, 263, 265)

21.    Uma circunstância atenuante, só pode ser reconhecida na acepção do ponto 3, terceiro travessão, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, no caso de a infracção já ter cessado antes das primeiras intervenções da Comissão. Não pode falar‑se de uma circunstância atenuante, na acepção da referida disposição, se as empresas em causa foram incentivadas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções da Comissão. A finalidade desta disposição consiste em encorajar as empresas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais imediatamente após a Comissão dar início a uma investigação a esse respeito, de forma que não se pode aplicar uma redução da coima a esse título no caso de já ter sido posto termo à infracção antes da data das primeiras intervenções da Comissão. Com efeito, a aplicação de uma redução nessas circunstâncias constituiria uma duplicação da tomada em conta da duração das infracções no cálculo do montante das coimas.

(cf. n.° 274)

22.    A adopção, por uma empresa que cometeu uma infracção às regras de concorrência da União, de um programa de conformidade não obriga a Comissão a conceder uma redução da coima em razão desta circunstância. Além disso, embora seja certamente importante que uma empresa adopte medidas para impedir que membros do seu pessoal cometam no futuro novas infracções ao direito da concorrência da União, esse facto em nada altera a realidade da infracção que foi constatada. Assim sendo, a Comissão não é obrigada a considerar esse elemento uma circunstância atenuante, muito menos quando as infracções declaradas na decisão impugnada constituem, uma violação manifesta do artigo 81.° CE.

(cf. n.° 282)

23.    A comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis constitui um instrumento destinado a especificar, no respeito do direito de nível superior, os critérios que a Comissão pretende aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas por infracção às regras da concorrência da União. Resulta daí uma autolimitação deste poder que não é, porém, incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial pela Comissão.

Assim, a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação quando é chamada a avaliar se elementos de prova fornecidos por uma empresa que tenha manifestado a sua intenção de beneficiar da comunicação sobre a cooperação apresentam um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da referida comunicação.

Do mesmo modo, a Comissão, depois de ter verificado existirem elementos de prova com um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação, dispõe de uma margem de apreciação quando é chamada a determinar o nível exacto da redução do montante da coima a atribuir à empresa em causa. Com efeito, o ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação prevê margens para a redução do montante da coima para as diferentes categorias de empresas abrangidas. Tendo em consideração a referida margem de apreciação, só um excesso manifesto desta margem pode ser censurado pelo juiz da União.

Nestas condições, a Comissão não excedeu manifestamente a sua margem de apreciação ao considerar que não apresentava valor acrescentado significativo uma declaração de que a Comissão já dispunha, uma vez que essa declaração não facilita significativamente a tarefa da Comissão e, portanto, não é suficiente para justificar uma redução do montante da coima a título da cooperação.

(cf. n.os 295‑296, 298‑300, 309, 311)

24.    No âmbito da apreciação da cooperação prestada pelos membros de um cartel durante o procedimento administrativo, a Comissão não pode desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, dado que não são comparáveis as situações das diferentes empresas a quem foi aplicada uma coima por infracção às regras de concorrência da União, a Comissão não cometeu uma violação do princípio de igualdade de tratamento ao conceder reduções do montante das coimas, consoante o valor acrescentado da respectiva cooperação, e recusar a outra empresa essa redução nos termos da comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis. A este respeito, a apreciação do valor acrescentado de uma cooperação é efectuada em função dos elementos de prova já na posse da Comissão. Assim, quando uma empresa fornece elementos de prova que não são determinantes para demonstrar a existência de um cartel mas que simplesmente reforçam a capacidade da Comissão de provar a infracção corroborando os elementos de prova já na sua posse, ou quando essa empresa apenas comunica à Comissão os elementos de prova que têm um valor acrescentado significativo vários meses após as comunicações de outras empresas e, em todo o caso, não comunica provas documentais contemporâneas, a Comissão não excede manifestamente a sua margem de apreciação ao fixar a redução do montante da coima para essa empresa numa percentagem muito pequena.

(cf. n.os 313, 315, 319, 335‑336, 344, 347)

25.    No que se refere ao respeito do princípio da proporcionalidade no quadro da determinação do montante das coimas por infracção às regras de concorrência da União, essas coimas não devem ser desproporcionadas em relação aos objectivos pretendidos, ou seja, em relação ao respeito das regras de concorrência, e o montante da coima aplicada a uma empresa a título de uma infracção em matéria de concorrência deve ser proporcionado à infracção, apreciada no seu conjunto, tendo em conta, designadamente, a gravidade da mesma. Além disso, na determinação do montante das coimas, a Comissão tem legitimidade para tomar em consideração a necessidade de lhes assegurar um efeito suficientemente dissuasivo.

A este respeito, em primeiro lugar, os cartéis que consistem principalmente numa concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem quotas de mercado, repartindo entre si os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novos, e para não concorrerem entre si no que respeita à manutenção e modernização de elevadores e de escadas rolantes constituem infracções que, pela sua própria natureza, figuram entre as violações mais graves do artigo 81.° CE.

Em segundo lugar, a Comissão, quando do cálculo do montante das coimas, pode tomar em consideração, designadamente, a dimensão e a capacidade económica da unidade económica que actua na qualidade de empresa na acepção do artigo 81.° CE. No entanto, a empresa pertinente a tomar em consideração não corresponde a cada filial que tenha participado nas infracções, mas à sociedade‑mãe e às suas filiais. Em terceiro lugar, no que respeita à proporcionalidade das coimas em relação à dimensão e à capacidade económica das unidades económicas em causa, a Comissão está vinculada pelo limite de 10% referido no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, que tem por objectivo evitar que as coimas sejam desproporcionadas em relação à importância da empresa. Ora um montante total de coimas que representa cerca de 2% do volume de negócios consolidado durante o exercício social que precedeu a adopção da decisão impugnada não pode ser considerado desproporcionado em relação à dimensão desta empresa.

(cf. n.os 367‑370)