Language of document : ECLI:EU:C:2012:648

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 18 de outubro de 2012 (1)

Processo C‑396/11

Ministerul Public — Parchetul de pe lângă Curtea de Apel Constanţa (Ministério Público — Procuradoria no Tribunal de segunda instância de Constança)

contra

Ciprian Vasile Radu

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Constanţa (Roménia)]

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros — Possibilidade de o Estado‑Membro de execução recusar o pedido de entrega do procurado»





1.        Com o presente pedido de decisão prejudicial, pede‑se ao Tribunal de Justiça que interprete a Decisão‑quadro 2002/584 (2). Muito genericamente, estão em causa três questões. Em primeiro lugar, trata‑se da interpretação a dar a essa decisão na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa e, em especial, da questão de saber se essa interpretação deve ser diferente em consequência das modificações introduzidas no Tratado da União Europeia pelo artigo 6.° TUE. Em segundo lugar, dizem respeito às relações entre, por um lado, o artigo 5.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «Convenção») e o artigo 6.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e, por outro, às disposições da decisão‑quadro que envolvem a privação da liberdade da pessoa procurada como parte dos procedimentos que conduzem à execução de um mandado de detenção europeu. Em terceiro lugar, pergunta‑se se a decisão‑quadro, corretamente interpretada, permite a um Estado‑Membro recusar a execução de um tal mandado no caso de violações da legislação sobre os direitos humanos, incluindo os artigos acabados de mencionar.

 Quadro jurídico

 Direito da União Europeia (a seguir «União»)

 Tratado da União Europeia

2.        O artigo 6.° TUE dispõe:

«1.      A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

[…]

3.      Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros» (3).

 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

3.        O artigo 6.° da Carta dispõe:

«Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança.»

4.        O artigo 47.° da Carta prevê, além disso, que:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]»

5.        O artigo 48.° refere:

«1.      Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.

2.      É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.»

6.        O artigo 52.° prevê:

«1.      Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

3.      Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção europeia para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

[…]»

 Decisão‑quadro

7.        A decisão‑quadro substitui o anterior procedimento de extradição multilateral fundado na Convenção europeia de extradição de 13 de dezembro de 1957 por um sistema baseado no mandado de detenção europeu. Ao abrigo do novo sistema, sempre que uma pessoa (a seguir «pessoa procurada») cuja prática ou alegada prática de um crime o leva a ser procurado pelas autoridades de um Estado‑Membro (a seguir «Estado‑Membro de emissão») esteja fisicamente presente no território de outro Estado‑Membro (a seguir «Estado‑Membro de execução»), a autoridade judicial competente no primeiro Estado pode emitir um mandado de detenção europeu pedindo a sua detenção e entrega por este último Estado.

8.        O capítulo 1 da decisão‑quadro é intitulado «Princípios gerais» e inclui os artigos 1.° a 8.° O artigo 1.° dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° do Tratado da União Europeia.»

9.        Os artigos 3.° e 4.° precisam certos motivos pelos quais a não execução do mandado de detenção europeu é, respetivamente, obrigatória ou facultativa.

10.      O artigo 8.° especifica o conteúdo e formas do mandado de detenção europeu Em especial, o artigo 8.°, n.° 1, alínea c), exige que este contenha «indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 1.° e 2.°».

11.      O capítulo 2 da decisão‑quadro inclui os artigos 9.° a 25.° Intitula‑se «Processo de entrega» e, para além de estabelecer algumas exigências de caráter geral, contém disposições destinadas a proteger os direitos da pessoa procurada. Em especial:

¾        a pessoa procurada deve ser informada, quando for detida, do conteúdo do mandado de detenção e da possibilidade de ser entregue; uma pessoa procurada e detida para efeitos da execução de um mandado de detenção europeu, tem direito a beneficiar dos serviços de um defensor e de um intérprete (artigo 11.°);

¾        a autoridade judiciária de execução pode decidir libertar a pessoa procurada após a sua detenção e pode libertá‑la provisoriamente em qualquer momento desde que tenham sido tomadas todas as medidas necessárias para evitar a sua fuga (artigo 12.°);

¾        se a pessoa detida consentir na sua entrega, o consentimento deve ser expresso voluntariamente e em plena consciência das consequências do seu ato; para o efeito, a pessoa procurada tem o direito de ser assistida por um defensor (artigo 13.°); se não consentir na sua entrega, tem o direito de ser ouvida pela autoridade judiciária de execução, pode solicitar ao Estado‑Membro de emissão que lhe sejam comunicadas informações complementares (artigos 14.° e 15.°);

¾        um mandado de detenção europeu deve ser tratado com urgência; nos casos em que a pessoa procurada consinta na sua entrega, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção deve ser tomada no prazo de 10 dias a contar da data do consentimento; nos outros casos, o prazo é de 60 dias após a detenção. Enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução deve zelar por que continuem a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efetiva da pessoa (artigo 17.°);

¾        sempre que o mandado de detenção europeu tenha sido emitido para efeitos de procedimento penal, essa pessoa deve, em princípio, ser ouvida por uma autoridade judiciária (artigos 18.° e 19.°);

¾        sempre que a decisão tomada pela autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução seja a de que a pessoa procurada deve ser entregue, a entrega deve efetuar‑se no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu. Esse prazo pode ser alargado sempre que se verifique um caso de força maior num dos Estados‑Membros ou sempre que existam motivos humanitários graves que militam contra a entrega (artigo 23.°).

 Convenção

12.      O artigo 5.° da Convenção, na parte relevante para o presente processo, prevê:

«1.      Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:

a)      Se for preso em consequência de condenação por tribunal competente;

      […]

c)      Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi‑lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido;

      […]

f)      Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição.

[…]

3.      Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo.

4.      Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.»

13.      O artigo 6.° da Convenção refere:

«1.      Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […]

2.      Qualquer pessoa acusada de uma infração presume‑se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

3.      O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

a)      Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

b)      Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;

c)      Defender‑se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;

d)      Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;

e)      Fazer‑se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.»

 Relações entre a Carta e a Convenção

14.      O artigo 52.°, n.° 3, da Carta deixa bem claro que existe uma sobreposição, e que é intencional, entre as disposições da Carta e as da Convenção. Na parte que é pertinente para as presentes conclusões, o artigo 6.° da Carta corresponde ao artigo 5.° da Convenção. O n.° 2 do artigo 47.° da Carta corresponde ao artigo 6.°, n.° 1, da Convenção e o artigo 48.° da Carta corresponde ao artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Convenção (4).

 Direito nacional

 Roménia

15.      As disposições de transposição da decisão‑quadro para o direito nacional estão contidas nos artigos 97.° e 98.° da Lei n.° 302, de 28 de junho de 2004, relativa à cooperação judiciária internacional em matéria penal, conforme alterada. Esses artigos fazem parte do título III desta lei.

16.      O artigo 97.° é intitulado «Condições especiais». Estabelece determinadas exigências no que diz respeito às garantias fornecidas pelo Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção.

17.      O artigo 98.°, n.° 1, contém disposições relativas à não execução obrigatória de um mandado de detenção europeu. Estas são, no essencial, semelhantes às previstas no artigo 3.° da decisão‑quadro.

18.      Os motivos facultativos de não execução do mandado de detenção europeu estão previstos no artigo 98.°, n.° 2. Estes são em larga medida idênticos aos estabelecidos no artigo 4.° da decisão‑quadro.

 Alemanha

19.      A Alemanha transpôs a decisão‑quadro para o direito nacional através da Lei relativa ao mandado de detenção europeu de 21 de julho de 2004. Na sequência da sua promulgação, o Tribunal Constitucional alemão decidiu, em 2005, que a legislação era inconstitucional e, portanto, não produzia efeitos (5). Por ato adicional de 20 de julho de 2006, o referido Estado‑Membro adotou uma nova medida destinada a corrigir as deficiências assinaladas pelo Tribunal Constitucional e a aplicar integralmente a decisão‑quadro no âmbito do direito nacional. Essa medida mantém‑se em vigor.

 Quadro factual, tramitação e questões prejudiciais

20.      Em diversas datas de 2007 e 2008, foram emitidos quatro mandados de detenção europeus delegados do Ministério Público da Alemanha para a detenção de C. V. Radu. Cada um desses mandados é relativo ao crime de roubo. O referido crime está igualmente previsto no direito romeno, no artigo 211.° do Código Penal romeno. C. V. Radu não consentiu na sua entrega.

21.      Por acórdão de 5 de junho de 2009, a Curte de Apel Constanţa (Court de Appeal, Constanţa) ordenou a execução de três dos mandados de detenção em causa. No que diz respeito ao quarto mandado, recusou a execução com o fundamento de que C. V. Radu já era objeto de um procedimento penal na Roménia pelo mesmo facto que determinou o mandado de detenção europeu (6).

22.      C. V. Radu interpôs recurso da referida decisão na Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie a României (Supremo Tribunal de Justiça da Roménia). Por acórdão de 18 de junho de 2009, esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e devolveu o processo para reapreciação à Curte de Apel Constanţa. Também foi ordenado que C. V. Radu fosse posto em liberdade, e sujeitado a determinadas restrições do direito de circulação, incluindo a proibição de se ausentar do município de residência sem autorização judicial.

23.      Em 22 de fevereiro de 2011, o processo foi novamente registado na Curte de Apel. Nesse órgão jurisdicional, C. V. Radu apresenta três argumentos principais em apoio da sua alegação de que os mandados de detenção em causa não deviam ser executados. Em primeiro lugar, alega que, à data da adoção da decisão‑quadro, nem a Convenção nem a Carta estavam expressamente incluídas nos Tratados constitutivos da União Europeia como disposições jurídicas. Isso contrasta com a situação resultante da versão consolidada do Tratado EU que entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009 com o Tratado de Lisboa. Consequentemente, é necessário interpretar e aplicar a decisão‑quadro em conformidade com a Carta e a Convenção. Em segundo lugar, alega que os procedimentos através dos quais os Estados‑Membros aplicam a decisão não são coerentes e chama a atenção para a exigência de reciprocidade na execução de mandados de detenção no que diz quer ao Estado‑Membro de execução quer ao Estado‑Membro de emissão. Em terceiro lugar, sustenta que é obrigação do Estado‑Membro de execução averiguar se o Estado‑Membro de emissão respeitou os direitos e garantias estabelecidos pela Carta e pela Convenção. A inobservância, por parte desse Estado, de tais direitos e garantias constitui um motivo de recusa da execução dos mandados de detenção europeus em causa.

24.      À luz do exposto, a Curte de Apel Constanţa decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      As disposições dos artigos 5.°, n.° 1, e 6.° da [Convenção], em conjugação com os artigos 48.° e 52.° da [Carta], com referência também aos artigos 5.°, n.os 3 e 4, e 6.°, n.os 2 e 3, da [Convenção], são normas de direito [da União] primário, compreendidas nos Tratados constitutivos?

2.      A ação da autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu que consiste na privação da liberdade e na entrega coerciva, sem o consentimento da pessoa contra a qual foi emitido o mandado de detenção europeu (a pessoa cuja detenção e entrega são solicitadas), constitui uma ingerência, por parte do Estado de execução do mandado, no direito à liberdade individual da pessoa cuja detenção e entrega são solicitadas, consagrado no direito da União, por força do artigo 6.° TUE, em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, da [Convenção], e por força do artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [Convenção]?

3.      A ingerência do Estado de execução de um mandado de detenção europeu nos direitos e garantias previstos no artigo 5.°, n.° 1, da [Convenção] e no artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [Convenção], deve satisfazer as condições da necessidade numa sociedade democrática e da proporcionalidade em relação ao objetivo concretamente prosseguido?

4.      A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito [da União], pelo facto de não estarem satisfeitas cumulativamente as condições necessárias, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da [Convenção] e do artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [Convenção]?

5.      A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito [da União], por falta de transposição ou por transposição incompleta ou incorreta (no sentido da inobservância das condições de reciprocidade) da [decisão‑quadro]?

6.      As disposições do artigo 5.°, n.° 1, da [Convenção] e do artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.° 2 e 3, da [Convenção], a que se refere o artigo 6.° TUE, opõem‑se ao direito nacional do Estado‑Membro da União Europeia — a Roménia —, em particular ao título III da Lei n.° 302/2004, e a [decisão‑quadro] foi corretamente transposta por estas normas?»

25.      Foram apresentadas observações escritas pelo Ministério Público, Parchet de pe lângă Curte de Apel Constanţa (Ministério Público no Tribunal de recurso de Constança), pelos Governos checo, alemão, lituano, austríaco, polaco, romeno e do Reino Unido e pela Comissão Europeia. O advogado de C. V. Radu, os Governos alemão e romeno e a Comissão Europeia apresentaram observações orais e responderam às questões do Tribunal de Justiça na audiência de 10 de julho de 2012.

 Análise

 Observações preliminares

 Admissibilidade

26.      Foram apresentadas várias objeções sobre a admissibilidade da decisão de reenvio. Todas as partes que apresentaram observações estão de acordo quanto à inadmissibilidade que a questão 6, na qual se pede ao Tribunal de Justiça que interprete as disposições de direito nacional e que retomarei a seguir (7). O Governo alemão suscita uma objeção parcial de inadmissibilidade, ao passo que os Governos austríaco e romeno e a Comissão alegam que a decisão de reenvio é inadmissível na sua totalidade. Os Governos checo, lituano, polaco e do Reino Unido não suscitam objeções quanto à admissibilidade.

27.      As críticas formuladas sustentam, essencialmente, que a decisão de reenvio não é suficientemente detalhada e é excessivamente hipotética para que este Tribunal possa dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

28.      É inegável que a decisão de reenvio é lacónica na sua descrição dos antecedentes do processo principal e, em especial, dos motivos subjacentes às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional.

29.      Contudo, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «no âmbito da repartição de funções jurisdicionais, entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo [267.° TFUE], o juiz nacional, que é o único a ter um conhecimento direto dos factos da causa assim como dos argumentos invocados pelas partes, e que deverá assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, está melhor colocado para apreciar, com pleno conhecimento de causa, a pertinência das questões de direito suscitadas no litígio que é chamado a decidir e a necessidade de uma decisão a título prejudicial, para o habilitar a proferir a sua decisão» (8). Com efeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, desde que as questões submetidas incidam sobre a interpretação de uma disposição do direito da União, «o Tribunal de Justiça tem, em princípio, o dever de decidir» (9).

30.      Parece‑me que é o que acontece no caso em apreço. O órgão jurisdicional nacional indica claramente, no seu despacho de reenvio, que considera que as respostas às suas questões são essenciais para a resolução do litígio. Se os termos da decisão de reenvio não tivessem manifestamente permitido aos Governos dos Estados‑Membros e às instituições apresentar observações, esse aspeto não teria sido, em si, determinante (10). Mas não é isso que se verifica no caso em apreço. Pelo menos sete governos, o Ministério Público e a Comissão, apresentaram observações. Com muito poucas exceções, todos eles conseguiram apresentar observações úteis sobre as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional.

31.      Não se ganharia nada em declarar inadmissível, neste caso, a decisão de reenvio. Por conseguinte, com exceção das observações relativas à questão 6, considero que as objeções devem ser julgadas improcedentes.

 Competência do Tribunal de Justiça

32.      A Roménia fez uma declaração ao abrigo do antigo artigo 35.°, n.° 2, UE, pela qual aceitou a competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial segundo as modalidades previstas no antigo artigo 35.°, n.° 3, alínea b), UE (11). Em conformidade com o artigo 10.°, n.° 1, do Protocolo n.° 36 relativo às disposições transitórias, anexo ao Tratado FUE, as competências conferidas ao Tribunal de Justiça nos termos da versão anterior do título VI do Tratado da União Europeia permanecem inalteradas no que diz respeito aos atos da União que tenham sido adotados antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, inclusivamente nos casos em que tenham sido aceites nos termos do n.° 2 do artigo 35.°, n.° 2, UE (12). O Tribunal de Justiça é, por isso, competente para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Decisão‑quadro do Conselho

33.      Antes de me debruçar sobre a substância das questões, vale a pena considerar os antecedentes da decisão‑quadro e os objetivos que esta pretende alcançar.

34.      A decisão deve ser entendida no contexto do objetivo da União de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Para esse efeito, introduz um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré‑sentencial como transitadas em julgado. Esse sistema é concretizado sob a forma do mandado de detenção europeu. O mandado concretiza o princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou, nas Conclusões de Tampere, de «pedra angular» da cooperação judiciária (13). Esse princípio, para poder ser eficaz, exige um elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros (14).

35.      Um objetivo importante do novo procedimento introduzido pela decisão‑quadro é suprimir os atrasos inerentes ao anterior sistema de extradição (15). Ao que parece, esse objetivo foi, na prática, alcançado. No seu relatório de 2011 sobre a aplicação da decisão (16), a Comissão observa que a duração média da extradição era de cerca de um ano. Ao abrigo do sistema do mandado de detenção europeu, o prazo médio de aplicação foi reduzido para entre 14 e 17 dias, nos casos em que a pessoa procurada consente na entrega. Nos casos em que a pessoa procurada não consente, o prazo é de 48 dias.

36.      Embora as obrigações impostas aos Estados‑Membros pela decisão‑quadro se refiram a matérias que são essencialmente processuais, isso não significa que o legislador não tivesse tido em conta os direitos humanos na adoção da decisão‑quadro. Pelo contrário: fê‑lo de diversas formas.

37.      Em primeiro lugar, incorporou referências expressas a esses direitos na decisão. É o que decorre claramente, por exemplo, dos considerandos décimo, décimo segundo e décimo terceiro. Mais fundamentalmente, o artigo 1.°, n.° 3, prevê especificamente que a decisão não deve ter por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo atual artigo 6.° do Tratado da União Europeia. Retomarei este aspeto adiante (17).

38.      Em segundo lugar, o elevado grau de confiança mútua entre os Estados‑Membros referido no décimo considerando baseia‑se na observância por cada um dos Estados‑Membros dos direitos consagrados na Convenção e dos direitos fundamentais que fazem parte das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros. Com efeitos desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, é necessário agora acrescentar agora a Carta — na medida em que já não tivesse anteriormente um papel a desempenhar.

39.      Em terceiro lugar, a decisão‑quadro contém várias disposições destinadas a proteger os direitos fundamentais da pessoa procurada. Resumi estas disposições no n.° 11, supra, e não vou repeti‑las nesta ocasião, salvo para salientar os direitos a uma audiência expressamente previstos nos casos em que a pessoa procurada não consente na sua entregue (artigo 14.°) e sempre que o mandado de detenção europeu tenha sido emitido para efeitos de procedimento penal (artigo 18.°).

40.      No que diz respeito aos objetivos da decisão‑quadro, seria errado considerar o sistema que esta introduz como destinado exclusivamente a beneficiar as autoridades administrativas dos Estados‑Membros. Ao introduzir uma forma de procedimento que foi concebida para ser mais eficiente e eficaz que a sua predecessora, o legislador também pretendeu melhorar a proteção concedida às vítimas de crimes, mediante o julgamento dos seus responsáveis de uma forma mais rápida e eficaz.

41.      O comportamento passado dos Estados‑Membros em matéria de observância das obrigações relativas aos direitos humanos, embora possa ser louvável não é isento de mácula. Não se pode presumir que, pelo simples facto de a pessoa procurada ser procurada por outro Estado‑Membro, os seus direitos humanos estão automaticamente garantidos à sua chegada a esse país (18). Pode, no entanto, haver uma presunção dessa observância que só é refutável com base em elementos de prova tão claros quanto possível. Tais elementos de prova devem ser específicos; as afirmações genéricas, ainda que bem fundamentadas, não são suficientes.

 Questão 1

42.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se as disposições da Carta e da Convenção fazem parte do direito primário da União.

43.      Começarei pela situação posterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

44.      Por força do artigo 6.°, n.° 1, TUE, a Carta tem o mesmo valor jurídico que os Tratados e, por conseguinte, faz parte do direito primário da União.

45.      As disposições da Convenção também foram consagradas pelo Tratado de Lisboa. O artigo 6.°, n.° 3, TUE dispõe que do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros.

46.      Daí decorre que estão vinculados pela Carta e pela Convenção não só a União e as suas instituições, mas também os Estados‑Membros quando interpretam e aplicam o direito da UE (19).

47.      A consideração anterior é, em si mesmo, suficiente para responder à letra da primeira questão do órgão jurisdicional nacional. Contudo, resulta claramente da decisão de reenvio que o litígio submetido é um pouco mais amplo, na medida em que C. V. Radu parece alegar que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa produziu uma alteração fundamental na forma como os direitos fundamentais e os princípios deviam ser aplicados na União (20). Por conseguinte, para se poder dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional nacional, é necessário considerar a situação anterior a 1 de dezembro de 2009.

48.      Embora a Carta tenha sido proclamada solenemente em Nice, em 7 de dezembro de 2007, a decisão quanto ao estatuto jurídico preciso a atribuir‑lhe foi adiada. Consequentemente, a Carta não foi incluída em nenhum dos Tratados e às suas disposições não foi conferido valor legislativo por nenhuma outra forma. Não obstante, a Carta passou rapidamente a ser considerada um catálogo autorizado de direitos fundamentais, porque confirmou os princípios gerais inerentes ao Estado de Direito que são comuns às tradições constitucionais dos Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça inspirou‑se frequentemente nas disposições da Carta para proferir os seus acórdãos (21). Consequentemente, a Carta adquiriu o estatuto de «soft law»; ou seja, embora as suas disposições não fossem diretamente aplicáveis enquanto parte do direito da UE, eram suscetíveis de produzir efeitos jurídicos — em muitos casos, efeitos amplos — no interior da União.

49.      O papel da Convenção no direito da União tem raízes muito mais profundas. Já em 1969, o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Stauder (22) que «os direitos fundamentais individuais [estão] compreendidos nos princípios gerais do direito comunitário, cuja observância é assegurada pelo Tribunal». Essa jurisprudência, inicialmente embrionária, foi aplicada e desenvolvida, até aos nossos dias, através de acórdãos importantes como os acórdãos Internationale Heelsgesellschaft (23)e Nold (24). No acórdão Kadi e Al Barakaat, o Tribunal de Justiça afirmou perentoriamente que «na Comunidade não se podem admitir medidas incompatíveis com o respeito desses direitos» (25). Referindo‑se especificamente à Convenção, no acórdão Der Grüne Punkt, o Tribunal de Justiça descreveu o direito a um processo equitativo conferido pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção «enquanto princípio geral de direito comunitário» (26).

50.      Tendo em conta as observações anteriores, poderá afirmar‑se que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa alterou substancialmente o direito da União?

51.      Não creio. Parece‑me que os n.os 1 e 3 do artigo 6.° TUE se limitam a representar o que o Reino Unido denominou, nas suas observações, como «codificação» da situação preexistente. Por outras palavras, resumem o desejo político de que as disposições que procuram consagrar e proteger sejam mais visíveis na sua expressão. Não representa qualquer tipo de inflexão. Por esse motivo, considero que qualquer argumento no sentido de que as disposições da decisão‑quadro devem ser interpretadas de forma diferente por causa da entrada em vigor das referidas disposições [do Tratado de Lisboa] está condenado ao fracasso (27).

52.      Atento o que precede, considero que a resposta à primeira questão deve ser a de que as disposições da Carta, incluindo os seus artigos 6.°, 48.° e 52.°, integram o direito primário da União. Os direitos fundamentais, tal como os garante a Convenção, incluindo os direitos estabelecidos nos artigos 5.°, n.os 1, 3 e 4, e 6.°, n.os 2 e 3, da Convenção, constituem princípios gerais do direito da União.

 Questões 2 e 3

53.      Com estas questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional nacional pergunta, essencialmente, se a privação da liberdade e a entrega coerciva da pessoa procurada em que consiste o processo do mandado de detenção europeu constitui uma ingerência no direito à liberdade dessa pessoa e se, para que essa ingerência seja autorizada pelo artigo 5.°, n.° 1, da Convenção e pelo artigo 6.° da Carta, deve satisfazer as condições da necessidade e da proporcionalidade (28).

54.      Todos os indivíduos têm direito à liberdade. É o que resulta do artigo 5.° da Convenção e do artigo 6.° da Carta. A questão que se coloca é a de saber se a privação desse direito pode ser justificada. Neste caso, o mandado de detenção europeu deve ser entendido no seu contexto. O seu objetivo é o de assegurar a presença física das pessoas objeto de um mandado de detenção no Estado‑Membro de emissão a fim de serem julgadas ou de cumprirem uma pena de prisão, consoante o caso. Tal objetivo é, na minha opinião, claramente necessário no interesse da sociedade.

55.      A esse respeito, o artigo 5.° da Convenção prevê expressamente um conjunto de circunstâncias em que uma pessoa pode ser privada da sua liberdade. Estas incluem [na alínea a)] a sua prisão em consequência de condenação por tribunal competente e [na alínea c)] a sua prisão ou detenção, quando, designadamente, houver suspeita razoável de ter cometido uma infração. A alínea f) é de especial relevância para a presente discussão, uma vez que restringe o direito à liberdade nos casos de prisão ou detenção legal de uma pessoa, designadamente, no âmbito de um processo de extradição (o procedimento entre os Estados‑Membros que foi substituído pelo mandado de detenção europeu).

56.      A questão fundamental que se coloca é a de saber se a detenção ao abrigo de um mandado é proporcionada. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já decidiu, em relação ao artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da Convenção que «esta disposição não exige que haja motivos razoáveis para crer que a detenção de uma pessoa contra a qual está em curso um processo de extradição é necessária, por exemplo para impedi‑la de cometer uma infração ou de se pôr em fuga. A este respeito, o artigo 5.°, n.° 1, alínea f), proporciona um nível de proteção diferente do artigo 5.°, n.° 1, alínea c): nos termos da alínea f), tudo o que se exige é que esteja ‘em curso um processo de expulsão ou de extradição’. Por conseguinte, para os efeitos do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), é irrelevante a questão de saber se a decisão subjacente de expulsão pode ser justificada ao abrigo do direito nacional ou do direito da Convenção [...]» (29) (N.T. tradução livre).

57.      Seria, porém, errado interpretar essa parte da jurisprudência relativa à Convenção no sentido de que qualquer detenção ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), será sempre legal, desde que seja feita no âmbito de um processo de expulsão ou de extradição. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também já decidiu que «toda a privação da liberdade ao abrigo da segunda parte do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), só pode ser justificada […] enquanto estiver em curso um processo de expulsão ou de extradição [(30)]. Se tal processo não for tramitado com a devida diligência, a detenção deixa de ser permitida ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), [...] A privação da liberdade também deve ser ‘legal’. Sempre que a ‘legalidade’ da detenção seja questionada, incluindo a questão de saber se foi seguido um ‘procedimento legal’, a Convenção remete, no essencial, para o direito nacional e estabelece a obrigação de conformidade com as regras materiais e processuais do direito nacional. O cumprimento do direito nacional não é, contudo, suficiente: O artigo 5.°, n.° 1, exige, além disso, que toda a privação da liberdade deve ser adequada ao objetivo da proteção do indivíduo da arbitrariedade. Constitui um princípio fundamental o de que nenhuma detenção arbitrária pode ser compatível com o artigo 5.°, n.° 1, e o conceito de ‘arbitrariedade’ previsto no artigo 5.°, n.° 1, é mais amplo do que a falta de conformidade com direito nacional, pelo que a privação da liberdade pode ser legal em termos de direito interno, mas ser apesar disso arbitrária e, portanto, contrária à Convenção [...] Para não ser qualificada como arbitrária, a detenção ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), deve ser realizada de boa‑fé; deve estar estreitamente associada ao fundamento da detenção invocado [pelas autoridades nacionais]; o local e as condições da detenção devem ser adequados; e a duração da detenção não deve exceder o que for razoavelmente exigido para o fim prosseguido [...]» (N.T. tradução livre) (31)

58.      Esta análise ficaria incompleta se, para além do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção, não referisse também o artigo análogo da Carta, ou seja, o artigo 6.° Essa disposição não contém uma norma análoga à do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da Convenção. Contudo, o artigo 52.°, n.° 3, da Carta deixa bem claro que, na medida em que os direitos previstos nesse documento correspondam a direitos previstos na convenção, o sentido e o âmbito desses direitos deverão ser iguais aos conferidos pela convenção. Por conseguinte, o artigo 5.°, n.° 1, alínea f), é implicitamente aplicável.

59.      Daí resulta que, na transposição do artigo 12.° da decisão‑quadro, as autoridades competentes devem ter em conta os princípios descritos no n.° 56, supra. A sua aplicação pode necessariamente variar de caso para caso e não é possível estabelecer normas rígidas e de aplicação imediata.

60.      Acrescento, no entanto, o seguinte. Como refere a Comissão no seu Relatório de 2011, uma das críticas à forma como a decisão‑quadro vem sendo aplicada pelos Estados‑Membros é a de que a confiança na aplicação do mandado de detenção europeu tem sido posta em causa pelo problema recorrente dos mandados de detenção europeus relativos à entrega de pessoas muitas vezes procuradas por delitos menores que não são suficientemente graves para justificar as medidas e a cooperação que a execução de um mandado de detenção europeu exige. A Comissão observa que quando são emitidos mandados de detenção europeus nos casos em que uma medida de detenção (preventiva) seria normalmente inadequada, produz‑se um efeito desproporcionado sobre a liberdade das pessoas procuradas (32).

61.      Concordo.

62.      Atento o que precede, a resposta às Questões 2 e 3 deve ser a de que a privação da liberdade e a entrega coerciva da pessoa procurada em que consiste o processo do mandado de detenção europeu constitui uma ingerência no direito à liberdade dessa pessoa para os efeitos do artigo 5.° da Convenção e do artigo 6.° da Carta. Em circunstâncias normais, essa ingerência é normalmente justificada como «necessária numa sociedade democrática» por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da Convenção. No entanto, a detenção ao abrigo da referida disposição não deve ser arbitrária. Para não ser arbitrária, essa detenção deve ser realizada de boa‑fé; deve estar estreitamente associada ao fundamento da detenção invocado pela autoridade judiciária de execução; o local e as condições da detenção devem ser adequados; e a duração da detenção não deve exceder o que for razoavelmente exigido para o fim prosseguido (satisfazendo, assim, o critério da proporcionalidade). O artigo 6.° da Carta deve ser interpretado da mesma forma que o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção.

 Questão 4

63.      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, efetivamente, se um Estado‑Membro de execução pode recusar‑se a executar um mandado de detenção europeu, sempre que, se o fizesse, violaria, ou arriscar‑se‑ia a violar os direitos da pessoa procurada ao abrigo dos artigos 5.° e 6.° da Convenção ou dos artigos 6.°, 48.° e 52.° da Carta.

64.      Ao contrário da segunda e terceira questões, em que se pediu ao Tribunal de Justiça que considerasse as circunstâncias que rodeiam a detenção da pessoa procurada no período compreendido entre a execução de um mandado de detenção europeu e a transferência dessa pessoa para o Estado‑Membro de emissão, as questões que se colocam neste caso são mais amplas. A autoridade judicial competente do Estado‑Membro de execução pode pura simplesmente recusar‑se a executar um mandado de detenção quando está em causa a violação dos direitos humanos da pessoa procurada?

65.      A questão suscita esse aspeto por referência às disposições enumeradas dos artigos 5.° e 6.° da Convenção e do artigo 6.° da Carta. O advogado de C. V. Radu afirmou na audiência que o seu cliente «não [tinha sido] notificado relativamente às acusações que foram deduzidas contra si, não tinha sido intimado a respeito delas e que se encontrou numa situação em que era completamente impossível defender‑se». Uma vez que a impossibilidade de manutenção de uma defesa adequada também suscita, pelo menos potencialmente, questões relativas ao artigo 6.°, n.° 1, da Convenção, e ao artigo 47.° da Carta, inclui‑los‑ei na minha análise, por uma questão de exaustividade.

66.      Uma leitura rápida da decisão‑quadro poderia levar‑nos a concluir que tais violações (independentemente dos seus efeitos no tempo) não devem ser tomadas em consideração. Os artigos 3.° e 4.° enumeram as circunstâncias em que a autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução recusa (artigo 3.°) ou pode recusar (artigo 4.°) a execução de um mandado de detenção europeu. Em nenhum dos casos se referem a questões de direitos humanos como motivos de não execução. O Tribunal de Justiça já decidiu que a lista dos motivos enunciados nesses artigos é exaustiva (33).

67.      Também se poderia chegar a essa conclusão com base nos objetivos da decisão. O sistema de entrega que introduz baseia‑se nos princípios do reconhecimento mútuo (34) e num elevado grau de confiança mútua entre Estados‑Membros (35), e destina‑se a reduzir a morosidade inerente ao anterior procedimento de extradição (36).

68.      Certamente tendo em conta esta consideração, o Tribunal de Justiça concluiu que «o princípio do reconhecimento mútuo que está subjacente à economia da decisão‑quadro implica, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, desta decisão, que os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a cumprir o mandado de detenção europeu» (37). Isso é indubitavelmente correto, uma vez que, se a situação fosse diferente, os objetivos subjacentes à decisão correriam o risco de ficar gravemente prejudicados.

69.      Contudo, também não creio que uma abordagem estrita — que excluiria todas e quaisquer considerações em matéria de direitos humano — seja suportada pela letra da decisão‑quadro ou pela jurisprudência.

70.      O artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro esclarece que a decisão não afeta a obrigação de respeitar os direitos e princípios fundamentais consagrados no artigo 6.° UE (após alteração, atual artigo 6.° TUE). Daí resulta, na minha opinião, que a obrigação de respeitar esses direitos e princípios está subjacente à decisão‑quadro. Está implícito que esses direitos podem ser tomados em consideração para fundamentar uma decisão de não execução de um mandado. Uma interpretação diferente do artigo 1.°, n.° 3, correria o risco de esvaziar a disposição de qualquer significado — reduzindo‑a, eventualmente, a um elegante «lugar‑comum».

71.      Este entendimento encontra apoio em várias conclusões apresentadas pelos advogados‑gerais do Tribunal de Justiça relativas à interpretação da decisão‑quadro. Refiro, em especial, as conclusões do advogado‑geral Cruz Villalón no acórdão I.B. (38), onde este declarou:

«[...] considero que a interpretação a fazer do teor e das finalidades da decisão‑quadro deve ter em conta todos os objetivos por ela prosseguidos. Embora o reconhecimento mútuo seja efetivamente um instrumento que fortalece o espaço de segurança, liberdade e justiça, não deixa de ser verdade que a proteção dos direitos e liberdades fundamentais constitui um prius que legitima a existência e o desenvolvimento daquele espaço. Assim dispõe reiteradamente a decisão‑quadro nos seus considerandos 10, 12, 13 e 14, bem como no seu artigo 1.°, n.° 3 […]» (39).

72.      Concordo.

73.      Na minha opinião, é óbvio que as autoridades judiciárias de um Estado‑Membro de execução estão obrigadas a tomar em consideração os direitos fundamentais previstos na Convenção e na Carta quando decidem sobre a execução de um mandado de detenção europeu. Em que casos devem estas autoridades recusar a prolação de uma ordem de entrega e que fatores devem ter em conta para chegarem a essa decisão?

74.      Resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que nem toda e qualquer violação da Convenção justifica a recusa de aplicação de uma ordem de extradição (40). No acórdão Dzhaksybergenov c. Ucrânia, por exemplo, este tribunal decidiu que a «referência a uma problemática geral em matéria de observância dos direitos humanos num determinado país não pode, por si só, fundamentar uma recusa de extradição» (41).

75.      No acórdão Soering c. Reino Unido (42), o referido Tribunal decidiu, em relação ao artigo 3.° da Convenção (43), que «a decisão de um Estado Contratante de extraditar um fugitivo pode suscitar questões no âmbito do artigo 3.° da Convenção e, consequentemente, responsabilizar esse Estado nos termos da Convenção, se tiverem sido demonstrados motivos válidos para considerar que a pessoa em causa, se extraditada, corre um risco real de ser sujeita a tortura ou a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes» (44). No que diz respeito ao artigo 6.°, observou: «o direito a um processo penal equitativo, tal como o consagra o artigo 6.°, tem um lugar proeminente numa sociedade democrática [...] O Tribunal não exclui que uma decisão de extradição possa excecionalmente suscitar uma questão no âmbito do artigo 6.° […] em circunstâncias em que o fugitivo sofreu ou corre o risco de sofrer uma denegação flagrante de um processo equitativo no país que solicita a extradição» (45).

76.      Embora não existam decisões diretamente equivalentes na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativas à decisão‑quadro, questões de natureza semelhante foram suscitadas no processo N.S. e o. (46), no âmbito do qual o Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar o efeito do artigo 4.° da Carta (47) sobre as obrigações que incumbem às autoridades nacionais por força, designadamente, do Regulamento n.° 343/2003 (48). Da mesma forma que a decisão‑quadro, esse regulamento estabelece normas relativas à circulação de pessoas — nesse caso, requerentes de asilo — de um Estado‑Membro para outro em conformidade com os procedimentos e prazos especificados. O Tribunal de Justiça decidiu que «[…] não se pode concluir que qualquer violação de um direito fundamental pelo Estado‑Membro responsável [para o qual o requerente de asilo deveria ser transferido ao abrigo das disposições do regulamento] afeta as obrigações de os outros Estados‑Membros respeitarem as disposições do [Regulamento]». Se o limiar fosse fixado num nível tão baixo, os objetivos da legislação poderiam correr o risco de ficarem prejudicados. O Tribunal de Justiça prosseguiu, concluindo que: «para permitir que a União e os seus Estados‑Membros respeitem as suas obrigações relativas à proteção dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo, incumbe aos Estados‑Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o ‘Estado‑Membro responsável’, na aceção do Regulamento n.° 343/2003, quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado‑Membro constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta» (49).

77.      Em síntese, os dois Tribunais reconhecem que os direitos fundamentais podem afetar a obrigação legislativa que incumbe a um Estado‑Membro de transferir uma pessoa para outro Estado. No que diz respeito ao artigo 3.° da Convenção e às disposições análogas do artigo 4.° da Carta, consideram que o critério deve ser o de saber se existem «motivos válidos para considerar» que existe um «risco real» de que a disposição em causa seja violada no Estado para o qual a pessoa em causa seria, em caso contrário, transferida. No contexto do artigo 6, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já decidiu que a obrigação de transferência só é afetada «excecionalmente» e nos casos em que a pessoa em causa «sofreu ou corre o risco de sofrer uma denegação flagrante» dos seus direitos ao abrigo da Convenção. Este Tribunal ainda não se pronunciou sobre os artigos 47.° e 48.° da Carta.

78.      No que diz respeito ao ónus que recai sobre a pessoa que apresenta a objeção, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que o exame feito pelo Tribunal da existência do risco deve necessariamente ser rigoroso e que incumbe ao requerente apresentar os necessários elementos de prova (50). Quanto ao nível de prova exigido para justificar uma recusa de transferência, esse Tribunal decidiu no acórdão Garabayev c. Rússia (51) que, «na apreciação dos elementos de prova sobre os quais deve basear a decisão sobre a existência de violação do artigo 3.°, o Tribunal adota o nível de prova ‘sem que subsista qualquer dúvida razoável’, mas acrescenta que tal prova pode decorrer da coexistência de inferências suficientemente fortes, claras e concordantes ou de presunções de facto semelhantes não refutadas. Neste contexto, deve ser tida em conta a conduta das partes durante a obtenção da prova [...]» (N.T. tradução livre) (52) Embora a afirmação tenha sido feita no contexto do artigo 3.° da Convenção, não poderá impor‑se um nível de prova mais elevado em relação ao artigo 6.°, pela simples razão de que não existe um nível superior.

79.      Deverá o Tribunal de Justiça adotar os critérios estabelecidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem?

80.      Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é sempre necessário ter presente que o artigo 52.°, n.° 3, da Carta prevê que o direito da União pode conferir uma proteção mais ampla do que a conferida pela Convenção.

81.      Não tenho problemas em aceitar que um Estado‑Membro de execução só deveria recusar‑se a transferir a pessoa procurada ao abrigo da decisão‑quadro. É claro que o objetivo da decisão ficaria completamente prejudicado se fosse possível suscitar o que eu chamaria de objeções «ordinárias» baseadas em violações teóricas dos direitos humanos. É necessário recordar que também está em causa o interesse das vítimas de crimes em que os autores desses crimes sejam submetidos à justiça (53).

82.      Daí resulta claramente que o critério de recusa deve ser rigoroso. Critico, no entanto, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em relação a dois aspetos. Em primeiro lugar, considero que não posso recomendar ao Tribunal de Justiça que aceite o critério de que a violação em causa deve ser «flagrante». Este conceito parece‑me ser demasiado impreciso para poder ser interpretado de forma coerente em toda a União. Foi sugerido que a violação deve ser de tal modo fundamental que corresponda a uma total negação ou anulação do direito a um processo equitativo (54).

83.      Contudo, tal critério — mesmo pressupondo que pode ser claramente compreendido — parece‑me demasiado rígido. Interpretado num certo sentido, exigiria que todos os aspetos do processo fossem não equitativos. Mas não se pode garantir que um processo que só é parcialmente equitativo possa assegurar que é feita justiça. Sugiro, em vez desse, que o critério adequado seja o da existência de uma ou mais deficiências no processo que sejam de molde a eliminar, fundamentalmente, a equidade do processo (55).

84.      Em segundo lugar — no que diz respeito ao nível da prova — não é correto, na minha opinião, exigir que uma potencial violação seja demonstrada ‘sem que subsista qualquer dúvida razoável’. Esse nível pode ser adequado, e é utilizado em determinadas ordens jurídicas, na determinação do ónus a impor aos serviços do Ministério Público nos processos penais. Garante que o risco de uma pessoa acusada ser erradamente condenada seja minimizado tanto quanto é possível fazê‑lo. Mas não me parece que tenha aqui um papel a desempenhar. Além disso, existe o risco de que o ónus que este critério impõe à pessoa em questão, que pode mesmo carecer de recursos económicos e estar obrigada a recorrer à assistência do Estado para procurar defender os seus direitos, seja impossível na prática de satisfazer.

85.      Contudo, também é necessário algo mais do que meras sugestões de um potencial comportamento moralmente reprovável. Se a entidade responsável pela decisão não deve executar um mandado de detenção europeu com base na existência de um risco real de que os direitos da pessoa procurada sejam violados, não basta que se lhe coloquem dúvidas incipientes. Sugiro que o critério adequado seja o de que a pessoa procurada deve convencer a entidade responsável pela decisão de que as suas objeções à transferência são materialmente fundadas (56).

86.      Na análise acima efetuada, concentrei‑me no efeito que uma futura violação dos direitos fundamentais de uma pessoa poderá ter na decisão de transferência de uma pessoa para outro Estado‑Membro. É nessa área que se podem encontrar as decisões mais relevantes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça. Focarei agora o efeito de uma violação no passado.

87.      Em meu entender, a ênfase deve ser a mesma.

88.      Em primeiro lugar, as violações que podem ser reparadas não justificam uma recusa de transferência da pessoa procurada para o Estado‑Membro «infrator». Tais violações não podem prevalecer sobre os objetivos de uma administração da justice rápida e eficaz que a decisão‑quadro procura promover. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou repetidas vezes que, na apreciação da questão de saber se foi demonstrada uma violação do artigo 6.° da Convenção, é necessário averiguar «se o processo revestiu, no seu todo, […] caráter equitativo» (57). Como é natural, nada impede que a pessoa em causa procure obter uma indemnização pelos danos sofridos em consequência da violação, ao abrigo dos princípios relevantes do direito da UE ou do direito nacional ou, se aplicável, do artigo 41.° da Convenção.

89.      Daí resulta que só podem ser relevantes as violações que são de molde a eliminar, fundamentalmente, a equidade do processo (o critério descrito no n.° 82, supra). Contudo, para que assim seja, no contexto de uma violação no passado, deve ser demonstrado que o seu efeito, se cessou, é, em si mesmo, de molde a impedir um processo equitativo ou que os seus efeitos no passado, se persistem, são de molde a produzir o mesmo resultado.

90.      Ilustro o que acabo de dizer com dois exemplos. No primeiro caso, a pessoa procurada é acusada de cometer assassínio no Estado‑Membro de emissão. É emitido um mandado de detenção europeu para a sua transferência do Estado‑Membro de execução para o Estado‑Membro de emissão. Contudo, antes disso, as autoridades competentes no primeiro Estado‑Membro tinham ordenado a destruição de elementos de prova, constituídos por amostras de ADN da pessoa falecida, que eram, no entender da pessoa procurada, cruciais para demonstrar a sua inocência. A pessoa procurada tinha exposto ao Estado‑Membro de emissão, através do seu advogado, que as amostras deviam ser conservadas a fim de serem utilizadas como elementos de prova no seu julgamento. Não há qualquer dúvida de que a decisão de destruição foi indevidamente tomada, em violação dos direitos humanos da pessoa procurada. Não existe nenhuma outra prova material que possa demonstrar a sua inocência. Neste caso, parece‑me não haver dúvidas de que as autoridades judiciárias de execução devem recusar a execução do mandado. No segundo exemplo, as circunstâncias são as mesmas, com exceção de que a alegada violação do artigo 6.° consistiu na não notificação da pessoa procurada de que lhe foi instaurado um processo penal. Tal violação pode ser reparada e não deve, em caso algum, justificar uma recusa de execução do mandado de detenção.

91.      Poder‑se‑á observar que a maior parte dos exemplos de alegadas violações são menos claros do que os exemplos radicais que acabo de dar. É verdade. Não proponho uma análise mais pormenorizada a este respeito, porque me parece que as questões subjacentes devem ser decididas caso a caso pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Não é possível estabelecer normas rígidas e de aplicação imediata.

92.      Para poder dar uma resposta completa à questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional, é igualmente necessário referir o artigo 5.° da Convenção e o artigo 6.° da Carta. A esse respeito, parece‑me difícil conceber uma violação anterior à transferência da pessoa procurada para o Estado‑Membro de emissão que não possa ser reparada. Tal possibilidade não pode ser totalmente excluída, pelo menos como possibilidade teórica, embora não tenha sido solicitada a apreciação do Tribunal de Justiça a esse respeito. Em termos gerais, parece‑me que se devem aplicar os mesmos princípios que se aplicam ao artigo 6.° da Convenção.

93.      No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional nacional, mediante aplicação dos princípios acima descritos, determinar se as violações de direitos fundamentais invocadas por C. V. Radu são suficientes para justificar uma recusa de execução do mandado de detenção em causa no processo principal.

94.      O advogado de C. V. Radu parece ter sugerido, na audiência, que poderiam estar em causa, no processo principal, aspetos processuais que conduziram à emissão de um mandado de detenção europeu. Nesse contexto, e para que não restem dúvidas, faço as seguintes observações.

95.      Em primeiro lugar, não é só quando estão em causa violações significativas dos direitos humanos ou algum dos motivos facultativos ou obrigatórios de não execução especificados nos artigos 3.° e 4.°, respetivamente, da decisão‑quadro que uma autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu. A autoridade judiciária também pode recusar a execução se for demonstrado que foi violado um requisito processual fundamental na emissão do mandado de detenção. Se, por exemplo, fosse claramente demonstrado que o mandado de detenção europeu não continha uma indicação adequada da existência do mandado de detenção nacional especificado no artigo 8.°, n.° 1, alínea c) da decisão (porque, por exemplo, este último era nulo por motivos processuais, nos termos do direito do Estado‑Membro de emissão) o mandado de detenção não deveria, na minha opinião, ser executado. Os direitos processuais conferidos às pessoas procuradas, nos termos dos artigos 11.° a 23.° da decisão‑quadro, constituem uma ampla oportunidade para se suscitarem questões deste tipo antes de ser executado um mandado.

96.      Em segundo lugar, a decisão‑quadro não procura harmonizar ou aproximar as legislações dos Estados‑Membros sobre os motivos e os procedimentos que conduzem à notificação de um mandado de detenção à pessoa suspeita ou condenada pela prática de uma infração penal. O princípio da confiança mútua consagrado na decisão implica necessariamente que cada Estado‑Membro aceite a aplicação do direito penal em vigor nos outros Estados‑Membros (58).

97.      Atento o precedente, a resposta à questão 4 deve ser a de que a autoridade judicial competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito da União, se for demonstrado que os direitos humanos da pessoa cuja entrega é solicitada foram ou serão violados, no âmbito do processo de entrega ou na sequência deste. Contudo, tal indeferimento só é permitido em circunstâncias excecionais. Nos casos que envolvem os artigos 5.° e 6.° da Convenção e/ou os artigos 6.°, 47.° e 48.° da Carta, a violação em causa deve de molde a eliminar, fundamentalmente, a equidade do processo. A pessoa que invoca a violação deve convencer a entidade responsável pela decisão de que as suas objeções são materialmente fundadas. As violações no passado suscetíveis de reparação não podem fundamentar tal objeção.

 Questão 5

98.      Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se um Estado‑Membro de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu por falta de transposição ou por transposição incompleta ou incorreta da decisão‑quadro pelo Estado de emissão.

99.      A esse respeito, é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro não pode justificar a não transposição do direito da UE mediante a invocação do não cumprimento por outro Estado‑Membro das mesmas obrigações ou de obrigações semelhantes (59).

100. Isso parece indicar que a questão deve ser claramente respondida de forma negativa.

101. Deverá esse entendimento ser revisto tendo em conta a ênfase colocada pelo órgão jurisdicional nacional na questão da reciprocidade? Esse aspeto parece estar em causa no processo principal (60), na medida em que é alegado em nome de C. V. Radu que a legislação alemã não aplicou adequadamente a decisão‑quadro.

102. É verdade que o Tribunal Constitucional alemão decidiu, em 2005, que a lei nacional que transpôs a decisão era inconstitucional e, portanto, de nenhum efeito (61). Contudo, é claro, em meu entender, e foi confirmado pela Alemanha, na audiência, que a adoção de nova legislação, em 2006, obviou a essa situação.

103. Gostaria de acrescentar o seguinte. Na audiência, a agente da República Federal da Alemanha utilizou o exemplo do furto de um ganso. Se fosse solicitada a esse Estado‑Membro a execução de um mandado de detenção europeu relativamente a esse crime, em que a condenação proferida pelo Estado‑Membro de emissão fosse de seis anos, a execução do mandado de detenção devia, na opinião da agente, ser recusada. A agente considerou que tal recusa seria justificável com base na doutrina da proporcionalidade e remeteu o Tribunal de Justiça para o artigo 49.°, n.° 3, da Carta, nos termos do qual «as penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração». O Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a interpretação desse artigo. No contexto da Convenção, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já decidiu que, embora, em princípio, as questões relativas à adequação das condenações estejam, em grande medida, excluídas do âmbito de aplicação da Convenção, uma condenação «manifestamente desproporcionada» pode equivaler a um tratamento abusivo contrário ao artigo 3.°; contudo, esse critério só é satisfeito em «ocasiões raras e únicas» (62). Seria interessante especular sobre a interpretação a dar ao artigo 49.°, n.° 3, da Carta tendo em conta a interpretação pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem das disposições do artigo 3.° da Convenção. No entanto, não tenciono desenvolver essa questão pela simples razão de que não está em causa no presente processo. Mesmo que se admitisse que uma tal abordagem por parte das autoridades judiciárias de execução na Alemanha constituiria o não cumprimento por parte desse Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem por força da decisão‑quadro, isso não justificaria, para os efeitos da questão 5, a recusa de execução, por parte de um Estado‑Membro de execução, de um mandado de detenção europeu emitido na Alemanha.

104. Pelos motivos expostos, a resposta à questão 5 deve ser a de que a autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu não pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito da União, por falta de transposição ou por transposição incompleta ou incorreta da decisão‑quadro pelo Estado de emissão do mandado de detenção europeu.

 Questão 6

105. Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se determinadas disposições do direito nacional são compatíveis com a Convenção e com a Carta e se essas disposições transpuseram corretamente a decisão‑quadro para o direito nacional.

106. É jurisprudência assente que não compete ao Tribunal de Justiça, no quadro do procedimento previsto no artigo 267.° TFUE, pronunciar‑se sobre a compatibilidade das disposições nacionais com o direito da União (63). Embora o Tribunal de Justiça, numa adaptação dessa regra, possa ser competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional os critérios de interpretação baseados no direito da UE, que possam permitir‑lhe apreciar esta compatibilidade, a informação fornecida pelo órgão jurisdicional nacional no seu despacho de reenvio não é suficiente para permitir ao Tribunal de Justiça levar a cabo essa tarefa no presente processo (64).

107. Por conseguinte, a questão 6 é inadmissível.

 Conclusão

108. Tendo em conta todas as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões da Curtea de Apel Constanţa, do seguinte modo:

1)      As disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo os seus artigos 6.°, 48.° e 52.°, fazem parte do direito primário da União. Os direitos fundamentais, tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, incluindo os direitos estabelecidos nos artigos 5.°, n.os 1, 3 e 4, e 6.°, n.os 2 e 3, da Convenção, constituem princípios gerais do direito da União.

2)      A privação da liberdade e a entrega coerciva da pessoa procurada em que consiste o processo do mandado de detenção europeu constitui uma ingerência no direito à liberdade dessa pessoa para os efeitos do artigo 5.° da Convenção e do artigo 6.° da Carta. Essa ingerência é normalmente justificada como «necessária numa sociedade democrática» por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da Convenção. Não obstante, a detenção ao abrigo da referida disposição não deve ser arbitrária. Para não ser arbitrária, essa detenção deve ser realizada de boa‑fé; deve estar estreitamente associada ao fundamento da detenção invocado pela autoridade judiciária de execução; o local e as condições da detenção devem ser adequados; e a duração da detenção não deve exceder o que for razoavelmente exigido para o fim prosseguido. O artigo 6.° da Carta deve ser interpretado da mesma forma que o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção.

3)      A autoridade judicial competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito da União, se for demonstrado que os direitos humanos da pessoa cuja entrega é solicitada foram ou serão violados, no âmbito do processo de entrega ou na sequência deste. Contudo, tal indeferimento só é permitido em circunstâncias excecionais. Nos casos que envolvem os artigos 5.° e 6.° da Convenção e/ou os artigos 6.°, 47.° e 48.° da Carta, a violação em causa deve ser de molde a eliminar, fundamentalmente, a equidade do processo. A pessoa que invoca a violação deve convencer a entidade responsável pela decisão de que as suas objeções são materialmente fundadas. As violações no passado suscetíveis de reparação não podem fundamentar tal objeção.

4)      A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu não pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito da União, por falta de transposição ou por transposição incompleta ou incorreta da decisão‑quadro pelo Estado de emissão do mandado de detenção europeu.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (a seguir «decisão‑quadro» ou «decisão») (JO L 190, p. 1). A decisão foi alterada pela Decisão‑quadro 2009/299/JHA, de 26 de fevereiro de 2009 (JO L 81, p. 24). As alterações introduzidas não afetam o objeto das presentes conclusões.


3 —      O artigo 6.° TUE substituiu, com algumas alterações, o artigo 6.° UE, que estava em vigor quando a Decisão‑Quadro foi adotada e quando foram emitidos os mandados de detenção europeus do presente processo. Os números 1 e 2 desse artigo previam:


      «1. A União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios que são comuns aos Estados‑Membros.


      2. A União respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.»


4 —      V. as anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (2007/C 303/02) (JO C 303, p. 17).


5 —      Decisão de 18 de julho de 2005, 2 BvR 2236/4. O órgão jurisdicional nacional proferiu a referida decisão com base em fundamentos relativos à aplicação dessa lei aos nacionais alemães.


6 —      Esse motivo de recusa está previsto no artigo 4.°, n.° 2, da decisão‑quadro e no artigo 98.°, n.° 2, alínea b), da Lei n.° 302/2004.


7 —      V. n.° 102 e segs., infra.


8 —      V., designadamente, acórdão de 29 de novembro de 1978, Pigs Marketing Board (83/78, Colet., p. 821, n.° 25).


9 —      V., designadamente, acórdão de 8 de novembro de 1990, Gmurzynska‑Bscher (C‑231/89, Colet., p. I‑4003, n.° 20).


10 —      V., nesse sentido, acórdão de 3 de maio de 2007, Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, Colet., p. I‑3633, n.° 20).


11 —      V. JO C 56, p. 7.


12 —      Por força do artigo 10.°, n.° 3, do Protocolo, a disposição transitória a que se refere o n.° 1 deixará de produzir efeitos cinco anos após a data de entrada em vigor do Tratado de Lisboa, ou seja, em 30 de novembro de 2014.


13 —      V. as Conclusões do Conselho Europeu de Tampere em www.cvce.eu.


14 —      V., em termos gerais, quinto, sexto e décimo considerandos da decisão‑quadro.


15 —      V. quinto considerando da decisão‑quadro.


16 —      Relatório de 11 de abril de 2011 da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação desde 2007 da Decisão‑Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (COM(2011) 175 final) (a seguir «Relatório de 2011»), secção 1.


17 —      V. n.° 69, infra.


18 —      V., designadamente, a esse respeito, a secção 4 do Relatório de 2011. V. também n.° 249 e nota 97 das minhas conclusões apresentadas em 14 de julho de 2011 no processo França/People’s Mojahedin Organization of Iran (C‑27/09 P, Colet., p. I‑13427).


19 —      No que diz respeito à Carta, v. também artigo 51.°, n.° 1, segundo o qual esta vincula os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União. Como é óbvio, quando cumprem as suas obrigações ao abrigo da decisão‑quadro os Estados‑Membros aplicam o direito da União. Uma vez que todos os Estados‑Membros são partes na Convenção, os mesmos estão vinculados por esta não só no que diz respeito à aplicação que fazem do direito da União, mas também no contexto das respetivas regras nacionais.


20 —      V. n.° 22, supra.


21 —      V., por exemplo, acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colet., p. I‑2271, n.° 37), e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.° 335).


22 —      Acórdão de 12 de novembro de 1969, Stauder (29/69, Colet. 1969‑1970, p. 157, n.° 7).


23 —      Acórdão de 17 de dezembro de 1970, Internationale Heelsgesellschaft (11/70, Colet. 1969‑1970, p. 625, n.° 4).


24 —      Acórdão de 14 de maio de 1974, Nold (4/73, Colet., p. 285, Recueil p. 491, n.° 13).


25 —      Já referido na nota 20, supra, n.° 284. V. também a jurisprudência referida.


26 —      Acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt (C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155, n.° 178). V. também a jurisprudência referida.


27 —      Refiro, para ser exaustivo, as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Cruz Villalón em 6 de julho de 2010, no processo I.B. (C‑306/09, Colet., p. I‑10341), onde este afirmou que «a necessidade de interpretar a decisão‑quadro à luz dos direitos fundamentais tornou‑se ainda mais urgente após a entrada em vigor da Carta dos Direitos Fundamentais» (n.° 44). Embora, à primeira vista, a afirmação possa parecer sugerir a necessidade de uma interpretação diferente da decisão‑quadro na sequência da entrada em vigor do artigo 6.°, n.° 1, TUE, não considero que a observação tenha sido feita com esse espírito. Pelo contrário, entendo que a mesma enfatiza a força do desejo político de visibilidade a que me referi acima.


28 —      Embora as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional também mencionem outros artigos da Carta e do Tratado, interpreto essas menções como referências ao contexto em que o direito à liberdade funciona relativamente ao processo penal. Por conseguinte, concentrei‑me nas disposições que parecem ser mais relevantes.


29 —      V. acórdãos Chahal c. Reino Unido, de 15 de novembro de 1996, Recueil des arrêts et décisions, 1996‑V, §112; Ismoilov c. Rússia, n.° 2947/06, §135, e Lokpo e Toure c. Hungria, n.° 10816/10, §16, de 20 de setembro de 2011.


30 —      Embora o acórdão tivesse sido proferido num processo tendo por objeto um procedimento de extradição e não de mandado de detenção europeu, considero que, neste contexto, não existe nenhuma diferença nos princípios subjacentes. Isso não significa que seja sempre legítimo aplicar a tais casos princípios derivados da extradição.


31 —      Acórdão TEDH, A. e o. c. Reino Unido, [GS] n.° 3455/05, §164.


32 —      V. Relatório de 2011, secção 5.


33 —      V., nesse sentido, acórdãos de 1 de dezembro de 2008, Leymann e Pustovarov (C‑388/08 PPU, Colet., p. I‑8993, n.° 51), e de 6 de outubro de 2009, Wolzenburg (C‑123/08, Colet., p. I‑9621, n.° 57). V. também, no que diz respeito ao artigo 4.°, acórdão de 13 de outubro de 2011, Prism Investments (C‑139/10, Colet., p. I‑9511, n.° 33).


34 —      V., designadamente, acórdão Advocaten voor der Wereld, já referido na nota 10, supra, n.° 28, e acórdão de 17 de julho de 2008, Kozlowski (C‑66/08, Colet., p. I‑6041, n.° 31).


35 —      V. décimo considerando da decisão‑quadro.


36 —      V. quinto considerando da decisão‑quadro.


37 —      V. acórdão de 16 de novembro 2010, Mantello (C‑261/09, Colet., p. I‑11477, n.° 36 e a jurisprudência referida).


38 —      Já referido na nota 20, supra.


39 —      N.° 43. V. também as conclusões do advogado‑geral Y. Bot apresentadas nos processos Wolzenburg, já referido na nota 33, supra, n.os 148 e 151, e Mantello, já referido na nota 37, supra, n.os 87 e 88, e do advogado‑geral P. Mengozzi, no processo Lopes da Silva Jorge (C‑42/11, n.° 28).


40 —      Como indicado na nota 29, supra, não considero que, neste contexto, os princípios subjacentes aos procedimentos de extradição e de mandado de detenção europeu sejam diferentes.


41 —      N.° 12343/10, § 37, de 10 de fevereiro de 2011.


42 —      N.° 14038/88.


43 —      O artigo 3.° da Convenção proíbe a tortura e as penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.


44 —      N.° 91; o sublinhado é meu.


45 —      N.° 113; o sublinhado é meu.


46 —      Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N.S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, Colet., p. I‑13905).


47 —      O artigo 4.° da Carta corresponde ao artigo 3.° da Convenção.


48 —      Regulamento (CE) n.° 343/2003, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO L 50, p. 1).


49 —      N.os 82 e 94; o sublinhado é meu.


50 —      V. acórdão [GS] Saadi c. Itália, n.° 37201/06, §§ 128 e 129.


51 —      N.° 38411/02.


52 —      § 76.


53 —      V. n.° 39, supra.


54 —      V. as conclusões conjuntas, parcialmente discordantes, dos juízes Bratza, Bonello e Hedigan, no acórdão Mamatkulov e Askarov c. Turquia, n.os 46827/99 e 46951/99, § 14.


55 —      Essa abordagem foi adotada, por exemplo, por Lord Phillips no n.° 136 da sua exposição na House of Lords, no processo RB (Algeria) e o. v. Secretary of State for the Home Department (c. http://www.publications.parliament.uk/pa/ld200809/ldjudgmt/jd090218/rbalge‑1.htm).


56 —      Na audiência, o Tribunal de Justiça convidou o advogado de C. V. Radu a especificar as violações dos direitos fundamentais alegadas. Reconheço que, pessoalmente, não fiquei especialmente esclarecida com a sua resposta.


57 —      V., designadamente, acórdão Bernard c. France, § 37, Recueil des arrêts et décisions, 1998‑II.


58 —      V., nesse sentido, acórdão de 11 de fevereiro de 2003, Gözütok e Brügge (C‑187/01 e C‑385/01, Colet., p. I‑1345, n.os 32 e 33).


59 —      V. nesse sentido, designadamente, acórdão de 25 de setembro de 1979, Comissão/França (232/78, Colet., p. 2729, n.° 9).


60 —      V. n.os 19 e 23, supra.


61 —      V. n.° 19 e nota 5, supra.


62 —      V. acórdão do Vinter e o. c. Reino Unido, n.os 66069/09, 130/10 e 3096/10, § 89.


63 —      V., designadamente, acórdão de 27 de janeiro de 2011, Vandoorne (C‑489/09, Colet., p. I‑225, n.° 25 e a jurisprudência referida).


64 —      A Comissão refere, nas suas observações, que o Relatório de 2011 regista a transposição correta pela Roménia das disposições da decisão‑quadro que são pertinentes para o presente processo. Por motivos óbvios, essa afirmação só pode ter um valor de orientação.