Language of document : ECLI:EU:C:2018:170

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 7 de março de 2018 (1)

Processo C103/17

Messer France SAS, sucessora de Praxair,

contra

Premier ministre,

Commission de régulation de l’énergie,

Ministre de l’Économie et des Finances,

Ministre de l’Environnement, de l’Énergie et de la Mer

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Regulamentação nacional que prevê uma contribuição para o serviço público da eletricidade — Imposto especial de consumo sobre a eletricidade — Imposto indireto — Requisitos para a existência de outra imposição indireta com finalidades específicas — Conceito de finalidades específicas — Semelhança entre as outras imposições indiretas com finalidades específicas e o imposto especial de consumo sobre a eletricidade — Respeito de um nível mínimo de tributação — Diferença entre imposto e prestação patrimonial obrigatória de caráter não tributário»






1.        O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a compatibilidade com o direito da União da denominada contribuição para o serviço público de eletricidade (a seguir «CSPE»), tal como foi aplicada em França no período entre 2003 e 2010.

2.        A CSPE é uma contribuição paga pelos consumidores finais na sua fatura e cobrada pelos fornecedores de energia elétrica. O seu montante destina‑se a compensar os custos adicionais que estes estão legalmente obrigados a suportar, cujas finalidades são heterogéneas: vão desde o incentivo à produção de eletricidade gerada a partir de fontes renováveis ou a compensação dos custos superiores da produção de eletricidade em territórios não metropolitanos, até objetivos sociais, como a tarifação especial desta energia, enquanto produto de primeira necessidade, e o apoio a pessoas em situação de precariedade.

3.        O órgão jurisdicional de reenvio não interroga o Tribunal de Justiça sobre a eventual condição de auxílio de Estado da CSPE. As suas questões dizem respeito, isso sim, à compatibilidade desta contribuição com as diretivas que harmonizam os impostos especiais de consumo sobre determinados bens, entre os quais figura a eletricidade.

4.        Essas diretivas estabeleceram a regra segundo a qual os produtos a que dizem respeito só podem ser tributados mediante o imposto especial de consumo harmonizado. Contudo, admitem como exceção certos impostos indiretos com finalidades específicas (a seguir «IIFE») sobre os quais o Tribunal de Justiça já definiu alguns critérios jurisprudenciais.

5.        No litígio pendente no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), o primeiro de uma série de recursos análogos (2), pretende esclarecer‑se, precisamente, se a CSPE pode ser incluída entre os impostos indiretos que as referidas diretivas permitem como exceção. Tanto do ponto de vista jurídico como económico, os processos pendentes nos tribunais franceses relativos à CSPE têm uma relevância notável (3).

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 92/12/CEE (4)

6.        Nos termos do seu considerando 3:

«[…] há que definir o conceito de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo; que apenas as mercadorias que são tratadas como tal em todos os Estados‑Membros podem ser objeto de disposições específicas; que esses produtos podem ser objeto de outras imposições indiretas com finalidades específicas; que a manutenção ou a introdução de outras imposições indiretas não deve dar origem a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira».

7.        O artigo 3.o dispõe:

«1.      A presente diretiva é aplicável, a nível comunitário, aos produtos seguintes, tal como definidos nas respetivas diretivas:

—      óleos minerais;

—      álcool e bebidas alcoólicas;

—      tabacos manufaturados.

2.      Os produtos mencionadas no n.o 1 podem ser sujeitos a outras imposições indiretas com finalidades específicas, desde que essas imposições respeitem as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto.

[…]»

2.      Diretiva 2003/96/CE (5)

8.        Segundo o artigo 1.o:

«Os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva».

9.        Nos termos do artigo 3.o:

«As referências feitas na Diretiva 92/12/CEE a “óleos minerais” e “impostos especiais de consumo”, na medida em que sejam aplicáveis aos óleos minerais, devem ser interpretadas como abrangendo todos os produtos energéticos, a eletricidade e os impostos indiretos nacionais referidos, respetivamente, no artigo 2.o e no n.o 2 do artigo 4.o da presente diretiva.»

10.      O artigo 4.o dispõe:

«1.      Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.

2.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “nível de tributação” o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo.»

11.      O artigo 18.o, n.o 10, dispõe:

«A República Francesa pode aplicar, até 1 de janeiro de 2009, reduções ou isenções totais ou parciais para os produtos energéticos e a eletricidade utilizados pelo Estado, pelas autarquias regionais e locais ou por outros organismos de direito público, relativamente às atividades ou transações em que atuem na qualidade de autoridades públicas.

A República Francesa pode aplicar um período transitório até 1 de janeiro de 2009 para adaptar o seu atual sistema de tributação da eletricidade às disposições da presente diretiva. Durante esse período, deve ser tomado em conta o nível médio global da atual tributação local da eletricidade para avaliar a observância das taxas mínimas fixadas na presente diretiva.»

12.      Nos termos do artigo 28.o:

«1.      Os Estados‑Membros devem aprovar e publicar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 31 de dezembro de 2003, o mais tardar, e informar imediatamente a Comissão desse facto.

2.      Os Estados‑Membros devem aplicar as referidas disposições a partir de 1 de janeiro de 2004 […]»

3.      Diretiva 2008/118/CE (6)

13.      A Diretiva 92/12 foi revogada pela Diretiva 2008/118, cujo artigo 1.o, n.os 1 e 2, dispõe:

«1.      A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

a)      Produtos energéticos e eletricidade, abrangidos pela Diretiva 2003/96/CE;

[…]

2.      Os Estados‑Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.»

14.      Em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1:

«1.      O imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento e no Estado‑Membro da introdução no consumo.»

15.      O artigo 9.o dispõe:

«As condições de exigibilidade e a taxa do imposto especial de consumo a aplicar são as vigentes na data em que o mesmo se torna exigível no Estado‑Membro em que é efetuada a introdução no consumo.

[…]»

16.      O artigo 47.o, n.o 1, primeiro parágrafo, estabelece:

«A Diretiva 92/12/CEE é revogada com efeitos a partir de 1 de abril de 2010».

B.      Direito nacional

17.      A loi du 10 février 2000 relative à la modernisation et au développement du service public de l’électricité (Lei de 10 de fevereiro de 2000, relativa à modernização e ao desenvolvimento do serviço público de eletricidade) (7) previa, no seu artigo 5.o (8):

«I.      Os encargos imputáveis às missões de serviço público atribuídas aos operadores elétricos são integralmente compensados. Estes encargos compreendem:

a)      Em matéria de produção de eletricidade:

1.o      Os custos adicionais resultantes, se esse for o caso, da execução das disposições dos artigos 8.o e 10.o face aos custos evitados à Electricité de France ou, se esse for o caso, os evitados aos distribuidores não nacionalizados, referidos no artigo 23.o da Lei n.o 46‑628, de 8 de abril de 1946, já referida, que sejam afetados […]

b)      Em matéria de fornecimento de eletricidade

1.o      As perdas de receitas e os custos suportados pelos fornecedores de eletricidade decorrentes da aplicação da tarifação especial de produto de primeira necessidade, referida no artigo 4.o, n.o I, último parágrafo.

2.o      Os custos suportados pelos fornecedores de eletricidade como consequência da sua participação no dispositivo instituído a favor das pessoas em situação de precariedade, referidas no artigo 2.o n.o III, ponto 1.

Estes encargos são calculados com base numa contabilidade adequada mantida pelos operadores que os suportam. Esta contabilidade, estabelecida segundo as regras da Comissão de Regulação da Energia, […]. O Ministro competente em matéria de energia estabelece o montante destes encargos mediante proposta anual da Comissão de Regulação da Energia.

A compensação dos referidos encargos, em proveito dos operadores que os suportam, será financiada pelas contribuições devidas pelos consumidores finais da eletricidade estabelecidos no território nacional.

O montante das contribuições referidas anteriormente é calculado proporcionalmente à quantidade de eletricidade consumida […]

[…]

O montante da contribuição aplicável a cada quilowatt‑hora é calculado de modo a que as contribuições cubram a totalidade dos despesas referidas nas alíneas a) e b) […]. O ministro responsável pela energia fixa esse montante sob proposta da Comissão de Regulação da Energia, apresentada anualmente. […]»

18.      Nos termos do artigo 10.o, n.o 5, segundo e sétimo parágrafos, da Lei de 10 de fevereiro de 2000 (9), relativo à obrigação de compra da eletricidade produzida pelas instalações que utilizam energias renováveis:

«[…] As obrigações que incumbem aos produtores que beneficiam da obrigação de compra, bem como as condições em que os ministros responsáveis pela economia e pela energia, após parecer da Comissão de Regulação da Energia, estabelecem as condições de compra da eletricidade assim produzida, são fixadas por decreto.

[…]

Os contratos celebrados em aplicação do presente artigo entre a Electricité de France e os distribuidores não nacionalizados mencionados no artigo 23.o da Lei n.o 46‑628 de 8 de abril de 1946, já referida, que estipulem condições de compra que tenham em conta os custos de investimento e de gestão evitados por esses compradores, aos quais pode ser acrescentado um prémio que tenha em conta a contribuição da produção fornecida ou dos setores para a realização dos objetivos definidos do artigo 1.o, segundo parágrafo, da presente lei. O nível desse prémio não pode conduzir a que a remuneração dos capitais imobilizados nas instalações que beneficiem dessas condições de compra exceda uma remuneração normal de capitais, tendo em conta os riscos inerentes a essas atividades e a garantia de que beneficiam essas instalações de vender a totalidade da sua produção a uma tarifa determinada. As condições de compra são objeto de uma revisão periódica, com vista a tomar em consideração a evolução dos custos evitados e dos encargos mencionados no artigo 5.o, n.o 1.»

19.      Em conformidade com o artigo 8.o do Decreto 2001/410, de 10 de maio de 2001 (10), relativo às condições de compra da eletricidade produzida por produtores que beneficiam da obrigação de compra, adotado com o fim de aplicar as disposições anteriores:

«As condições de compra da eletricidade produzida pelas instalações que beneficiam da obrigação de compra prevista no artigo 10.o da referida Lei de 10 de fevereiro de 2000 serão fixadas por portaria dos ministros responsáveis pela economia e pela energia, adotadas após parecer do Conseil supérieur de l’énergie (Conselho Superior da Energia) e da Commission de régulation de l’électricité (Comissão de Regulação da Eletricidade) […]»

20.      Na sequência do processo por incumprimento iniciado pela Comissão em 2010, a República Francesa adotou a loi n.o 2010‑1448 du 7 décembre 2010 portant nouvelle organisation du marché de l’électricité (Lei de 7 de dezembro de 2010, que aprova a nova organização do mercado da eletricidade, também conhecida como Lei NOME) (11). Por força do artigo 23.o desta lei, a CSPE foi substituída pelos impostos municipal e departamental sobre o consumo final de eletricidade. Estes novos impostos entraram em vigor em 1 de janeiro de 2011.

II.    Processo principal e questões prejudiciais

21.      Segundo o despacho de reenvio, a sociedade Praxair, a que sucedeu posteriormente a sociedade Messer France, pediu, em 17 de dezembro de 2010, a devolução das CSPE que tinha pago entre 2005 e 2009, acrescidas dos respetivos juros de mora.

22.      O Tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris, França), no qual tinha sido apresentado o referido pedido, julgou‑o improcedente por decisão de 6 de julho de 2012.

23.      A sociedade Praxair recorreu da referida decisão para a Cour administrative d’appel de Paris (Tribunal Administrativo de Recurso de Paris, França). Este órgão jurisdicional, antes de se pronunciar, decidiu remeter os autos ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), submetendo várias questões à sua apreciação. Após submeter uma questão prévia de constitucionalidade ao Conseil constitutionnel (Tribunal Constitucional, França), decidida por Acórdão de 8 de outubro de 2014 (12), o Conseil d’État (Conselho de Estado) respondeu ao tribunal de recurso em 22 de julho de 2015.

24.      Em 23 de fevereiro de 2016, o referido tribunal proferiu negou provimento ao recurso da Praxair.

25.      A Messer France, que tinha sucedido nos direitos e obrigações da Praxair, recorreu da decisão da segunda instância para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), que submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Quando, após a entrada em vigor da [Diretiva 2003/96], um Estado‑Membro, numa primeira fase, não adotou qualquer disposição que visasse criar um imposto especial de consumo sobre o consumo de eletricidade, mas manteve uma imposição indireta, criada anteriormente, que onerava esse consumo, bem como alguns impostos locais,

—      a compatibilidade da imposição em causa com as Diretivas [92/12] e [2003/96] deve ser apreciada à luz das condições impostas pelo artigo 3.o, n.o 2, da [Diretiva 92/12] para a existência de “outras imposições indiretas”, ou seja a prossecução de uma ou várias finalidades específicas e o respeito de determinadas regras de tributação aplicáveis aos impostos especiais de consumo ou ao IVA?

—      ou a manutenção de “outras imposições indiretas” só é possível quando se trata de um imposto especial de consumo harmonizado e, por último, nessa hipótese, a contribuição em causa poderia ser considerada um imposto especial de consumo, cuja compatibilidade com essas duas diretivas deveria, então, ser apreciada à luz de todas as regras de harmonização que as mesmas preveem?

2)      Deve considerar‑se que uma contribuição baseada no consumo de eletricidade, cuja receita é simultaneamente afetada ao financiamento de despesas ligadas à produção de eletricidade a partir de fontes renováveis e da cogeração e à implementação de uma perequação tarifária geográfica e de uma redução do preço da eletricidade para os agregados familiares em situação de precariedade, prossegue finalidades específicas, em aplicação do disposto no artigo 3.o, n.o 2, da [Diretiva 92/12], retomadas no artigo 1.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/118]?

3)      Na hipótese de apenas algumas das finalidades prosseguidas poderem ser qualificadas como específicas, na aceção dessas disposições, os contribuintes podem, contudo, requerer o reembolso total da contribuição controvertida ou, apenas, o seu reembolso parcial em função da parte que, do total das despesas que a mesma financia, não corresponda a uma finalidade específica?

4)      Na hipótese de, consoante a resposta que seja dada às questões anteriores, o regime da contribuição para o serviço público de eletricidade ser, no seu todo ou em parte, incompatível com as regras de tributação da eletricidade previstas no direito da União, o segundo parágrafo do n.o 10 do artigo 18.o da [Diretiva 2003/96] deve ser interpretado no sentido de que, até 1 de janeiro de 2009, o respeito dos níveis de tributação mínimos previstos nessa diretiva constitui a única obrigação imposta à França, no âmbito das regras de tributação da eletricidade previstas no direito da União?»

26.      Apresentaram observações escritas a sociedade Messer France, os Governos francês, espanhol, italiano e belga, bem como a Comissão, que (com a exceção do Governo italiano) intervieram na audiência realizada em 13 de dezembro de 2017.

III. Resposta às questões prejudiciais

A.      Quanto à natureza tributária da CSPE

27.      Antes da análise das questões objeto do reenvio, creio ser necessário abordar as dúvidas quanto à natureza (fiscal ou não) da CSPE, como premissa para determinar a sua compatibilidade com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12.

28.      Se a CSPE não fosse um tributo segundo o direito da União, não poderia ser qualificada de IIFE, o que excluiria a aplicação da Diretiva 92/12. Nessa hipótese, nada obstaria a que a República Francesa mantivesse essa contribuição (enquanto esteve em vigor) sem problemas de maior.

29.      O tribunal de reenvio afirma que a CSPE é um imposto indireto e não põe em causa a sua natureza tributária. Contudo, nas suas observações escritas, o Governo italiano, mesmo admitindo que se trate de uma contribuição patrimonial obrigatória prevista pela lei, entende que carece de natureza fiscal, pelo que não entraria no âmbito de aplicação das Diretivas 92/12 e 2008/118. Os Governos espanhol e belga apoiaram esta mesma tese na audiência.

30.      Nas minhas Conclusões no processo IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia (13) defendi que a contribuição com a qual são pagos em Itália os denominados «custos gerais do sistema elétrico» era uma prestação patrimonial de caráter não tributário (14), que não apresentavam a fisionomia (nem a natureza) de um imposto. Assim o tinha sido declarado, com toda a clareza, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) no seu despacho de reenvio. Considerei, em concreto, que não tinha uma estrutura tributária semelhante aos impostos especiais de consumo harmonizados ou ao IVA e que não podia ser qualificado de IIFE, para efeitos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

31.      O Tribunal de Justiça, no seu Acórdão IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia, não acolheu a minha proposta e não distinguiu entre tributos e prestações patrimoniais de caráter público não tributárias. Partindo da ideia (correta) de que lhe compete realizar a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do direito da União, em função das características objetivas da imposição, independentemente do nomen iuris que lhe é dado em direito nacional (15), limitou‑se a indicar três elementos inerentes aos impostos indiretos:

‑      Em primeiro lugar, a obrigação legal de pagar o seu montante e, em caso de incumprimento, a competência das autoridades para intentarem ações judiciais contra o devedor.

‑      Em segundo lugar, o destino das quantias exigidas, que têm de ser encaminhadas para financiar objetivos de interesse geral, segundo os critérios de repartição fixados pelas autoridades públicas.

‑      Em terceiro lugar, a sua possível repercussão no consumidor final do bem ou do serviço fornecido, através da sua inclusão no montante da fatura que lhe é dirigida, cujo montante costuma estar relacionado com as quantidades de produto ou serviço consumidas (16).

32.      Não obstante, o Tribunal de Justiça remeteu por completo para o juiz nacional italiano a tarefa de verificar se a contribuição para suportar os custos gerais do seu sistema elétrico cumpria ou não os requisitos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 (isto é, «se, por um lado, esse imposto prosseguir uma ou várias finalidades específicas e, por outro, respeitar as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto, não incluindo essas regras as disposições relativas às isenções») (17).

33.      Não insistirei numa controvérsia que só aparentemente se poderia considerar académica (18). Na minha opinião, continua a ser relevante, para marcar as diferenças entre os dois conceitos, que a receita obtida com as contribuições patrimoniais públicas não tributárias esteja excluída dos orçamentos estatais, ou seja, não se destine a cobrir necessidades públicas que as autoridades nacionais devam financiar. É também relevante que na sua gestão e na sua cobrança não haja uma intervenção das autoridades fiscais nacionais, exercendo as prerrogativas habituais da Fazenda Pública.

34.      Prescindir destas características, entre outras, esbate o conceito de receitas tributárias até um ponto em que a dogmática jurídica nesta matéria deixa, provavelmente, de fazer sentido (19). Simultaneamente, restringe excessivamente a liberdade do legislador de cada Estado, que pode ver‑se obrigado, mantendo‑se esta tendência, a reconhecer natureza tributária às tarifas pela prestação de determinados serviços públicos quando, para calcular o seu montante (estabelecido pelas autoridades públicas), sejam tomadas em conta as despesas suportadas para prestar esses serviços, sejam elas diretas ou indiretas e gerais.

35.      Reconheço, contudo, que a CSPE, embora tenha em comum certas características com a contribuição italiana suprarreferida, apresenta alguns elementos que a podem aproximar dos impostos indiretos, qualificação que — como já referi — não parece ser discutida nem pelo órgão de reenvio nem no direito francês (20). Entre eles destaca‑se o facto de, como se esclareceu na audiência, serem as autoridades públicas (a Comissão de Regulação da Energia) as competentes para exigir o pagamento, com juros de mora, aos utilizadores que não paguem a CSPE e para emitir contra estes uma decisão de cobrança coerciva.

36.      Como, em última análise, competirá ao tribunal de reenvio emitir a sua decisão definitiva sobre a natureza impositiva (ou não) da CSPE, tendo em conta os critérios flexíveis utilizados pelo Tribunal de Justiça para a atribuir a determinadas contribuições obrigatórias pagas pelos consumidores de alguns produtos ou serviços, partirei desta premissa no desenvolvimento destas conclusões, não sem reiterar o meu desejo de que haja um maior rigor conceptual na análise da figura dos impostos indiretos (21).

B.      Legislação aplicável ao litígio no processo principal (quarta questão prejudicial)

37.      Talvez seja oportuno responder em primeiro lugar à questão em que o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça uma clarificação do artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96, para precisar a legislação aplicável ao litígio.

38.      A imposição indireta sobre a eletricidade foi regulada, de 1 de janeiro de 2004 a 1 de abril de 2010, pela Diretiva 92/12, em conformidade com o artigo 3.o da Diretiva 2003/96 (22). Esta última alargou à energia elétrica as disposições da Diretiva 92/12, aplicáveis até então apenas aos impostos especiais de consumo sobre os óleos minerais, o álcool, as bebidas alcoólicas e aos tabacos manufaturados.

39.      Ora, foi concedido à República Francesa (artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96) um período transitório, até 1 de janeiro de 2009, para que pudesse adaptar o seu regime fiscal da eletricidade à referida diretiva.

40.      Nos termos desse artigo, durante o referido período transitório, a França devia ter em conta o nível médio global da tributação local da eletricidade para avaliar a observância das taxas mínimas fixadas pela Diretiva 2003/96. Esta obrigação implicava que, entre 1 de janeiro de 2004 e 1 de janeiro de 2009, França devia respeitar a exigência de que a soma da CSPE e dos outros impostos especiais de consumo (municipal e departamental) (23) que tributavam o consumo de eletricidade fosse superior às referidas taxas ou níveis mínimos.

41.      A República Francesa não cumpriu (24) este período transitório, não incorporando a Diretiva 2003/96 no seu direito interno até à adoção da Lei n.o 2010‑1488 (25), de 7 de dezembro de 2010, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2011 (26).

42.      Desta sequência legislativa infere‑se que o artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96 autorizava a República Francesa a manter, até 31 de dezembro de 2008, o seu sistema nacional de tributação da eletricidade sem sujeição à Diretiva 92/12, com «a única obrigação» (27) de respeitar o nível mínimo de tributação fixado por esta. Portanto, até àquela data, com a referida reserva, França tinha liberdade para aplicar a CSPE sem necessidade de se questionar sobre a sua compatibilidade ou não com a referida diretiva.

43.      O corolário do exposto é que, se o referido nível foi alcançado (o que compete ao tribunal de reenvio verificar), quem pagou a CSPE devida até 1 de janeiro de 2009 não pode pedir o seu reembolso com fundamento na suposta violação das Diretivas 92/12 e 2003/96.

C.      Compatibilidade da CSPE com o imposto especial de consumo sobre a eletricidade (primeira questão prejudicial)

44.      A Messer France considera que a implementação do imposto especial de consumo harmonizado sobre o consumo de eletricidade é uma conditio sine qua non para que um Estado‑Membro possa manter ou estabelecer outro imposto indireto sobre o consumo de eletricidade na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12.

45.      Em seu entender, a possibilidade de aplicar outro imposto indireto é a manifestação de um poder de tributação residual dos Estados (28), cujo exercício é complementar e está subordinado à implementação do imposto especial de consumo harmonizado (29). A subordinação teria sido explicitada pela Diretiva 2008/118, cujo artigo 1.o, n.o 2, substituiu a expressão «outras imposições indiretas» por outros impostos indiretos.

46.      Não concordo com estes argumentos. Em primeiro lugar, a Diretiva 2008/118 não é aplicável ratione temporis a este litígio, ainda que a letra do seu artigo 1.o, n.o 2, coincida, substancialmente, com a do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 (30). Embora algumas versões linguísticas (a francesa ou a romena) do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 falem em impostos indiretos suplementares, a maioria (versões inglesa, portuguesa, espanhola ou italiana, entre outras) referem‑se a «outros impostos indiretos», o que elimina a ideia de subordinação destes últimos à implementação prévia do imposto especial de consumo harmonizado, em consonância com o objetivo da referida diretiva. Esta interpretação é consistente com a estrutura geral e a finalidade da Diretiva 2008/118 (31).

47.      Em segundo lugar, o teor literal do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12, ao referir‑se a «outras imposições indiretas com finalidades específicas» não acrescenta referências que impliquem subordinar a sua aplicação à implementação prévia do imposto especial de consumo harmonizado.

48.      Esta tese é reforçada pelo facto de, nos termos do considerando 3 da Diretiva 92/12, os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo poderem «ser objeto de outras imposições indiretas com finalidades específicas; […] a manutenção ou a introdução de outras imposições indiretas não deve dar origem a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira».

49.      Neste mesmo sentido, o Tribunal de Justiça fez referência à «faculdade, prevista no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 de manter ou de instituir imposições nacionais que prosseguem fins específicos sobre os produtos sujeitos ao imposto harmonizado» (32). Esta faculdade contrasta com a obrigação dos Estados‑Membros de implementarem o imposto especial de consumo harmonizado, o que enfatiza que são imposições desvinculadas e que não é imprescindível a implementação deste último para manter ou introduzir as primeiras.

50.      Em terceiro lugar, no Acórdão Comissão/França, o Tribunal de Justiça considerou que o Conselho aprovou o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 «tendo em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados‑Membros nesta matéria e o frequente recurso a imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais» (33). Mais uma vez, este dado corrobora que estas outras imposições indiretas têm uma existência independente e não subordinada à do imposto especial de consumo harmonizado.

51.      Considero, pois, que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 deve ser interpretado no sentido de que a manutenção ou a introdução de uma imposição indireta com finalidades específicas não estão subordinadas à prévia implementação do imposto especial de consumo harmonizado.

D.      A CSPE como uma imposição indireta com finalidades específicas (segunda questão prejudicial)

52.      Como no litígio no processo principal a sociedade Messer France pede a devolução, com juros de mora, das CSPE pagas entre 2005 e 2009 pela sociedade Praxair, apenas são aplicáveis ratione temporis a Diretiva 92/12 e a Diretiva 2003/96. Isto não obsta a que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 2008/118 também deva ser considerada, porquanto, embora esta diretiva tenha revogado a Diretiva 92/12 a partir de 1 de abril de 2010, o seu teor não é substancialmente diferente (34).

53.      O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 autoriza os Estados‑Membros a, além de implementarem o imposto especial de consumo harmonizado sobre o consumo de eletricidade, introduzirem ou manterem «outras imposições indiretas com finalidades específicas».

54.      As IIFE são tidas em conta, conjuntamente com o imposto especial de consumo harmonizado, para efeitos da aplicação da Diretiva 2003/96, uma vez que nos termos do seu artigo 4.o, n.o 1, os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros à eletricidade não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na diretiva (35).

55.      Como acabo de indicar, a tolerância das IIFE, como exceção à regra geral, tem a sua origem, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na diversidade das tradições fiscais dos Estados‑Membros nesta matéria e no frequente recurso a imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais. Por isso, é‑lhes permitido estabelecer, acima do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (36).

56.      Enquanto exceção à regra geral de que o consumo de eletricidade só é tributado pelo imposto especial de consumo harmonizado e pelo IVA, o Tribunal de Justiça tem‑na interpretado, até agora, de maneira estrita (37). A margem dos Estados é, além disso, limitada pelas dois requisitos indispensáveis que as IIFE devem cumprir cumulativamente, a saber:

‑      Têm de ter uma finalidade específica.

‑      Têm de respeitar as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto (38).

57.      Cumpre determinar, sob estas premissas, se a CSPE pode ser considerada uma IIFE.

1.      Exigência de uma finalidade específica

58.      O Tribunal de Justiça estabeleceu critérios (rigorosos) para calibrar este primeiro requisito:

‑      Uma finalidade específica deve ser sempre um objetivo distinto do exclusivamente orçamental. Não obstante, como qualquer imposto tem necessariamente um objetivo orçamental, este fator não basta, por si mesmo, para excluir que se lhe possa reconhecer, também, uma finalidade específica na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 (39).

‑      A afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento de determinadas necessidades públicas constitui um elemento para estabelecer se este tem uma finalidade específica, mas essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente a este respeito. Um Estado‑Membro poderia ordenar a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas e converteria, assim, em IIFE qualquer imposto indireto (40).

‑      Não se demonstra uma finalidade específica pela mera afetação das receitas do imposto ao financiamento de despesas gerais que incumbem a uma entidade pública num âmbito concreto. Caso contrário, a referida finalidade, alegadamente específica, não poderia ser distinguida de uma finalidade exclusivamente orçamental.

‑      O imposto deve, por si mesmo, garantir a realização da finalidade específica invocada e, portanto, assegurar que exista um nexo direto entre a utilização das receitas que dele derivem e a referida finalidade específica. Na falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, não se poderá entender que prossegue uma finalidade específica, exceto se o referido imposto estiver concebido, no que respeita à sua estrutura (em especial, à matéria coletável ou à taxa de tributação), de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes, permitindo a realização da finalidade específica invocada, por exemplo, através de uma tributação significativa dos produtos considerados, para desencorajar o seu consumo (41).

59.      Os Governos francês e espanhol entendem que a CSPE está afeta ao cumprimento de finalidades específicas, de caráter não meramente orçamental. No entanto, a Messer France e a Comissão argumentam que prossegue uma multiplicidade de objetivos ambientais e sociais, alguns contraditórios entre si, cuja consecução não incentiva, pelo que não respeita os requisitos do Tribunal de Justiça acima enumeradas.

60.      O tribunal de reenvio indica que a CSPE foi instituída para cobrir os custos das diferentes obrigações de serviço público impostas aos fornecedores de eletricidade. Em conformidade com o artigo 5.o da Lei de 10 de fevereiro de 2000, as receitas resultantes da CSPE destinavam‑se, nos anos objeto do litígio, a três tipos de despesas:

‑      O pagamento dos custos adicionais resultantes da obrigação de compra, pelos fornecedores, da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis e de cogeração, para fomentar a produção de eletricidade a partir dessas fontes de energia.

‑      A compensação dos custos adicionais de produção nas zonas não interconectadas à rede metropolitana continental.

‑      As perdas de receitas e os custos adicionais de gestão suportados pelos fornecedores de eletricidade em consequência, por um lado, da aplicação da tarifação especial da eletricidade considerada «produto de primeira necessidade» e, por outro, da sua participação no mecanismo aplicável às pessoas em situação de precariedade.

61.      Além destas finalidades, as receitas arrecadadas pela CSPE também se destinavam a cobrir as despesas inerentes ao funcionamento administrativo do Mediateur national de l’énergie (Mediador Nacional da Energia, a seguir «Mediador») e da Caisse de dépôts et consignations pour la gestion de la CSPE (Caixa de Depósitos e Consignações para a Gestão da CSPE, a seguir «Caixa de Depósitos»).

62.      Os consumidores finais de eletricidade pagavam a CSPE aos fornecedores em função do consumo (na proporção dos quilowatts consumidos) que aparecia na sua fatura. Os fornecedores depositavam este montante na Caixa de Depósitos, depois de terem realizado uma compensação entre a CSPE recebida e as despesas suportadas em aplicação dos objetivos de serviço público que esta prosseguia. A Caixa de Depósitos redistribuía o remanescente entre os fornecedores de eletricidade para o pagamento dos custos das obrigações de serviço público.

63.      A percentagem da CSPE era estabelecida pelo ministro competente, sob proposta da Comissão de Regulação da Energia, tendo em conta as previsões dos custos das obrigações de serviço público da eletricidade. Havendo défice, este era suportado com um aumento da CSPE em exercícios orçamentais posteriores.

64.      As receitas arrecadadas com a CSPE não passavam para o orçamento do Estado, sendo ao invés depositadas na Caixa de Depósitos. O seu destino, como foi já referido, estava afeto ao financiamento de objetivos ligados ao serviço público elétrico, não sendo exclusivamente orçamentais.

65.      Ora, tal como salienta o Tribunal de Justiça, a afetação predeterminada das receitas de um imposto ao financiamento de determinadas necessidades públicas constitui apenas um indício de que o referido imposto tem uma finalidade específica. Essa afetação pode esconder uma simples modalidade de organização orçamental interna de um Estado‑Membro (42).

66.      Em conformidade com este critério, as receitas da CSPE destinadas às despesas de funcionamento do Mediador e da Caixa de Depósitos têm uma finalidade tipicamente orçamental, isto é, são qualificáveis como receitas para financiar uma rubrica de despesas gerais do Estado, que poderiam facilmente constar dos orçamentos estatais. Assim, não se pode neste caso reconhecer à CSPE a natureza de IIEF.

67.      Embora não de forma tão clara, parece‑me que o mesmo se verifica com os rendimentos da CSPE afetos a finalidades de caráter social (a tarifação especial de eletricidade considerada «produto de primeira necessidade» e a participação no regime aplicável às pessoas em situação precária) ou com as quais o Estado procura compensar certas desvantagens derivadas de fatores geográficos ou territoriais (isto é, compensar os custos adicionais de produção nas zonas não interconectadas à rede metropolitana continental).

68.      Concordo com a Comissão quanto a que, nestes dois pontos, as receitas da CSPE atendem a necessidades públicas de ordem social ou territorial que, normalmente, são financiadas recorrendo aos orçamentos do Estado.

69.      De facto, estes objetivos sociais e de coesão territorial justificaram a posterior evolução da legislação francesa, refletida na Lei 2015‑1786 (43). A partir desse momento, estão integradas no orçamento do Estado francês as imposições do serviço público da eletricidade e do gás e a CESP foi fundida com o imposto sobre o consumo final de eletricidade (imposto especial de consumo harmonizado) (44).

70.      Diferentemente, considero que a afetação da CSPE ao pagamento dos custos adicionais resultantes da obrigação de compra (por parte dos fornecedores) da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis e de cogeração tem uma finalidade específica, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às IIFE.

71.      Pode encontrar‑se nessa afetação um nexo suficiente entre a utilização das receitas do imposto e a finalidade específica de promoção da energia verde (45). A CSPE incentiva a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis e de cogeração (46), para cujo financiamento contribui, de modo que prossegue, por si mesma, a realização do objetivo específico invocado (47).

72.      Na realidade, a Comissão (48) (que neste processo adota uma posição diferente, não suficientemente explicada) reconheceu que a componente A3 incluída na contribuição italiana para pagar os custos gerais do sistema elétrico, cuja finalidade única era financiar a produção elétrica a partir de fontes renováveis e por cogeração (ou seja, a componente análoga a uma das que a CSPE cobre) é uma IIFE.

73.      Poder‑se‑ia argumentar em sentido contrário que a promoção da eletricidade verde é um objetivo cujo financiamento também seria realizável com fundos públicos provenientes do orçamento estatal. E certamente essa possibilidade existe sempre, uma vez que os Parlamentos nacionais são soberanos para incorporarem nos orçamentos públicos as rubricas que considerem convenientes. Ora, se este dado se converter na chave última para interpretar a exceção prevista pelo artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 para as IIFE, receio que nenhum imposto indireto se enquadraria nesta exceção.

74.      É certo que, até ao momento, nenhum dos impostos analisados pelo Tribunal de Justiça superou os exigentes critérios da sua jurisprudência para analisar a legalidade das IIFE. Não obstante, se a exceção existe, e terá de ser reconhecido algum efeito útil à sua previsão na Diretiva 92/12, não deve ser neutralizada por via jurisprudencial. Creio que a CSPE, na parte destinada à promoção da eletricidade verde, oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de, pela primeira vez, admitir uma IIFE no âmbito da referida diretiva.

75.      Esta conclusão não é desvirtuada por vários argumentos suscitados neste litígio. O tribunal de reenvio assinala que o montante da obrigação de comprar, a um preço superior ao seu valor de mercado, a eletricidade produzida pelas instalações que utilizam energias renováveis (que equivale à diferença entre a tarifa de aquisição pelos compradores obrigados e o custo evitado a esses compradores relativamente à aquisição da eletricidade correspondente) não dependia das receitas provenientes da CSPE. Ora, embora não exista um nexo imediato entre as receitas arrecadadas com a CSPE e o montante específico do auxílio aos produtores da eletricidade verde, é inegável que uma elevada percentagem dos montantes provenientes da CSPE se destinava ao financiamento desse auxílio (49).

76.      Também não obsta à qualificação de IIFE o facto de as receitas obtidas com a CSPE terem sido distribuídas, todos os anos, segundo os critérios fixados pela Comissão de Regulação da Energia e pelas decisões do ministério competente em matéria energética, sem que a legislação francesa tenha preestabelecido as percentagens das receitas da CSPE afetas a cada objetivo.

77.      Neste sentido, considero que os Estados‑Membros devem dispor de uma certa margem deão conceber uma IIFE compatível com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12. Na referida margem enquadra‑se a possibilidade de indicar com flexibilidade o destino das receitas, bem como de ajustar o montante da imposição em função das circunstâncias, decisões que podem ser delegadas nas autoridades públicas competentes. O relevante é, insisto, que, na prática, aproximadamente 70% das receitas da CSPE se destinavam à promoção da eletricidade verde.

78.      Ainda menos me parece que seja um obstáculo à qualificação de IIFE que a CSPE não tenha permitido, por si mesma, priorizar o consumo de eletricidade verde, ou incentivar a sua compra por parte do consumidor, com preferência sobre a proveniente de fontes não renováveis. Na eletricidade, diferentemente de outros bens sujeitos a impostos especiais de consumo (como o álcool ou o tabaco), há uma dificuldade óbvia para distinguir a que é gerada a partir de fontes renováveis da que tem origem em combustíveis fósseis ou noutras fontes, uma vez introduzida na rede de distribuição. Mas recordo que o Tribunal de Justiça só exige que a IIFE tenha uma estrutura que desincentive o consumo do produto pelos consumidores quando não exista um mecanismo de afetação predeterminado das receitas. Esta última circunstância verifica‑se no caso da CSPE, conforme indiquei (50).

79.      Atendendo às explicações anteriores, entendo que a CSPE cumpre o requisito de prosseguir uma finalidade específica e pode ser qualificada de IIFE compatível com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12, na parte correspondente à receita destinada ao pagamento dos custos adicionais resultantes da obrigação de compra da eletricidade obtida a partir de fontes de energia renováveis e de cogeração.

2.      Semelhanças entre uma IIFE e o imposto especial de consumo harmonizado ou o IVA

80.      Além de prosseguir uma finalidade específica, para se enquadrar na exceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12, um imposto indireto deve respeitar as normas aplicáveis aos impostos especiais de consumo ou ao IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto. Quanto a estes elementos do tributo, terá, pois de ter características análogas seja às dos impostos especiais de consumo harmonizados pela União, seja às do IVA.

81.      Ao interpretar este preceito, o Tribunal de Justiça declarou que «o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva sobre os impostos especiais de consumo não exige aos Estados‑Membros o respeito de todas as regras relativas aos impostos especiais de consumo ou ao IVA em matéria de determinação da base tributável, do cálculo, da exigibilidade e do controlo do imposto» e que «[b]asta que as imposições indiretas que têm em vista finalidades específicas estejam em conformidade, sobre estes pontos, com a economia geral de uma ou outra destas técnicas de tributação, tal como estão organizadas na legislação comunitária» (51).

82.      A CSPE não tem uma estrutura equiparável à do IVA, uma vez que o seu montante não é proporcional ao preço do bem tributado, sendo antes calculado com base no volume da energia elétrica consumida; a sua cobrança ocorre no momento do consumo, e não em cada fase do processo de produção e de distribuição; e, por último, incide sobre um bem determinado (a eletricidade) e não se caracterizando pela generalidade.

83.      Por conseguinte, há que procurar a similitude da CSPE no contexto da técnica própria dos impostos especiais de consumo. O tribunal de reenvio, com cujas apreciações concordo, destacou vários elementos da estrutura tributária da CSPE semelhantes aos dos impostos especiais de consumo.

84.      No que diz respeito à determinação da base tributável e ao cálculo, refletidos no montante do imposto, a CSPE apresenta semelhanças claras com os impostos especiais de consumo. A eletricidade é tributada em função dos quilowatts consumidos, a uma taxa que passou de 3 euros/MWh em 2003 para 20 euros/MWh em 2015 (52), à semelhança do que ocorre com os outros impostos referidos.

85.      Quanto à exigibilidade, no caso dos impostos especiais de consumo, esta surge quando a eletricidade é fornecida (53). O artigo 5.o da Lei de 10 de fevereiro de 2000, então em vigor, previa também que a cobrança da CSPE teria lugar quando o consumidor pagasse a sua fatura. Por isso, o elemento temporal da sua exigibilidade coincide com o fornecimento da eletricidade, de modo análogo ao previsto pelas Diretivas 92/12 e 2003/96.

86.      Ao contrário do imposto especial de consumo harmonizado sobre a eletricidade, no qual o devedor é o distribuidor ou o redistribuidor de eletricidade (artigo 21.o, n.o 5, Diretiva 2003/96), no caso da CSPE, é o consumidor final. Ora, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 não exige às IIFE similitude com o IVA ou com os impostos especiais de consumo no que respeita às normas relativas ao devedor do imposto.

87.      Também na fixação de limites máximos há sintonia entre a CSPE e os impostos especiais de consumo. Na primeira, «o montante total devido a título da contribuição para o serviço público de eletricidade por qualquer sociedade industrial cujo consumo anual de eletricidade seja superior a 7 gigawatt‑hora não poderá exceder 0,5% do seu valor acrescentado» (54).Essa limitação está em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 (55) e, portanto, respeita o sistema geral de cálculo dos impostos especiais de consumo previsto pelo direito da União.

88.      Por último, quanto ao «controlo do imposto», é certo que a gestão da CSPE difere, em parte, da de outros impostos indiretos. A legislação francesa impõe o seu pagamento pelos consumidores finais de eletricidade, sob a forma de encargo adicional à tarifa elétrica refletida na sua fatura, pelo que eram os fornecedores de eletricidade que cobravam a CSPE e transferiam os fundos para a Caixa de Depósitos, que os distribuía entre os operadores do sistema elétrico. Ora, como já salientei (56), há uma intervenção pública para assegurar a cobrança deste imposto, semelhante a outros mecanismos de controlo para os restantes tributos, e as discrepâncias entre as autoridades públicas que exigem o seu pagamento e emitem ordens de cobrança coerciva contra quem não os tenha pago, em devido tempo, são dirimidos na jurisdição contenciosa administrativa.

89.      Portanto, considerada globalmente, a CSPE respeita as normas aplicáveis aos impostos especiais de consumo (quanto à base tributável, ao cálculo, à exigibilidade e ao controlo), conforme exigido pelo artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12. Ora, esse é uma dos dois requisitos cumulativos exigidos. Além disso, é necessário que a CSPE tenha finalidades específicas, requisito que apenas cumpre no que diz respeito à receita destinada aos auxílios à eletricidade verde.

90.      Em suma, sou da opinião de que a CSPE pode ser considerada compatível com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 nesse caso, e incompatível no que diz respeito à receita afeta à concretização dos restantes objetivos que prossegue.

E.      Regime de reembolso dos montantes indevidamente pagos (terceira questão prejudicial)

91.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre o regime de reembolso, total ou parcial, da CSPE, no caso de se admitir (também total ou parcialmente) a sua condição de IIFE.

92.      Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos às pessoas pelas disposições do direito da União, tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça (57). O Estado‑Membro é, assim, em princípio, obrigado a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União (58). Com esta obrigação de devolução pretende‑se resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente (59).

93.      Em coerência com a minha proposta, exposta nos números anteriores, de que, no que diz respeito ao pagamento dos custos adicionais resultantes da obrigação de compra da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis e de cogeração, a CSPE cumpre as exigências do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12, entendo que não viola esta norma e que, portanto, não há lugar ao seu reembolso, na perspetiva do direito da União.

94.      Pelo contrário, os sujeitos passivos poderão reclamar do Estado francês a devolução dos montantes indevidamente pagos a título da CSPE, na proporção em que a sua receita tenha sido afeta às restantes finalidades não específicas, porquanto nesta parte não é compatível com o direito da União. Compete ao tribunal de reenvio fixar essa percentagem, em função dos dados publicados pela Comissão de Regulação da Energia ou de outros oficialmente disponíveis.

95.      Quanto ao restante, o dever de reembolso está sujeito às limitações temporais de ordem geral (prazos de prescrição) e só abrange os montantes indevidamente pagos desde 1 de janeiro de 2009 (60). Além disso, o juiz nacional terá de verificar se a Messer France foi um consumidor final de eletricidade (61) que não teve a possibilidade de repercutir o montante da CSPE sobre outra pessoa.

IV.    Conclusão

96.      Tendo em conta todo o exposto, sugiro que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) da seguinte forma:

«1)      O artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, permitia à República Francesa manter até 31 de dezembro de 2008 o seu sistema nacional de tributação da eletricidade, com a única obrigação de respeitar as taxas mínimas fixadas pela referida diretiva.

2)      O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, deve ser interpretado no sentido de que a manutenção ou a introdução de uma imposição indireta com finalidades específicas não estão subordinados à prévia implementação do imposto especial de consumo harmonizado.

3)      O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 deve ser interpretado de modo a que:

‑      uma contribuição como a controvertida no litígio no processo principal, baseada no consumo de eletricidade, não pode ser qualificada de imposição indireta com finalidades específicas na medida em que a sua receita se destine à perequação tarifária geográfica, à redução do preço da eletricidade para as famílias e as pessoas em situação de precariedade, bem como ao pagamento dos custos de funcionamento de instituições públicas.

‑      Pelo contrário, essa contribuição pode ser qualificada de imposição indireta com finalidades específicas, compatível com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 quanto à percentagem da sua receita afeta ao financiamento da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis.

4)      Os montantes indevidamente cobrados em aplicação de um imposto indireto parcialmente incompatível com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 devem ser reembolsados, na percentagem correspondente, aos sujeitos passivos que os tenham pago, exceto se estes os tiverem repercutido de modo definitivo».


1      Língua original: espanhol.


2      Segundo as informações disponíveis, cerca de 60 000 particulares e empresas apresentaram reclamações (à Comissão de Regulação da Energia, aos Ministérios do Ambiente e das Finanças, à Électricité de France, etc.) pedindo a devolução dos montantes pagos a título de CSPE. Foram interpostos, aproximadamente, 13 000 recursos contra o indeferimento, expresso ou tácito, dessas reclamações, cujo montante pode ser superior a 5 000 milhões de euros.


3      V. conclusões do Rapporteur public, de 22 de janeiro de 2017, no processo n.o 399115 SAS Messer France, p. 1. V., também, Sniadowe, C., «Contribution au service public de l’électricité: zugzwang ou cinquième as?», Revue de droit fiscal, n.o 39, 2016, p. 520.


4      Diretiva do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1).


5      Diretiva do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).


6      Diretiva do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12).


7      JORF n.o35, de 11 de fevereiro de 2000, p. 2143.


8      Segundo a redação dada pelo artigo 37.o da loi n.o 2003‑8 du 3 janvier 2003 relative aux marchés du gaz et de l’électricité et au service public de l’énergie (Lei n.o 2003‑8, de 3 de janeiro de 2003, relativa aos mercados do gás e da eletricidade e ao serviço público de energia) (JORF n.o 3, de 4 de janeiro de 2003, p. 265).


9      JORF n.o 35, de 11 de fevereiro de 2000, p. 2143.


10      JORF n.o 110, de 12 de maio de 2001, p. 7543.


11      JORF n.o 284, de 8 de dezembro de 2010, p. 21467.


12      Acórdão do Conseil constitutionnel (Tribunal Constitucional) n.o 2014‑419 QPC, de 8 de outubro de 2014 (JORF n.o 235, de 10 de outubro de 2014, p. 16485).


13      Conclusões de 21 de abril de 2016 (C‑189/15, EU:C:2016:287, n.os 58 a 64).


14      V. os trabalhos de Lavilla Rubira, J.J., «Prestaciones patrimoniales públicas no tributarias impuestas a las empresas que operan en el sector eléctrico», pp. 69 a 102; e de Gómez‑Ferrer Rincón, R., «Las prestaciones patrimoniales de carácter público y naturaleza no tributaria», pp. 31 a 67, na obra López Ramón, F. (coord.), Las prestaciones patrimoniales públicas no tributarias y la resolución extrajudicial de conflictos, Instituto Nacional de Administración Pública, Madrid, 2015.


15      Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia (C‑189/15, EU:C:2017:17, n.o 29).


16      Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia (C‑189/15, EU:C:2017:17, n.os 31 a 40). No mesmo sentido, o Acórdão de 14 de janeiro de 2016, Comissão/Bélgica (C‑163/14, EU:C:2016:4, n.o 39).


17      Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia (C‑189/15, EU:C:2017:17, n.os 42 e 43). O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) afirmou por fim, no seu Acórdão de 19 de janeiro de 2018, que «a tese favorável à não qualificação [das contribuições para os custos gerais do sistema elétrico] de impostos indiretos é mais atendível, uma vez que aquelas não se integram no orçamento geral nacional, sendo sim transferidas para as contas de gestão abertas pelo Fundo de Compensação para o Setor Elétrico, para serem destinadas à promoção da energia procedente de fontes renováveis e da eficiência energética, a segurança nuclear e as compensações territoriais, os regimes tarifários especiais para a sociedade Caminhos de Ferro do Estado, as compensações para as pequenas empresas elétricas, o apoio à investigação do setor elétrico, assim como a cobertura do “bónus elétrico” e das facilidades para as empresas de grande consumo, e correndo estes a cargos dos clientes finais, de modo definitivo, no âmbito de uma relação de natureza tendencialmente sinalagmática com as prestações realizadas a favor dos referidos clientes finais, bem como, na ausência de um sistema de cobrança das referidas contribuições semelhante ao das receitas tributárias […] não se suscitaria ab imis nenhuma questão de incompatibilidade do ordenamento interno com a referida Diretiva [2003/96], por ser alheia ao âmbito de aplicação objetivo desta». V. o texto do acórdão em https://www.giustizia‑amministrativa.it/cdsintra/cdsintra/AmministrazionePortale/DocumentViewer/index.html?ddocname=NYJZ55RFT62J5COYDQUVMGYDZ4&q=Fondazione%20or%20Santa%20or%20Lucia.


18      Não resisto a citar as palavras de um destacado jurista espanhol: «a determinação da natureza jurídica dos acordos adotados no seio das organizações parece constituir uma dessas questões que […] só podem entusiasmar uma mente deslocada pelos infortúnios ou pela malformação do seu cérebro. Nada está mais distante da realidade. Quando os juristas procuram desvendar a natureza jurídica de uma instituição, fazem‑no porque “disso depende” o regime jurídico aplicável». Jesús Alfaro no blog Almacén de Derecho, 14 de outubro de 2016, http://almacendederecho.org/la‑naturaleza‑juridica‑los‑acuerdos‑sociales/


19      Como já expus nas minhas Conclusões de 21 de abril de 2016, IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia (C‑189/15, EU:C:2016:287, n.os 54 e 56), talvez o problema derive da utilização das normas da União aplicáveis num âmbito próximo mas não coincidente, como é o dos auxílios de Estado, ao determinar se certas contribuições podem considerar‑se encargos parafiscais e ser submetidos ao mesmo regime dos encargos de efeito equivalente e das imposições internas discriminatórias. A amplitude com que o Tribunal de Justiça definiu estes dois últimos conceitos permitiu‑lhe alargá‑los a qualquer prestação patrimonial imposta unilateralmente pelos Estados‑Membros, independentemente da sua natureza tributária.


20      A leitura do n.o 16 da Decisão n.o 2014‑419 QPC, do Conseil constitutionnel (Tribunal Constitucional), de 8 de outubro de 2014, sobre o artigo 5.o da Lei 2000‑108, pode suscitar alguma dúvida, uma vez que se refere «ao contencioso das imposições que não são nem contribuições indiretas nem impostos diretos», atribuído à jurisdição administrativa, na qual se enquadram os litígios relativos à CSPE.


21      Remeto para as minhas Conclusões de 21 de abril de 2016, IRCCS ‑ Fondazione Santa Lucia (C‑189/15, EU:C:2016:287, n.os 51 a 64).


22      O artigo 28.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96 estabeleceu 31 de dezembro de 2003 como o termo do período de adaptação do direito interno e a consequente aplicação da diretiva a partir de 1 de janeiro de 2004.


23      Entre 1984 e 31 de dezembro de 2010, os artigos L.2333‑2 e L.3333‑2 do Code général des collectivités territoriales (Código Geral das Coletividades Territoriais) estabeleceram impostos indiretos municipais e territoriais, cuja base tributável era uma percentagem do preço da eletricidade faturada aos consumidores.


24      Este incumprimento foi declarado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 25 de outubro de 2012, Comissão/França (C‑164/11, EU:C:2012:665).


25      JORF n.o 284, de 8 de dezembro de 2010, p. 21467. Esta lei transformou os impostos municipais e departamentais anteriores num imposto municipal e num departamental, ambos sobre o consumo final de eletricidade, e introduziu no artigo 266.o‑D C do Code des douanes (Código Aduaneiro) um novo imposto especial de consumo, denominado «imposto interno sobre o consumo final de eletricidade» de mais de 250 quilowatts. Conjuntamente com este triplo imposto especial de consumo, continuou a aplicar‑se a CSPE sem alterar as suas normas.


26      A partir de 1 de janeiro de 2016, por força da loi 2015‑1786 de finances rectificative pour 2015 (Lei 2015‑1786, de finanças retificativa para 2015), de 29 dezembro 2015, a antiga CESP foi integrada no imposto interno sobre o consumo final de eletricidade, dando lugar à nova CESP, articulada como imposto especial sobre o consumo elétrico.


27      Esta é a expressão utilizada pelo órgão de reenvio.


28      Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2013:694, n.o 15).


29      Acórdão de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França (C‑434/97, EU:C:2000:98, n.o 19): «[e]sta disposição tem em vista permitir que os Estados‑Membros estabeleçam, acima do imposto especial de consumo mínimo fixado pela diretiva sobre as estruturas, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica, ou seja, um objetivo não orçamental».


30      Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 34).


31      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma disposição de direito comunitário pode ser objeto de várias interpretações, das quais apenas uma pode garantir o seu efeito útil, deve dar‑se a prioridade a esta interpretação (v., designadamente, Acórdão de 22 de setembro de 1988, Land de Sarre e o., C‑187/87, EU:C:1988:439, n.o 19). Além disso, em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto comunitário, a disposição em questão deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., em especial, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, EU:C:2000:98, n.os 21 e 22, e de 27 de março de 1990, Cricket St. Thomas, C‑372/88, EU:C:1990:140, n.o 19).


32      Acórdão de 10 de junho de 1999, Braathens (C‑346/97, EU:C:1999:291, n.o 25).


33      Acórdão de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França (C‑434/97, EU:C:2000:98, n.o 18).


34      Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 34).


35      Entende‑se por «nível da tributação» o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo (artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96).


36      Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems (C‑5/14, EU:C:2015:354, n.o 58), e de 20 de setembro de 2017, Elecdey Carcelén e o. (C‑215/16, C‑216/16, C‑220/16 e C‑221/16, EU:C:2017:705, n.o 58).


37      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.os 28 e 29), e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 39).


38      Esta disposição é pouco clara, segundo a doutrina especializada. V., por exemplo, Berlin, D., Politique fiscale, Commentaire J. Mégret, vol. I, Éditions de l’Université de Bruxelles, 2012, p. 561.


39      Acórdãos de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França (C‑434/97, EU:C:2000:98, n.o 19); de 9 de março de 2000, EKW e Wein & Co. (C‑437/97, EU:C:2000:110, n.os 31 e 33); de 10 de março de 2005, Hermann (C‑491/03, EU:C:2005:157, n.o 16); de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.os 23 e 27); e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.os 37 e 38).


40      Acórdãos de 9 de março de 2000, EKW e Wein & Co. (C‑437/97, EU:C:2000:110, n.o 35); de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.os 28 e 29); e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 39).


41      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.o 32), e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 42).


42      Acórdãos de 9 de março de 2000, EKW e Wein & Co. (C‑437/97, EU:C:2000:110, n.o 35); de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.os 28 e 29); e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 39).


43      Loi n.o 2015‑1786 du 29 décembre 2015 de finances rectificative pour 2015 (JORF n.o 302, 2015, p. 24701). Na exposição de motivos do artigo 3.o do seu projeto de lei afirmava‑se: «une partie des charges actuellement financées par la CSPE ne relèvent pas directement de la politique de transition énergétique, il s’agit de charges relatives aux tarifs sociaux, à la péréquation territoriale, à la cogénération et au budget du médiateur de l’énergie. Ces charges ne présentent pas de lien direct par nature avec les recettes issues de la fiscalité énergétique. Elles ont par ailleurs un caractère récurrent et seront désormais inscrites au budget général, sur un nouveau programme de la mission “Ecologie, développement et mobilité durable” dont les crédits seront inscrits en 2016 par coordination du projet de loi de finances actuellement examiné au Parlement».


44      Durante a tramitação parlamentar desta lei, diversos documentos fizeram referência ao caráter orçamental e não específico de alguns dos objetivos da CSPE e à indispensabilidade da sua alteração, acabar com o incumprimento da legislação da União Europeia. V. os relatórios n.o 229 e n.o 263 (2014‑2015) da Comissão (parlamentar) de assuntos económicos, nos quais se pode ler: «En outre, sur le plan communautaire, il existe un risque réel de remise en cause de la CSPE actuelle avec un effet rétroactif potentiel qui se chiffrerait en milliards d’euros, au motif de son absence de finalité spécifique» «le droit communautaire n’autorise ce type d’imposition que dès lors qu’elles poursuivent des fins spécifiques; or, la CSPE couvre aujourd’hui des charges multiples et dont la finalité “budgétaire” s’agissant au moins des mesures sociales ou de péréquation tarifaire, risquerait de n’être pas considérée comme spécifique par la Cour de justice de l’Union européenne si elle avait à en connaître».


45      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.os 30 a 32), e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.os 41 e 42).


46      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.o 30), e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 41).


47      Neste sentido, a CSPE difere do imposto sobre as vendas analisado no Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.os 43 a 46), que incidia sobre a maior parte dos bens e serviços vendidos aos consumidores finais no território do município de Taline, e cujas receitas foram afetas pelo município ao financiamento do exercício da sua competência em matéria de organização dos transportes públicos no seu território municipal. O Tribunal de Justiça entendeu que a legislação estónia não estabelecia nenhum mecanismo de afetação predeterminada a finalidades ambientais ou de saúde pública das receitas do imposto sobre as vendas, porquanto incidia sobre combustíveis líquidos sujeitos a impostos especiais de consumo. Não havia, portanto, um nexo direto entre a utilização das receitas do referido imposto e essas finalidades.


48      V. o documento C(2017) 3406 final, de 23 de maio de 2017, State Aid SA.38635 (2014/NN) — Italy — Reductions of the renewable and cogeneration surcharge for electro‑intensive users in Italy, p. 100: «the A3 component constitutes an indirect tax on electricity. Furthermore, it should be pointed out that the A3 component pursues a specific objective […] namely financing of the support for RES and cogeneration installations».


49      Segundo os dados de 2003 a 2015 fornecidos pela Comissão de Regulação da energia, disponíveis em http://www.cre.fr/operateurs/service‑public‑de‑l‑electricite‑cspe/montant#section2, aproximadamente 70% das receitas da CSPE destinavam‑se a energias renováveis e cogeração, 25% à compensação interterritorial e 5% às finalidades sociais.


50      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora (C‑82/12, EU:C:2014:108, n.o 32), e de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C‑553/13, EU:C:2015:149, n.o 42).


51      Acórdão de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França (C‑434/97, EU:C:2000:98, n.o 27).


52      Recordo que a taxa do tributo devia ser estabelecida anualmente pelo ministério competente, sob proposta da Comissão Reguladora da Energia, dentro do limite de 7% da tarifa de base de venda da eletricidade. Não obstante, a referida taxa foi estabelecida por lei nos três primeiros anos e em seguida manteve‑se inalterada até 2010, por força do mecanismo de recondução tácita legalmente estabelecido.


53      Segundo o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 92/12, «[o] imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo ou da constatação das faltas que devem ser sujeitas ao imposto especial de consumo em conformidade com o n.o 3 do artigo 14.o». Nos termos do artigo 21.o, n.o 5, da Diretiva 2003/96,«[p]ara efeitos dos artigos 5.o e 6.o da Diretiva 92/12/CEE, a eletricidade e o gás natural são sujeitos a tributação, que será exigível no momento do fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor».


54      Artigo 67.o de la loi du 13 juillet 2005 de programme fixant les orientations de la politique énergétique (Lei que estabelece as orientações da política energética), com a redação então em vigor.


55      Segundo esta disposição, sempre que os níveis de tributação mínimos mencionados na referida diretiva sejam respeitados, os Estados‑Membros «poderão aplicar reduções de impostos sobre o consumo […] sobre a eletricidade […] [a] favor de empresas com utilização intensiva de energia». Estas últimas são definidas, em princípio, como aquelas «cujos custos de aquisição de produtos energéticos e eletricidade ascendam, no mínimo, a 3,0% do valor da produção ou para a qual o imposto nacional a pagar sobre a energia ascenda, pelo menos, a 0,5% do valor acrescentado». O artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva acrescenta que, «[n]o âmbito desta definição, os Estados‑Membros poderão aplicar critérios mais restritivos, incluindo o valor das vendas, o processo de fabrico e o setor industrial».


56      N.o 35 das presentes conclusões.


57      V., em especial, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio (C‑199/82, EU:C:1983:318, n.o 12), e de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 24).


58      V., em especial, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o. (C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 20); de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 24); e de 14 de junho de 2017, Compass Contract Services (C‑38/16, EU:C:2017:454, n.o 30).


59      Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer‑Danfoss (C‑94/10, EU:C:2011:674, n.o 23), e de 14 de junho de 2017, Compass Contract Services (C‑38/16, EU:C:2017:454, n.o 31).


60      V. os n.os 42 e 43 das presentes conclusões.


61      Os fornecedores de eletricidade não podem exigir a devolução dos montantes pagos a título de CSPE, porque são operadores que repercutiram o seu montante sobre os consumidores finais. Caso contrário, ocorreria um enriquecimento sem causa, violando a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual «por exceção ao princípio do reembolso de impostos incompatíveis com o direito da União, a restituição de direitos indevidamente cobrados pode ser recusada unicamente quando levar a um enriquecimento sem causa de quem se sub‑roga no direito, isto é, quando se demonstrar que a pessoa obrigada ao pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente no comprador». V., neste sentido, Acórdãos de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o. (C‑398/09, EU:C:2011:540, n.os 18 e 20), e de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer‑Danfoss (C‑94/10, EU:C:2011:674, n.os 20 e 21).