Language of document : ECLI:EU:C:2012:657

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

23 de outubro de 2012 (*)

«Transporte aéreo ― Regulamento (CE) n.° 261/2004 ― Artigos 5.° a 7.° ― Convenção de Montreal ― Artigos 19.° e 29.° ― Direito a indemnização em caso de atrasos de voos ― Compatibilidade»

Nos processos apensos C‑581/10 e C‑629/10,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Amtsgericht Köln (Alemanha) e pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) (Reino Unido), por decisões, respetivamente, de 3 de novembro e 10 de agosto de 2010, entrados no Tribunal de Justiça em 13 e 24 de dezembro de 2010, nos processos

Emeka Nelson,

Bill Chinazo Nelson,

Brian Cheimezie Nelson

contra

Deutsche Lufthansa AG (C‑581/10),

e

The Queen, a pedido de:

TUI Travel plc,

British Airways plc,

easyJet Airline Company Ltd,

International Air Transport Association

contra

Civil Aviation Authority (C‑629/10),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, G. Arestis, J. Malenovský (relator), M. Berger, presidentes de secção, E. Juhász, A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, D. Šváby e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Deutsche Lufthansa AG, por Ch. Giesecke, Rechtsanwalt,

¾        em representação da TUI Travel plc, da British Airways plc, da easyJet Airline Company Ltd e da International Air Transport Association, por L. Van den Hende, solicitor, e D. Anderson, QC,

¾        em representação da Civil Aviation Authority, por A. Shah, QC,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente, assistido por D. Beard, QC,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e M. Perrot, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, K. Bożekowska‑Zawisza e M. Kamejsza, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Parlamento Europeu, por L. G. Knudsen e A. Troupiotis, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Conselho da União Europeia, por E. Karlsson e A. De Elera, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por K. Simonsson, K.‑P. Wojcik e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de maio de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação e a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91 (JO L 46, p. 1).

2        O pedido relativo ao processo C‑581/10 foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe E. Nelson e a sua família (a seguir, conjuntamente, «membros da família Nelson») à companhia aérea Deutsche Lufthansa AG (a seguir «Lufthansa») a respeito da recusa desta companhia de indemnizar esses passageiros encaminhados para o aeroporto de destino com um atraso de 24 horas relativamente à hora de chegada inicialmente prevista.

3        O pedido relativo ao processo C‑629/10 foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a TUI Travel plc, a British Airways plc, a easyJet Airline Company Ltd e a International Air Transport Association (a seguir, conjuntamente, «TUI Travel e o.») à Civil Aviation Authority a respeito da recusa desta última de lhes garantir que não interpreta o Regulamento n.° 261/2004 no sentido de que impõe uma obrigação para as companhias aéreas de indemnizar os passageiros em caso de atraso do respetivo voo.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

4        A Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, foi assinada pela Comunidade Europeia em 9 de dezembro de 1999 e aprovada em seu nome pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001 (JO L 194, p. 38, a seguir «Convenção de Montreal»).

5        Os artigos 17.° a 37.° da Convenção de Montreal constituem o capítulo III desta, sob a epígrafe «Responsabilidade da transportadora e limites da indemnização por danos».

6        O artigo 19.° desta Convenção, sob a epígrafe «Atrasos», dispõe:

«A transportadora é responsável pelo dano resultante de atraso no transporte aéreo de passageiros, bagagens ou mercadorias. Não obstante, a transportadora não será responsável pelo dano resultante de atraso se provar que ela ou os seus trabalhadores ou agentes adotaram todas as medidas que poderiam razoavelmente ser exigidas para evitar o dano ou que lhes era impossível adotar tais medidas.»

7        O artigo 22.°, n.° 1, da referida Convenção limita a responsabilidade da transportadora em caso de dano sofrido pelos passageiros que resulta de um atraso ao montante de 4 150 direitos de saque especiais por passageiro. O n.° 5 do mesmo artigo prevê, no essencial, que esta limitação não se aplique se o dano resultar de um ato ou de uma omissão da transportadora, seus trabalhadores ou agentes cometido, no exercício das suas funções, com a intenção de causar dano ou de forma imprudente e com consciência de que poderia provavelmente causar um dano.

8        O artigo 29.° da mesma Convenção, sob a epígrafe «Fundamento dos pedidos», tem a seguinte redação:

«No transporte de passageiros, bagagens e mercadorias, as ações por danos, qualquer que seja o seu fundamento, quer este resida na presente convenção, em contrato, em ato ilícito ou em qualquer outra causa, só podem ser intentadas sob reserva das condições e limites de responsabilidade previstos na presente convenção, sem prejuízo da determinação de quais as pessoas com legitimidade para a ação e de quais os direitos que lhes assistem. Em tais ações, as transportadoras não podem ser condenadas no pagamento de indemnizações punitivas, exemplares ou outras indemnizações não compensatórias.»

 Direito da União

9        O primeiro a quarto e décimo quinto considerandos do Regulamento n.° 261/2004 enunciam:

«(1)      A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

(2)      As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.

(3)      Embora o Regulamento (CEE) n.° 295/91 do Conselho, de 4 de fevereiro de 1991, que estabelece regras comuns relativas a um sistema de compensação por recusa de embarque de passageiros nos transportes aéreos regulares [(JO L 36, p. 5)], estabeleça um nível básico de proteção para os passageiros, o número de passageiros a quem é recusado o embarque contra sua vontade continua a ser demasiado elevado, tal como o de passageiros vítimas de cancelamentos sem aviso prévio e de atrasos consideráveis.

(4)      Por conseguinte, a Comunidade deverá elevar os níveis de proteção estabelecidos naquele regulamento, quer para reforçar os direitos dos passageiros, quer para garantir que as transportadoras aéreas operem em condições harmonizadas num mercado liberalizado.

[…]

(15)      Deve‑se considerar que existem circunstâncias extraordinárias sempre que o impacto de uma decisão de gestão de tráfego aéreo[…] relativa a uma determinada aeronave num determinado dia provoque um atraso considerável, um atraso de uma noite ou o cancelamento de um ou mais voos dessa aeronave, não obstante a transportadora aérea ter efetuado todos os esforços razoáveis para evitar atrasos ou cancelamentos.»

10      O artigo 2.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as seguintes definições:

[…]

l)      ‘Cancelamento’, a não realização de um voo que anteriormente estava programado e em que, pelo menos, um lugar foi reservado.»

11      O artigo 5.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Cancelamento», dispõe:

«1.      Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

a)      Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.°; e

[…]

c)      Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.°, salvo se:

[…]

iii)      tiverem sido informados do cancelamento menos de uma semana antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.

[…]

3.      A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.º, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

[…]»

12      O artigo 6.° do Regulamento n.° 261/2004, sob a epígrafe «Atrasos», é do seguinte teor:

«1.      Quando tiver motivos razoáveis para prever que em relação à sua hora programada de partida um voo se vai atrasar: 

a)      Duas horas ou mais, no caso de quaisquer voos até 1 500 quilómetros; ou

b)      Três horas ou mais, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros; ou

c)      Quatro horas ou mais, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),

a transportadora aérea operadora deve oferecer aos passageiros:

i)      a assistência especificada na alínea a) do n.° 1 e no n.° 2 do artigo 9.°, e

ii)      quando a hora de partida razoavelmente prevista for, pelo menos, o dia após a hora de partida previamente anunciada, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 9.°, e

iii)      quando o atraso for de, pelo menos, cinco horas, a assistência especificada na alínea a) do n.° 1 do artigo 8.°

2.      De qualquer modo, a assistência deve ser prestada dentro dos períodos fixados no presente artigo para cada ordem de distância.» 

13      O artigo 7.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Direito a indemnização», dispõe:

«1.      Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)      250 euros para todos os voos até 1 500 quilómetros;

b)      400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros; 

c)      600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.

2.      Quando for oferecido aos passageiros reencaminhamento para o seu destino final num voo alternativo nos termos do artigo 8.º, cuja hora de chegada não exceda a hora programada de chegada do voo originalmente reservado:

a)      Em duas horas, no caso de quaisquer voos até 1 500 quilómetros; ou

b)      Em três horas, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros; ou

c)      Em quatro horas, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),

a transportadora aérea operadora pode reduzir a indemnização fixada no n.° 1 em 50%.

[…]»

14      Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, deste regulamento:

«Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

a)      ―      o reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.° 3 do artigo 7.°, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efetuadas, e para a parte ou partes da viagem já efetuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,

      ―      um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

b)       O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

c)       O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑581/10

15      Os membros da família Nelson efetuaram na Lufthansa uma reserva num voo com partida de Frankfurt am Main (Alemanha) e com destino a Lagos (Nigéria), em 27 de julho de 2007, bem como no voo de regresso LH 565 de Lagos para Frankfurt am Main, em 27 de março de 2008. A hora de descolagem deste voo de regresso estava prevista para as 22 h 50 m. Em 27 de março de 2008, os membros da família Nelson chegaram na hora prevista ao aeroporto de Lagos. No entanto, o voo de regresso não ocorreu na hora prevista e ficaram alojados num hotel. Em 28 de março de 2008, às 16 horas, foram conduzidos do hotel para o aeroporto. A descolagem do voo LH 565 ocorreu por fim no dia 29 de março de 2008, à 1 hora, com um aparelho de substituição que a Lufthansa enviou de Frankfurt am Main, com o mesmo número de voo e, essencialmente, com os mesmos passageiros. O avião aterrou em Frankfurt am Main às 7 h 10 m, com um atraso superior a 24 horas em relação à hora de chegada inicialmente prevista.

16      Na sequência deste voo, os membros da família Nelson recorreram ao órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que, em razão do atraso, a Lufthansa fosse condenada a pagar 600 euros, juros não incluídos, a cada um deles com base nos artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° do Regulamento n.° 261/2004.

17      A este respeito, a Lufthansa alega que, na medida em que o voo foi efetuado, não pode estar em causa uma anulação na aceção do artigo 2.°, alínea l), do Regulamento n.° 261/2004, mas um atraso pelo qual este regulamento não prevê direito a indemnização.

18      O órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância por estarem pendentes no Tribunal de Justiça os processos apensos que deram origem ao acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, Colet., p. I‑10923). Na sequência desse acórdão, a instância foi reiniciada.

19      À luz do referido acórdão, a Lufthansa sustentou, por um lado, que o direito a indemnização reconhecido pelo Tribunal de Justiça em benefício de passageiros de voos atrasados não é conciliável com o regime de indemnização previsto pela Convenção de Montreal. Por outro lado, alega que o Tribunal de Justiça, no acórdão Sturgeon e o., já referido, excedeu os limites da sua competência.

20      Nestas condições, o Amstegericht Köln decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O direito a indemnização regulado pelo artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 é um direito a indemnização não compensatória na aceção do artigo 29.°, segundo período, da [Convenção de Montreal]?

2)      Qual a relação existente entre o direito a indemnização baseado no artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004, […] que pode [invocar], nos termos do acórdão [Sturgeon e o., já referido], o passageiro que chega ao seu destino final três ou mais horas após a hora de chegada inicialmente prevista, e o direito a indemnização por danos resultantes de atraso, previsto no artigo 19.° da Convenção de Montreal, tendo em conta a exclusão [da indemnização não compensatória] estabelecida no segundo período do artigo 29.° da Convenção de Montreal?

3)      Em que medida o critério de interpretação subjacente ao acórdão […] Sturgeon e o.[, já referido], que permite um alargamento do direito a indemnização nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 a casos de atraso, é compatível com o critério de interpretação que o Tribunal de Justiça aplica [a este mesmo regulamento] no seu acórdão de [10 de janeiro de 2006], IATA e [ELFAA] (C‑344/04, Colet., p. I‑403)?»

 Processo C‑629/10

21      A TUI Travel plc é um grupo internacional de turismo que possui sete companhias aéreas, entre as quais a Thomson Airways, com sede no Reino Unido. A British Airways plc e a easyJet Airlines Company Ltd são companhias aéreas que exploram voos internacionais regulares de passageiros.

22      A International Air Transport Association é uma entidade comercial internacional que reúne cerca de 230 companhias aéreas que representam 93% do tráfego internacional regular.

23      A Civil Aviation Authority é o organismo nacional independente da aviação no Reino Unido. As suas atividades incluem a regulação económica, a política do espaço aéreo, a regulação da segurança e a proteção do consumidor. É responsável por assegurar o cumprimento da legislação aérea no Reino Unido.

24      A TUI Travel e o. pediram à Civil Aviation Authority que confirmasse que não interpreta o Regulamento n.° 261/2004 no sentido de que impõe às companhias aéreas uma obrigação de indemnizar os seus passageiros em caso de atraso do respetivo voo. A Civil Aviation Authority não acedeu a este pedido, respondendo que está vinculada aos efeitos do acórdão Sturgeon e o., já referido.

25      Por conseguinte, a TUI Travel e o. recorreram ao órgão jurisdicional de reenvio para contestar a posição da Civil Aviation Authority.

26      Considerando que os argumentos de TUI Travel e o. não eram desprovidos de fundamento, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       Devem os artigos 5.° a 7.° do Regulamento […] n.° 261/2004 ser interpretados no sentido de que exigem que a indemnização prevista no artigo 7.° [desse regulamento] seja paga aos passageiros quando os seus voos sofrem um atraso, na aceção do artigo 6.° [do referido regulamento] e, em caso afirmativo, em que circunstâncias?

2)      Se a resposta à primeira questão for negativa, devem os artigos 5.° a 7.° do Regulamento […] n.° 261/2004 ser considerados, total ou parcialmente, inválidos por violação do princípio da igualdade de tratamento?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, os artigos 5.° a 7.° do [Regulamento n.° 261/2004] são inválidos, no todo ou em parte, por

a)      incompatibilidade com a Convenção [de Montreal]

b)      violação do princípio da proporcionalidade, e/ou

c)      violação do princípio da segurança jurídica[?]

4)      Se a resposta à primeira questão for afirmativa e a resposta à terceira questão for negativa, podem ser fixados limites à aplicação no tempo dos efeitos do acórdão a proferir pelo Tribunal de Justiça no presente processo?

5)       Se a resposta à primeira questão for negativa, que efeitos se deve considerar que o acórdão Sturgeon [e o., já referido,] produziu entre 19 de novembro de 2009 e a data do acórdão a proferir pelo Tribunal de Justiça no presente processo?»

27      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de novembro de 2011, os processos C‑581/10 e C‑629/10 foram apensados para efeitos da audiência e de prolação do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão no processo C‑629/10, ou seja, a existência de direito a indemnização ao abrigo do Regulamento n.° 261/2004 em caso de atraso do voo e as condições em que essa indemnização é devida

28      Com a sua primeira questão no processo C‑629/10, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, e em caso afirmativo em que condições, os passageiros de voos atrasados têm direito a indemnização ao abrigo do Regulamento n.° 261/2004.

29      A este respeito, importa referir que nem o artigo 7.° deste regulamento nem nenhuma outra disposição do mesmo preveem expressamente esse direito.

30      Como tal, decorre do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), iii), do Regulamento n.° 261/2004 que, nas condições aí previstas, têm direito a indemnização os passageiros cujo voo seja anulado sem terem sido previamente informados ou os que sejam informados menos de sete dias antes da hora prevista para a partida e relativamente aos quais a transportadora aérea não esteja em condições de propor um reencaminhamento para um voo que parta até uma hora antes da hora de partida prevista e chegue ao destino final menos de duas horas após a hora prevista de chegada (v. acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 57).

31      Assim, o artigo 5.°, n.° 1, alínea c), iii), do referido regulamento dá à transportadora aérea uma certa margem de manobra para propor ao passageiro do voo anulado à última hora um reencaminhamento sem dever de indemnizar. Em conformidade com esta disposição, a transportadora dispõe da faculdade de lhe propor um reencaminhamento cuja duração será superior à do voo anulado. Todavia, mesmo que a transportadora utilize plenamente as duas possibilidades que a referida disposição lhe concede, isto é, a que permite antecipar o momento da partida do referido passageiro numa hora e atrasar a sua chegada menos de duas horas, a duração total do reencaminhamento proposto só pode exceder a duração prevista do voo cancelado em menos de três horas. A partir desse limite, o passageiro em causa será necessariamente indemnizado.

32      Em contrapartida, nenhuma disposição desse regulamento concede expressamente uma indemnização aos passageiros que tomam conhecimento à última hora, ou mesmo durante o voo, que vai haver um atraso relevante e que chegarão ao respetivo destino três ou mais horas após a hora de chegada inicialmente prevista.

33      A este respeito, há que recordar que o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 48 e jurisprudência aí referida).

34      Ora, os passageiros de voos atrasados e os de voos anulados devem ser considerados como estando em situações comparáveis para efeitos da indemnização em virtude do Regulamento n.° 261/2004, uma vez que estes passageiros sofrem um prejuízo semelhante, ou seja, uma perda de tempo igual ou superior a três horas relativamente à programação inicial do respetivo voo (v. acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 54).

35      Além disso, os passageiros de um e outro grupo estão praticamente privados da possibilidade de reorganizar livremente a sua deslocação, pois são confrontados quer com um incidente grave na realização do seu voo iminente ou já em curso quer com o cancelamento desse voo, dando lugar, eventualmente, a uma oferta de reencaminhamento. Assim, se, por uma razão ou por outra, estão imperativamente constrangidos a chegar ao seu destino final num dado momento, não podem de modo algum evitar a perda de tempo inerente à nova situação, não dispondo de nenhuma margem de manobra.

36      Estas considerações são ainda corroboradas pela parte final do terceiro considerando do Regulamento n.° 261/2004, que ― ao ter em conta, entre outros, o número demasiado elevado de passageiros visados pelos cancelamentos sem aviso prévio e atrasos consideráveis ― salienta a equivalência dos prejuízos sofridos por estes dois grupos de passageiros.

37      Nestas condições, e tendo em conta o facto de a finalidade do Regulamento n.° 261/2004 ser a de aumentar a proteção de todos os passageiros aéreos, os passageiros de voos com atraso de três horas ou mais não podem ser tratados de forma diferente dos que beneficiam da indemnização nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), iii), deste regulamento, dado que a desigualdade de tratamento entre estes dois grupos não é objetivamente justificada à luz dos objetivos prosseguidos pelo mesmo regulamento (v. acórdão Sturgeon e o., já referido, n.os 59 e 60).

38      Ora, para ultrapassar essa desigualdade, há que interpretar o Regulamento n.° 261/2004 no sentido de que os passageiros de voos com atrasos consideráveis podem invocar a mesma indemnização que os passageiros de voos cancelados, ou seja, a prevista no artigo 5.°, n.° 1, alínea c), iii), deste regulamento (v. acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 61).

39      Assim sendo, cumpre acrescentar que, com a adoção do Regulamento n.° 261/2004, o legislador pretendeu também equilibrar os interesses dos passageiros aéreos e das transportadoras aéreas. Tendo estabelecido alguns direitos a favor dos passageiros, previu, simultaneamente, no décimo quinto considerando e no artigo 5.°, n.° 3, deste regulamento, que as transportadoras aéreas não estão obrigadas a pagar uma indemnização se provarem que o cancelamento ou o atraso considerável se deveram a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis, mais precisamente devido a circunstâncias que escapam ao controlo efetivo da transportadora aérea (acórdão Sturgeon e o., n.° 67).

40      Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira questão no processo C‑629/10 que os artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004 devem ser interpretados no sentido de que os passageiros de voos atrasados têm direito a indemnização ao abrigo deste regulamento quando o tempo que perderam em razão desses voos seja igual ou superior a três horas, isto é, quando cheguem ao seu destino final três ou mais horas após a hora de chegada inicialmente prevista pela transportadora aérea. Todavia, tal atraso não confere aos passageiros o direito a indemnização se a transportadora aérea estiver em condições de provar que o atraso considerável se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis, mais precisamente devido a circunstâncias que escapam ao controlo efetivo da transportadora aérea.

 Quanto à primeira e segunda questões no processo C‑581/10 e à terceira questão, alínea a), no processo C‑629/10, sobre a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004 à luz da Convenção de Montreal

41      Com a primeira e segunda questões no processo C‑581/10 e com a terceira questão, alínea a), no processo C‑629/10, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, no essencial, se os artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004 são válidos à luz do artigo 29.°, segundo período, da Convenção de Montreal quando são interpretados no sentido de que os passageiros de voos atrasados, que chegam ao seu destino final três horas ou mais após a hora de chegada inicialmente prevista pela transportadora aérea, gozam do direito a indemnização ao abrigo desse regulamento.

42      A Lufthansa, a TUI Travel e o. e os Governos da Alemanha e do Reino Unido sustentam que, se o referido regulamento atribuísse um direito a indemnização aos passageiros de voos atrasados, seria contrário à própria letra do artigo 29.°, segundo período, da Convenção de Montreal, que prevê uma ação de indemnização no caso de danos que resultem de atraso no transporte aéreo, e sujeita o princípio da indemnização desses passageiros a determinadas condições e limites precisos que as disposições pertinentes do Regulamento n.° 261/2004 não satisfazem.

43      Em contrapartida, a Lufthansa, a TUI Travel e o. e esses referidos governos não contestam de modo algum a compatibilidade do direito a indemnização ao abrigo do Regulamento n.° 261/2004 com o artigo 29.°, segundo período, da Convenção de Montreal quando se trate de passageiros de voos cancelados e de passageiros a quem o embarque seja recusado.

44      Todavia, resulta de uma leitura conjugada dos artigos 8.°, n.° 1, alínea b), e 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 261/2004 que quer a recusa de embarque quer o cancelamento de um voo com reencaminhamento podem conduzir, por um lado, a um atraso no transporte aéreo de passageiros e, por outro, a uma indemnização dos passageiros afetados por esse atraso.

45      Assim, com a sua argumentação, a Lufthansa, a TUI Travel e o. e os referidos governos põem indiretamente em causa o próprio direito a indemnização como previsto pelo Regulamento n.° 261/2004 e, em definitivo, a compatibilidade dos artigos 5.° a 7.° deste regulamento com a Convenção de Montreal.

46      Ora, no n.° 45 do seu acórdão IATA e ELFAA, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que não resulta dos artigos 19.°, 22.° e 29.° da Convenção de Montreal nem de nenhuma outra disposição desta Convenção que os seus autores pretendessem subtrair as transportadoras aéreas a qualquer outra forma de intervenção não prevista naquelas disposições, nomeadamente às que podem ser encaradas pelas autoridades públicas para reparar, de forma uniforme e imediata, os prejuízos constituídos pelos inconvenientes devidos aos atrasos no transporte aéreo de passageiros, sem que estes tenham de suportar os inconvenientes inerentes à propositura de ações de indemnização nos tribunais.

47      Ainda que o objeto das questões prejudiciais quanto à compatibilidade com a Convenção de Montreal se limite às medidas de assistência e de tomada a cargo estandardizadas e imediatas previstas no artigo 6.° do Regulamento n.° 261/2004, o Tribunal de Justiça não excluiu que outras medidas, como a indemnização prevista pelo artigo 7.° do referido regulamento, possam situar‑se fora do âmbito de aplicação da Convenção de Montreal.

48      Esta última medida foi concretamente examinada no acórdão Sturgeon e o., já referido, no qual o Tribunal de Justiça precisou, por um lado, que a perda de tempo constitui um inconveniente abrangido pelo Regulamento n.° 261/2004, à semelhança dos demais transtornos que as medidas previstas neste regulamento visam compensar. Por outro lado, o Tribunal de Justiça concluiu que esse transtorno deve ser compensado mediante uma indemnização dos passageiros afetados, nos termos previstos no regulamento (v., neste sentido, acórdão Sturgeon e o., já referido, n.os 52 e 61).

49      A este respeito, importa precisar que, à semelhança dos inconvenientes evocados no acórdão IATA e ELFAA, já referido, uma perda de tempo não se pode qualificar de «dano que resulte de um atraso», na aceção do artigo 19.° da Convenção de Montreal, e, por essa razão, situa‑se fora do âmbito do artigo 29.° da Convenção de Montreal.

50      Com efeito, o artigo 19.° desta Convenção implica, em especial, que o dado seja gerado pelo atraso, que exista um nexo de causalidade entre o dano e o atraso e que o dano esteja individualizado em função de diversos prejuízos que os diferentes passageiros sofram.

51      Ora, desde logo, uma perda de tempo não é um dano causado por um atraso, mas constitui um inconveniente, à semelhança de outros inconvenientes decorrentes de situações de recusa de embarque, de cancelamento de voo ou de atraso considerável e que são inerentes a essas situações, como a falta de conforto ou o facto de se ser temporariamente privado dos meios de comunicação normalmente disponíveis.

52      Em seguida, a perda de tempo é sofrida de forma idêntica por todos os passageiros de voos atrasados e, por conseguinte, é possível repará‑la através de uma medida estandardizada, sem ser necessário proceder a qualquer apreciação da situação individual de cada passageiro em causa. Por isso, tal medida pode aplicar‑se imediatamente.

53      Por último, não existe necessariamente nexo de causalidade entre o atraso efetivo, por um lado, e a perda de tempo considerada necessária para dar origem ao direito a indemnização nos termos do Regulamento n.° 261/2004 ou para o cálculo do seu montante, por outro.

54      Com efeito, o dever especial de indemnização, imposto pelo Regulamento n.° 261/2004, não decorre de qualquer atraso efetivo, mas resulta unicamente do atraso que acarrete uma perda de tempo igual ou superior a três horas relativamente à hora de chegada inicialmente prevista. Além disso, enquanto a dimensão do atraso constitui normalmente um facto que aumenta a probabilidade de se produzirem danos mais importantes, a indemnização fixa atribuída ao abrigo do referido regulamento permanece a este respeito inalterada, não sendo tida em conta a duração do atraso efetivo, para além de três horas, para o cálculo do montante da indemnização devida ao abrigo do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004.

55      Nestas condições, a perda de tempo subjacente a um atraso de voo, que constitua um inconveniente na aceção do Regulamento n.° 261/2004 e não seja qualificável de «dano que resulte de um atraso», na aceção do artigo 19.° da Convenção de Montreal, não pode entrar no âmbito de aplicação do artigo 29.° da referida Convenção.

56      Por conseguinte, o dever que resulta do Regulamento n.° 261/2004 e que visa indemnizar os passageiros de voos com atrasos consideráveis afigura‑se compatível com o artigo 29.° da Convenção de Montreal.

57      Além disso, há que constatar que o dever de indemnizar que resulta do Regulamento n.° 261/2004 é complementar do artigo 29.° da Convenção de Montreal, na medida em que se coloca a montante do disposto neste artigo (v., neste sentido, acórdão IATA e ELFAA, já referido, n.° 46).

58      Daqui decorre que este dever de indemnização não obsta por si só a que os passageiros visados, no caso em que o mesmo atraso lhes cause danos individuais que confiram direito a indemnização, possam, por outro lado, intentar ações para obter, a título de reparação individualizada, uma indemnização, nas condições previstas pela Convenção de Montreal (v., neste sentido, acórdão IATA e ELFAA, já referido, n.os 44 e 47).

59      A este propósito, o Tribunal de Justiça constatou, quando da interpretação do artigo 12.° do Regulamento n.° 261/2004, sob a epígrafe «Indemnização suplementar», que este artigo é suscetível de completar a aplicação das medidas previstas pelo referido regulamento, de modo a que os passageiros sejam indemnizados pela totalidade do dano que sofreram devido ao incumprimento dos deveres contratuais pela transportadora aérea. Esta disposição permite assim ao juiz nacional condenar a transportadora aérea a indemnizar o dano resultante para os passageiros do incumprimento do contrato de transporte aéreo, com base num fundamento jurídico distinto do Regulamento n.° 261/2004, ou seja, nas condições previstas pela Convenção de Montreal ou pelo direito nacional (acórdão de 13 de outubro de 2011, Sousa Rodríguez e o., C‑83/10, Colet., p. I‑9469, n.° 38).

60      Em face do exposto, há que concluir que a análise da primeira e segunda questões no processo C‑581/10 e da terceira questão, alínea a), no processo C‑629/10 não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004.

 Quanto à terceira questão no processo C‑581/10 e à terceira questão, alínea c), no processo C‑629/10, sobre a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004 à luz do princípio da segurança jurídica

61      Com a terceira questão no processo C‑581/10 e a terceira questão, alínea c), no processo C‑629/10, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, no essencial, se os artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004, como interpretados pelo acórdão Sturgeon e o., já referido, são válidos à luz do princípio da segurança jurídica.

62      A TUI Travel e o. e o Governo do Reino Unido sustentam que interpretar o Regulamento n.° 261/2004 no sentido de que impõe um dever de indemnizar os passageiros de voos atrasados violaria esse princípio. Essa interpretação seria incompatível, por um lado, com o acórdão IATA e ELFAA, já referido, do qual decorreria que não existe a obrigação de pagar uma indemnização nessas situações. Por outro lado, violaria a intenção do legislador da União, bem como a redação expressa do regulamento, donde resulta que a indemnização só é devida em caso de recusa de embarque e de cancelamento de voos.

63      Esta argumentação deve ser afastada atendendo às conclusões anteriormente enunciadas no presente acórdão.

64      Em especial, no que diz respeito, desde logo, à relação entre os acórdãos, já referidos, IATA e ELFAA e Sturgeon e o., resulta dos n.os 46 a 48 do presente acórdão que entre si não existe nenhuma tensão, pois o segundo concretiza princípios formulados no primeiro.

65      Em seguida, decorre dos n.os 30 a 39 do presente acórdão que a interpretação do Regulamento n.° 261/2004 segundo a qual impõe um dever de indemnizar por atrasos consideráveis de voos não viola a vontade do legislador da União.

66      Por último, quanto à clareza dos deveres impostos às transportadoras aéreas, importa recordar que o princípio da segurança jurídica exige que os interessados possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e as suas obrigações e agir em conformidade (v. acórdãos de 9 de julho de 1981, Gondrand e Garancini, 169/80, Recueil, p. 1931, n.° 17; de 13 de fevereiro de 1996, Van Es Douane Agenten, C‑143/93, Colet., p. I‑431, n.° 27; e de 14 de abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, Colet., p. I‑2801, n.° 30).

67      Ora, em face das exigências que decorrem do princípio da igualdade de tratamento, as transportadoras aéreas não podem argumentar, com base no princípio da segurança jurídica, que o dever de indemnizar os passageiros que lhes é imposto pelo Regulamento n.° 261/2004, dentro dos limites nele previstos, em caso de atraso do voo, viola este último princípio.

68      Além disso, como observou o advogado‑geral no n.° 46 das suas conclusões, desde a prolação do acórdão Sturgeon e o., já referido, os passageiros dos voos atrasados e as transportadoras aéreas podiam saber, sem ambiguidade, a partir de que momento, respetivamente, os primeiros podem reclamar uma indemnização e as segundas são obrigadas a pagá‑la, da mesma forma que a fixação de um limite temporal claro permite evitar igualmente que os tribunais nacionais interpretem de maneira diferente o conceito de atraso importante, o que criaria, eventualmente, insegurança jurídica.

69      Por conseguinte, há que concluir que a análise da terceira questão no processo C‑581/10 e da terceira questão, alínea c), no processo C‑629/10 não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004.

 Quanto à terceira questão, alínea b), no processo C‑629/10, sobre o princípio da proporcionalidade

70      Com a terceira questão, alínea b), no processo C‑629/10, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004 são válidos à luz do princípio da proporcionalidade quando são interpretados no sentido de que os passageiros cujo voo foi atrasado dispõem do direito a indemnização ao abrigo deste regulamento.

71      O princípio da proporcionalidade, que é um dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União Europeia não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (acórdãos de 12 de março de 2002, Omega Air e o., C‑27/00 e C‑122/00, Colet., p. I‑2569, n.° 62, e de 12 de janeiro de 2006, Agrarproduktion Staebelow, C‑504/04, Colet., p. I‑679, n.° 35).

72      No caso em apreço, cumpre recordar que o Regulamento n.° 261/2004 visa garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, independentemente do facto de se encontrarem numa situação de recusa de embarque, de cancelamento ou de atraso do voo, uma vez que são todos vítimas dos mesmos sérios transtornos e inconvenientes ligados ao transporte aéreo (v. acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 44).

73      A TUI Travel e o. e o Governo do Reino UNido sustentam que, se o Regulamento n.° 261/2004 for interpretado no sentido de que prevê o pagamento de uma indemnização aos passageiros em caso de atraso do respetivo voo, essa interpretação será desproporcionada relativamente aos objetivos visados por esse regulamento, pois levaria a fazer suportar às transportadoras aéreas uma carga financeira excessiva. Além disso, teria igualmente um efeito desproporcionado sobre os passageiros, uma vez que as transportadoras podem repercutir o custo financeiro dessa obrigação nas suas tarifas assim como reduzir o número de voos domésticos e a oferta de voos para destinos secundários.

74      Todavia, importa desde logo recordar, a este propósito, que a indemnização prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 permite compensar a perda de tempo sofrida pelos passageiros sem que estes tenham de provar que sofreram um dano individualizado. Esta medida permite assim garantir um nível elevado de proteção dos passageiros, como pretendido por aquele regulamento.

75      Dado a natureza irreversível, objetiva e facilmente quantificável de perda de tempo sofrida (v., designadamente, acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 52), a medida que consiste em atribuir a todos os passageiros afetados por esse inconveniente uma indemnização pecuniária imediata e fixa revela‑se especialmente adequada.

76      Na verdade, esta indemnização acarreta inevitáveis consequências financeiras para as transportadoras aéreas. No entanto, não se podem considerar desproporcionadas relativamente ao objetivo de proteção elevada dos passageiros aéreos.

77      Com efeito, desde logo, o dever de indemnizar que resulta do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 não diz respeito a todos os atrasos, mas apenas aos atrasos consideráveis.

78      Em seguida, o montante da indemnização, fixado em 250 euros, 400 euros e 600 euros em função da distância dos voos em causa pode ainda ser reduzido em 50%, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 261/2004, quando o atraso seja, para um voo que não se inclua no artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) e b), do referido regulamento, inferior a quatro horas (acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 63).

79      Além disso, as transportadoras aéreas não estão obrigadas a pagar uma indemnização se provarem que o cancelamento ou o atraso considerável se ficaram a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis, ou seja, circunstâncias que escapam ao controlo efetivo da transportadora aérea (v. acórdão Sturgeon e o., já referido, n.° 67).

80      Por outro lado, há que assinalar que o cumprimento das obrigações exigidas pelo Regulamento n.° 261/2004 não prejudica o direito de essas transportadoras exigirem uma indemnização a qualquer pessoa que tenha causado o atraso, incluindo terceiros, conforme está previsto no artigo 13.° deste regulamento. Esta indemnização é, pois, suscetível de atenuar, se não mesmo de eliminar, o encargo financeiro suportado pelas referidas transportadoras em consequência daquelas obrigações. Além disso, não se afigura inadequado que essas obrigações sejam suportadas de imediato, sob reserva do direito a indemnização supramencionado, pelas transportadoras aéreas a que os passageiros afetados estão vinculados por um contrato de transporte que lhes dá direito a um voo que não deveria ser cancelado nem atrasado (acórdãos, já referidos, IATA e o., n.° 90, e Sturgeon e o., n.° 68).

81      De resto, resulta da jurisprudência que a importância de que se reveste o objetivo de proteção dos consumidores, no que se refere aos passageiros, é suscetível de justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos (v., neste sentido, acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, Colet., p. I‑4999, n.os 53 e 69).

82      Há que acrescentar que, como observou o advogado‑geral no n.° 60 das suas conclusões, segundo os dados apresentados ao Tribunal de Justiça relativos à frequência de atrasos consideráveis e aos custos da referida indemnização para as companhias aéreas, a proporção de voos cujo atraso confere direito a indemnização ao abrigo do Regulamento n.° 261/2004 traduz‑se em menos de 0,15%.

83      Por último, não foi apresentado ao Tribunal de Justiça nenhum elemento concreto que permita concluir que o pagamento de uma indemnização em caso de atrasos consideráveis implicasse um aumento das tarifas ou uma redução do número de voos domésticos e da oferta de voos para destinos secundários.

84      Por conseguinte, importa concluir que a análise da terceira questão, alínea b), no processo C‑629/10 não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004.

 Quanto à segunda e quinta questões no processo C‑629/10

85      Tendo estas questões sido colocadas na hipótese de uma resposta negativa à primeira questão submetida no âmbito do processo C‑629/10, não há que dar‑lhes resposta.

 Quanto à quarta questão no processo C‑629/10 relativa aos efeitos do presente acórdão no tempo

86      Com a quarta questão no processo C‑629/10, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais são os efeitos do presente acórdão no tempo no que diz respeito ao direito a indemnização dos passageiros cujo voo foi atrasado três horas ou mais relativamente à hora de chegada inicialmente prevista.

87      A TUI Travel e o. sustentam que, se o Tribunal de Justiça responder afirmativamente à primeira questão e negativamente à terceira questão, deve limitar os efeitos do presente acórdão no tempo de forma a que os artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004 não possam ser invocados para fundamentar pedidos de indemnização de passageiros relativos a voos que foram objeto de atrasos antes da data do presente acórdão, salvo relativamente a passageiros que já tinham intentado uma ação judicial para exigir essa indemnização à data de prolação do acórdão. Com efeito, apesar do acórdão Sturgeon e o., já referido, as companhias aéreas e os demais atores visados podiam razoavelmente concluir, atualmente, que o artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 não se aplica aos passageiros cujo voo se atrasou, uma vez que esse acórdão estaria em contradição com a redação expressa deste regulamento, bem como com o acórdão IATA e ELFAA, já referido.

88      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.° TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daí resulta que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C‑347/00, Colet., p. I‑8191, n.° 44, e de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C‑453/02 e C‑462/02, Colet., p. I‑1131, n.° 41).

89      Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé (v., designadamente, acórdãos de 23 de maio de 2000, Buchner e o., C‑104/98, Colet., p. I‑3625, n.° 39, e Linneweber e Akritidis, já referido, n.° 42).

90      Neste âmbito, incumbe no entanto ao Tribunal de Justiça determinar um momento único a partir do qual produz efeitos a interpretação que fez de uma disposição do direito da União.

91      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que uma limitação temporal dos efeitos de uma interpretação só é admissível no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada. Este princípio garante a igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e dos demais interessados face a esse direito e por isso cumpre as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica (acórdão de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C‑292/04, Colet., p. I‑1835, n.° 37).

92      A interpretação solicitada pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), no processo C‑629/10 diz respeito ao direito a indemnização ao abrigo do Regulamento n.° 261/2004 que é devida aos passageiros quando, em razão de um atraso do seu voo, tenham sofrido uma perda de tempo igual ou superior a três horas, isto é, quando cheguem ao seu destino final três horas ou mais após a hora de chegada inicialmente prevista pela transportadora aérea. A este respeito, resulta desde logo do n.° 61 do acórdão Sturgeon e o., já referido, que os passageiros aéreos gozam desse direito.

93      Ora, impõe‑se concluir que, neste último acórdão, o Tribunal de Justiça não limitou no tempo os efeitos da interpretação do Regulamento n.° 261/2004 que diz respeito à indemnização evocada no número anterior.

94      Consequentemente, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

 Quanto às despesas

95      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Os artigos 5.° a 7.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91, devem ser interpretados no sentido de que os passageiros de voos atrasados têm direito a indemnização ao abrigo deste regulamento quando o tempo que perderam em razão desses voos seja igual ou superior a três horas, isto é, quando cheguem ao seu destino final três ou mais horas após a hora de chegada inicialmente prevista pela transportadora aérea. Todavia, tal atraso não confere aos passageiros o direito a uma indemnização se a transportadora aérea estiver em condições de provar que o atraso considerável se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis, mais precisamente devido a circunstâncias que escapam ao controlo efetivo da transportadora aérea.

2)      A análise das questões prejudiciais não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 261/2004.

Assinaturas


** Línguas de processo: alemão e inglês.