Language of document : ECLI:EU:C:2017:603

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 26 de julho de 2017 (1)

Processo C‑230/16

Coty Germany GmbH

contra

Parfümerie Akzente GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.o, n.o 1, TFUE — Distribuição seletiva — Cláusula que proíbe os comerciantes retalhistas de recorrerem a um terceiro não autorizado no âmbito das vendas realizadas através da Internet — Benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento (UE) n.o 330/2010 — Artigo 4.o, alíneas b) e c)»






1.        O crescente recurso de determinados distribuidores a mercados em linha (marketplaces) ou a plataformas eletrónicas independentes de produtores (2) levou naturalmente algumas autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais (3) a questionarem‑se sobre a possibilidade de um fornecedor proibir os revendedores autorizados de uma rede de distribuição seletiva de se associarem a empresas terceiras não autorizadas.

2.        O presente pedido de decisão prejudicial, que convida a «repensar» a legalidade, à luz das regras da concorrência, dos sistemas de distribuição seletiva à luz das recentes evoluções no setor do comércio eletrónico, e cujas possíveis consequências económicas não devem ser subestimadas (4), constitui disto uma perfeita ilustração.

3.        Com este pedido, o Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main, Alemanha) questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, bem como do artigo 4.o, alíneas b) e c), do Regulamento (UE) n.o 330/2010 (5).

4.        O referido pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Coty Germany GmbH, fornecedor de produtos cosméticos de luxo, líder na Alemanha, à Parfümerie Akzente GmbH, distribuidor autorizado dos referidos produtos, a respeito da proibição imposta a esta última de recorrer de forma visível a empresas terceiras não autorizadas para as vendas dos produtos contratuais através da Internet.

5.        O Tribunal de Justiça é questionado, mais especificamente, sobre a questão de saber se e em que medida os sistemas de distribuição seletivos relativos aos produtos de luxo e de prestígio e que visam principalmente preservar a «imagem de luxo» desses produtos constituem elementos de concorrência conformes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Neste contexto, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se é conforme com esta disposição a proibição total imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado retalhista, de recorrerem de forma visível a empresas terceiras para as vendas através da Internet, independentemente da questão de saber se as exigências legítimas de qualidade do fabricante foram ou não violadas concretamente. Por outro lado, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se o artigo 4.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 330/2010 deve ser interpretado no sentido de que tal proibição constitui uma restrição dita «pelo objetivo» dos clientes do comerciante retalhista e/ou das vendas passivas aos utilizadores finais.

6.        A este respeito, o presente processo confere ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer se o Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (6), que, conforme o órgão jurisdicional de reenvio salientou, foi objeto de interpretações divergentes pelas autoridades responsáveis pela concorrência e pelos órgãos jurisdicionais nacionais, alterou ou não fundamentalmente o entendimento, à luz das regras da concorrência, das restrições próprias de qualquer sistema de distribuição seletiva que se baseiam em critérios qualitativos.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 330/2010

7.        Nos termos dos considerandos 3 a 5 do Regulamento n.o 330/2010:

«(3)      A categoria dos acordos relativamente aos quais se considera que satisfazem normalmente as condições estabelecidas no artigo 101.o n.o 3, [TFUE] inclui os acordos verticais de compra ou de venda de bens ou serviços, quando sejam celebrados entre empresas que não sejam concorrentes, entre certas empresas concorrentes ou por certas associações de retalhistas de bens. A referida categoria inclui igualmente acordos verticais que contenham disposições acessórias relativas à atribuição ou utilização de direitos de propriedade intelectual. A expressão “acordos verticais” deve incluir as correspondentes práticas concertadas.

(4)      Para a aplicação do artigo 101.o, n.o 3, [TFUE] mediante regulamento, não é necessário definir os acordos verticais suscetíveis de serem abrangidos pelo n.o 1 do mesmo artigo; na apreciação individual dos acordos à luz do artigo 101.o, n.o 1 [TFUE] devem ser tidos em conta diversos fatores, em especial a estrutura do mercado do lado da oferta e do lado da procura.

(5)      O benefício da isenção por categoria estabelecido pelo presente regulamento deve ser reservado aos acordos verticais em relação aos quais se pode considerar com suficiente segurança que preenchem as condições estabelecidas no artigo 101.o, n.o 3, [TFUE].»

8.        O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 330/2010 prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)      “Acordo vertical”, um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da cadeia de produção ou distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços;

b)      “Restrição vertical”, uma restrição da concorrência num acordo vertical abrangida pelo n.o 1 do artigo 101.o do Tratado;

[…]

e)      “Sistema de distribuição seletiva”, um sistema de distribuição em que o fornecedor se compromete a vender os bens ou serviços contratuais, quer direta quer indiretamente, apenas a distribuidores selecionados com base em critérios especificados e em que estes distribuidores se comprometem a não vender tais bens ou serviços a distribuidores não autorizados no território reservado pelo fornecedor para o funcionamento de tal sistema;

[…]»

9.        O artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Nos termos do artigo 101.o, n.o 3, [TFUE] e sem prejuízo do disposto no presente regulamento, o artigo 101.o, n.o 1, [TFUE] é declarado inaplicável aos acordos verticais.

Esta isenção é aplicável na medida em que estes acordos contenham restrições verticais.»

10.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

«A isenção prevista no artigo 2.o é aplicável na condição de a quota de mercado do fornecedor não ultrapassar 30% do mercado relevante em que vende os bens ou serviços contratuais e de a quota de mercado do comprador não ultrapassar 30% do mercado relevante em que compra os bens ou serviços contratuais.»

11.      Sob a epígrafe «Restrições que implicam a retirada do benefício da isenção por categoria — restrições graves», o artigo 4.o do Regulamento n.o 330/2010 enuncia:

«A isenção prevista no artigo 2.o não é aplicável aos acordos verticais que, direta ou indiretamente, isoladamente ou em combinação com outros fatores que sejam controlados pelas partes, tenham por objeto:

[…]

b)      A restrição do território no qual, ou dos clientes aos quais, o comprador parte no acordo, sem prejuízo de uma eventual restrição relativa ao seu local de estabelecimento, pode vender os bens ou serviços contratuais, exceto:

[…]

iii)      a restrição das vendas, efetuada pelos membros de um sistema de distribuição seletiva, a distribuidores não autorizados no território reservado pelo fornecedor para o funcionamento de tal sistema, e

[…]

c)      A restrição das vendas ativas ou passivas a utilizadores finais, efetuada por membros de um sistema de distribuição seletiva que exerçam atividades no estádio retalhista, sem prejuízo da possibilidade de proibir um membro do sistema de exercer as suas atividades a partir de um local de estabelecimento não autorizado;

[…]»

 Orientações relativas às restrições verticais

12.      Em conformidade com o ponto 51 das orientações relativas às restrições verticais (7) publicadas pela Comissão concomitantemente com a adoção do Regulamento n.o 330/2010, deve entender‑se por «vendas passivas» a resposta a pedidos não solicitados, apresentados por clientes individuais, incluindo a entrega de bens ou a prestação de serviços a esses clientes.

13.      O ponto 52 das orientações refere que a Internet constitui um instrumento poderoso que permite chegar a um leque de clientes mais vasto e mais variado do que seria possível utilizando apenas métodos de vendas mais tradicionais, o que explica que determinadas restrições relativas à utilização da Internet sejam consideradas restrições em matéria de (re)venda. Refere‑se no terceiro período do mesmo ponto 52 que o facto de um distribuidor utilizar um sítio Internet para vender produtos é considerado uma forma de venda passiva, uma vez que constitui uma forma razoável de permitir que os clientes cheguem ao distribuidor.

14.      O ponto 54 das orientações prevê:

«Não obstante, [no âmbito do Regulamento n.o 330/2010 o] fornecedor pode […] exigir normas de qualidade para a utilização do sítio Internet para revender os seus bens, tal como pode exigir normas de qualidade para um estabelecimento, para a venda por catálogo ou para a publicidade e promoção em geral. Tal pode ser particularmente relevante para a distribuição seletiva. Ao abrigo da isenção por categoria, o fornecedor pode, por exemplo, exigir que os seus distribuidores disponham de um ou mais estabelecimentos tradicionais ou de salões de exposição como condição para se tornarem membros da sua rede de distribuição. […] Da mesma forma, um fornecedor pode exigir que os seus distribuidores utilizem apenas plataformas de terceiros para distribuir os produtos contratuais em conformidade com as normas e condições acordadas entre o fornecedor e os seus distribuidores relativamente à utilização da Internet por parte dos destes. Por exemplo, no caso de o sítio Web do distribuidor ser acolhido numa plataforma de um terceiro, o fornecedor pode exigir que os clientes não visitem o sítio Web do distribuidor através de um sítio que mostre o nome ou logótipo da plataforma do terceiro.»

15.      No ponto 56 das orientações, é explicado que a restrição grave constante do artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 330/2010 exclui a restrição de vendas ativas ou passivas a utilizadores finais, independentemente de serem utilizadores finais profissionais ou consumidores finais, por parte de membros de uma rede de distribuição seletiva, sem prejuízo da possibilidade de proibir um membro da rede de desenvolver atividades a partir de um local de estabelecimento não autorizado. No terceiro período do mesmo ponto 56, esclarece‑se que, num sistema de distribuição seletiva, o distribuidor deve ter a liberdade de vender, de forma ativa ou passiva, a todos os utilizadores finais, inclusivamente através da Internet. Consequentemente, a Comissão considera que qualquer obrigação que dissuada os distribuidores designados de utilizarem a Internet para atingir um leque mais vasto e diversificado de clientes, através da imposição de condições para as vendas em linha não equivalentes, em termos globais, às impostas para as vendas num estabelecimento tradicional, constitui uma restrição grave.

16.      Por último, o ponto 176 das orientações expõe que tanto os acordos de distribuição seletiva qualitativa como os acordos de distribuição seletiva quantitativa são isentos pelo Regulamento n.o 330/2010 e que esta isenção é aplicável «independentemente da natureza do produto em causa e da natureza dos critérios de seleção». Contudo, no caso de as características do produto não exigirem a distribuição seletiva ou não exigir os critérios aplicados, como, por exemplo, a exigência imposta aos distribuidores de possuírem um ou vários estabelecimentos tradicionais, tal sistema de distribuição não cria, em geral, efeitos de reforço dos ganhos de eficiência suficientes para compensar uma redução significativa da concorrência intramarcas. Se ocorrerem efeitos anticoncorrenciais importantes, o benefício do regulamento da isenção por categoria é suscetível de ser retirado.

 Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.      A Coty Germany é um dos principais fornecedores de produtos cosméticos de luxo na Alemanha. Comercializa determinadas marcas deste setor por intermédio de uma rede de distribuição seletiva, com base num contrato de distribuição utilizado de forma uniforme na Europa por si própria e pelas empresas suas associadas. Este contrato é completado por diversos contratos específicos que têm por objetivo organizar a referida rede.

18.      A Parfümerie Akzente distribui há muitos anos, como retalhista autorizado, os produtos da Coty Germany, tanto em lojas de venda tradicionais como na Internet. A venda através da Internet realiza‑se parcialmente através da sua própria loja virtual e parcialmente através da plataforma «amazon.de».

19.      Resulta da decisão de reenvio que, na parte introdutória do contrato de distribuição seletiva, a Coty Germany justifica o seu sistema de distribuição nos seguintes termos, a saber, «a natureza das marcas da Coty Prestige exige uma distribuição seletiva destinada a preservar a imagem de luxo associada a essas marcas».

20.      A este respeito, em relação ao comércio tradicional, o contrato de distribuição seletiva prevê que cada local de venda do distribuidor deve ser autorizado por si, o que pressupõe o cumprimento de um determinado número de requisitos, enumerados no artigo 2.o do referido contrato, em termos de ambiente, equipamentos e instalações.

21.      Em especial, de acordo com o artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, do contrato de distribuição «os equipamentos e os locais de venda, a oferta de produtos, a publicidade e a apresentação dos produtos para venda devem valorizar e reforçar a imagem de luxo das marcas da Coty Prestige. Na determinação deste critério, devem ser tidas em conta nomeadamente as fachadas, as instalações interiores, o revestimento do pavimento, o tipo de paredes e tetos, o mobiliário e a superfície de venda e ainda a iluminação, bem como uma impressão de conjunto ordenada e limpa».

22.      O artigo 2.o, n.o 1, ponto 6, do contrato de distribuição esclarece que «[a] identificação dos locais de venda, quer através do nome da empresa quer através de indicações adicionais ou do slogan da empresa, não deve dar a impressão de uma escolha de produtos limitada, de instalações de qualidade medíocre ou de aconselhamento deficiente e deve, além disso, ser aposta de modo a não tapar os objetos de decoração e as superfícies de exposição».

23.      Por outro lado, o quadro contratual que vincula as partes comporta um aditamento respeitante à venda através da Internet cujo artigo 1.o, n.o 3, prevê que «[o] distribuidor não pode utilizar outro nome ou associar‑se a uma empresa terceira sem que lhe tenha sido dada autorização».

24.      Em março de 2012, a Coty Germany reformulou os contratos da rede que regulam a distribuição seletiva bem como este aditamento, tendo a cláusula I, n.o 1, primeiro parágrafo, deste mesmo aditamento passado a prever que «o distribuidor está autorizado a oferecer e a vender os produtos na Internet, desde que, no entanto, esta atividade de venda através da Internet seja realizada através de uma “montra eletrónica” da loja autorizada e que continue a garantir o caráter luxuoso dos produtos». Além disso, a cláusula I, n.o 1, ponto 3, do referido aditamento proíbe expressamente a utilização de outra denominação comercial bem como a associação percetível de uma empresa terceira que não seja um distribuidor autorizado da Coty Prestige. Em nota a esta cláusula, é esclarecido que «[é], consequentemente vedado ao distribuidor cooperar com terceiros, quando esta cooperação tenha por objeto a gestão do sítio Web e seja visível para o exterior».

25.      Tendo a Parfümerie Akzente recusado subscrever estas alterações ao contrato de distribuição, a Coty Germany intentou uma ação num órgão jurisdicional nacional de primeira instância com o objetivo de a proibir de distribuir os produtos da marca controvertida através da plataforma «amazon.de», nos termos da referida cláusula I, n.o 1, ponto 3.

26.      Por decisão de 31 de julho de 2014, o órgão jurisdicional nacional de primeira instância competente, a saber o Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha), indeferiu o pedido pelo facto de a cláusula contratual em questão ser contrária ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE e ao § 1.o da Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (Lei que proíbe as restrições da concorrência).

27.      Este último órgão jurisdicional considerou nomeadamente que o objetivo de preservação de uma imagem de prestígio da marca não pode justificar, em conformidade com o Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649), a criação de um sistema de distribuição seletiva, que é, por definição, restritivo da concorrência. A cláusula contratual controvertida também constitui, segundo o órgão jurisdicional nacional de primeira instância, uma restrição grave, na aceção do artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 330/2010 não podendo, por conseguinte, beneficiar de uma isenção por categoria ao abrigo deste regulamento.

28.      Além disso, ainda de acordo com o órgão jurisdicional nacional de primeira instância, também não estavam reunidas as condições de uma isenção individual, uma vez que não tinha sido demonstrado que a exclusão geral da venda através da Internet por intermédio das plataformas de terceiros conduz a ganhos de eficiência suscetíveis de compensar os inconvenientes para a concorrência que resultam da cláusula controvertida. O mesmo órgão jurisdicional entende que a proibição geral prevista nesta cláusula não é necessária, uma vez que há outros meios igualmente apropriados mas menos restritivos da concorrência, como a aplicação de critérios qualitativos específicos para as plataformas terceiras.

29.      Foi nestas condições e no âmbito do recurso interposto pela Coty Germany da decisão do órgão jurisdicional nacional de primeira instância que o Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Podem os sistemas de distribuição seletiva destinados a distribuir produtos de luxo e de prestígio e que têm como objetivo principal assegurar uma “imagem de luxo” dos produtos constituir uma parte da concorrência compatível com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE?

2)      No caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Pode constituir uma parte da concorrência compatível com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE o facto de ser totalmente proibido aos membros de um sistema de distribuição seletiva que operam no comércio a retalho associarem empresas terceiras nas vendas através da Internet de forma percetível para o exterior, independentemente de, no caso concreto, as exigências legítimas de qualidade do produtor serem ou não cumpridas?

3)      Deve o artigo 4.o, alínea b), do Regulamento [n.o 330/2010] ser interpretado no sentido de que uma proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva que operam no mercado retalhista de associarem nas vendas através da Internet uma empresa terceira de modo percetível para o exterior constitui uma restrição deliberada dos clientes do comerciante retalhista?

4)      Deve o artigo 4.o, alínea c), do Regulamento [n.o 330/2010] ser interpretado no sentido de que uma proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva que operam no mercado retalhista de associarem nas vendas através da Internet uma empresa terceira de modo percetível para o exterior constitui uma restrição deliberada da venda passiva a utilizadores finais?»

30.      A Coty Germany, a Parfümerie Akzente, os Governos alemão, francês, italiano, luxemburguês, neerlandês e austríaco, bem como a Comissão apresentaram observações no Tribunal de Justiça.

31.      Foi realizada uma audiência em 30 de março de 2017, na qual participaram a Coty Germany, a Parfümerie Akzente, os Governos alemão, francês, italiano, luxemburguês, neerlandês e sueco, bem como a Comissão.

 Análise

 Observações introdutórias e considerações gerais sobre os princípios que devem presidir à aplicação do artigo 101.o TFUE aos sistemas de distribuição seletiva

32.      De maneira geral, as regras da concorrência — e o artigo 101.o TFUE em particular — têm por objetivo evitar as distorções da «concorrência», sendo certo que esta última, que pretende promover a eficiência económica e, in fine, o bem‑estar dos consumidores, deve permitir não apenas a fixação de preços tão baixos quanto possível, mas também ser um vetor de diversidade de escolha dos produtos, de otimização da qualidade destes últimos e das prestações fornecidas bem como do estímulo da inovação. O direito europeu da concorrência não considera que a concorrência pelos preços é o único modelo possível.

33.      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou desde muito cedo que a concorrência pelos preços, por muito importante que seja, não constitui a única forma de concorrência eficaz nem aquela à qual se deva, em qualquer circunstância, atribuir uma prioridade absoluta (8). Existem, assim, exigências legítimas, como a proteção do comércio especializado suscetível de fornecer prestações específicas para produtos de elevado nível qualitativo e tecnológico, que justificam a limitação da concorrência pelos preços em benefício de uma concorrência que atende a outros fatores que não aos preços (9).

34.      Há que partir desta premissa para analisar os sistemas de distribuição seletiva.

35.      Estes últimos são definidos como sistemas de distribuição nos quais, por um lado, o fornecedor (frequentemente qualificado de «dono da rede») se compromete a vender os bens ou os serviços contratuais apenas a distribuidores selecionados com base em critérios definidos e, por outro, esses distribuidores se comprometem a não vender tais bens ou serviços a distribuidores não autorizados no território reservado pelo fornecedor (10).

36.      É um dado adquirido, desde o Acórdão Consten e Grundig/Comissão (11), que um acordo de natureza vertical, celebrado entre empresas que não se encontram no mesmo pé de igualdade, é suscetível de restringir a concorrência que pode haver entre si ou entre uma delas e terceiros. Por conseguinte, não se pode a priori excluir que cláusulas contratuais inseridas nos contratos de distribuição seletiva comportem restrições da concorrência, suscetíveis nomeadamente de serem abrangidas pela proibição dos acordos anticoncorrenciais. No que se refere à aplicabilidade propriamente dita do direito dos acordos, decisões e práticas concertadas à definição dos critérios de seleção elaborados no contexto das redes de distribuição, é facto assente que essa seleção, uma vez que decorre de cláusulas contratuais dos contratos assinados entre o dono da rede e os seus distribuidores autorizados, é suscetível de ser abrangida pela proibição dos cartéis (12).

37.      No entanto, o Tribunal de Justiça tem constantemente analisado os sistemas de distribuição seletiva baseados em critérios qualitativos com precaução (13). Assim, reconheceu claramente, desde o seu célebre Acórdão Metro SB‑Großmärkte/Comissão (14), a legalidade, à luz do direito dos acordos, decisões e práticas concertadas, dos sistemas de distribuição seletiva que assentam em critérios qualitativos.

38.      Neste contexto, sublinhou que a exigência de uma concorrência não falseada admite que a natureza e a intensidade da concorrência possam variar em função dos produtos ou dos serviços em causa e da estrutura económica dos mercados setoriais em questão. Em especial, a estrutura do mercado não se opõe à existência de canais de distribuição diferenciados adaptados às características próprias dos diferentes produtores e às necessidades das diferentes categorias de consumidores. Com o seu raciocínio, o Tribunal de Justiça admitiu implícita, mas necessariamente, que uma redução da concorrência intramarca (intrabrand competition) pode ser admitida quando seja indispensável ao estímulo da concorrência intermarcas (interbrand competition).

39.      Assim, o Tribunal de Justiça tem afirmado de forma constante que estes sistemas podem ser declarados conformes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, quando a opção dos revendedores for efetuada em função de critérios objetivos de caráter qualitativo, fixados de maneira uniforme e aplicados de forma não discriminatória.

40.      Além disso, na continuação de determinadas orientações doutrinais (15), elas próprias alimentadas pelas análises dos economistas (16), impôs‑se progressivamente, nomeadamente na elaboração de uma nova geração de regulamentos de isenção por categoria, que esses sistemas, em geral, comportam efeitos positivos do ponto de vista da concorrência.

41.      Esta evolução, que não é específica do direito da concorrência da União (17), assenta nomeadamente nas seguintes constatações.

42.      Em primeiro lugar, na medida em que tendem a autorizar os distribuidores de determinados produtos à luz de critérios qualitativos exigidos pela natureza destes produtos, os sistemas de distribuição seletiva favorecem e protegem o desenvolvimento da imagem de marca (brand image). Constituem um fator de estímulo da concorrência entre fornecedores de produtos de marca, a saber, a concorrência intermarcas, na medida em que permitem aos fabricantes organizar eficazmente a distribuição dos seus produtos e satisfazer os consumidores.

43.      Os sistemas de distribuição seletiva são, nomeadamente para os produtos que apresentam qualidades únicas, um vetor de penetração nos mercados. Com efeito, as marcas, e em particular as marcas de luxo, retiram a sua mais‑valia de uma perceção estável por parte dos consumidores da sua elevada qualidade e da sua exclusividade na respetiva apresentação e comercialização. Ora, esta estabilidade não pode ser garantida quando não é a própria empresa a assegurar a distribuição dos produtos. A razão de ser dos sistemas de distribuição seletiva reside no facto de permitirem alargar a distribuição de determinados produtos, nomeadamente para zonas geograficamente afastadas das da sua produção, ao mesmo tempo que mantêm essa estabilidade através de uma seleção das empresas habilitadas a distribuir os produtos contratuais.

44.      Em segundo lugar, do ponto de vista da concorrência intramarca, devido à igualdade entre os distribuidores autorizados que resulta da aplicação, em princípio objetiva e não discriminatória, de critérios de seleção de natureza qualitativa, a distribuição seletiva pode, efetivamente, conduzir a que todas as empresas membros fiquem sujeitas a condições concorrenciais semelhantes da rede de distribuição seletiva e, por conseguinte, a uma diminuição potencial tanto do número de distribuidores dos produtos contratuais como da concorrência intramarca, nomeadamente em termos de preços. Ora, paradoxalmente, quanto mais severos são os critérios de seleção que o fornecedor impõe, mais este se expõe, devido à redução da distribuição dos produtos que daí decorre, à perda de mercado e dos clientes. Por conseguinte e a menos que disponha de um «poder de mercado» significativo, o fornecedor, dono da rede, é, em princípio, levado a «autorregular» o seu comportamento num sentido que seja conforme com as regras da concorrência.

45.      Consequentemente, pode considerar‑se que os sistemas de distribuição seletiva produzem, de maneira geral, efeitos neutros, ou inclusivamente benéficos, do ponto de vista da concorrência.

46.      Importa recordar que a conformidade dos sistemas de distribuição seletiva com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE assenta em definitivo na ideia de que pode ser legítimo não se focalizar na concorrência «pelos preços» em benefício de uma concorrência que tem por objeto outros elementos de natureza qualitativa. Por conseguinte, o reconhecimento desta conformidade não pode ficar confinado aos produtos que apresentem qualidades materiais específicas. Não são tanto as propriedades intrínsecas dos produtos em causa que são determinantes para identificar a existência ou não de uma restrição da concorrência, mas a circunstância de que seja necessário para manter o bom funcionamento do sistema de distribuição que se destina precisamente a preservar a imagem de marca ou de qualidade dos produtos contratuais.

47.      Em resumo, embora, na sequência de uma análise simultaneamente superficial e formalista, determinadas obrigações contratuais impostas aos comerciantes retalhistas no âmbito dos sistemas de distribuição seletiva possam ser facilmente equiparadas, na medida em que limitam a liberdade comercial dos distribuidores em questão, a limitações potenciais da concorrência, impôs‑se muito rapidamente, tanto na jurisprudência produzida a partir do Acórdão Metro SB‑Großmärkte/Comissão (18) como na regulamentação aplicável em matéria de isenção por categoria, que um sistema de distribuição seletiva que assente em critérios qualitativos é, em determinadas condições, suscetível de gerar efeitos pró‑concorrenciais e não pode assim ser abrangido pela proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas referida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

48.      Neste contexto, deve‑se sublinhar que o artigo 101.o TFUE não procura enquadrar ou proibir determinadas obrigações contratuais livremente consentidas, como as que decorrem do contrato que vincula um distribuidor ao seu fornecedor, mas prende‑se essencialmente com os impactos económicos dos comportamentos visados do ponto de vista da concorrência. Também, o facto de um acordo de distribuição seletiva conter eventualmente um desequilíbrio contratual entre as partes, nomeadamente em detrimento do distribuidor autorizado, não constitui uma circunstância pertinente no âmbito da análise dos efeitos restritivos da concorrência desse acordo (19).

49.      O que acontece, em seguida, à análise pormenorizada das medidas tomadas no âmbito dos sistemas de distribuição seletiva à luz do direito dos acordos, decisões e práticas concertadas?

50.      A análise dos comportamentos de empresa concebidos e impostos no contexto da distribuição seletiva à luz do artigo 101.o TFUE deve ser esquematicamente feita em dois tempos. Importa, antes de mais, analisar — como nos pede o órgão jurisdicional de reenvio com as suas primeira e segunda questões prejudiciais — se estes são, em princípio, suscetíveis de ser abrangidos pela proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Em caso de resposta afirmativa, a saber para hipótese na qual deva ser declarado que as restrições controvertidas são abrangidas por esta disposição, é, em seguida, necessário — o que constitui, in fine,o objeto das terceira e quarta questões — determinar se os comportamentos controvertidos são ou não suscetíveis de beneficiar de uma isenção ao abrigo do n.o 3 do artigo 101.o TFUE.

51.      Em primeiro lugar, no que respeita à questão de saber se as condições impostas pelo dono da rede aos seus distribuidores podem ou não à partida ser subtraídas da proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas, o Tribunal de Justiça reconheceu que, tratando‑se de bens de consumo de elevada qualidade, os canais de distribuição diferenciados adaptados às características pessoais dos diferentes produtores e às necessidades dos consumidores podem ser conformes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE (20).

52.      Conforme o Tribunal de Justiça recordou uma vez mais na sua jurisprudência mais recente, a organização de um sistema de distribuição seletiva não é abrangida pela proibição do artigo 101.o, n.o 1, TFUE desde que a escolha dos revendedores seja feita em função de critérios objetivos de caráter qualitativo, fixados de modo uniforme para todos os potenciais revendedores e aplicados de modo não discriminatório, que as propriedades do produto em causa exijam, para preservar a qualidade e assegurar a sua correta utilização, que exista uma rede de distribuição e, por fim, que os critérios definidos não ultrapassem a medida do necessário (21).

53.      Em segundo lugar, e para a hipótese de o juiz vir a concluir que a medida contestada que se insere no âmbito de uma rede de distribuição seletiva não pode à partida ser subtraída à aplicação do artigo 101.o TFUE, importa ainda determinar se esta é uma daquelas que podem ficar isentas, nomeadamente ao abrigo do regulamento de isenção «por categoria» aplicável, neste caso o Regulamento n.o 330/2010.

54.      A este respeito, há que observar que este regulamento de isenção não lista um conjunto de comportamentos suscetíveis de serem abrangidos pela proibição do artigo 101.o TFUE ou daqueles que à partida são subtraídos à aplicação desta disposição. Como sublinha o considerando 4 do referido regulamento, «[n]a apreciação individual dos acordos à luz do artigo 101.o, n.o 1, [TFUE] devem ser tidos em conta diversos fatores, em especial a estrutura do mercado do lado da oferta e do lado da procura».

55.      Em contrapartida, o referido regulamento fornece, numa preocupação de assegurar uma determinada segurança jurídica às empresas em causa (v., neste sentido, considerando 5 do Regulamento n.o 330/2010), indicações sobre as medidas que não podem à partida beneficiar de uma isenção ao abrigo deste regulamento, o que não exclui que essas medidas possam beneficiar de uma isenção individual. Sob reserva da observância de determinados limites relativos à quota de mercado detida tanto pelo fornecedor como pelos seus distribuidores, trata‑se de medidas que comportam «restrições graves» visadas no artigo 4.o deste mesmo regulamento.

56.      Embora independentes, estas duas etapas da análise podem apresentar determinadas sobreposições conceptuais. Com efeito, seja sob o ângulo do n.o 1 ou do do n.o 3 do artigo 101.o TFUE, a análise da medida controvertida assenta numa análise do grau de nocividade suposta ou comprovada desta. Assim, uma restrição das vendas passivas dos distribuidores pode não apenas ser considerada uma restrição pelo «objetivo» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mas também uma restrição grave que não pode beneficiar de uma isenção por categoria. Não deixa de ser verdade que a qualificação, para efeitos da aplicação desta última disposição, de uma restrição «pelo objetivo» deve ser distinguida da existência de uma restrição «grave» para efeitos da aplicabilidade de uma eventual isenção ao abrigo do Regulamento n.o 330/2010. Retomarei esta questão nas considerações que se seguem.

57.      Por último, parece‑me importante sublinhar que as orientações elaboradas pela Comissão, nomeadamente as relativas às restrições verticais que apresentam inegavelmente um grande interesse no presente caso, não podem por si só orientar a análise. Com efeito, estas orientações não se destinam a vincular as autoridades da concorrência e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, mas indicam simplesmente a maneira como a própria Comissão, agindo na qualidade de autoridade da concorrência da União, aplicará o artigo 101.o TFUE (22). Nestas condições, não se pode excluir que o Tribunal de Justiça possa, no âmbito da sua missão de interpretação do direito da União, fazer suas as orientações e apreciações jurídicas contidas nessas orientações.

58.      Feitos estes esclarecimentos gerais, passo a examinar uma a uma as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à primeira questão: conformidade dos sistemas de distribuição seletiva de produtos de luxo e de prestígio que se destinam principalmente a preservar «a imagem de luxo» dos referidos produtos com o artigo 101.o n.o 1, TFUE

59.      Com a sua primeira questão prejudicial, que se refere diretamente às interpretações divergentes do Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta em substância se as redes de distribuição seletiva relativas à distribuição de produtos de luxo e de prestígio e que visam principalmente preservar a imagem de luxo destes produtos são ou não abrangidas pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

60.      No essencial, opõem‑se duas abordagens.

61.      Por um lado, a Parfümerie Akzente e o Governo luxemburguês consideram que os contratos que organizam um sistema de distribuição seletiva para a venda de produtos de luxo e de prestígio, que visam principalmente preservar a imagem de luxo dos referidos produtos, não podem ser excluídos do âmbito de aplicação da proibição estabelecida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Em sua opinião, esta conclusão é apoia‑se solidamente na declaração que consta do n.o 46 do referido Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique. No mesmo sentido, o Governo alemão propõe responder que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE é aplicável aos requisitos dos sistemas de distribuição seletiva destinados a preservar uma imagem de luxo ou de prestígio, sem que seja necessário analisar se as propriedades do produto em causa necessitam da implementação de um sistema de distribuição seletiva, se os requisitos exigidos pelo sistema são aplicados sem discriminação e se são adequados relativamente à preservação da imagem de luxo ou de prestígio.

62.      Por outro lado, a Coty Germany, os Governos francês, italiano, neerlandês, austríaco e sueco bem como a Comissão consideram, no essencial, que os contratos que organizam um sistema de distribuição seletiva para a venda de produtos de luxo e de prestígio, que visam principalmente preservar a imagem de luxo dos referidos produtos, podem ser excluídos do âmbito de aplicação da proibição estabelecida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Estas partes consideram nomeadamente que resulta da jurisprudência que os produtos de elevada qualidade, cuja imagem de luxo é apreciada pelos consumidores, podem necessitar da implementação de uma rede de distribuição seletiva, nomeadamente para «garantir a valorização da sua apresentação» e preservar a sua «imagem de luxo». Sublinham que o referido Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique, que não dizia respeito a um sistema de distribuição seletiva propriamente dito, mas exclusivamente à cláusula contratual visada nesse processo, não pode ser interpretado no sentido de que a proteção da imagem de luxo já não é atualmente suscetível de justificar a existência de uma rede de distribuição seletiva.

63.      Na minha opinião, salvo se se alterarem profundamente os princípios que regem a apreensão dos sistemas de distribuição seletiva à luz das regras em matéria de concorrência, só podemos concordar com a segunda posição e, consequentemente, responder afirmativamente à primeira questão prejudicial, conforme foi formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

64.      Na continuação do que referi acima, os sistemas de distribuição seletiva devem poder, devido aos efeitos benéficos — ou pelo menos neutros — que geram do ponto de vista da concorrência, ser considerados compatíveis com a proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

65.      Em conformidade com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (23) e do Tribunal Geral (24), cujos ensinamentos foram amplamente retomados no n.o 175 das orientações, os sistemas de distribuição seletiva puramente qualitativa não são abrangidos pela proibição do artigo 101.o TFUE se estiverem reunidas três condições (a seguir «critérios Metro»).

66.      Em primeiro lugar, deve estabelecer‑se que as propriedades do produto em causa necessitam de um sistema de distribuição seletiva, no sentido de que esse sistema constituiu um requisito legítimo, atendendo à natureza dos produtos em causa, nomeadamente à sua elevada qualidade ou tecnicidade, para preservar a sua qualidade e garantir o seu uso adequado. Em segundo lugar, é exigido que a escolha dos revendedores se efetue em função de critérios objetivos de natureza qualitativa, fixados de maneira uniforme para todos os revendedores potenciais e aplicados de forma não discriminatória. Em terceiro lugar, é preciso que os critérios estabelecidos não excedam o que é necessário.

67.      Embora a questão de saber se estas condições estão preenchidas deva ser apreciada de forma objetiva pelo juiz nacional, o Tribunal de Justiça não deixou de estabelecer alguns parâmetros que devem ser tidos em consideração na apreciação da conformidade dos sistemas de distribuição seletiva com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

68.      No que respeita ao critério relativo à necessidade de um sistema de distribuição seletiva no que se refere nomeadamente aos produtos de luxo, critério principalmente em causa neste processo, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou por diversas vezes que os sistemas de distribuição seletiva baseados em critérios qualitativos podem ser aceites no setor da produção de bens de consumo de elevada qualidade sem violar o artigo 101.o, n.o, TFUE, para, nomeadamente, manter um comércio especializado capaz de fornecer prestações específicas para esses produtos (25).

69.      O Tribunal de Justiça esclareceu que, independentemente inclusivamente da qualificação dos produtos visados de produtos de «luxo», a preservação da «qualidade» do produto pode necessitar de um sistema de distribuição seletiva (26).

70.      São assim as características ou propriedades específicas dos produtos em causa que podem ser suscetíveis de tornar um sistema de distribuição seletiva conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Como já referi anteriormente, estas propriedades podem residir não apenas nas qualidades materiais dos produtos visados (produtos de elevada qualidade tecnológica, por exemplo), mas como na imagem «de luxo» dos produtos (27).

71.      Esta conclusão pode, como foi salientado por um certo número de partes que apresentaram observações no presente processo, ser conciliada com considerações que foram aceites no âmbito da jurisprudência desenvolvida em matéria de direito das marcas, direito que, devido à sua função concorrencial específica, interage inegavelmente com a proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas. Com efeito, na medida em que garante que todos os produtos ou serviços que designa foram fabricados ou fornecidos sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela sua qualidade, a marca desempenha um papel essencial no sistema de concorrência não falseada que o Tratado FUE pretende estabelecer e manter (28). Neste sistema, as empresas devem estar em condições de reter os clientes pela qualidade dos respetivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distintivos que permitam identificar esses produtos e serviços. Para que a marca possa desempenhar este papel, terá que constituir uma garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (29).

72.      No âmbito do direito das marcas, o Tribunal de Justiça sublinhou que os produtos de luxo e de prestígio não se definem apenas através das suas características materiais, mas também a partir da perceção específica que os consumidores delas têm, e mais especificamente da «aura de luxo» de que beneficiam junto destes últimos. Com efeito, constituindo os produtos de prestígio artigos de elevada gama, a sensação de luxo que deles emana é um elemento essencial para que os consumidores os distingam de outros produtos semelhantes. Assim, um dano causado à referida sensação de luxo é suscetível de afetar a própria qualidade desses produtos. Ora, o Tribunal de Justiça já considerou a este respeito que as características e as modalidades específicas de um sistema de distribuição seletiva são, em si mesmas, suscetíveis de preservar a qualidade e de assegurar a boa utilização dos referidos produtos (30).

73.      O Tribunal de Justiça concluiu a este respeito que, na medida em que a organização de um sistema de distribuição seletiva visa assegurar uma apresentação que valorize esses produtos no ponto de venda, «nomeadamente no que diz respeito à sua colocação, promoção e apresentação e à política comercial», é suscetível de contribuir para a reputação dos produtos em questão e, assim, para a manutenção da sua sensação de luxo (31).

74.      Decorre desta jurisprudência que, atendendo às suas características e a sua natureza, os produtos de luxo podem necessitar da implementação de um sistema de distribuição seletiva, para preservar a sua qualidade e assegurar a sua boa utilização. Por outras palavras, as redes de distribuição seletiva relativas à distribuição de produtos de luxo e de prestígio e que visam principalmente preservar a imagem de marca dos referidos produtos não são abrangidas pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

75.      Contrariamente à interpretação defendida por algumas das partes que apresentaram observações, esta conclusão não é posta em causa pelo Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649), e em especial pelo seu n.o 46 nos termos do qual «[o] objetivo de preservar a imagem de prestígio não pode constituir um objetivo legítimo para restringir a concorrência e não pode, assim, justificar que uma cláusula contratual que prossiga tal objetivo não seja abrangida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE».

76.      Conforme decorre das observações apresentadas no presente processo, mas também das posições adotadas por muitos órgãos jurisdicionais e autoridades nacionais responsáveis pela concorrência (32), esta última enunciação deu lugar a interpretações muito divergentes.

77.      Por conseguinte, parece perfeitamente oportuno, como nos pede a maioria das partes que apresentaram observações, que o Tribunal de Justiça clarifique, no presente processo, o âmbito desse último acórdão referindo‑se tanto ao contexto que lhe deu origem como à fundamentação que foi especificamente utilizada pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão.

78.      Em primeiro lugar, no que se refere ao contexto factual do Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649), recordo que, nesse processo, estava em causa a obrigação imposta por um fabricante de produtos cosméticos e de higiene corporal aos seus distribuidores selecionados de assegurar, nos seus respetivos pontos de venda, a presença física e permanente de pelo menos um licenciado em Farmácia. Esse requisito excluía de facto e de maneira absoluta, segundo o Tribunal de Justiça, que faz sai a apreciação que tinha sido feita pela autoridade da concorrência francesa, que os produtos em causa pudessem ser vendidos pelos distribuidores autorizados através da Internet (33).

79.      Como resulta claramente da questão prejudicial submetida neste último processo ao Tribunal de Justiça, estava unicamente em causa uma cláusula contratual relativa à proibição geral e absoluta de vender os produtos contratuais através da Internet aos utilizadores finais, imposta aos distribuidores autorizados no âmbito de uma rede de distribuição seletiva. Em contrapartida, não era visado o sistema de distribuição seletiva na sua globalidade.

80.      Em segundo lugar, no que se refere à fundamentação explicitamente adotada pelo Tribunal de Justiça nesse Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique, esta incide apenas sobre a cláusula contratual que proíbe nomeadamente a venda através da Internet visada pela sociedade Pierre Fabre. O Tribunal de Justiça não considerou que o mero facto de a inserção da referida cláusula ter sido motivada pela necessidade de preservar a imagem de prestígio dos produtos em causa constituía um objetivo legítimo para restringir a concorrência. Isso não significa, no entanto, que o Tribunal de Justiça pretendeu submeter inicialmente à proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas visada pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE sistemas de distribuição que visam precisamente preservar a imagem de marca dos produtos em causa.

81.      Importa salientar que o Tribunal de Justiça não voltou nomeadamente atrás na sua apreciação sobre o princípio segundo o qual o dono de uma rede de distribuição seletiva continua em princípio a ter liberdade para organizar essa rede nem, por conseguinte, sobre a apreciação segundo a qual as condições impostas aos distribuidores autorizados deviam ser declaradas conformes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando cumprissem as condições consagradas pelo Tribunal de Justiça.

82.      Mais fundamentalmente, note‑se que nada nos termos empregues pelo Tribunal de Justiça permite pressupor que este pretendeu rever ou ainda limitar o alcance dos princípios que tinham sido consagrados e estabelecidos até então quanto à apreciação, à luz do artigo 101.o TFUE, das condições impostas aos distribuidores autorizados de uma rede de distribuição seletiva.

83.      Por outras palavras, o Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649) não deve ser interpretado como uma inversão em relação à jurisprudência anterior uma vez que a declaração que figura no n.o 46 deste acórdão se insere no contexto de uma fiscalização da proporcionalidade da cláusula contratual concretamente em causa no processo principal (v., nomeadamente n.o 43 do referido acórdão).

84.      Todas estas considerações me levam a concluir que os sistemas de distribuição seletiva que tenham por objeto preservar a imagem de luxo dos produtos podem sempre constituir elementos da concorrência conformes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Como a Comissão salientou corretamente, deve, todavia, deduzir‑se desse acórdão que, em função das propriedades dos produtos em causa ou para restrições especialmente graves, como a proibição total de venda através da Internet que resultava da cláusula controvertida nesse mesmo Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique, é possível que o objetivo que visa preservar a imagem de prestígio dos produtos em causa não seja legítimo, o que tem como consequência que não se justifica isentar um sistema de distribuição seletiva ou uma cláusula que prossiga esse objetivo.

85.      Outra conclusão apresentaria, na minha opinião, dois inconvenientes importantes.

86.      Antes de mais, tal implicaria que se revissem os princípios assentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à apreciação, do ponto de vista das regras da concorrência, dos sistemas de distribuição seletiva. Recordo que estes princípios têm precisamente em conta efeitos benéficos que tais sistemas geram na prossecução de uma concorrência eficaz.

87.      Neste contexto, há que recordar que são as propriedades dos produtos em causa, independentemente de estas se encontrarem nas suas características materiais ou na sua imagem de luxo ou de prestígio, que importa preservar. Quer os produtos em causa apresentem determinadas qualidades materiais, como os produtos de elevada qualidade ou os produtos tecnologicamente avançados, ou quer os produtos em questão estejam associados a uma imagem de luxo, a distribuição seletiva pode ser considerada legítima atendendo aos efeitos pró‑concorrenciais que gera.

88.      Em seguida, uma interpretação do Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649) segundo a qual um sistema de distribuição seletiva que tem por objeto preservar a imagem de luxo dos produtos em causa já não pode atualmente ser subtraído à proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE seria contrária às orientações existentes em matéria de propriedade intelectual, nomeadamente contra a jurisprudência elaborada no contexto do direito das marcas.

89.      Assim, no Acórdão de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260), o Tribunal de Justiça equiparou o distribuidor no sistema de distribuição seletiva a um titular de licença e reconheceu que os dois se encontravam na situação de colocação em circulação por terceiros com o consentimento do titular da marca. Isso tem como consequência que a proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas não deve ser aplicada nos casos em que as medidas do produtor/titular da marca em relação ao distribuidor autorizado constituem unicamente, em absoluto, o exercício do direito de primeira colocação em circulação.

90.      Do mesmo modo, no Acórdão de 3 de junho de 2010, Coty Prestige Lancaster Group (C‑127/09, EU:C:2010:313), o Tribunal de Justiça sublinhou que o caráter exclusivo do direito das marcas tem como consequência que cada utilização da marca sem o consentimento do titular viola o direito das marcas.

91.      Por conseguinte, uma rede de distribuição seletiva, como a prevista no contrato em causa no processo principal, que é relativo à distribuição de produtos de luxo e de prestígio e que visa principalmente preservar a «imagem de luxo», pode constituir uma parte da concorrência conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que os critérios Metro estejam preenchidos.

92.      Esta conclusão é válida tanto para os produtos ditos de «luxo» como para os produtos ditos de «qualidade». O que importa é a necessidade de o dono da rede preservar a imagem de prestígio.

93.      Por conseguinte, propõe‑se que se responda à primeira questão prejudicial que os sistemas de distribuição seletiva relativos à distribuição de produtos de luxo e de prestígio e que visam principalmente preservar a «imagem de luxo» dos referidos produtos constituem um elemento da concorrência conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, desde que os revendedores sejam escolhidos com base em critérios objetivos de natureza qualitativa que sejam fixados de maneira uniforme para todos e sejam aplicados de forma não discriminatória para todos os potenciais revendedores, que a natureza do produto em questão, incluindo da imagem de prestígio, exija uma distribuição seletiva para lhe preservar a qualidade e garantir o uso adequado e que os critérios estabelecidos não excedam o que é necessário.

 Quanto à segunda questão: conformidade com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE da proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva de produtos de luxo, que operam no mercado como retalhistas autorizados, de recorrerem de forma percetível a plataformas de terceiros para a venda em linha

94.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se e em que medida o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva de produtos de luxo, que operam no mercado como retalhistas autorizados, de recorrerem de forma percetível a plataformas de terceiros para a venda através da Internet dos produtos em causa.

95.      Esta questão, que está estreitamente relacionada com a primeira, diz respeito à conformidade, à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, da cláusula específica do sistema de distribuição seletiva precisamente posta em causa no processo principal.

96.      Ora, como já referi anteriormente em resposta à primeira questão prejudicial, é verdade que a distribuição seletiva que assenta em parâmetros de ordem qualitativa não se enquadra no artigo 101.o, n.o 1, TFUE se os critérios Metro estiverem cumpridos.

97.      Em conformidade com a matriz de análise que decorre da jurisprudência Metro SB‑Großmärkte/Comissão, que não foi de forma nenhuma posta em causa pelo Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (34), há que analisar se a escolha dos revendedores é feita em função de critérios objetivos de caráter qualitativo, fixados uniformemente para todos os potenciais revendedores e aplicados de modo não discriminatório, se as propriedades do ou dos produtos em causa exigem, para preservar a respetiva qualidade e assegurar a sua correta utilização, uma rede de distribuição e, por fim, se as condições definidas são conformes com o princípio da proporcionalidade.

98.      Uma vez que a primeira dessas condições não é na realidade discutida neste caso, a minha análise concentrar‑se‑á na questão de saber se a proibição imposta aos distribuidores autorizados de recorrerem de forma percetível a plataformas de terceiros é legítima à luz dos objetivos de ordem qualitativa e, sendo caso disso, se é proporcionada.

99.      Ora, no que se refere, em primeiro lugar, à legitimidade da proibição controvertida, como já referi na minha proposta de resposta à primeira questão, o objetivo de preservar a imagem dos produtos de luxo e de prestígio é sempre um objetivo legítimo para efeitos de justificar um sistema de distribuição seletiva de natureza qualitativa como o que está em causa no processo principal.

100. Por conseguinte, importa determinar se a cláusula controvertida, a saber, a que proíbe os distribuidores autorizados de recorrerem de forma percetível a plataformas de terceiros, se pode precisamente justificar pela necessidade de preservar a imagem de luxo dos produtos em causa.

101. A este respeito, considero que a proibição de recorrer a denominações de empresas terceiras se pode justificar pelo objetivo de preservação e de controlo dos critérios de qualidade, que exige nomeadamente a prestação de determinados serviços aquando da venda dos produtos e uma apresentação específica dos produtos vendidos.

102. Com efeito, há que reconhecer que o dono de uma rede de distribuição seletiva pode, para efeitos de preservar a imagem de marca ou de prestígio (35) dos produtos que comercializa, proibir os seus distribuidores, inclusivamente os autorizados, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras. Tal proibição pode permitir preservar as garantias de qualidade, de segurança e de identificação de origem dos produtos ao obrigar os comerciantes retalhistas a fornecerem prestações de serviços de um determinado nível durante a venda dos produtos contratuais. Esta proibição também permite manter a proteção e o posicionamento das marcas face aos fenómenos de contrafação e de parasitismo, que são suscetíveis de gerar efeitos restritivos da concorrência.

103. Como a Comissão referiu no n.o 54 das suas orientações, o fornecedor pode impor normas de qualidade para a utilização do sítio Internet para revender os seus produtos, tal como pode exigir normas de qualidade para um estabelecimento, para a venda por catálogo ou para a publicidade ou uma ação de promoção em geral.

104. Ora, ao recorrer a plataformas de terceiros no âmbito da distribuição dos produtos, os distribuidores autorizados — que ainda para mais é o dono da rede — deixam de ter, em particular, o controlo da apresentação e da imagem desses produtos, nomeadamente porquanto essas plataformas exibem frequentemente de forma muito visível os seus logótipos em todas as fases da compra dos produtos contratuais.

105. A proibição total imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva de recorrerem de forma percetível, para as suas vendas através da Internet, a empresas terceiras constitui assim uma restrição perfeitamente análoga àquela que, segundo o Tribunal de Justiça, é justificada e necessária para garantir o funcionamento de um sistema de distribuição seletiva baseado unicamente no comércio tradicional, e por conseguinte, legítimo à luz do direito da concorrência, em conformidade com a jurisprudência (36).

106. Em conclusão, a proibição imposta aos distribuidores autorizados de se associarem a plataformas em linha terceiras pode ser excluída do âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE na medida em que seja suscetível de melhorar a concorrência que assenta em critérios qualitativos. Na continuação das considerações até então estabelecidas em matéria de distribuição seletiva, esta proibição é suscetível de preservar a imagem de luxo dos produtos em causa a diversos níveis: não apenas garante que esses produtos são vendidos num ambiente que responde às exigências qualitativas impostas pelo dono da rede de distribuição, como também permite que se proteja de fenómenos de parasitagem ao evitar que outras empresas beneficiem dos investimentos e dos esforços desenvolvidos pelo fornecedor e por outros distribuidores autorizados, para melhorar a qualidade e a imagem dos produtos em causa.

107. Esta proibição distingue‑se claramente da cláusula controvertida no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649).

108. Recordo que, nesse Acórdão Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique, o Tribunal de Justiça declarou que a cláusula de um contrato que proibia totalmente os distribuidores autorizados de venderem em linha os produtos contratuais podia constituir uma restrição pelo objetivo e ser, por conseguinte, contrária ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE se «na sequência de uma análise individual e concreta do teor e do objetivo da cláusula contratual e do contexto jurídico e económico em que a mesma se inscreve, se concluir que, face às propriedades dos produtos em causa, tal cláusula não é objetivamente justificada».

109. No presente caso, há que constatar que, longe de prever uma proibição total das vendas em linha, a Coty Germany impôs apenas aos seus revendedores autorizados a não comercialização dos produtos contratuais através de plataformas terceiras, na medida em que, segundo o dono da rede, estas não estão obrigadas a respeitar os requisitos qualitativos que impõe aos distribuidores autorizados.

110. A cláusula controvertida no processo principal mantém, com efeito, a possibilidade de os distribuidores autorizados distribuírem os produtos contratuais através dos seus próprios sítios Internet. Do mesmo modo, não proíbe esses distribuidores de se associarem a plataformas terceiras para distribuírem esses mesmos produtos contratuais de forma não percetível.

111. Ora, conforme salientado pela Comissão, ao apoiar‑se nomeadamente nos resultados do seu inquérito setorial, verifica‑se que, nesta fase da evolução do comércio eletrónico, as lojas virtuais dos próprios distribuidores constituem o canal de distribuição privilegiado da distribuição através da Internet. Assim, não obstante a importância crescente de plataformas terceiras na comercialização dos produtos dos comerciantes retalhistas, a proibição imposta aos distribuidores autorizados de se associarem de forma percetível a essas plataformas não pode, no atual estado da evolução do comércio eletrónico, ser equiparada a uma proibição total ou a uma limitação substancial da venda através da Internet.

112. Em segundo lugar, parece‑me que o processo submetido ao Tribunal de Justiça não permite concluir que, presentemente, tal proibição deva ser geralmente considerada desproporcionada face ao objetivo prosseguido.

113. Importa sublinhar que embora o fornecedor, dono da rede, esteja em condições de impor determinadas obrigações aos seus distribuidores autorizados nos termos da relação contratual que os vincula e assim levar a cabo um certo controlo sobre os canais de distribuição dos seus produtos, não está em condições de exercer um controlo sobre a distribuição dos produtos que é efetuada através de plataformas terceiras. Nesta perspetiva, a obrigação controvertida pode parecer um meio adequado para atingir os objetivos prosseguidos pela Coty Germany.

114. É certo que não se pode negar que as plataformas em linha, como as que estão em causa no processo principal, estão em condições de conceber e de assegurar uma valorização da apresentação dos produtos em causa da mesma maneira que o fazem os distribuidores autorizados. Todavia, o cumprimento dos requisitos qualitativos que pode ser legitimamente imposto no âmbito de um sistema de distribuição seletiva só pode ser eficazmente assegurado se o ambiente de venda através da Internet for concebido pelos distribuidores autorizados, que estão contratualmente vinculados ao fornecedor/dono da rede de distribuição, e não por um operador terceiro cujas práticas escapam à influência desse fornecedor.

 Conclusão intercalar

115. Por conseguinte, a cláusula controvertida, desde que seja aplicada de forma não discriminatória e que seja objetivamente justificada pela natureza dos produtos contratuais — aspetos que não parecem ter sido minimamente postos em causa no presente caso, mas que deverão, em todo o caso, ser verificados pelo órgão jurisdicional de reenvio —, pode ser considerada conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

116. Ainda que se admita que no presente caso a cláusula controvertida é suscetível de ser abrangida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, por causa nomeadamente do incumprimento dos critérios Metro, é ainda preciso analisar se esta é portadora de um efeito restritivo da concorrência, havendo, em especial, que determinar se esta é constitutiva de uma restrição «por objetivo», na aceção desta disposição.

117. Quanto a este último ponto, e ao contrário da cláusula contratual posta em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649), a proibição controvertida no presente processo não me parece poder ser qualificada em caso nenhum de «restrição por objetivo», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, sendo precisado que este conceito deve ser interpretado de forma restritiva. Com efeito, é assente que o conceito de restrição da concorrência «por objetivo» só pode ser aplicado a certos tipos de colusões entre empresas que revelem um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência para que se possa considerar que a análise dos seus efeitos não é necessária (37).

118. Ora, contrariamente à proibição total imposta aos distribuidores autorizados de recorrerem à Internet para a distribuição dos produtos contratuais, a proibição de recorrer a plataformas terceiras não é portadora — pelo menos nesta fase da evolução do comércio eletrónico, que é suscetível de alterações a mais ou menos longo prazo — de tal grau de nocividade para a concorrência.

119. Além disso, e sempre no caso de se vir a concluir que a cláusula controvertida se enquadra efetivamente no artigo 101.o TFUE e que, por outro lado, é restritiva da concorrência, recordo que há ainda que analisar se esta é suscetível de beneficiar de uma isenção nos termos do n.o 3 deste artigo, nomeadamente de uma isenção por categoria ao abrigo do Regulamento n.o 330/2010, como nos é pedido pela terceira e quarta questões prejudiciais.

120. Com efeito, desde que, conforme resulta da decisão de reenvio, os limites de quota de mercado previstos no artigo 3.o do Regulamento n.o 330/2010 não sejam ultrapassados, se o juiz nacional vier a declarar que a cláusula controvertida não é conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, esta pode beneficiar de uma isenção nos termos do artigo 2.o do referido regulamento (v. considerando 8 do Regulamento n.o 330/2010). Todavia, tal eventualidade não é de modo nenhum possível se a proibição controvertida constituir uma restrição grave, na aceção do artigo 4.o deste mesmo regulamento.

121. Por conseguinte, se o juiz nacional chegar à conclusão de que a proibição de recorrer a plataformas terceiras não se encontra subtraída à aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e que, a priori, é restritiva da concorrência, a cláusula controvertida do sistema de distribuição seletiva pode ainda ser justificada através da aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, quer com base no regulamento de isenção por categoria eventualmente aplicável, quer no seguimento de uma análise casuística, que visa precisamente os casos de isenção previstos pelo Regulamento n.o 330/2010.

 Conclusão

122. Por conseguinte, propõe‑se que se responda à segunda questão prejudicial que, para determinar se uma cláusula contratual que proíbe os distribuidores autorizados de uma rede de distribuição de recorrerem de forma percetível a plataformas terceiras para as vendas em linha é ou não conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, compete ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se essa cláusula contratual é condicionada pela natureza do produto, se é fixada de forma uniforme e aplicada indiferentemente e se não excede o que é necessário.

 Quanto à terceira e quarta questões: aplicabilidade da isenção por categoria nos termos do artigo 4.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 330/2010

123. Com a sua terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga, em substância, o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se o artigo 4.o do Regulamento n.o 330/2010 deve ser interpretado no sentido de que a proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado retalhista, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras para as vendas através da Internet, constitui uma restrição dos clientes, na aceção do artigo 4.o, alínea b), do referido regulamento e/ou uma restrição das vendas passivas aos utilizadores finais, na aceção do artigo 4.o, alínea c), do mesmo regulamento.

124. Com efeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha feito referência, na redação das suas terceira e quarta questões prejudiciais, à problemática da identificação de restrições «por objetivo» dos clientes e das vendas passivas, as suas interrogações incidem na realidade, como é claramente referido na decisão de reenvio, sobre a questão de saber se, na hipótese de o sistema de distribuição em causa ser considerado restritivo da concorrência na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, pode no entanto ficar isento nos termos do Regulamento n.o 330/2010.

125. Por conseguinte, coloca‑se apenas a questão de saber se a cláusula controvertida pode ser analisada como uma restrição do território e/ou dos clientes ou ainda como uma restrição das vendas passivas na aceção do Regulamento n.o 330/2010.

 Considerações preliminares quanto ao âmbito e à ratio legis do Regulamento n.o 330/2010

126. Como refere o considerando 5 do Regulamento n.o 330/2010, o benefício da isenção por categoria estabelecido por este regulamento deve ser reservado aos acordos verticais «em relação aos quais se pode considerar com suficiente segurança que preenchem as condições estabelecidas no artigo 101.o, n.o 3, [TFUE]».

127. Para determinar se uma restrição é suscetível de beneficiar de uma isenção «por categoria», as empresas devem, antes de mais, proceder a uma primeira avaliação do acordo controvertido em função nomeadamente de determinadas presunções de incompatibilidade previstas no Regulamento n.o 330/2010.

128. O artigo 4.o do Regulamento n.o 330/2010 estabelece, assim, uma lista de restrições evidentes, qualificadas de «restrições graves», perante as quais o benefício da isenção por categoria deve ser excluído.

129. Como o Tribunal de Justiça declarou, quando uma empresa conserva a faculdade de, em todas as circunstâncias, invocar, a título individual, a aplicação da exceção legal do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, não se pode dar uma interpretação extensiva às disposições que qualificam os acordos ou as práticas na isenção por categoria. (38).

130. Por outro lado, à semelhança da abordagem defendida pela Comissão, importa, numa preocupação de previsibilidade e de segurança jurídica, que as exceções à isenção por categoria visadas nomeadamente no artigo 4.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 330/2010 sejam facilmente identificáveis e, por conseguinte, não sejam tributárias de uma análise aprofundada das condições de mercado e dos efeitos restritivos da concorrência observados num determinado mercado num momento preciso.

131. Com efeito, não se pode perder de vista que o objetivo prosseguido pelos regulamentos de isenção adotados ao abrigo do Regulamento n.o 19/65/CEE (39) reside nomeadamente na necessidade de permitir às empresas em causa autoavaliarem a conformidade dos seus comportamentos com as regras em matéria de concorrência.

132. A prossecução deste objetivo ficaria comprometida se, para qualificar as medidas adotadas pelas empresas de acordos verticais que têm «por objetivo» restringir determinados tipos de venda na aceção do artigo 4.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 330/2010, fosse exigido que essas empresas procedessem a uma análise sofisticada e aprofundada dos efeitos restritivos da concorrência das referidas medidas tendo em conta a situação do mercado e a posição das referidas empresas.

133. Como já referi anteriormente, é preciso distinguir efetivamente o exercício de identificação de uma «restrição da concorrência por objetivo», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, da categorização, para efeitos de aplicação de um regulamento de isenção por categoria, de determinados comportamentos de restrições graves — neste caso as referidas no artigo 4.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 330/2010.

134. Não deixa de ser verdade que, nos dois casos, se trata de identificar comportamentos que se presumem ser especialmente nocivos da concorrência por referência à apreciação do contexto económico e jurídico imediato em que se inserem as medidas das empresas.

135. A este respeito, importa recordar que a distinção entre «infrações por objetivo» e «infrações por efeito» resulta do facto de determinadas formas de conluio entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza e tendo em conta a experiência adquirida, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (40). Quanto à razão de ser do artigo 4.o do Regulamento n.o 330/2010, que identifica um determinado número de restrições graves, assenta na ideia, enunciada no considerando 10 deste regulamento, segundo o qual «os acordos verticais que contenham determinados tipos de restrições graves da concorrência, como preços de revenda mínimos e fixos, bem como certos tipos de proteção territorial, devem ser excluídos do benefício da isenção por categoria estabelecida pelo presente regulamento, independentemente da quota de mercado das empresas em causa».

136. Do mesmo modo, à semelhança da abordagem adotada na identificação de uma restrição pelo objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, também se afigura adequado, para determinar se uma cláusula contratual tem «por objetivo restringir» o território no qual, ou os clientes aos quais, o distribuidor pode vender [artigo 4.o, alínea b), do Regulamento n.o 330/2010], ou as vendas ativas ou passivas do distribuidor aos utilizadores finais [artigo 4.o, alínea c), deste regulamento], atender ao teor das disposições contratuais em causa e aos seus objetivos, analisados no seu contexto económico e jurídico imediato. Com efeito, recordo que o objetivo de facilitação do exercício de autoavaliação exigido às empresas em causa ficaria comprometido se, para identificar as restrições graves na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 330/2010, devessem proceder a um exame aprofundado, através nomeadamente de uma análise contrafactual, dos efeitos das medidas previstas para a estrutura e para as condições de funcionamento do ou dos mercados em causa.

137. Por outro lado, como a Comissão salientou, com razão, importa sublinhar que tanto o artigo 4.o, alínea b), do Regulamento n.o 330/2010 como o artigo 4.o, alínea c) deste regulamento devem, à semelhança das disposições do regulamento de isenção por categoria anteriormente aplicável, ser analisados no âmbito do objetivo mais global e fundamental que visa lutar contra fenómenos de compartimentação dos mercados.

138. Estas disposições devem assim ser entendidas no sentido de que se destinam a excluir do benefício da isenção por categoria determinadas cláusulas contratuais, que visam uma restrição relativamente ao território no qual, ou os clientes aosquais, o distribuidor pode vender. Em contrapartida, parece‑me que estas mesmas disposições não devem ser interpretadas no sentido de que excluem desse benefício restrições que determinam as modalidades de venda dos produtos (41). Do meu ponto de vista, importa recordar que o dono de uma rede de distribuição seletiva deve poder beneficiar de uma grande liberdade na definição das modalidades de distribuição desses produtos, que também constituem elementos de estímulo da inovação e da qualidade dos serviços prestados aos clientes suscetíveis de produzirem efeitos pró‑concorrenciais. Por conseguinte, como enuncia o n.o 54 das orientações, no âmbito do regulamento de isenção por categoria, o fornecedor pode assim exigir normas de qualidade para a utilização do sítio Internet para revender os seus produtos, da mesma forma que fazia para um estabelecimento tradicional.

139. É à luz destes esclarecimentos preliminares que analisarei sucessivamente a terceira e a quarta questões prejudiciais.

 Quanto à terceira questão: existência de uma restrição dos clientes do comerciante retalhista

140. Nos termos do artigo 4.o, alínea b), do Regulamento n.o 330/2010, a isenção por categoria prevista no artigo 2.o deste regulamento não é aplicável aos acordos […] «que, direta ou indiretamente, isoladamente ou em combinação com outros fatores que sejam controlados pelas partes, tenham por objeto […] [a] restrição do território no qual, ou dos clientes aos quais, o comprador parte no acordo, sem prejuízo de uma eventual restrição relativa ao seu local de estabelecimento, pode vender os bens ou serviços contratuais».

141. Como refere o n.o 50 das orientações, são visados por esta disposição as medidas de repartição de mercado ou de clientes que tendam a compartimentar os mercados.

142. No presente caso, nada na formulação da cláusula controvertida, que proíbe simplesmente os distribuidores autorizados de recorrerem de forma percetível a plataformas de terceiros, indica que esta deve ser assim qualificada.

143. Como mencionou o juiz de reenvio, não é possível a priori identificar um grupo de clientes ou um mercado específico ao qual correspondem os utilizadores das plataformas de terceiros.

144. Ora, na minha opinião, uma restrição de clientes ou de mercado só pode ser identificada se se verificar que o distribuidor autorizado se encontra, devido à proibição controvertida e não obstante a manutenção da possibilidade de aceder aos seus produtos através do seu próprio sítio Internet, exposto a uma perda de mercado ou de clientes.

145. Antes de mais, no que diz respeito ao conteúdo da cláusula, esta impõe que a atividade de venda através da Internet seja realizada por intermédio de uma montra eletrónica pertencente à loja fixa do comerciante retalhista ou de um sítio Internet terceiro desde que isso não seja percetível. Por conseguinte, esta cláusula não exclui todas as vendas em linha, mas apenas uma modalidade entre várias para chegar aos clientes através da Internet. O conteúdo da cláusula não produz, enquanto tal, um efeito de compartimentação do mercado.

146. Contrariamente à cláusula que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649), a cláusula controvertida autoriza a utilização da Internet como canal de distribuição desde que o comerciante retalhista exerça a sua atividade de venda em linha através de uma «montra eletrónica» da loja tradicional autorizada ou de forma não percetível através de um sítio Internet terceiro e respeite um conjunto de disposições para preservar o caráter luxuoso dos produtos.

147. Como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, de um ponto de vista factual, esta proibição não impede os distribuidores autorizados de colaborarem com terceiros para fins publicitários na Internet. Uma vez que esta proibição não impede esses distribuidores em linha de serem referenciados na Internet, os seus potenciais clientes estão sempre em condições de aceder, através da Internet, à oferta dos comerciantes retalhistas autorizados, utilizando por exemplo motores de busca.

148. Em seguida, no que diz respeito aoobjetivo declarado desta cláusula, este consiste na preservação do caráter luxuoso desses bens contratuais através da imposição de que a atividade de venda através da Internet seja realizada por intermédio de uma «montra eletrónica» da loja fixa do comerciante retalhista. Também neste caso, a proibição imposta aos distribuidores autorizados de se associarem a plataformas terceiras de forma percetível não tem, a priori, por objetivo compartimentar o mercado limitando o território no qual, ou os clientes aos quais, o ou os distribuidores autorizados podem vender.

149. Por último, no que se refere ao contexto económico e jurídico, resulta das informações submetidas ao Tribunal de Justiça, nomeadamente dos resultados do inquérito setorial sobre o comércio eletrónico, que, ao contrário das lojas virtuais dos próprios comerciantes retalhistas autorizados, o recurso aos mercados em linha ou às plataformas terceiras, embora extremamente variável de país para país e de um produto para outro, não é necessariamente um canal de distribuição importante. A proibição imposta aos comerciantes retalhistas de se associarem a essas plataformas não é equiparável a uma proibição total de venda em linha como a que estava em causa no processo Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique.

150. Por outro lado, nada permite concluir que neste caso a cláusula controvertida tem por efeito dividir os territórios ou limitar o acesso a determinados clientes. Neste contexto, não ficou estabelecido, nesta fase da «experiência adquirida», que os utilizadores das plataformas de terceiros em causa constituíam, de maneira geral e independentemente das especificidades próprias de um determinado mercado, clientes identificáveis, de tal forma que se pode concluir que a cláusula controvertida conduz a uma repartição dos clientes na aceção do artigo 4.o, alínea b), do Regulamento n.o 330/2010.

151. Atendendo a todas estas considerações, proponho que se responda à terceira questão que a proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado retalhista, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras para as vendas através da Internet não constitui uma restrição dos clientes do comerciante retalhista na aceção do artigo 4.o, alínea b), do Regulamento n.o 330/2010.

 Quanto à quarta questão: existência de uma restrição das vendas passivas aos utilizadores finais

152. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 330/2010 deve ser interpretado no sentido de que uma proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado como retalhistas, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras para as vendas através da Internet, constitui uma restrição das vendas passivas aos utilizadores finais.

153. Na continuação das considerações que expus mais acima, para determinar se a cláusula contratual controvertida pode ser analisada como uma cláusula que tem por objetivo restringir as vendas passivas aos utilizadores finais, importa verificar se essa cláusula pode ser considerada, tendo em conta o seu conteúdo, o seu objetivo e o contexto económico e jurídico em que se insere, como sendo intrinsecamente suscetível de prejudicar a realização das vendas passivas, a saber, as vendas subsequentes a pedidos espontâneos provenientes de clientes individuais.

154. Penso que nada no processo submetido ao Tribunal de Justiça permite deduzir que a referida cláusula deva ser analisada desta forma.

155. Como referi anteriormente, a cláusula contratual controvertida não proíbe todas as vendas em linha, contrariamente àquela que era visada no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649). Esta autoriza efetivamente esse canal de distribuição, desde que o distribuidor venda os produtos em causa através de uma montra eletrónica própria da empresa autorizada ou que o faça de forma não percetível num sítio Internet terceiro e que respeite determinadas disposições destinadas a preservar a imagem de marca do fabricante.

156. À luz destas considerações, sugiro que se responda à quarta questão prejudicial que a proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado como retalhistas, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras para as vendas através da Internet não constitui uma restrição das vendas passivas aos utilizadores finais na aceção do artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 330/2010.

 Conclusão

157. Atendendo aos desenvolvimentos que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main, Alemanha) do seguinte modo:

1)      Os sistemas de distribuição seletiva relativos à distribuição de produtos de luxo e de prestígio e que visam principalmente preservar a «imagem de luxo» dos referidos produtos constituem um elemento da concorrência conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, desde que os revendedores sejam escolhidos com base em critérios objetivos de natureza qualitativa que sejam fixados de maneira uniforme para todos e sejam aplicados de forma não discriminatória para todos os potenciais revendedores, que a natureza do produto em questão, incluindo da imagem de prestígio, exija uma distribuição seletiva para lhe preservar a qualidade e garantir o uso adequado e que os critérios estabelecidos não excedam o que é necessário.

2)      Para determinar se uma cláusula contratual que proíbe os distribuidores autorizados de uma rede de distribuição de recorrerem de forma percetível a plataformas terceiras para as vendas em linha é ou não conforme com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, compete ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se essa cláusula contratual é condicionada pela natureza do produto, se é fixada de forma uniforme e aplicada indiferentemente e se não excede o que é necessário.

3)      A proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado como retalhistas, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras para as vendas através da Internet não constitui uma restrição dos clientes do comerciante retalhista na aceção do artigo 4.o, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 330/2010, da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas.

4)      A proibição imposta aos membros de um sistema de distribuição seletiva, que operam no mercado retalhista, de recorrerem de forma percetível a empresas terceiras para as vendas através da Internet não constitui uma restrição das vendas passivas aos utilizadores finais na aceção do artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 330/2010.


1      Língua original: francês.


2      Entre as entidades mais conhecidas, refira‑se por exemplo a Amazon, a eBay ou ainda a PriceMinister. No seu Relatório final relativo ao inquérito setorial sobre o comércio eletrónico, publicado em 10 de maio de 2017 [COM(2017) 229 final], a Comissão Europeia salientou, todavia, que esse recurso aos mercados em linha/plataformas de terceiros desempenham um papel mais importante em alguns países, como a Alemanha (62% dos comerciantes retalhistas inquiridos usam mercados em linha), o Reino Unido (43%) e a Polónia (36%), em comparação com os outros países, tais como a Itália e a Áustria (13%) e a Bélgica (4%). O relatório também evidencia o facto de as plataformas serem um canal de venda de maior importância para os pequenos e médios comerciantes retalhistas, que para os grandes distribuidores.


3      Além das decisões na origem do presente reenvio prejudicial, refira‑se, por exemplo, as decisões adotadas anteriormente pelos órgãos jurisdicionais e pelas autoridades da concorrência alemãs [v., nomeadamente, Acórdãos de Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha) de 19 de setembro de 2013 no processo Scout (U 8/09 Kart.), e do Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main) de 22 de dezembro de 2015 no processo Deuter (U 84/14) e as decisões da Bundeskartellamt (Autoridade Federal da Concorrência, Alemanha) de 27 de junho de 2014 no processo Adidas (B3‑137/12) e de 26 de agosto de 2015, no processo ASICS (B2‑98/11)] e francesas [v., nomeadamente, decisão da autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência) n.o 14‑D‑07, de 23 de julho de 2014, relativa às praticas executadas no setor da distribuição dos produtos da linha castanha, em especial dos televisores e Acórdão do Tribunal de Recurso de Paris de 2 de fevereiro de 2016, Caudalie (n.o 15/01542)].


4      Segundo o relatório da Comissão acima referido, os sistemas de distribuição seletiva estão muito generalizados na União Europeia e são utilizados por numerosos fabricantes. Não se limitam a uma determinada categoria de produtos, mas são muito utilizados para a distribuição dos produtos de marca «de luxo», como o vestuário e o calçado e os produtos cosméticos. Neste contexto, verifica‑se que numerosos distribuidores invocam acordos com os fornecedores para limitar o acesso aos mercados em linha ou plataformas de terceiros.


5      Regulamento da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO 2010, L 102, p. 1).


6      Acórdão de 13 de outubro de 2011 (EU:C:2011:649).


7      JO 2010, C 130, p. 1, a seguir «orientações».


8      V. Acórdão de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão (26/76, EU:C:1977:167, n.o 21).


9      V., nomeadamente, Acórdãos de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, EU:C:1983:293, n.o 33), e de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649, n.o 40).


10      V., nomeadamente, artigo 1.o, alínea e), do Regulamento n.o 330/2010.


11      Acórdão de 13 de julho de 1966 (56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, p. 493).


12      V., nomeadamente, Acórdão de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, EU:C:1983:293). O n.o 38 deste acórdão especifica assim que «[t]al atitude do fabricante não constitui um comportamento unilateral da empresa que […] foge à proibição [dos cartéis]. Insere‑se […] nas relações contratuais que a empresa mantém com os revendedores».


13      Já se encontram referências a esta atitude relativamente flexível em relação a acordos de distribuição exclusiva no processo que deu origem ao Acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38).


14      V. Acórdão de 25 de outubro de 1977 (26/76, EU:C:1977:167, n.o 20).


15      Pode‑se sublinhar que os direitos escrito e jurisprudencial relativos aos acordos verticais foram objeto de uma verdadeira «frente doutrinal» (v., a este propósito, Petit, N., Droit européen de la concurrence, Montchrestien,2013).


16      De entre numerosos estudos, mencione‑se designadamente Tirole, J., The Theory of Industrial Organization, The MIT Press, Cambridge, 1988, nomeadamente p. 186. O autor conclui nomeadamente: «It seems important for economic theorists to develop a careful classification and operative criteria to determine in which environments certain vertical restraints are likely to lower social welfare.»


17      Com efeito, na sua decisão Leegin Creative Leather Products, Inc. v. PSKS, Inc. [551 US 877 (2007)], o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América abandonou a jurisprudência «Dr. Miles» que até então proibia per se determinadas restrições verticais, tendo passado a consagrar expressamente uma «regra de razão». Nos termos dessa decisão, «[t]he Court has abandoned the rule of per se illegality for other vertical restraints a manufacturer imposes on its distributors. Respected economic analysts, furthermore, conclude that vertical price restraints can have procompetitive effects. We now hold that Dr. Miles should be overruled and that vertical price restraints are to be judged by the rule of reason».


18      Acórdão de 25 de outubro de 1977 (26/76, EU:C:1977:167).


19      V., neste sentido, Waelbroeck, M., e Frignani, A., Le droit de la CE — Concurrence, Éditions de l’Université de Bruxelles, collection «Commentaire J. Mégret», Bruxelas, 1997, p. 171.


20      V., nomeadamente, Acórdãos de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão (26/76, EU:C:1977:167, n.o 20), e de 11 de dezembro de 1980, L’Oréal (31/80, EU:C:1980:289, n.os 15 e 16). V., também, Acórdão de 27 de fevereiro de 1992, Vichy/Comissão (T‑19/91, EU:T:1992:28, n.os 32 e segs.).


21      Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649, n.o 41 e jurisprudência referida).


22      V. nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 211); de 14 de junho de 2011, Pfleiderer (C‑360/09, EU:C:2011:389, n.o 21); e de 13 de dezembro de 2012, Expedia (C‑226/11, EU:C:2012:795, n.os 24 a 31).


23      V., nomeadamente, Acórdãos de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão (26/76, EU:C:1977:167, n.os 20 e 21); de 11 de dezembro de 1980, L’Oréal (31/80, EU:C:1980:289, n.os 15 e 16); de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, EU:C:1983:293, n.o 35); e de 22 de outubro de 1986, Metro/Comissão (75/84, EU:C:1986:399, n.os 37 e 40).


24      V., nomeadamente, Acórdãos de 12 de dezembro de 1996, Leclerc/Comissão (T‑19/92, EU:T:1996:190, n.os 111 a 120), e de 12 de dezembro de 1996, Leclerc/Comissão (T‑88/92, EU:T:1996:192, n.os 106 a 117).


25      V., nomeadamente, Acórdãos de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão (26/76, EU:C:1977:167, n.o 20), e de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, EU:C:1983:293, n.o 33).


26      V., nomeadamente, Acórdão de 11 de dezembro de 1980, L’Oréal (31/80, EU:C:1980:289).


27      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de dezembro de 1996, Leclerc/Comissão (T‑88/92, EU:T:1996:192, n.o 109).


28      V., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 23 de maio de 1978, Hoffmann‑La Roche (102/77, EU:C:1978:108, n.o 7); e de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.o 22 e jurisprudência referida).


29      V., muito especialmente, Acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 13).


30      V., nomeadamente, Acórdão de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.os 24 a 28).


31      V. Acórdão de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.o 29).


32      Remete‑se nomeadamente para os exemplos referidos na nota 3 das presentes conclusões.


33      A autoridade da concorrência francesa tinha nomeadamente salientado, no processo principal, que essa proibição de venda através da Internet equivalia a uma limitação da limitação da liberdade comercial dos distribuidores da Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique ao excluir um meio de comercialização dos seus produtos. Além disso, tal proibição restringe a escolha dos consumidores que pretendam comprar através da Internet e, por último, impede as vendas aos compradores finais que não estejam próximos da zona de venda «física» do distribuidor autorizado.


34      Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑439/09, EU:C:2011:649, n.os 41 e 43).


35      No processo principal, resulta do n.o 1.1 do contrato de distribuição seletiva celebrado entre a Coty Germany e a Parfümerie Akzente que a proibição de recorrer de forma percetível a plataformas de terceiros tinha precisamente por objetivo preservar o «caráter luxuoso» dos produtos contratuais.


36      V., nomeadamente, Acórdãos de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão (26/76, EU:C:1977:167); de 11 de dezembro de 1980, L’Oréal (31/80, EU:C:1980:289); de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, EU:C:1983:293); e de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260).


37      V., nomeadamente, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 58).


38      Acórdão de 13 de outubro de 2011, Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:649, n.o 57).


39      Regulamento n.o 19/65/CEE do Conselho, de 2 de março de 1965, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo 85.o do Tratado a certas categorias de acordos e práticas concertadas (JO 1965, 36, p. 533; EE 08 F1 p. 85).


40      V., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.os 49 a 52 e jurisprudência referida e n.o 57). O Tribunal de Justiça esclareceu nomeadamente que o critério jurídico essencial para determinar se uma coordenação entre empresas comporta uma restrição da concorrência «pelo objeto» reside na constatação de que essa coordenação apresenta, ela própria, um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência.


41      À semelhança da abordagem feita no âmbito da aplicação das regras em matéria de livre circulação de mercadorias, não está nomeadamente demonstrado que as medidas controvertidas afetam mais gravemente a comercialização dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros (v. Acórdãos de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, EU:C:2003:664, n.o 74, e de 2 de dezembro de 2010, Ker‑Optika, C‑108/09, EU:C:2010:725, n.o 54 e jurisprudência referida).