Language of document : ECLI:EU:T:2017:804

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

14 de novembro de 2017 (*)

«Cláusula compromissória — Convenção de subvenção celebrada no âmbito do Programa‑Quadro para a Competitividade e a Inovação (CIP) (2007‑2013) — Relatório de auditoria — Custos elegíveis — Reembolso dos montantes pagos — Proporcionalidade — Confiança legítima — Segurança jurídica — Princípio da boa administração — Dever de fundamentação — Adaptação dos pedidos na pendência da instância — Compensação de créditos — Pedido reconvencional — Juros de mora»

No processo T‑831/14,

Alfamicro – Sistemas de computadores, Sociedade Unipessoal, Lda, com sede em Cascais (Portugal), representada inicialmente por G. Gentil Anastácio, D. Pirra Xarepe e L. Rodrigues Carvalho, e em seguida por G. Gentil Anastácio e D. Pirra Xarepe, advogados,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Estrada de Solà e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes,

demandada,

que tem por objeto, por um lado, um pedido baseado no artigo 272.° TFUE e destinado, no essencial, a obter a declaração de inexistência do crédito que a Comissão alega deter sobre a demandante nos termos da convenção de subvenção n.° 238882, relativa ao financiamento pela União do projeto «Save Energy», celebrada no âmbito do Programa‑Quadro para a Competitividade e a Inovação (2007‑2013) instituído pela Decisão n.° 1639/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 2006 (JO 2006, L 310, p. 15), e, por outro lado, um pedido reconvencional que visa, no essencial, a condenação da demandante no reembolso da subvenção indevidamente paga no âmbito da convenção acima referida,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: M. Prek, presidente, E. Buttigieg (relator) e B. Berke, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        A demandante, Alfamicro – Sistemas de computadores, Sociedade Unipessoal, Lda, é uma sociedade unipessoal de direito português. Presta serviços no domínio da informática e das tecnologias da informação.

A.      Quanto à convenção de subvenção n.° 238882

2        Em 9 e 18 de junho de 2009, a Comissão das Comunidades Europeias e a demandante celebraram a convenção de subvenção n.° 238882, relativa ao financiamento pela União Europeia do projeto «Save Energy», no âmbito do programa de apoio estratégico em matéria de tecnologias da informação e da comunicação (TIC) que constitui um dos programas específicos com vista à realização dos objetivos do Programa‑Quadro para a Competitividade e a Inovação (2007‑2013), instituído pela Decisão n.° 1639/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 2006 (JO 2006, L 310, p. 15).

3        O projeto «Save Energy» visava permitir aos «cidadãos, aos consumidores e ao decisores políticos ganhar sensibilidade, compreensão e experiência a respeito das questões relacionadas com as alterações comportamentais e a eficiência energética a curto e a longo prazo» (a seguir «projeto»).

4        A demandante assinou a convenção de subvenção n.° 238882 (a seguir «convenção de subvenção») na qualidade de coordenadora do projeto, em nome próprio e enquanto representante de todos os outros beneficiários participantes no projeto, indicados no artigo 1.°, n.° 2, da convenção de subvenção.

5        A data de início do projeto era 1 de março de 2009 e o projeto devia ter uma duração de 30 meses. Através da alteração n.° 3, a duração do projeto foi alargada para 32 meses, devendo terminar em 31 de outubro de 2011.

6        O artigo 5.°, n.° 1, da convenção de subvenção fixou a contribuição financeira máxima da União em 2 230 000 euros e especificava que tal contribuição financeira seria limitada a 50% dos custos elegíveis.

7        O artigo 10.°, primeiro parágrafo, da convenção de subvenção estipulava que esta era regida pelas suas disposições, pelos atos relevantes da União relativos ao Programa‑Quadro para a Competitividade e a Inovação, pelo «Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias e as suas regras de aplicação», pelas outras disposições relevantes de direito da União em geral e, a título subsidiário, pelo direito belga.

8        O artigo 10.°, segundo parágrafo, da convenção de subvenção estipulava que «os beneficiários declara[vam] saber e aceita[vam] que a Comissão pode tomar decisões que impõem obrigações pecuniárias [e que constituem título executivo,] em conformidade com o artigo 256.° CE».

9        O artigo 10.°, terceiro parágrafo, da convenção de subvenção estipulava que, sem prejuízo do direito de a Comissão adotar diretamente as decisões referidas no seu artigo 10.°, segundo parágrafo, o Tribunal Geral ou, em caso de recurso, o Tribunal de Justiça da União Europeia terão competência exclusiva para conhecer dos litígios entre a União, por um lado, e os beneficiários, por outro, relativos à interpretação, à aplicação ou à validade da convenção de subvenção e à legalidade das decisões acima referidas.

10      O anexo II da convenção de subvenção, que dela era parte integrante, continha as condições gerais, sendo os seus artigos precedidos pelo número romano II.

11      O artigo II.28 das condições gerais, sob a epígrafe «Auditoria financeira», estipulava na sua parte relevante:

«1. A Comissão pode, durante todo o período de realização do projeto e durante cinco anos a contar da data do pagamento final, submeter um beneficiário a uma auditoria. O processo de auditoria relativo a um beneficiário considera‑se iniciado na data em que este receba a carta registada com aviso de receção pela qual a Comissão comunica a auditoria.

O processo de auditoria pode ser realizado por revisores de contas externos ou pelos serviços da Comissão, incluindo o O[rganismo Europeu de Luta Antifraude]. O processo de auditoria decorre numa base confidencial.

[…]

6. Sem prejuízo das regras que lhe são próprias, o Tribunal de Contas da União Europeia tem os mesmos direitos que a Comissão, nomeadamente o direito de acesso, para efeitos de controlos e de auditorias [...]»

B.      Quanto à execução da convenção de subvenção

12      No termo da execução do projeto, a demandante declarou, relativamente à sua participação, custos que ascendiam a 1 360 603 euros, que lhe davam direito a receber uma subvenção de 680 300 euros, a saber, 50% dos custos declarados, pagamento que foi feito pela Comissão através de um pré‑financiamento inicial e de um pagamento do saldo.

C.      Quanto à auditoria financeira e à sua execução

13      Por carta de 25 de outubro de 2012, o Tribunal de Contas da União Europeia informou a demandante de que, em conformidade com o artigo 287.° TFUE e como previsto no artigo II.28, n.° 6, das condições gerais, a mesma seria objeto de uma auditoria, nas suas instalações, de 17 a 19 de dezembro de 2012.

14      Os custos declarados pela demandante que foram objeto de auditoria respeitavam ao período entre 1 de março de 2010 e 31 de outubro de 2011.

15      A auditoria decorreu de 17 a 19 de dezembro nas instalações da demandante.

16      O Tribunal de Contas concluiu a auditoria em 11 de abril de 2013.

17      O projeto de relatório de auditoria foi enviado à demandante por carta de 29 de abril de 2013.

18      A demandante submeteu observações a respeito do projeto de relatório de auditoria por carta de 7 de junho de 2013.

19      O projeto de relatório de auditoria foi, em seguida, revisto pelos auditores, tendo em conta as observações da demandante.

20      Por carta de 25 de agosto de 2014, a Comissão comunicou à demandante o relatório final de auditoria e notificou‑a do encerramento definitivo da auditoria.

21      Os auditores rejeitaram, por considerarem desconformes com os enquadramentos contratual e regulamentar aplicáveis, os custos declarados no total de 934 262 euros, os quais eram constituídos por custos diretos no valor de 743 996 euros e por custos indiretos no valor de 190 266 euros. Os custos diretos não aceites correspondem a custos com pessoal no montante de 634 220 euros, a custos relativos aos serviços prestados por dois subcontratados da demandante no montante de 106 890 euros, e aos «outros custos diretos», relativos, sobretudo, a despesas com viagens e despesas na compra de produtos de consumo («consumíveis»), no montante de 2 886 euros.

22      Por carta de 8 de setembro de 2014 (carta de pré‑informação), a Comissão informou a demandante de que, com base nas conclusões da auditoria, iria proceder à recuperação de um montante de 467 131 euros e que seria emitida uma nota de débito nesse montante, caso a demandante não submetesse observações num prazo de 30 dias a contar da receção dessa carta. A Comissão informava igualmente a demandante de que, caso o montante acima referido não fosse pago no prazo estabelecido na nota de débito, seriam aplicáveis juros de mora à taxa indicada nessa nota. Por último, a Comissão informava a demandante de que tinha a possibilidade de recuperar o montante acima referido por compensação ou pela adoção de um ato que constitua título executivo.

23      Por carta de 8 de outubro de 2014, a demandante contestou o conteúdo da carta de 8 de setembro de 2014.

24      Por carta de 28 de outubro de 2014, a Comissão confirmou a sua posição expressa na carta de pré‑informação de 8 de setembro de 2014 e juntou a nota de débito n.° 3241413112 no montante de 467 131 euros, fixando como data‑limite de pagamento o dia 12 de dezembro de 2014.

D.      Quanto ao processo de recuperação

25      Por carta de 15 de abril de 2015, a saber, no decurso da fase escrita do processo no Tribunal Geral, a Comissão informou a demandante de que iria proceder, no prazo de duas semanas após o envio dessa carta, a duas compensações entre o seu crédito originado pela convenção de subvenção, a saber, 467 131 euros, e os montantes devidos à demandante na qualidade de beneficiária no âmbito de dois outros projetos financiados pela União que ascendiam, respetivamente, a 120 955 euros e a 37 572 euros. No seguimento destas duas compensações, o montante principal exigido à demandante a título da execução da convenção de subvenção ascenderia, portanto, a 308 604 euros.

26      Por carta de 24 de abril de 2015, a Comissão informou a demandante de que ira proceder, no prazo de duas semanas após o envio dessa carta, a uma terceira compensação entre o crédito detido sobre ela por força da convenção de subvenção e o montante de 38 168 euros devido à demandante relativamente a um outro projeto financiado pela União. Na sequência desta terceira compensação, o montante principal exigido pela Comissão à demandante a título da execução da convenção de subvenção passou de 308 604 euros para 270 436 euros.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

27      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de dezembro de 2014, a demandante intentou a presente ação.

28      Mediante proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, em 12 de setembro de 2016, colocou questões escritas às partes e pediu a junção de certos documentos. As partes deram cumprimento ao pedido do Tribunal Geral no prazo fixado.

29      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, nos termos do artigo 27.°, n.° 5, do Regulamento de Processo, o juiz‑relator foi afetado à Segunda Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

30      O Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu, nos termos do artigo 106.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, julgar a ação sem a fase oral do processo.

31      Na petição, a demandante conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar a invalidade da decisão da Comissão alegadamente contida na carta de 28 de outubro de 2014;

–        retirar todas as legais consequências que daí decorrem, nomeadamente determinando a anulação da nota de débito junta à carta de 28 de outubro de 2014, no montante de 467 131 euros, e a emissão de nota de crédito no mesmo valor a seu favor.

32      Na sua contestação, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        indeferir os pedidos da demandante;

–        declarar inelegíveis os custos no montante de 467 131 euros;

–        declarar que o montante de 467 131 euros lhe é contratualmente devido a partir da data de receção, pela demandante, da carta de 28 de outubro de 2014, à qual foi junta a nota de débito;

–        condenar, por consequência, a demandante no pagamento do montante de 467 131 euros, com juros de mora contratualmente devidos a partir do dia seguinte ao termo do prazo de pagamento, ou seja, a partir de 13 de dezembro de 2014;

–        condenar a demandante nas despesas.

33      Na réplica, a demandante apresentou ao Tribunal Geral um pedido de ampliação do pedido e concluiu pedindo que este se digne:

–        admitir a presente ampliação do pedido;

–        declarar inválidos os atos de compensação adotados pela Comissão no decurso do processo;

–        condenar a Comissão a proceder à respetiva anulação dos atos de compensação;

–        condenar a Comissão a proceder ao devido reembolso dos créditos detidos que foram objeto de compensação, no montante total de 196 695 euros, acrescido dos respetivos juros de mora legalmente devidos.

34      Na tréplica, a Comissão concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        indeferir liminarmente, por serem inadmissíveis, os pedidos de anulação da demandante, rejeitando‑os e absolvendo a demandada da instância;

–        não acolher os outros pedidos da demandante, quanto ao mérito, indeferindo‑os e absolvendo a demandada do pedido;

–        declarar inelegíveis os custos no montante de 467 131 euros;

–        declarar que o montante de 467 131 euros lhe é contratualmente devido a partir da receção, pela demandante, da carta de 28 de outubro de 2014, à qual foi junta a nota de débito;

–        condenar, por consequência, a demandante no pagamento do montante de 467 131 euros, com juros de mora contratualmente devidos a partir do dia seguinte ao termo do prazo de pagamento indicado na nota de débito, a saber, a partir de 13 de dezembro de 2014, subtraindo o montante já compensado de 196 685 euros, isto é, condenar a demandante no pagamento do montante de 277 849,93 euros acrescido de 26,88 euros de juros por cada dia após 20 de junho de 2015;

–        condenar a demandante na totalidade das despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto aos pedidos formulados na petição

1.      Quanto ao alcance dos pedidos formulados na petição

35      Cumpre recordar que, no âmbito dos pedidos formulados na petição, a demandante pediu ao Tribunal Geral que declarasse a «invalidade da [d]ecisão» da Comissão alegadamente contida na carta de 28 de outubro de 2014 e retirasse todas as legais consequências que daí decorrem, nomeadamente determinado a anulação da nota de débito junta a esta carta, no montante de 467 131 euros, e a emissão de uma nota de crédito no mesmo valor a seu favor.

36      A demandante sustentou que tanto a decisão constante da carta de 28 de outubro de 2014 como a nota de débito configuram atos administrativos tal como definidos no âmbito do artigo 299.° TFUE que poderiam ser anulados pelo Tribunal Geral no quadro da presente ação intentada com base no artigo 272.° TFUE.

37      A Comissão contrapôs que o pedido de anulação dos atos acima referidos deveria ser indeferido por inadmissível. Além do mais, indicou que, no seu entendimento, pela presente ação, a demandante pedia a declaração como elegíveis dos custos não aceites pela auditoria a fim de conservar as quantias já pagas pela Comissão ao abrigo da convenção de subvenção. Interpretada nesse sentido, a ação, fundada no artigo 272.° TFUE, seria inadmissível.

38      Segundo jurisprudência assente, é ao demandante que cabe escolher o fundamento jurídico da sua ação e não ao juiz da União escolher ele próprio a base jurídica mais apropriada (v. despacho de 6 de setembro de 2012, Technion e Technion Research & Development Foundation/Comissão, T‑657/11, não publicado, EU:T:2012:411, n.° 31 e jurisprudência referida).

39      No caso vertente, a ação interposta pela demandante é explicitamente fundada no artigo 272.° TFUE, que dispõe que o juiz da União é competente para decidir com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou de direito privado, celebrado pela União ou por sua conta.

40      No âmbito de uma ação intentada com fundamento no artigo 272.° TFUE a respeito de litígios de natureza contratual, não cabe ao juiz da União, agindo nesse caso como juiz do contrato, verificar a legalidade dos atos administrativos suscetíveis de ser objeto de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE e de os anular (v., neste sentido, acórdãos de 8 de outubro de 2008, Helkon Media/Comissão, T‑122/06, não publicado, EU:T:2008:418, n.os 44, 52 e 53, e de 8 de julho de 2009, Comissão/Atlantic Energy, T‑182/08, não publicado, EU:T:2009:255, n.° 70). Consequentemente, mesmo admitindo que a carta de 28 de outubro de 2014 e a nota de débito juntaa essa carta pudessem ser qualificadas de atos impugnáveis na aceção do artigo 263.° TFUE, os pedidos da demandante que consistem, no essencial, em pedir ao juiz do contrato, a saber, o Tribunal Geral, que examine a sua legalidade e os anule são inadmissíveis.

41      Mesmo na hipótese de a presente ação, não obstante ser explicitamente fundada no artigo 272.° TFUE, poder ser qualificada de recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE, os pedidos que visam, no essencial, a anulação da carta de 28 de outubro de 2014 e da nota de debito junta a essa carta seriam inadmissíveis, pois nem a carta acima referida nem a nota de débito constituem atos impugnáveis na aceção do artigo 263.° TFUE.

42      A este respeito, cabe ainda recordar que, segundo jurisprudência constante, podem ser objeto de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE todos os atos adotados pelas instituições, qualquer que seja a sua natureza ou forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos que podem afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v. acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.° 16 e jurisprudência referida).

43      Em contrapartida, a competência de interpretação e de aplicação das disposições do Tratado pelo juiz da União não se aplica quando a situação jurídica do recorrente se insere no âmbito das relações contratuais, cujo regime jurídico é regulado pela lei nacional escolhida pelas partes contratantes (acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.° 18).

44      Daqui decorre que, perante um contrato que vincula o recorrente a uma das instituições da União, os tribunais da União só podem apreciar um recurso com fundamento no artigo 263.° TFUE se o ato impugnado se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos fora da relação contratual que une as partes e que impliquem o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à instituição contratante na sua qualidade de autoridade administrativa (acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.° 20).

45      No caso vertente, impõe‑se concluir que a carta de 28 de outubro de 2014 e a nota de débito junta a essa carta se inseriam no âmbito da relação contratual entre a demandante e a Comissão e não envolveram o exercício de prerrogativas de poder público por parte desta.

46      No que se refere, desde logo, à carta de 28 de outubro de 2014, importa recordar que, através desta carta, a Comissão respondeu às observações da demandante, constantes da carta de 8 de outubro de 2014, que contestavam as conclusões dos auditores contidas no relatório final de auditoria. Acresce que, na carta de 28 de outubro de 2014, a Comissão confirmou a sua posição expressa na carta de pré‑informação de 8 de setembro de 2014 e juntou a nota de débito a indicar o montante do crédito contratual que considerava deter sobre a demandante com base na convenção de subvenção.

47      Além disso, importa salientar que a carta de 28 de outubro de 2014 em conjunto com a carta de 8 de setembro de 2014 davam seguimento à auditoria financeira realizada com base no artigo II.28 das condições gerais.A este respeito, há que recordar que, por força do artigo II.28, n.° 1, das condições gerais, a Comissão podia, durante todo o período de realização do projeto e até cinco anos após a data do pagamento final, submeter a demandante a uma auditoria. O artigo II.28, n.° 5, das condições gerais estipulava que, com base nas conclusões da auditoria, a Comissão devia tomar todas as medidas que considerasse necessárias, incluindo a adoção de uma ordem de recuperação dos pagamentos que efetuou. Acresce que o artigo II.30, n.° 1, das condições gerais previa a obrigação de o beneficiário em causa reembolsar à Comissão os montantes objeto de uma recuperação baseada nas estipulações da convenção de subvenção e que esse reembolso devia ser efetuado nas condições e no prazo estabelecidos pela Comissão.

48      Resulta dos desenvolvimentos precedentes que a carta de 28 de outubro de 2014 se inseria no âmbito das relações contratuais entre a demandante e a Comissão e não constituía uma decisão adotada com base no exercício de prerrogativas de poder público pela Comissão. Consequentemente, esta carta não é suscetível de ser objeto de um recurso de anulação com fundamento no artigo 263.° TFUE.

49      O mesmo se aplica no que respeita à nota de débito junta à carta de 28 de outubro de 2014. Com efeito, essa nota de débito inseria‑se no âmbito das relações contratuais entre a demandante e a Comissão, na medida em que tinha por objeto a recuperação de um crédito fundado nas cláusulas da convenção de subvenção. Essa nota de débito deve ser interpretada como uma interpelação para pagar que contém a indicação da data de vencimento, bem como as condições de pagamento, não podendo ser equiparada a um título executivo na aceção do artigo 299.° TFUE (v., neste sentido, acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.° 23).

50      Tendo em consideração as considerações precedentes, o teor dos fundamentos e argumentos invocados pela demandante, através dos quais esta contesta, no essencial, a existência do crédito que a Comissão alega deter sobre ela por força da convenção de subvenção (a seguir «crédito contratual controvertido»), e tendo igualmente em conta o princípio de que os pedidos devem ser interpretados de maneira útil, há que, na aceção da argumentação da Comissão, interpretar os pedidos da petição no sentido de que se destinam, na realidade, a que o Tribunal Geral declare a inexistência do crédito contratual controvertido (a seguir «ação declarativa constante da petição»).

51      Importa esclarecer que o Tribunal Geral é competente para apreciar a ação declarativa constante da petição, na medida em que, por um lado, a ação é baseada no artigo 272.° TFUE e, por outro, a cláusula compromissória inscrita no artigo 10.º, terceiro parágrafo, da convenção de subvenção está redigida de maneira ampla e não limita a competência do Tribunal Geral quanto à natureza da ação interposta. Portanto, à luz da sua redação, a referida cláusula compromissória é suscetível de fundamentar a competência do Tribunal Geral para conhecer da ação declarativa acima referida (v., neste sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Planet/Comissão, C‑564/13 P, EU:C:2015:124, n.os 23 a 26).

52      Por último, como a Comissão também salienta, há que esclarecer que, se o Tribunal Geral desse provimento a esta ação declarativa, a Comissão ficaria obrigada a proceder à anulação da nota de débito, de forma a dar plena execução ao acórdão do Tribunal Geral (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.° 114).

2.      Quanto à ação declarativa constante da petição

a)      Observações preliminares

53      Importa recordar que, no âmbito da sua ação declarativa, a demandante pede, no essencial, que o Tribunal Geral declare a inexistência do crédito contratual controvertido.

54      No que se refere ao direito à luz do qual a presente ação deve ser examinada, importa recordar que o Tribunal Geral, chamado a pronunciar‑se no quadro de uma cláusula compromissória nos termos do artigo 272.º TFUE, deve dirimir o litígio com base no direito substantivo aplicável ao contrato (v. acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Isotis/Comissão, T‑562/13, não publicado, EU:T:2016:63, n.° 51). No caso vertente, o direito substantivo aplicável à convenção de subvenção está definido no seu artigo 10.°, primeiro parágrafo, que estipula, no essencial, que a convenção de subvenção é regida, a título principal, pelas suas disposições e pelos atos pertinentes da União e, a título subsidiário, pelo direito belga.

55      Importa igualmente esclarecer que o Regulamento de Processo é aplicável ao litígio contratual do caso em apreço, em conformidade com o princípio de direito geralmente reconhecido segundo o qual qualquer órgão jurisdicional aplica as suas próprias regras de processo (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.° 88 e jurisprudência referida).

56      Em apoio da ação declarativa constante da petição, a demandante invocou quatro fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do princípio da proporcionalidade, à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e da boa administração, à violação da convenção de subvenção e à violação do dever de fundamentação.

57      Importa começar por examinar o fundamento relativo à violação da convenção de subvenção.

b)      Quanto ao fundamento relativo à violação da convenção de subvenção

58      Há que recordar que os auditores rejeitaram, como inelegíveis, nomeadamente, os custos com pessoal no montante de 634 220 euros. Esses custos dividiam‑se em custos no montante de 627 367 euros relativos ao trabalho prestado por doze consultores internos aos quais a demandante recorreu e em custos no montante de6 853 euros relativos ao trabalho prestado por dois trabalhadores da demandante. Esta contesta no Tribunal Geral a rejeição dos custos relativos ao trabalho dos consultores internos. Contesta igualmente a rejeição dos custos relativos aos serviços prestados pelos seus dois subcontratados no montante de 106 890 euros (v. n.° 21, supra). Em contrapartida, a demandante não contesta a rejeição pelos auditores dos «outros custos diretos» relativos principalmente a despesas de viagem e à aquisição de produtos consumíveis no montante de 2 886 euros, nem a rejeição dos custos relativos ao trabalho prestado pelos seus dois trabalhadores no montante de 6 853 euros.

1)      Quanto aos custos relativos ao trabalho prestado por consultores internos

59      Os auditores rejeitaram os custos com pessoal no montante de 627 367 euros relativos ao trabalho prestado por doze consultores internos aos quais a demandante recorreu para executar algumas tarefas do projeto. Os auditores concluíram que esses consultores internos não eram mencionados no registo do pessoal da demandante, mas que tinham celebrado contratos de trabalho com a sociedade O., uma sociedade relacionada com a demandante na medida em que era detida em 50% pelo proprietário da demandante e em 50% pela sua ex‑mulher e pelo filho de ambos.

60      Os auditores salientaram que não tinham podido determinar os custos reais relativos ao trabalho desses consultores internos, na medida em que a demandante não tinha fornecido os contratos celebrados entre esses consultores internos e a sociedade O. nem outros documentos que pudessem revelar a remuneração desses consultores internos pelo trabalho prestado. As declarações apresentadas por esses consultores internos em 21 de janeiro de 2013, a saber, um mês após a inspeção às instalações pelos auditores, a atestar que tinham sido remunerados pela sociedade O., sem, contudo, especificarem o montante dessa remuneração, não foram consideradas pelos auditores como suficientes para demonstrar a realidade dos custos declarados.

61      Resulta igualmente do relatório de auditoria que, durante a inspeção, a demandante entregou aos auditores registos dos tempos de trabalho relativos ao projeto e que os auditores os quiseram comparar com os registos dos tempos de trabalho relativos aos outros projetos financiados pela União nos quais a demandante tinha participado no período de 2009‑2011. Ora, estes últimos registos não estavam disponíveis durante a inspeção, o que, segundo os auditores, colocava em dúvida a fiabilidade dos registos dos tempos de trabalho já apresentados durante a inspeção no local.

62      Com base no conjunto destas considerações, os auditores concluíram pela inelegibilidade dos custos com pessoal, no montante de627 367 euros, relacionados com o trabalho prestado pelos consultores internos aos quais a demandante recorreu.

63      A demandante contesta a rejeição dos custos acima mencionados. Sustenta, nomeadamente, que demonstrou a realidade do trabalho prestado pelos consultores internos e, a título mais genérico, que os custos referentes a esse trabalho respeitavam as condições de elegibilidade impostas pelo artigo II.21 das condições gerais e pelo guia sobre questões financeiras relativas às convenções de subvenção no quadro do programa de apoio estratégico em matéria de TIC (Guide to Financial Issues relating to ICT PSP Grant Agreements, a seguir «guia TIC»).

64      A Comissão contesta as alegações da demandante.

65      O artigo II.20, n.° 1, das condições gerais, sob a epígrafe «Custos elegíveis — Princípios gerais», estipulava na sua parte relevante:

«São custos elegíveis os custos definidos nos artigos II.21 e II.22. Devem preencher os seguintes requisitos:

–        […];

–        serem necessários para a execução do projeto;

–        serem efetivamente incorridos pelo beneficiário;

–        serem identificáveis e verificáveis, inscritos na contabilidade do beneficiário e determinados em conformidade com as normas contabilísticas aplicáveis no país em que o beneficiário está estabelecido e com as práticas habituais de contabilidade dos custos do beneficiário. Os procedimentos internos de contabilidade e de auditoria do beneficiário devem permitir estabelecer uma relação direta entre os custos e receitas declaradas no âmbito do projeto e balanços financeiros e os documentos comprovativos correspondentes.

–        […];

–        serem razoáveis e justificados, e respeitarem os princípios de boa gestão financeira, nomeadamente em termos económicos e de eficiência [...]»

66      O artigo II.21 das condições gerais, sob a epígrafe «Custos diretos», estipulava na sua parte relevante:

«1. São custos diretos os custos elegíveis que podem ser atribuídos diretamente ao projeto e que são definidos enquanto tal pelo beneficiário, em conformidade com os seus princípios contabilísticos e com as suas regras internas habituais.

2. Pessoal

No que respeita aos custos com pessoal,

a)      apenas podem ser imputados à convenção de subvenção os custos das horas efetivamente trabalhadas no âmbito do projeto pelas pessoas que efetuaram diretamente os trabalhos.

Estas pessoas devem:

–        ser diretamente contratadas pelo beneficiário em conformidade com a sua legislação nacional,

–        trabalhar sob a supervisão técnica e a responsabilidade exclusiva do beneficiário, e

–        ser remuneradas em conformidade com as práticas habituais do beneficiário, desde que estas sejam consideradas aceitáveis pela Comissão.

b)      Os custos com pessoal compreendem os custos efetivos (remuneração bruta e custos associados) [...]

3. Subcontratação

Com exceção dos custos imputados à convenção de subvenção nos termos do n.° 1 deste artigo, os custos efetivos dos contratos de subcontratação podem ser imputados à convenção de subvenção caso sejam incorridos em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo II.6 [...]»

67      O artigo II.23 das condições gerais, sob a epígrafe «Justificação dos custos», estipulava:

«Os custos elegíveis serão reembolsados caso sejam justificados pelo beneficiário.

Para este efeito, o beneficiário deve manter, de forma regular e em conformidade com as convenções de contabilidade normais do Estado onde está estabelecido, a contabilidade do projeto e a documentação apropriada para demonstrar e justificar, em particular, os custos e o tempo reportados nos seus documentos financeiros. Essa contabilidade deve ser conservada durante, pelo menos, cinco anos a contar da data do pagamento final. O tempo de trabalho imputado à convenção deve ser registado ao longo de toda a duração do projeto, ou até 60 dias a contar do término da duração do projeto, e deve ser certificado pela pessoa encarregada dos trabalhos designada pelo beneficiário nos termos do artigo II.3, alínea b), ou pelo responsável financeiro do beneficiário devidamente autorizado para tal.

Esta documentação deve ser precisa, completa e eficaz.»

68      O guia TIC, na sua versão 1.0, de 4 de fevereiro de 2008, que era aplicável à data da celebração da convenção de subvenção e que foi remetido pela Comissão ao Tribunal Geral em resposta a uma medida de organização do processo, esclarece, na sua parte introdutória, que não é vinculativo e que visa unicamente interpretar os textos jurídicos relevantes e, nomeadamente, a convenção de subvenção, sem que os possa derrogar.

69      Na página 24, o guia TIC esclarece que os custos relativos ao trabalho dos consultores podem ser classificados de três maneiras possíveis, a saber, em primeiro lugar, podem ser considerados custos com pessoal, em segundo lugar, podem ser considerados custos de subcontratação e, em terceiro lugar, o consultor pode participar no projeto na qualidade de parte contratante. O guia TIC prevê explicitamente que, em todos estes casos, as condições de elegibilidade, estipuladas no artigo II.21 das condições gerais, devem ser respeitadas.

70      No caso vertente, conforme resulta do relatório de auditoria, a demandante alegou que os custos relativos ao trabalho dos consultores internos se incluíam na categoria «Custos com pessoal» e foram analisados como tal pelos auditores.

71      Daqui decorre que, nos termos do artigo II.20 das condições gerais, mas também dos artigos II.20 e II.23 das referidas condições gerais, a demandante, para efeitos da elegibilidade dos custos declarados relativos ao trabalho dos consultores internos, estava obrigada a demonstrar a realidade dos referidos custos, coisa que não contesta.

72      Ora, a demandante não submeteu, nem durante o procedimento pré‑contencioso nem ao Tribunal Geral, qualquer documento que demonstre a realidade dos custos declarados no que respeita o trabalho dos consultores internos.

73      Em primeiro lugar, cumpre salientar que, apesar do pedido dos auditores, a demandante não submeteu os contratos de trabalho celebrados entre esses consultores internos e a sociedade O., que os empregava.

74      Em segundo lugar, para demonstrar a realidade dos custos no que respeita ao trabalho dos consultores internos, a demandante referiu‑se aos documentos constantes dos anexos 14 e 15 da petição.

75      O anexo 14 da petição contém um quadro que indica as pessoas (consultores internos e trabalhadores) que trabalharam no projeto durante o período sujeito a auditoria, a sua tarifa por hora de trabalho, o custo total declarado em relação ao seu trabalho, bem como o número de meses trabalhados por estas pessoas para o projeto. Nesse quadro, figuram treze nomes. Ora, impõe‑se concluir que esse documento, produzido pela demandante, não demonstra a realidade do número de horas declaradas no que respeita ao trabalho dos consultores internos nem a realidade dos custos declarados relativamente a esse trabalho.

76      O anexo 15 da petição contém as declarações dos doze consultores internos, no âmbito das quais estes afirmam que foram remunerados pela sociedade O. por serviços de consultoria prestados nas instalações da demandante. Contudo, o montante da remuneração recebida não é esclarecido nessas declarações.

77      Em terceiro lugar, resulta do relatório de auditoria que a demandante submeteu aos auditores, durante a inspeção no local, os registos dos tempos de trabalho das pessoas que trabalharam no projeto em causa e que os auditores quiseram comparar esses registos com os registos dos tempos de trabalho relativos ao trabalho efetuado para os outros projetos financiados pela União durante o período de 2009‑2011 nos quais a demandante participara. Ora, a demandante não foi capaz de comunicar estes últimos registos aquando da inspeção no local e transmitiu‑os, por fim, com a sua carta de 7 de junho de 2013. Os auditores concluíram que esses registos não estavam datados e consideraram que era razoável assumir que tinham sido criados após a inspeção no local de dezembro de 2012. Esta suspeita tornava duvidosa não só a sua fiabilidade mas também a fiabilidade dos registos dos tempos de trabalho relativos ao projeto em causa apresentados aquando da inspeção no local.

78      Há que salientar que a demandante não submeteu, ao Tribunal Geral, os registos relativos ao projeto nem os registos relativos aos outros projetos financiados pela União no período de 2009‑2011, alegando, relativamente a estes últimos, que não eram relevantes. Os autos no Tribunal Geral contêm um quadro anexado à carta da demandante de 7 de junho de 2013, que identifica as pessoas que trabalharam em todos os projetos financiados pela União em que a demandante participava durante o período acima referido, incluindo o projeto, e as horas faturadas por mês em cada projeto. Esse quadro, comunicado aos auditores não aquando da inspeção no local de dezembro de 2012, mas com a carta de 7 de junho de 2013, atendendo à data da sua comunicação e à falta de detalhes relativos às atividades das pessoas envolvidas nos projetos acima referidos, não é suscetível de demonstrar a realidade das horas declaradas pela demandante relativamente ao projeto.

79      A título de conclusão relativamente aos registos dos tempos de trabalho, importa salientar que cabe à demandante, por força dos artigos II.20, II.21 e II.23 das condições gerais, demonstrar a realidade dos custos declarados relativamente ao trabalho dos consultores internos. Por outro lado, o artigo II.20 das condições gerais estipula que os procedimentos internos de contabilidade e de auditoria do beneficiário devem permitir que se estabeleça uma relação direta entre os custos e as receitas declarados no âmbito do projeto e os balanços financeiros e os documentos comprovativos correspondentes. Neste contexto, os registos dos tempos de trabalho podem ser utilizados para registar o tempo de trabalho do pessoal, sem que tal seja obrigatório, desde que a demandante disponha de um sistema de registo dos tempos de trabalho fiável e verificável.

80      Ora, resulta dos autos que os auditores, fundando‑se em elementos concretos, expressaram dúvidas no que respeita à fiabilidade dos registos dos tempos de trabalho comunicados pela demandante tanto aquando da inspeção no local como na carta de 7 de junho de 2013 e constataram a falta de qualquer outra prova da realidade das horas e dos custos declarados a respeito do trabalho dos consultores internos. Impõe‑se concluir que os elementos apresentados pela demandante ao Tribunal Geral não põem em causa as conclusões dos auditores e, a título mais genérico, não demonstram a existência de um sistema fiável e verificável de registo dos tempos de trabalho.

81      Em quarto lugar, a demandante sustenta que os excelentes resultados alcançados pelo projeto constituem uma prova da realidade do trabalho prestado pelos consultores internos. A demandante sublinha também a circunstância de esses resultados terem sido alcançados apesar de circunstâncias inesperadas como a partida de certos membros do consórcio de participantes no projeto.

82      Esta argumentação não pode ser aceite.

83      Com efeito, segundo um princípio fundamental que rege as contribuições financeiras da União, esta só pode subvencionar despesas efetivamente realizadas. Resulta deste princípio que não basta o beneficiário da ajuda demonstrar que foi realizado um projeto para justificar a atribuição de uma subvenção específica. Deve também fazer a prova de que efetuou as despesas declaradas de acordo com as condições fixadas para a concessão da contribuição em causa, só podendo ser consideradas elegíveis as despesas devidamente comprovadas. A obrigação de respeitar as condições financeiras fixadas constitui, assim, um dos compromissos essenciais e, por essa razão, condiciona a atribuição da contribuição financeira (v. acórdão de 24 de outubro de 2014, Technische Universität Dresden/Comissão, T‑29/11, EU:T:2014:912, n.° 71 e jurisprudência referida).

84      Este princípio reflete‑se nomeadamente no artigo II.23 das condições gerais, que estipula que os custos elegíveis são reembolsados caso sejam justificados pelo beneficiário.

85      Daqui decorre que a execução do projeto e mesmo os bons resultados obtidos não podem ser suficientes para demonstrar a realidade dos custos declarados e justificar, afinal, o pagamento da subvenção à demandante.

86      Em quinto lugar, a demandante sustenta que a elegibilidade dos custos declarados em relação ao trabalho dos consultores internos tinha sido confirmada pelo relatório independente sobre as conclusões de facto relativas aos custos declarados no quadro de uma convenção de subvenção financiada pelo programa de apoio estratégico em matéria de TIC («Independent Report of Factual Findings on Costs Claimed Under a Grant Agreement Financed Under ICT PSP Programme»), elaborado, em 25 de janeiro de 2012, por um auditor externo.

87      Conforme resulta do relatório independente acima mencionado, este foi elaborado e submetido à Comissão em cumprimento do artigo II.4, n.° 7, das condições gerais, que estipula, no essencial, que os resultados financeiros («financial statements») submetidos pelo beneficiário à Comissão para efeitos da atribuição, por esta, do pagamento intermédio e do pagamento final devem ser certificados por um auditor externo caso o montante em causa seja igual ou superior a 325 000 euros.

88      Contudo, o artigo II.4, n.° 7, in fine, das condições gerais estipula igualmente que as certificações elaboradas pelos auditores externos não afetam nem as obrigações dos beneficiários por força da convenção de subvenção nem os direitos da Comissão decorrentes desta convenção, em particular, do artigo II.28 das condições gerais, relativo aos auditores financeiros. Por outro lado, o relatório independente indica que só pode ser invocado pelo beneficiário, a saber, a demandante, e pela Comissão, em relação às exigências impostas pelo artigo II.4, n.° 7, das condições gerais.

89      Daqui decorre que a demandante não se pode basear neste relatório independente para demonstrar a elegibilidade dos custos referentes ao trabalho dos consultores internos.

90      Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar improcedentes as alegações da demandante a respeito das conclusões dos auditores relativas à elegibilidade dos custos relacionados com o trabalho dos consultores internos.

2)      Quanto aos custos relativos ao trabalho dos subcontratados

91      Os auditores rejeitaram, enquanto inelegíveis, os custos relacionados aos serviços prestados por dois subcontratados da demandante, as sociedades O. e D., que ascendem ao montante total de 106 890 euros.

92      O serviço subcontratado à sociedade O. consistia na produção de vídeos relativos ao projeto e os custos declarados à Comissão em relação a esse serviço, durante o período objeto da auditoria, ascenderam a um montante total de 86 890 euros. O serviço subcontratado à sociedade D. consistia na produção de um portal eletrónico («online portal») e os custos declarados à Comissão relativos a esse serviço, durante o mesmo período, ascenderam a um montante total de 20 000 euros.

93      Os auditores concluíram que a sociedade O. estava ligada à demandante e com ela formava uma única entidade económica, na medida em que o proprietário da demandante detinha metade das ações da sociedade O. e a sua ex‑mulher e o filho de ambos detinham a outra metade. Os auditores salientaram ainda que a sociedade O. não aparentava dispor da competência técnica ou dos recursos necessários para prestar o serviço subcontratado.

94      No que se refere à sociedade D., os auditores concluíram que esta apresentava igualmente uma relação com ademandante na medida em que os representantes dessa sociedade, a saber, os acionistas e os gestores («managers»), figuravam no organigrama da demandante. Os auditores salientaram ainda que os custos do trabalho dessas pessoas tinham sido declarados pela demandante no quadro do projeto como «Custos com pessoal».

95      Tendo em conta estas constatações, os auditores concluíram que os contratos de subcontratação celebrados entre a demandante e as sociedades O. e D. não respeitavam os princípios da «melhor relação qualidade/preço», da transparência e da igualdade de tratamento estipulados no artigo II.6 das condições gerais e que, consequentemente, os custos referentes a esses contratos, que ascendiam a 106 890 euros, eram inelegíveis.

96      A demandante contesta a rejeição desses custos. Sustenta que os contratos de subcontratação respeitavam o artigo II.6 das condições gerais. Em apoio desta alegação, a demandante sustenta que, em 2013, comunicou à Comissão as propostas apresentadas pelos concorrentes das sociedades O. e D. que demonstravam que os custos dos serviços prestados por essas duas sociedades estavam em conformidade com os preços de mercado.

97      A Comissão contesta as alegações da demandante.

98      O artigo II.3, alínea g), das condições gerais estipula que cada beneficiário deve tomar todas as medidas necessárias para prevenir qualquer risco de conflito de interesses que possa afetar a execução imparcial e objetiva da convenção de subvenção. Esta estipulação estabelece ainda que tal conflito de interesses pode resultar, nomeadamente, de interesses económicos, de afinidades políticas ou nacionais, de laços familiares ou afetivos ou de qualquer outro interesse partilhado.

99      O artigo II.6, n.° 1, das condições gerais, sob a epígrafe «Subcontratação», estipula:

«Um subcontratado é um terceiro que celebrou um acordo a respeito das condições de atividade com um ou mais beneficiários, de forma a executar parte do trabalho do projeto sem a supervisão direta do beneficiário e sem uma relação de subordinação.

Os beneficiários devem assegurar que estão em condições de executar o trabalho como descrito no anexo I. Contudo, quando for necessário subcontratar certos elementos do trabalho, as seguintes condições deverão estar preenchidas:

–        o recurso à subcontratação deve ser devidamente justificada no anexo I, tendo em conta a natureza do projeto e o que é necessário para a sua execução;

–        as tarefas em causa e uma estimativa dos custos correspondentes devem ser indicadas no anexo I.

Qualquer subcontratação cujos custos devam ser imputados enquanto custos elegíveis deve ser atribuída segundo os princípios da proposta mais vantajosa (melhor relação qualidade/preço), da transparência e da igualdade de tratamento. Os beneficiários envidam esforços para evitar qualquer conflito de interesses na adjudicação de subcontratações. Os custos da subcontratação devem estar em conformidade com os preços de mercado. Os contratos de subcontratação adjudicados com base em contratos‑quadro celebrados entre um beneficiário e um subcontratado antes do inicio do projeto, em conformidade com os princípios de gestão habituais do beneficiário, também podem ser aceites.»

100    Cabe igualmente recordar que o artigo II.21, n.° 3, das condições gerais estipula que os custos efetivos dos contratos de subcontratação podem ser imputados à convenção de subvenção desde que sejam incorridos em conformidade com requisitos estabelecidos no artigo II.6 das condições gerais.

101    Na página 15, e sob o título «Como proceder à subcontratação», o guia TIC (versão 1.0, de 4 de fevereiro de 2008) esclarece que os beneficiários devem assegurar a utilização de um procedimento transparente para a escolha do subcontratante. Segundo o guia TIC, qualquer subcontratação, relativamente à qual seja apresentado um pedido para que os respetivos custos sejam custos elegíveis, deve ser adjudicada à proposta mais vantajosa (em termos de melhor relação qualidade/preço), em condições de transparência e de igualdade de tratamento.

102    O guia TIC esclarece, na página 15, que, na hipótese de o beneficiário da subvenção em causa ser uma entidade privada, e para efeitos da adjudicação de uma subcontratação, não é necessária a publicação de um anúncio de concurso. Contudo, o beneficiário deve solicitar a apresentação de várias propostas, no mínimo três, salvo se dispuser de um contrato‑quadro pré‑estabelecido para a prestação dos serviços em causa. Segundo o guia TIC, deve existir uma «relação proporcional» entre, por um lado, a envergadura e o custo do trabalho subcontratado e, por outro, o grau de publicidade e de formalismo do procedimento de seleção dos subcontratados.

103    O guia TIC esclarece que o procedimento de seleção dos subcontratados deve decorrer em condições de transparência e de igualdade de tratamento. A pedido da Comissão e, nomeadamente, na hipótese de uma auditoria, os beneficiários devem poder demonstrar que respeitaram estas condições. Devem poder provar que:

–        os critérios e as condições de apresentação e de seleção das propostas são claros e idênticos para todas as entidades que apresentam propostas;

–        não existe qualquer conflito de interesses na seleção das propostas;

–        a seleção deve ser baseada na proposta mais vantajosa tendo em conta a qualidade do serviço proposto (melhor relação qualidade/preço), não é necessário selecionar a proposta mais barata, embora o preço constitua um fator importante a ter em conta;

–        de forma a fornecer uma boa análise da relação qualidade/preço, os critérios que definem «qualidade» devem ser claros e coerentes com o objetivo da tarefa subcontratada.

104    Há que recordar que o guia TIC não tem valor vinculativo (v. n.° 68, supra). Contudo, esse guia deve ser tido em conta pelo Tribunal Geral para efeitos da interpretação da convenção de subvenção. Com efeito, esse guia insere‑se no contexto em que a convenção de subvenção foi celebrada, tanto de um ponto de vista temporal, na medida em que já existia antes da celebração desta, como de um ponto de vista material, na medida em que se destinava a auxiliar os participantes no programa de apoio estratégico em matéria de TIC a compreenderem e a interpretarem as estipulações financeiras da convenção de subvenção celebrada com a Comissão e a oferecer‑lhes conselhos práticos.

105    O artigo 109.°, n.° 2, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.° 1995/2006 do Conselho, de 13 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 390, p. 1), que era aplicável à data da celebração da convenção de subvenção, prevê que as subvenções não podem ter por objeto ou por efeito a produção de um lucro a favor do beneficiário.

106    É à luz destes elementos que devem ser examinados os argumentos da demandante.

i)      Quanto aos custos relativos aos serviços prestados pela sociedade O.

107    Em primeiro lugar, como a demandante assinalou na sua carta de 7 de junho de 2013, à época dos factos, esta era 100% detida por X, ao passo que a sociedade O. era 50% detida por X e 50% pela demandante. Por conseguinte, cabe salientar que, como a própria demandante sublinhou, esta e a sociedade O. tinham o mesmo proprietário e formavam uma única entidade económica.

108    Em segundo lugar, como a Comissão corretamente sublinha, sem que seja contestado, das contas da sociedade O. relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012, a saber, no essencial, durante os anos de execução do projeto, não constam os custos com pessoal. Nesse contexto, a Comissão alegou ainda, sem que seja contestado, que a sociedade O. não dispunha de um sítio de Internet operacional e partilhava os mesmo escritórios que a demandante.

109    Em terceiro lugar, cumpre salientar que X declarou ser um consultor interno que tinha recebido uma remuneração da sociedade O. por serviços prestados à demandante no quadro do projeto em causa, pese embora ser o gerente e coproprietário da demandante.

110    Em quarto lugar, os auditores concluíram que a sociedade O. não parecia possuir a capacidade técnica nem os recursos necessários para prestar o serviço subcontratado, a saber, a produção de um vídeo. Os auditores concluíram ainda que as receitas da demandante provinham essencialmente das contribuições da União e da faturação dos serviços de consultoria à sociedade O., ao passo que esta sociedade faturava serviços de consultoria à demandante. Segundo os auditores, não parecia existir uma razão económica que justificasse que as duas sociedades faturassem, uma à outra, serviços de consultoria semelhantes.

111    Em quinto lugar, não resulta dos autos que a demandante tenha solicitado outras propostas antes de ter adjudicado o contrato de subcontratação à sociedade O.

112    Tendo em conta os elementos precedentes, há que concluir que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. constitui uma violação do artigo II.6 das condições gerais, na medida em que essa adjudicação não foi efetuada em condições de transparência e de igualdade de tratamento. Tais condições não foram respeitadas tendo em conta as relações existentes entre a demandante e a sociedade O., conforme expostas nos n.os 107, 109 e 110, supra, e tendo em conta o facto de a sociedade O. ser aparentemente uma «empresa de fachada», como decorre do n.° 108, supra, e de, para efeitos da adjudicação do contrato de subcontratação acima referido, a proposta apresentada pela sociedade O. não ter sido colocada em concorrência com outras propostas, conforme exigido pelo artigo II.6 das condições gerais, interpretado à luz do guia TIC.

113    Cabe igualmente concluir que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. infringiu o artigo II.6 das condições gerais, na medida em que a demandante não demonstrou que essa adjudicação tinha sido efetuada no respeito do princípio da proposta mais vantajosa.

114    A este propósito, cumpre recordar que a demandante não solicitou a apresentação de outras propostas antes da adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. Ora, a colocação em concorrência da proposta dessa sociedade com outras propostas constituiria um meio de demonstrar que a sua proposta era a mais vantajosa.

115    A fim de demonstrar que o preço faturado pela sociedade O. para a produção dos vídeos estava em conformidade com o preço de mercado, a demandante invocou duas propostas, juntas à carta de 7 de junho de 2013, apresentadas por sociedades concorrentes da sociedade O., datadas de 29 e 30 de maio de 2013, respetivamente. A primeira proposta apresentava um preço de 65 000 euros e a segunda apresentava um preço de 83 667 euros. A demandante sustentou que estas propostas demonstrariam a conformidade dos serviços prestados pela sociedade O. com os preços de mercado.

116    Esta argumentação não pode ser aceite. Com efeito, independentemente do facto de essas propostas deverem ter sido solicitadas pela demandante antes da adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. e não em 2013, a saber, posteriormente à execução do projeto, há que salientar que essas propostas não demonstram, de forma alguma, que o contrato de subcontratação adjudicado à sociedade O. respeitou o princípio da adjudicação do contrato à proposta mais vantajosa. Com efeito, a apresentação dessas propostas não permite determinar que a proposta apresentada pela sociedade O. e os serviços que esta, afinal, prestou eram os mais vantajosos em termos da relação qualidade/preço (e não apenas em termos de preço) e a demandante não apresentou qualquer explicação a este respeito. Por outro lado, essas propostas, apresentadas em 2013, não demonstram que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. respeitou os princípios da transparência e da igualdade de tratamento.

117    Cumpre ainda salientar que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. infringiu o artigo II.3, alínea g), e o artigo II.6 das condições gerais, lidos conjugadamente, na medida em que esta adjudicação criou uma situação de conflito de interesses pelo facto de o proprietário das duas sociedades ser a mesma pessoa.

118    A demandante alega que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade O. se tornou necessária devido a uma alteração da repartição de tarefas entre os membros do consórcio. Contudo, a demandante não explica o impacto dessa circunstância na sua obrigação de, ao adjudicar o contrato de subcontratação, respeitar as condições impostas pelo artigo II.6 das condições gerais. Esta argumentação deve, pois, ser rejeitada.

119    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar improcedentes as alegações da demandante a respeito da rejeição, pelos auditores, dos custos relativos aos serviços prestados pela sociedade O.

ii)    Quanto aos custos relativos aos serviços prestados pela sociedade D.

120    Decorre dos autos que a demandante celebrou, em 21 de dezembro de 2009, um contrato de subcontratação, na aceção do artigo II.6 das condições gerais, com a sociedade D., para a produção de um portal eletrónico relativo ao projeto. Decorre do contrato que a remuneração da sociedade D. seria de 30 000 euros. Durante o período objeto de auditoria, os custos declarados pela demandante no que respeita ao referido contrato ascenderiam a 20 000 euros, sendo a elegibilidade desses custos que constitui o objeto do litígio.

121    Decorre dos autos que a demandante, para efeitos da atribuição desse contrato de subcontratação, não solicitou outras propostas para as comparar com a proposta apresentada pela sociedade D., como era exigido pelo artigo II.6 das condições gerais, interpretado à luz do guia TIC. A demandante sustentou que esta sociedade tinha sido selecionada porque não existia outra sociedade que prestasse os mesmos serviços que os prestados pela sociedade D. e que dispusesse, simultaneamente, da mesma presença global que a sociedade D., mantendo simultaneamente laços com Portugal. Ora, esta alegação da demandante não é corroborada por elementos probatórios.

122    Por outro lado, decorre dos autos que os sócios‑gerentes da sociedade D. que celebraram, por conta desta, o contrato de subcontratação com a Comissãotinham estado igualmente empregados na sociedade O. na qualidade de consultores internos para prestar serviços no âmbito do projeto e que os custos relativos a esses serviços tinham sido declarados como «Custos com pessoal».

123    Resulta dos elementos precedentes que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade D. não respeitou as condições impostas pelo artigo II.6 das condições gerais, na medida em que não foi efetuada em conformidade com os princípios da proposta mais vantajosa, da transparência e da igualdade de tratamento.

124    Com efeito, por um lado, decorre da conclusão efetuada no n.° 122, supra, que existem relações entre a sociedade D. e a sociedade O. e, portanto, entre a sociedade D. e a demandante, na medida em que a demandante e a sociedade O. têm o mesmo proprietário. Esta circunstância revela falta de transparência, a existência de um risco de conflito de interesses na aceção do artigo II.3, alínea g), das condições gerais, lido em conjugação com o artigo II.6 das referidas condições, e um risco de produzir um lucro a favor da demandante, em violação do artigo 109.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1605/2002.

125    Por outro lado, antes da celebração do contrato de subcontratação com a sociedade D., a demandante não solicitou nenhuma outra proposta para demonstrar que a proposta apresentada por aquela sociedade era a mais vantajosa em termos de relação qualidade/preço.

126    Para demonstrar que os preços dos serviços prestados pela sociedade D. estavam em conformidade com os preços de mercado, a demandante anexou à carta de 7 de junho de 2013 uma proposta apresentada em 6 de junho de 2013, relativa aos mesmos serviços que tinham sido prestados pela sociedade D., a saber, a elaboração de um portal eletrónico, no montante de 26 070 euros. Segundo a demandante, essa proposta demonstrava que o preço dos serviços prestados pela sociedade D. estava em conformidade com os preços de mercado.

127    Ora, à semelhança das considerações constantes do n.° 116, supra, cumpre concluir que essa proposta apresentada em 2013 não demonstra que a adjudicação do contrato de subcontratação à sociedade D. tenha respeitado as condições impostas pelo artigo II.6 das condições gerais.

128    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar improcedentes as alegações da demandante acerca da rejeição, pelos auditores, enquanto inelegíveis, dos custos relativos ao contrato de subcontratação celebrado entre a demandante e a sociedade D.

129    Daqui resulta que o presente fundamento deve ser julgado totalmente improcedente.

c)      Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade

130    A demandante sustenta que, tendo em conta um certo número de fatores, o pedido da Comissão relativo ao reembolso do montante de 467 131 euros infringe o princípio da proporcionalidade.

131    Em primeiro lugar, esse pedido é desproporcionado tendo em conta a carga de trabalho que a sua qualidade de coordenadora do projeto implicou, a qualidade do trabalho por ela prestado e o sucesso do projeto.

132    Em segundo lugar, importa ter em conta o facto de a demandante ter assegurado a execução do projeto, apesar das dificuldades adicionais causadas pela exclusão de três membros do consórcio. Para efeitos dessa execução, a demandante teve de assumir tarefas que competiam aos membros do consórcio excluídos.

133    Em terceiro lugar, o reembolso do montante de 467 131 euros implica que o financiamento pela Comissão represente apenas uma percentagem de 6,76% dos custos declarados, o que significa que a Comissão beneficia do projeto gratuitamente.

134    Em quarto lugar, a Comissão apenas atendeu a aspetos formais e de natureza puramente contabilística e documental, desconsiderando o mérito dos resultados obtidos e a óbvia necessidade de investir fundos para tal efeito.

135    A demandante conclui que a devolução do montante acima mencionado determinaria a sua extinção e consequentemente a impossibilidade de levar a cabo as suas obrigações no âmbito de outros projetos da União em que está envolvida.

136    A Comissão contesta a argumentação da demandante. Sustenta, nomeadamente, que, em conformidade com o princípio segundo o qual só podem ser feitas as despesas públicas previstas na lei e nos precisos termos em que a lei as prevê, a questão pertinente no caso vertente é saber se os requisitos de que depende o pagamento de despesas públicas estão preenchidos e não se a demandante realizou ou não o projeto. Daí decorre, segundo a Comissão, que, neste contexto, invocar o princípio da proporcionalidade não tem pertinência. Nesse mesmo contexto, a Comissão recorda ainda que, no que respeita aos custos relativos ao trabalho dos consultores internos e aos custos relativos aos serviços prestados pelos dois subcontratados, a demandante não respeitou as condições de elegibilidade impostas pela convenção de subvenção.

137    Importa recordar que o princípio da proporcionalidade constitui um princípio geral de direito da União que está consagrado no artigo 5.°, n.° 4, TUE. Este princípio exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do adequado e necessário para alcançar o objetivo pretendido (v. acórdão de 18 de novembro de 2015, Synergy Hellas/Comissão, T‑106/13, EU:T:2015:860, n.° 88 e jurisprudência referida).

138    Segundo a jurisprudência, este princípio rege todos os modos de ação da União, contratuais ou não (acórdão de 25 de maio de 2004, Distilleria Palma/Comissão, T‑154/01, EU:T:2004:154, n.° 44). Com efeito, no contexto do cumprimento de obrigações contratuais, a observância desse princípio integra‑se na obrigação mais geral das partes num contrato de o cumprir de boa‑fé (acórdão de 18 de novembro de 2015, Synergy Hellas/Comissão, T‑106/13, EU:T:2015:860, n.° 89). Por força do direito belga, aplicável a título subsidiário à convenção de subvenção (v. n.° 7, supra), a obrigação de cumprir de boa‑fé os contratos, prevista no artigo 1134.° do Código Civil belga, impede uma parte de exercer um direito de forma que manifestamente exceda os limites do normal exercício desse direito por uma pessoa prudente e diligente (Cass 16 de novembro de 2007 AR nr. C.06.0349.F.1).

139    No caso vertente, cumpre recordar, desde logo, que se concluiu que a Comissão agiu corretamente ao considerar, com base nos resultados da auditoria, que os custos com pessoal relativos ao trabalho dos consultores internos e os custos relativos aos contratos de subcontratação com as sociedades O. e D. constituíam custos inelegíveis na medida em que tinham sido incorridos em violação de certas cláusulas da convenção de subvenção.

140    Em seguida, há que salientar que o artigo II.28, n.° 5, das condições gerais estipula que a Comissão deve, com base nas conclusões da auditoria, tomar todas as medidas que considere necessárias, incluindo a adoção de uma ordem de recuperação da totalidade ou de parte do financiamento.

141    Por outro lado, o artigo 81.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1605/2002 prevê, nomeadamente, que o pagamento de despesas deve apoiar‑se na prova de que a ação correspondente está em conformidade com as disposições do ato de base ou do contrato.

142    Decorre das considerações precedentes que a Comissão se encontrava na obrigação de pedir à demandante, com base nos resultados da auditoria, o reembolso do financiamento dos custos considerados inelegíveis. Daqui resulta que, ao proceder dessa forma, a Comissão não infringiu o princípio da proporcionalidade nem a sua obrigação, mais geral, de cumprir de boa‑fé as suas obrigações contratuais.

143    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação da demandante, exposta nos n.os 131 a 134, supra, respeitante, no essencial, à qualidade do trabalho que efetuou, às dificuldades que enfrentou enquanto coordenadora do consórcio, ao facto do projeto ter sido plenamente executado e à circunstância de a recuperação do montante de 467 131 euros conduzir a que a Comissão beneficie do projeto quase gratuitamente.

144    Esta argumentação deve ser rejeitada, pois é fundada numa compreensão errónea da natureza de uma convenção de subvenção financiada pela União, como a que está em causa no caso em apreço.

145    Com efeito, no âmbito de tal convenção de subvenção, o financiamento da União não constitui uma remuneração do trabalho efetuado pelo contratante, mas uma subvenção dos projetos por este realizados, cujo pagamento está sujeito a condições precisas, contratualmente definidas. O financiamento pela União deve cobrir unicamente os custos elegíveis conforme definidos nas convenções em causa (v., neste sentido, acórdão de 19 de fevereiro de 2016, Ludwig‑Bölkow‑Systemtechnik/Comissão, T‑53/14, não publicado, sob recurso, EU:T:2016:88, n.° 44).

146    Neste contexto, cumpre recordar que não basta demonstrar que um projeto foi realizado para justificar a atribuição de uma subvenção específica. O beneficiário do auxílio deve, também, fazer a prova de que efetuou as despesas declaradas em conformidade com as condições fixadas para a concessão da contribuição em causa, só podendo ser consideradas elegíveis as despesas devidamente comprovadas. A sua obrigação de respeitar as condições financeiras fixadas constitui mesmo um dos seus compromissos essenciais e condiciona, por isso, a atribuição da contribuição financeira (v. n.° 83, supra).

147    Daqui decorre que a argumentação da demandante, segundo a qual a realização do projeto e a qualidade do trabalho por ela prestado obstavam ao pedido de reembolso da Comissão, deve ser rejeitada.

148    Por outro lado, a alegação da demandante segundo a qual a Comissão beneficiaria quase gratuitamente do projeto deve também ser rejeitada, na medida em que, como a Comissão corretamente salientou, não é ela a «beneficiária» do projeto, mas sim a demandante, como resulta do artigo II.2 das condições gerais, que estipula, no essencial, que os resultados («foreground») do projeto são propriedade do beneficiário. Com efeito, a subvenção acordada pela Comissão constitui uma liberalidade condicionada, no sentido de que é atribuída sob reserva do cumprimento, pelo beneficiário, de certas condições, mas sem expectativa, por parte da Comissão, de uma contrapartida (v., neste sentido, acórdão de 12 de julho de 2016, Comissão/Thales développement et coopération, T‑326/13, não publicado, EU:T:2016:403, n.° 143).

149    Além disso, há que rejeitar o argumento da demandante segundo o qual o reembolso do montante de 467 131 euros é desproporcionado tendo em conta a saída de certos membros originais do consórcio e o trabalho adicional que essa saída lhe acarretou. Desde logo, a demandante não conseguiu explicar a relação existente entre o montante acima referido, relativo a custos considerados inelegíveis, e o trabalho adicional que teve de assumir. A título mais genérico, cabe salientar que o quadro contratual que rege as relações entre a demandante e Comissão permite à demandante pedir à Comissão a alteração de certos termos da convenção de subvenção em razão da saída acima referida. Ora, a demandante não sustenta que entrou em negociações com a Comissão para efeitos dessa alteração e que a Comissão não a aceitou.

150    Cumpre, por último, rejeitar a argumentação da demandante exposta no n.° 135, supra. Com efeito, as circunstâncias evocadas no âmbito dessa argumentação não estão suportadas em nenhum elemento probatório e, em todo o caso, não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão, constante do n.° 142 supra, segundo a qual a Comissão estava obrigada a pedir o reembolso dos custos considerados inelegíveis.

151    Com base nas considerações procedentes, há que julgar improcedente o presente fundamento.

d)      Quanto ao fundamento relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e da boa administração

152    O presente fundamento está dividido em duas partes, a primeira, relativa à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, e, a segunda, relativa à violação do princípio da boa administração.

1)      Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica

153    No âmbito da primeira parte do fundamento, a demandante salienta que a Comissão não tinha levantado qualquer objeção quanto ao método de execução do projeto no durante os 32 meses da sua execução e não tinha emitido qualquer reserva sobre os relatórios financeiros que a demandante apresentou. Na medida em que a Comissão não aduziu qualquer observação ou crítica, o pedido de reembolso controvertido infringiu, segundo a demandante, os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, pois a demandante deduziu do comportamento da Comissão que a sua execução do projeto era conforme com as regras aplicáveis ou, pelo menos, aceite.

154    A Comissão contesta esta argumentação. Em primeiro lugar, alega que não deu à demandante quaisquer garantias de que as suas despesas irregulares seriam aceites para efeitos da subvenção. Como decorre do artigo II.5, n.° 2, das condições gerais, o facto de ter aprovado os relatórios de projeto submetidos pela demandante não implica que lhe tenha dado quaisquer garantias de que as despesas irregulares seriam aceites. Em segundo lugar, a Comissão sustenta que o terceiro requisito relativo à aplicação do princípio da proteção da confiança legítima, a saber, o requisito segundo o qual as garantias dadas devem ser conformes com as normas aplicáveis, também não está preenchido.

155    Cabe recordar que o princípio da proteção da confiança legítima rege a relação de subordinação de um administrado com a Administração e se aplicaa qualquer particular que esteja numa situação da qual resulte que a referida Administração, ao fornecer‑lhe garantias precisas, lhe tenha criado expectativas fundadas. Constituem essas garantias, independentemente da forma em que sejam comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes que provenham de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio quando a Administração não tenha fornecido garantias precisas. Este princípio está, portanto, abrangido pela fiscalização da legalidade, em aplicação do artigo 263.° TFUE, que o Tribunal Geral pode fazer sobre atos praticados pelas instituições (acórdãos de 18 de novembro de 2015, Synergy Hellas/Comissão, T‑106/13, EU:T:2015:860, n.° 66, e de 5 de outubro de 2016, European Children’s Fashion Association e Instituto de Economía Pública/EACEA, T‑724/14, não publicado, EU:T:2016:600, n.° 75).

156    No que se refere ao princípio da segurança jurídica, há que recordar que este princípio exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e nas relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (v. acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.° 100 e jurisprudência referida). Daqui decorre que este princípio, à semelhança do princípio da proteção da confiança legitima, rege igualmente a relação de subordinação entre um administrado e a Administração e enquadra‑se, portanto, na fiscalização da legalidade que o Tribunal Geral pode fazer sobre os atos adotados pelas instituições.

157    Contudo, importa salientar que, no caso vertente, o Tribunal Geral é chamado a pronunciar‑se na sua qualidade de juiz do contrato, encarregado de estatuir sobre um litígio de natureza contratual, e não enquanto juiz da legalidade, encarregado de apreciar a legalidade de um ato suscetível de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE. Portanto, no âmbito do seu pedido nos termos do artigo 272.° TFUE, a demandante apenas pode censurar a Comissão por violações do direito aplicável ao contrato, a saber, violações das estipulações contratuais, dos atos da União relevantes a respeito do Programa‑Quadro para a Competitividade e a Inovação, «do Regulamento Financeiro e das suas regras de aplicação», de outras disposições relevantes de direito da União e, a título subsidiário, do direito belga (v. n.° 7, supra). Daqui decorre que as alegações da demandante relativas à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica devem ser rejeitadas por inoperantes, uma vez que uma eventual violação destes princípios não teria impacto nas obrigações que incumbem à Comissão por força da convenção de subvenção (v., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2016, European Children’s Fashion Association e Instituto de Economía Pública/EACEA, T‑724/14, não publicado, EU:T:2016:600, n.os 76 e 77).

158    Em todo o caso, não resulta dos autos que a Comissão tenha violado as suas obrigações contratuais no caso vertente. Com efeito, ainda que a Comissão tivesse aprovado os relatórios submetidos nos termos do artigo II.4 das condições gerais e não tivesse, a título mais genérico, feito objeções durante a execução do projeto relativamente à elegibilidade dos custos declarados pela demandante, o direito aplicável à convenção de subvenção não a impedia de exigir o reembolso dos custos declarados inelegíveis no seguimento de uma auditoria.

159    A este respeito, o artigo II.5, n.° 2, das condições gerais estipula:

«A aprovação de relatórios não implica o reconhecimento da sua regularidade nem da autenticidade das declarações e informações neles contidas e não implica a isenção de uma auditoria ou revisão.»

160    No mesmo sentido, o artigo 119.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1605/2002 prevê que o montante da subvenção só se torna definitivo após aceitação pela instituição dos relatórios e das contas finais, sem prejuízo de controlos ulteriores a efetuar pela instituição.

161    Por outro lado, no caso em apreço, os autos não demonstram uma violação do princípio do cumprimento de boa‑fé dos contratos, na medida em que não decorre dos autos que a Comissão tenha dado à demandante quaisquer garantias de que não lhe pediria o reembolso dos custos considerados inelegíveis com base numa auditoria.

162    Decorre das considerações precedentes que a primeira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente.

2)      Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à violação do princípio da boa administração

163    No âmbito da segunda parte do presente fundamento, a demandante alega que a Comissão, ao não detetar as alegadas irregularidades em tempo, e ao não proceder à tempestiva comunicação à demandante das pretensas irregularidades, falhou no seu dever de controlo, violando assim o princípio da boa administração.

164    A Comissão contesta as alegações da demandante. Alega, desde logo, que, se não detetou as irregularidades antes da auditoria, tal sucedeu porque a demandante violou a regulamentação em vigor. Em apoio desta argumentação, a Comissão invoca o brocardo Nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Em seguida, a Comissão observa que a demandante não explicitou suficientemente o seu raciocínio, não cabendo à Comissão adivinhar quais são as suas deduções. A Comissão conclui que a presente alegação é manifestamente infundada.

165    Há que recordar que o princípio geral da boa administração figura entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos e que se encontra atualmente consagrado no artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (acórdão de 19 de junho 2014, Commune de Millau e SEMEA/Comissão, C‑531/12 P, EU:C:2014:2008, n.° 97).

166    O artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais prevê que «[t]odas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável».

167    Resulta da argumentação da demandante e do seu contexto que esta critica a Comissão por não ter detetado o caráter inelegível dos custos declarados durante a execução do projeto e antes da auditoria realizada nos termos do artigo II.28 das condições gerais. Ora, durante a execução do projeto, não houve qualquer procedimento administrativo e as relações entre as partes eram de natureza contratual. Decorre daqui que, à semelhança do raciocínio seguido no que respeita aos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, a alegação da demandante relativa à violação do princípio da boa administração deve ser julgada improcedente por inoperante, uma vez que uma eventual violação desse princípio não teria impacto nas obrigações que incumbem à Comissão por força da convenção de subvenção (v., neste sentido, acórdão de 3 de junho de 2009, Comissão/Burie Onderzoek en Advies, T‑179/06, não publicado, EU:T:2009:171, n.os 117 e 118).

168    Em todo o caso, e na medida em que a argumentação da demandante pode ser interpretada no sentido de que visa demonstrar uma violação pela Comissão, durante a execução do projeto, das suas obrigações decorrentes da execução da convenção de subvenção e do princípio do cumprimento de boa‑fé dos contratos, importa concluir que os autos não revelam a existência de tal violação.

169    A este respeito, importa salientar que, durante a execução do projeto, a supervisão do mesmo pela Comissão era efetuada através dos relatórios que lhe eram submetidos nos termos do artigo II.4 das condições gerais. Como resulta do teor desta cláusula, a informação constante desses relatórios dizia respeito ao registo do progresso do projeto e dos resultados financeiros de cada beneficiário. Ademais, essa informação provinha exclusivamente do consórcio de que a demandante era parte. Daí decorre que essa informação não era suscetível de permitir à Comissão detetar o caráter inelegível dos custos declarados pela demandante.

170    De resto, é por esta razão que o artigo II.5, n.° 2, das condições gerais estipula, nomeadamente, que a aprovação dos relatórios acima referidos não implica a isenção de uma auditoria ou de uma revisão (v. n.° 159, supra).

171    A Comissão tinha também à sua disposição o relatório independente elaborado por um auditor externo, mencionado nos n.os 86 a 89, supra. Contudo, importa declarar que o conteúdo desse relatório não lhe permitia detetar, antes da realização da auditoria, o caráter inelegível dos custos declarados pela demandante.

172    Nestas circunstâncias, e na falta de argumentação mais precisa e detalhada por parte da demandante, há que julgar improcedente a segunda parte do presente fundamento e, consequentemente, o fundamento na íntegra.

e)      Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

173    A demandante sustenta que a decisão pretensamente contida na carta de 28 de outubro de 2014 está viciada de falta de fundamentação, devido ao facto de ser «extremamente sucinta» e não descrever os factos relevantes.

174    A Comissão contrapõe que, mesmo que a carta de 28 de outubro de 2014 fosse uma decisão, estaria suficientemente fundamentada, na medida em que é originada em contexto que a demandante conhece e que lhe permite compreender o alcance da medida tomada a seu respeito.

175    Importa recordar que o dever de fundamentação se impõe às instituições da União por força do artigo 296.° TFUE. Resulta também do artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais que essa obrigação constitui um elemento, entre outros, do direito de todas as pessoas a uma boa administração.

176    Tal como já foi salientado pelo juiz da União, esta obrigação visa apenas os modos de ação unilaterais das instituições da União e, portanto, não se impõe por força de uma convenção de subvenção (v. acórdão de 5 de outubro de 2016, European Children’s Fashion Association e Instituto de Economía Pública/EACEA, T‑724/14, não publicado, EU:T:2016:600, n.° 69 e jurisprudência referida).

177    Consequentemente, o fundamento relativo à pretensa falta de fundamentação é inoperante no quadro de uma ação intentada com base no artigo 272.° TFUE, como é o caso da presente ação, na medida em que uma eventual violação deste dever não tem influência nas obrigações que incumbem às instituições da União por força da convenção de subvenção em causa (v., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2016, European Children’s Fashion Association e Instituto de Economía Pública/EACEA, T‑724/14, não publicado, EU:T:2016:600, n.° 69 e jurisprudência referida).

178    Daqui decorre que, no caso vertente, há que julgar o presente fundamento improcedente por inoperante.

179    Em todo o caso, e na medida em que a argumentação da demandante pode ser interpretada no sentido de que visa demonstrar uma violação do princípio do cumprimento de boa‑fé dos contratos (v., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2016, European Children’s Fashion Association e Instituto de Economía Pública/EACEA, T‑724/14, não publicado, EU:T:2016:600, n.° 70), impõe‑se concluir que tal violação manifestamente não ocorreu no caso vertente.

180    Com efeito, importa recordar que, através da carta de 28 de outubro de 2014, a Comissão respondeu aos argumentos da demandante constantes da sua carta de 8 de outubro de 2014, confirmou a sua posição expressa na carta de pré‑informação de 8 de setembro de 2014 e juntou uma nota de débito, que indicava respeitar ao reembolso do montante de 467 131 euros a título da implementação dos resultados da auditoria efetuada ao projeto em causa e fixava a data‑limite de pagamento. Por conseguinte, importa concluir, por um lado, que a carta de 28 de outubro de 2014 foi adotada num contexto conhecido da demandante e, por outro, que expunha de forma suficientemente clara as razões pelas quais a Comissão manteve a sua posição de que detinha o crédito contratual controvertido relativamente à demandante.

181    Com base nas considerações precedentes, há que julgar improcedente o presente fundamento.

182    Daqui resulta que a ação declarativa constante da petição deve ser julgada improcedente.

B.      Quanto aos pedidos formulados na réplica

183    Há que recordar que, na réplica, a demandante submeteu ao Tribunal Geral um pedido de ampliação do pedido e formulou alguns pedidos relativos aos atos de compensação adotados pela Comissão no decorrer do processo judicial. Em particular, a demandante pediu ao Tribunal Geral para admitir o pedido de ampliação do pedido, «declarar inválidos os atos de compensação de créditos» e condenar a Comissão a proceder à anulação de tais atos de compensação, bem como a proceder ao reembolso à demandante do montante de 196 695 euros, acrescido dos respetivos juros de mora legalmente devidos, correspondente ao montante dos créditos detidos pela demandante sobre a Comissão, na sua qualidade de beneficiária no âmbito de outros projetos financiados pela União e que foram objeto de compensação.

184    A demandante sustentou que a ampliação do pedido era admissível nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991.

185    Quanto ao mérito, a demandante alegou que os atos de compensação deviam ser anulados porquanto se baseavam num crédito da Comissão que se encontrava controvertido. Segundo a demandante, daí decorre que esses atos foram adotados em violação do artigo 78.°, n.° 2, do Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento n.° 1605/2002 (JO 2012, L 298, p. 1), que prevê, segundo a demandante, que, aquando do apuramento de um crédito, por parte da Comissão, esta terá de verificar que o mesmo é simultaneamente «certo, líquido e exigível».

186    A demandante sustenta igualmente que as compensações efetuadas no caso em apreço, previamente à adoção de uma decisão judicial, a condenavam à asfixia financeira e ao inevitável encerramento da sua atividade.

187    A Comissão contrapôs, em primeiro lugar, que a ampliação do pedido deve ser indeferida por inadmissível. A este respeito, a Comissão sustentou que os atos de compensação configuravam atos administrativos suscetíveis de serem objeto de um recurso de anulação com base no artigo 263.° TFUE. Na medida em que, como resulta da réplica, a ampliação do pedido é baseada no artigo 272.° TFUE, deve ser indeferida por inadmissível visto que, no âmbito de uma ação intentada sobre essa base, não pode ser posta em causa a validade de um ato administrativo suscetível de um recurso de anulação.

188    Subsidiariamente, a Comissão sustenta que a adoção, no caso vertente, dos atos de compensação respeitam o requisito imposto pelo Regulamento n.° 966/2012, segundo o qual o crédito compensado deve ser «certo, líquido e exigível». No que se refere, em particular, ao requisito relativo ao caráter «certo» do crédito, a Comissão sustenta que, em conformidade com o artigo 81.°, alínea a), do seu Regulamento Delegado (UE) n.° 1268/2012, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento n.° 966/2012 (JO 2012, L 362, p. 1), o crédito é certo se não estiver sujeito a qualquer condição.

189    Há que examinar separadamente os três primeiros pedidos, relativamente aos quais, atendendo ao teor da réplica, se deve considerar que se destinam, no essencial, à anulação dos atos de compensação, do quarto pedido que visa a condenação da Comissão a reembolsar à demandante o montante de 196 695 euros.

1.      Quanto aos três primeiros pedidos apresentados na réplica destinados à anulação dos atos de compensação

190    A fim de decidir sobre a admissibilidade dos três primeiros pedidos apresentados na réplica, há que determinar previamente a natureza jurídica dos atos de compensação adotados pela Comissão.

191    A este respeito, importa recordar que resulta da jurisprudência que um ato pelo qual a Comissão opera uma compensação extrajudicial entre dívidas e créditos resultantes de relações jurídicas diferentes com a mesma pessoa constitui um ato impugnável na aceção do artigo 263.° TFUE. É em sede desse recurso que o Tribunal Geral deve conhecer da legalidade de uma decisão de compensação à luz dos seus efeitos relativos ao não pagamento efetivo das quantias em causa ao recorrente (v. acórdão de 8 de outubro de 2008, Helkon Media/Comissão, T‑122/06, não publicado, EU:T:2008:418, n.° 46 e jurisprudência referida).

192    Por outro lado, uma vez que uma compensação opera a extinção simultânea de duas obrigações que existem reciprocamente entre duas pessoas, pode corresponder tanto a um pagamento dos montantes que a Comissão considera devidos nos termos do contrato específico como à recuperação de montantes com um fundamento não relacionado com esse contrato. Assim, trata‑se de uma operação jurídica que é, por um lado, suscetível de extinguir dívidas e créditos de qualquer natureza, contratuais ou não, e, por outro, dissociável de um âmbito puramente contratual (v. acórdão de 8 de outubro de 2008, Helkon Media/Comissão, T‑122/06, não publicado, EU:T:2008:418, n.° 47 e jurisprudência referida).

193    Ademais, há que considerar que, independentemente da natureza das relações jurídicas que deram origem às dívidas e aos créditos compensados, uma compensação adotada com base no Regulamento Financeiro pertence ao domínio do direito da União e constitui um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação interposto nos termos do artigo 263.° TFUE (acórdão de 8 de outubro de 2008, Helkon Media/Comissão, T‑122/06, não publicado, EU:T:2008:418, n.° 48).

194    Resulta das considerações precedentes que os atos de compensação adotados pela Comissão no caso vertente, ambos fundados no artigo 80.° do Regulamento n.° 966/2012, constituem atos administrativos cuja anulação pode ser pedida ao juiz da União nos termos do artigo 263.° TFUE.

195    Contudo, há que recordar que a ação intentada pela demandante é baseada no artigo 272.° TFUE. Essa base jurídica da ação é explicitamente reiterada na réplica.

196    Tendo em conta o facto de a validade de um ato administrativo, como os atos de compensação no caso em apreço, não poder ser posta em causa no âmbito de uma ação baseada no artigo 272.° TFUE (acórdão de 8 de outubro de 2008, Helkon Media/Comissão, T‑122/06, não publicado, EU:T:2008:418, n.° 53), daqui se conclui que os três primeiros pedidos apresentados na réplica, destinados, no essencial, à anulação dos atos de compensação, devem ser declarados inadmissíveis.

197    Mesmo na hipótese de a demandante ter pretendido basear no artigo 263.° TFUE os três pedidos acima referidos, estes seriam igualmente inadmissíveis.

198    Resulta de jurisprudência constante que, embora o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991 permita, em certas circunstâncias, deduzir novos fundamentos na pendência da instância, de modo nenhum pode ser interpretado no sentido de que permite ao recorrente modificar, na pendência da instância, a natureza da ação que submeteu ao Tribunal Geral (v. acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.° 100 e jurisprudência referida).

199    Esta solução não é posta em causa pela circunstância de que, no âmbito do contencioso de anulação, quando uma decisão é substituída, no decurso do processo, por uma decisão com o mesmo objeto, esta deve ser considerada um elemento novo suscetível de permitir ao recorrente adaptar os seus pedidos e fundamentos (v. acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.° 101 e jurisprudência referida).

200    Com efeito, tal adaptação das conclusões e dos fundamentos da petição não tem por efeito modificar a natureza da ação (v. acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.° 102 e jurisprudência referida).

201    Resulta dos números precedentes que, para que uma parte demandante possa de forma admissível adaptar os seus pedidos iniciais na pendência da instância, é necessário que, ao fazê‑lo, não modifique a natureza da ação (acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.° 103).

202    Ora, no caso vertente, mesmo que se admitisse que a demandante pretendia basear no artigo 263.° TFUE os três pedidos acima referidos, tal implicaria uma modificação da natureza da ação na pendência da instância, na medida em que, como resulta da petição, esta é baseada no artigo 272.° TFUE e visa a resolução de um litígio de natureza contratual, ao passo que os três pedidos, apresentados na réplica, visam, no essencial, a anulação dos atos de compensação, a saber, atos administrativos externos à relação contratual em causa. Daqui decorre que, na hipótese apresentada no n.° 197, supra, os três pedidos seriam, igualmente, inadmissíveis.

203    Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que os três pedidos acima mencionados são inadmissíveis. Esta conclusão não contraria o princípio da proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, na medida em que, para efeitos de contestar a legalidade dos atos de compensação adotados pela Comissão na pendência da instância, a demandante tinha a possibilidade de apresentar um recurso de anulação contra esses atos, no respeito do requisito relativo ao prazo para apresentação do recurso, fixado no artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE.

2.      Quanto ao quarto pedido apresentado na réplica

204    Recorde‑se que, no âmbito do quarto pedido apresentado na réplica, a demandante pediu ao Tribunal Geral que condenasse a Comissão a reembolsar‑lhe o montante de 196 695 euros, acrescido de juros de mora à taxa legal, que correspondia ao montante dos créditos que detinha sobre a Comissão na sua qualidade de beneficiária no âmbito de outros projetos financiados pela União e que foram objeto de compensação.

205    Há que concluir que esse pedido não está fundamentado em qualquer argumentação e que surge como a consequência da anulação, pelo Tribunal Geral, dos dois atos de compensação, pedida, no essencial, no âmbito dos três primeiros pedidos, que tem por efeito o não pagamento do montante de 196 695 euros à demandante. Daqui resulta que o quarto pedido deve, igualmente, ser julgado improcedente.

C.      Quanto aos pedidos apresentados pela Comissão a título reconvencional

206    Importa recordar que, no âmbito da contestação, a Comissão pediu ao Tribunal Geral, por via reconvencional, no essencial, a condenação da demandante no reembolso da subvenção indevidamente paga no âmbito da convenção de subvenção. Mais especificamente, pediu ao Tribunal Geral para:

–        declarar inelegíveis as despesas consideradas como tal pela Comissão, relativamente ao período de 1 de março de 2010 a 31 de outubro de 2011, no montante de 467 131 euros;

–        declarar que o montante de 467 131 euros lhe era contratualmente devido a partir da receção, pela demandante, da carta de 28 de outubro de 2014, à qual estava anexada a nota de débito;

–        condenar, por consequência, a demandante no pagamento do montante de 467 131 euros, acrescido de juros de mora contratualmente devidos a partir do dia seguinte ao termo do prazo de pagamento indicado na nota de débito, ou seja, a partir de 13 de dezembro de 2014.

207    Na tréplica, a Comissão, tendo em conta terem sido entretanto adotados os atos de compensação, adaptou o seu terceiro pedido, apresentado no n.° 206, supra, no sentido de pedir então ao Tribunal Geral a condenação da demandante no pagamento do montante de 277 849,93 euros, acrescido de 26,88 euros de juros por cada dia de mora a partir de 20 de junho de 2015.

208    A demandante não apresentou qualquer argumento relativamente ao pedido reconvencional da Comissão.

209    No que respeita ao primeiro pedido mencionado no n.° 206, supra, importa recordar que os auditores rejeitaram os custos declarados pela demandante relativamente ao período de 1 de março de 2010 a 31 de outubro de 2011, no montante total de 934 262 euros, distribuídos da seguinte forma: 634 220 euros correspondentes a custos com pessoal, 106 890 euros correspondentes a custos relativos aos contratos de subcontratação, 2 886 euros correspondentes a «outros custos diretos» e 190 266 euros correspondentes aos custos indiretos.

210    No que se refere ao montante de 634 220 euros correspondente a custos com pessoal, há que recordar que a demandante não pôs em causa as conclusões da Comissão relativas à inelegibilidade do montante de 627 367 euros respeitante ao trabalho prestado por doze consultores internos e não contestou o montante de 6 853 euros respeitante ao trabalho prestado por dois dos seus trabalhadores, igualmente declarado inelegível.

211    No que se refere ao montante de 106 890 euros correspondente aos custos relativos aos contratos de subcontratação, a demandante tão‑pouco pôs em causa as conclusões da Comissão relativas à sua inelegibilidade.

212    No que se refere ao montante de 2 886 euros correspondente aos «outros custos diretos», resulta dos autos que a demandante não contesta o seu caráter inelegível.

213    No que se refere aos custos indiretos declarados pela demandante, esta não apresentou argumentos relativamente aos custos indiretos rejeitados. Em todo o caso, há que salientar que os custos indiretos tinham sido calculados em conformidade com o artigo II.22, n.° 2, alínea b), das condições gerais, que estipula que esses custos podem ser fixados com base numa taxa fixa de 30% dos custos com pessoal. Na medida em que os custos com pessoal no montante de 634 220 euros foram rejeitados, conclui‑se que foi corretamente que os auditores rejeitaram igualmente o montante de 190 226 euros a título de custos indiretos.

214    Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar inelegíveis as despesas consideradas como tal pela Comissão, relativamente ao período do projeto de 1 de março de 2010 a 31 de outubro de 2011, no montante de 934 262 euros.

215    No que respeita ao segundo pedido enunciado no n.° 206, supra, há que recordar que o artigo II.28, n.° 5, das condições gerais estipula que, com base nas conclusões da auditoria, a Comissão deve tomar todas as medidas que considere necessárias, incluindo a adoção de uma ordem de recuperação da totalidade ou de parte do financiamento.

216    Por outro lado, o artigo II.30, n.° 1, das condições gerais prevê que, quando uma soma pecuniária paga pela Comissão no âmbito do projeto deva ser recuperada com fundamento na convenção de subvenção, o beneficiário em causa deve reembolsar à Comissão o referido montante nas condições e no prazo por esta estabelecidos.

217    Além disso, o artigo 5.°, n.° 1, da convenção de subvenção estabelece que a contribuição financeira da União está limitada a 50% dos custos elegíveis.

218    No caso vertente, a Comissão juntou à carta de 28 de outubro de 2014 a nota de débito n.° 3241413112, que informava a demandante de que devia proceder ao reembolso do montante de 467 131 euros, correspondente à diferença entre o montante do financiamento pago pela Comissão, a saber,680 300 euros, e o montante do financiamento afinal aceite após a auditoria, a saber, 213 169 euros, que representava 50% dos custos declarados elegíveis após a auditoria.

219    Resulta das considerações precedentes que há que declarar que o montante de 467 131 euros é contratualmente devido à Comissão a partir da data de receção, pela demandante, da carta de 28 de outubro de 2014, à qual foi junta a nota de débito.

220    No que se refere ao terceiro pedido enunciado no n.° 206, supra, o artigo II.30, n.° 2, das condições gerais prevê a imposição de juros de mora em caso de não pagamento pelo beneficiário do montante devido na data fixada. Decorre da leitura conjugada do artigo II.30, n.° 2, e do artigo II.5, n.° 5, das condições gerais que a taxa de juro aplicável é a taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE) nas suas principais operações de refinanciamento, em vigor no primeiro dia do mês da data‑limite de pagamento, conforme publicada na série C do Jornal Oficial, acrescida de 3,5 pontos percentuais.

221    O artigo II.30, n.° 2, das condições gerais esclarece ainda que os juros de mora devem cobrir o período entre o dia a seguir à data‑limite de pagamento e o dia em que a Comissão recebe o pagamento completo do montante que lhe é devido. Por outro lado, segundo esta mesma cláusula, os pagamentos parciais devem, em primeiro lugar, ser imputados aos juros e só depois ao capital.

222    É à luz destas cláusulas que deve ser efetuado o cálculo dos juros de mora no caso vertente.

223    Neste caso, o montante devido em 12 de dezembro de 2014 (data de vencimento da nota de débito n.° 3241413112) era de 467 131 euros. O cálculo dos juros de mora inicia‑se no dia seguinte ao término do prazo fixado em 12 de dezembro de 2014, a saber, em 13 de dezembro de 2014.

224    Como a Comissão corretamente sustenta no âmbito da sua resposta a uma questão escrita colocada pelo Tribunal Geral, esse cálculo deve ter em conta as três compensações, as quais devem, em primeiro lugar, ser imputadas ao montante dos juros já vencidos e, a seguir, ao montante principal da dívida da demandante, que é a base de cálculo dos juros.

225    Tendo em conta os esclarecimentos constantes do n.° 220, supra, a taxa de juro aplicável é de 3,55%, o que corresponde à taxa aplicada pelo BCE nas suas principais operações de refinanciamento a 1 de dezembro de 2014, ou seja, 0,05% (JO 2014, C 433, p. 6), acrescida de 3,5 pontos percentuais.

226    Resulta dessa metodologia que, em 15 de abril de 2015, data das duas primeiras compensações, conforme exposto pela Comissão e não contestado pela demandante, a dívida da demandante para com a Comissão (incluindo os juros de mora) ascendia a um montante de 314 237,73 euros e que, em 24 de abril de 2015, data da terceira compensação, conforme exposto pela Comissão e não contestado pela demandante, a dívida da demandante para com a Comissão (incluindo os juros de mora) ascendia a um montante de 276 344,80 euros. Seguindo esta metodologia, em 19 de junho de 2015, que constituiu a data de referência utilizada pela Comissão no seu pedido na tréplica, a dívida da demandante para com a Comissão (incluindo juros de mora) ascendia a um montante de 277 849,93 euros.

227    Os detalhes destes cálculos figuram na tabela infra:

Período

Datas

Montante de capital devido A

Juros gerados (3,55%) B

Juros diários

Compensação C

A + B ‑ C

1

De 13/12/2014 a 15/4/2015 (124 dias)

467 131,00 EUR

5 633,73 EUR

45,43 EUR

158 527,00 EUR

314 237,73 EUR

2

De 16/4/2015 a 24/4/2015 (9 dias)

314 237,73 EUR

275,07 EUR

30,56 EUR

38 168,00 EUR

276 344,80 EUR

3

De 25/4/2015 a 19/6/2015 (56 dias)

276 344,80 EUR

1 505,13 EUR

26,88 EUR


277 849,93 EUR


228    Tendo em conta as considerações precedentes, há que condenar a demandante a pagar à Comissão o montante de 277 849,93 euros, acrescido de 26,88 euros de juros por cada dia de mora a partir de 20 de junho de 2015 e até à extinção completa da sua dívida resultante da execução da convenção de subvenção.

IV.    Quanto às despesas

229    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É julgada improcedente a ação intentada pela Alfamicro – Sistemas de computadores, Sociedade Unipessoal, Lda.

2)      A Alfamicro – Sistemas de computadores, Sociedade Unipessoal, é condenada a pagar à Comissão Europeia o montante de 277 849,93 euros, acrescido de 26,88 euros de juros por cada dia de mora a partir de 20 de junho de 2015.

3)      A Alfamicro – Sistemas de computadores, Sociedade Unipessoal, é condenada nas despesas.

Prek

Buttigieg

Berke


Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de novembro de 2017.

O secretário

 

O presidente

E. Coulon

 

M. Prek


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Quanto à convenção de subvenção n.° 238882

B. Quanto à execução da convenção de subvenção

C. Quanto à auditoria financeira e à sua execução

D. Quanto ao processo de recuperação

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto aos pedidos formulados na petição

1. Quanto ao alcance dos pedidos formulados na petição

2. Quanto à ação declarativa constante da petição

a) Observações preliminares

b) Quanto ao fundamento relativo à violação da convenção de subvenção

1) Quanto aos custos relativos ao trabalho prestado por consultores internos

2) Quanto aos custos relativos ao trabalho dos subcontratados

i) Quanto aos custos relativos aos serviços prestados pela sociedade O.

ii) Quanto aos custos relativos aos serviços prestados pela sociedade D.

c) Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade

d) Quanto ao fundamento relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e da boa administração

1) Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica

2) Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à violação do princípio da boa administração

e) Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

B. Quanto aos pedidos formulados na réplica

1. Quanto aos três primeiros pedidos apresentados na réplica destinados à anulação dos atos de compensação

2. Quanto ao quarto pedido apresentado na réplica

C. Quanto aos pedidos apresentados pela Comissão a título reconvencional

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: português.