Language of document : ECLI:EU:C:2005:245

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

21 de Abril de 2005 (*)

«Direito das patentes – Medicamentos – Certificado complementar de protecção para os medicamentos»

Nos processos apensos C‑207/03 e C‑252/03,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, submetidos pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) (Reino Unido, C‑207/03), e pela Cour administrative (Luxemburgo, C‑252/03), por decisões de 6 de Maio e 3 de Junho de 2003, entrados no Tribunal de Justiça em 14 de Maio e 13 de Junho de 2003, nos processos

Novartis AG (C‑207/03),

University College London,

Institute of Microbiology and Epidemiology

contra

Comptroller‑General of Patents, Designs and Trade Marks for the United Kingdom,

e

Ministre de l’Économie (C‑252/03)

contra

Millenium Pharmaceuticals Inc., anteriormente Cor Therapeutics Inc.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, C. Gulmann (relator), J.‑P. Puissochet, R. Schintgen e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Julho de 2004,

considerando as observações apresentadas:

–       em representação da Novartis AG, da University College London e do Institute of Microbiology and Epidemiology, por M. Utges Manley, lawyer, T. Powell, solicitor, D. Anderson, QC, e K. Bacon, barrister,

–       em representação do Ministre de l’Économie, por P. Reuter, avocat,

–       em representação do Comptroller‑General of Patents, Designs and Trade Marks for the United Kingdom e do Governo do Reino Unido, por K. Manji e M. Berthell, na qualidade de agentes, e C. Birss e J. Turner, barristers,

–       em representação da Millenium Pharmaceuticals Inc., por R. Subiotto, solicitor, e C. Feddersen, Rechtsanwalt,

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo islandês, por E. Gunnarsson e F. T. Birgisson, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo do Principado do Liechtenstein, por A. Entner‑Koch, M. Blaas e C. Büchel, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo norueguês, por I. Holten, F. Platou Amble e K. Waage, na qualidade de agentes,

–       em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por E. Wright e M. Sánchez Rydelski, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Forman e K. Banks, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 7 de Setembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial dizem respeito à interpretação do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (JO L 182, p. 1).

 Quadro jurídico

2       O Regulamento n.° 1768/92 tem por objecto compensar a longa duração do prazo que decorre entre a apresentação de um pedido de patente para um medicamento e a autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») desse medicamento, prevendo, em certos casos, um período complementar de protecção da patente.

3       O oitavo e o nono considerandos do referido regulamento, que dizem respeito à questão da duração do certificado complementar de protecção (a seguir «CCP»), têm a seguinte redacção:

«[…] a duração da protecção conferida pelo certificado deve ser determinada de forma a permitir uma protecção efectiva suficiente; […] para este efeito, o titular de uma patente e de um certificado deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade do medicamento em causa;

[…] todos os interesses em causa num sector tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relativos à saúde pública, devem ser tomados em consideração; […] para este efeito, o certificado não poderá ser concedido por um período superior a cinco anos; […]»

4       O artigo 3.° do Regulamento n.° 1768/92 dispõe:

«O [CCP] é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido […] e à data de tal pedido:

a)      O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b)      O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de colocação no mercado, nos termos do disposto na Directiva 65/65/CEE […];

[…]»

5       O ponto 6 do anexo XVII do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, pp. 3 e 482, a seguir «acordo EEE»), conforme alterado pelo anexo 15 da Decisão n.° 7/94 do Comité Misto do EEE, de 21 de Março de 1994 (JO L 160, p. 1), indica que, para efeitos do referido acordo, ao artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 1768/92, é aditado o seguinte:

«Para efeitos do n.° 1 do artigo 19.° do regulamento e dos artigos conexos uma autorização de colocação do produto no mercado concedida nos termos da legislação nacional do Estado da EFTA é tratada como uma autorização concedida nos termos do disposto na Directiva 65/65/CEE […]»

6       Nos termos do artigo 7.° deste acordo, os actos referidos ou previstos nos anexos do referido acordo vinculam as partes contratantes e integram a sua ordem jurídica interna ou serão nela integrados.

7       O capítulo XIII do anexo II do referido acordo faz referência à directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18).

8       Segundo o artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, o CCP produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira AIM na Comunidade, reduzido de um período de cinco anos.

9       O ponto 8 do protocolo 1 do acordo EEE prevê que, «[s]empre que os actos referidos contenham referências ao território da ‘Comunidade’ ou do ‘mercado comum’, tais referências devem, para efeitos do acordo, ser entendidas como referências aos territórios das partes contratantes, tal como definidos no artigo 126.° do acordo.»

10     O artigo 126.° deste acordo estipula o seguinte:

«[o] presente acordo é aplicável aos territórios a que é aplicável o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia […] e aos territórios […] do Principado do Liechtenstein […]»

11     O anexo II do mesmo acordo, conforme alterado pelo anexo 2 da Decisão n.° 1/95 do Conselho do EEE, de 10 de Março de 1995, relativa à entrada em vigor do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu em relação ao Principado do Liechtenstein (JO L 86, p. 58), dispõe o seguinte:

«No que se refere aos produtos abrangidos pelos actos referidos no presente anexo, o Liechtenstein poderá aplicar, no seu mercado, a regulamentação técnica e as normas suíças decorrentes da sua união regional com a Suíça a par da legislação de execução dos actos referidos no presente anexo. As disposições sobre a livre circulação de mercadorias contidas no presente acordo ou em actos aí referidos apenas são aplicáveis, no tocante às exportações do Liechtenstein para as outras partes contratantes, a produtos que estejam em conformidade com os actos referidos no presente anexo.»

 Os litígios nos processos principais e as questões prejudiciais

 Processo C‑207/03

12     A Novartis AG, a University College London e o Institute of Microbiology and Epidemiology (a seguir «Novartis e o.») apresentaram ao Comptroller‑General of Patents, Designs and Trade Marks for the United Kingdom (a seguir «Patent Office») dois pedidos de CCP, um para um imunodepressor denominado «Basiliximab» e outro para uma composição antipalúdica constituída por uma combinação de artemisinina e de lumefantrina.

13     Em 7 de Abril de 1998 e 22 de Janeiro de 1999, as autoridades suíças emitiram AIM, respectivamente, para o Basiliximab e para a combinação de artemisinina e de lumefantrina. Estas AIM foram automaticamente reconhecidas no Liechtenstein por força da legislação deste Estado.

14     O Basiliximab e a combinação de artemisinina e de lumefantrina foram objecto de AIM na Comunidade, respectivamente, em 9 de Outubro de 1998 e 30 de Novembro de 1999.

15     Considerando que, para calcular a duração dos CCP, era necessário ter em conta as datas de concessão das AIM na Suíça, o Patent Office adoptou, em 12 de Fevereiro de 2003, uma decisão que concedia CCP cuja duração era determinada em função das referidas datas.

16     Entendendo que a duração dos CCP deveria ter sido calculada com base nas primeiras AIM concedidas no EEE, a Novartis e o. interpuseram recurso desta decisão para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court).

17     Nestas condições, este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a data de concessão de uma autorização de introdução no mercado na Suíça, a qual é automaticamente reconhecida no Liechtenstein, ser considerada a primeira autorização de introdução de um medicamento no mercado para efeitos do cálculo do prazo de validade de um certificado complementar de protecção, nos termos do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92 (na redacção que lhe foi dada pelo acordo EEE)?

2)      A autoridade competente no quadro do EEE é obrigada a rectificar quaisquer certificados complementares de protecção existentes, cujo período de validade tenha sido calculado de maneira errónea?»

 Processo C‑252/03

18     Em 15 de Dezembro de 1999, a sociedade Cor Therapeutics Inc., que foi ulteriormente incorporada na sociedade Millenium Pharmaceuticals Inc. (a seguir «Millenium»), ambas sociedades de direito americano, solicitou ao Ministro da Economia luxemburguês (a seguir «Ministro») a emissão de um CCP, na acepção do Regulamento n.° 1768/92, para o medicamento «Eptifibatide», cuja data da primeira AIM da Comunidade é o dia 1 de Julho de 1999. A Millenium indicara no seu pedido que as autoridades suíças tinham emitido uma AIM para este medicamento em 27 de Fevereiro de 1997.

19     Baseando‑se no facto de as AIM suíças serem, por força da legislação em vigor no Liechtenstein, automaticamente reconhecidas neste Estado, que é membro do EEE, o Ministro emitiu um CCP em 15 de Fevereiro de 2000, fixando o prazo inicial do período de validade deste na data da AIM suíça, ou seja, 27 de Fevereiro de 1997.

20     A Millenium interpôs recurso para o Tribunal administratif de Luxembourg, pedindo que esta data, referida como a data da primeira AIM, fosse substituída pela de 1 de Julho de 1999. Este órgão jurisdicional deu provimento ao pedido da Millenium.

21     O Ministro interpôs recurso da decisão do referido órgão jurisdicional para a Cour administrative.

22     O Ministro alegou que, por força do direito do Liechtenstein, as AIM de medicamentos concedidas por uma autoridade suíça são válidas no território deste Estado, que é parte do acordo EEE, e que a Comissão das Comunidades Europeias concluiu deste facto que a primeira AIM emitida por uma autoridade suíça deve ser tida em conta para efeitos do cálculo da duração do CCP em matéria de medicamentos.

23     A Millenium defendeu resultar da análise da letra e dos objectivos do Regulamento n.° 1768/92, do acordo EEE e do acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação suíça, por outro, de 21 de Junho de 1999 (JO 2002, L 114, p. 6), que não se pode considerar que uma AIM suíça é uma «primeira AIM na Comunidade» na acepção do artigo 13.° do referido regulamento.

24     Em consequência, a Cour administrative decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma autorização de introdução no mercado passada pelas autoridades suíças constitui uma primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade, na acepção do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 [...]?»

 Quanto à apensação dos processos C‑207/03 e C‑252/03

25     Dada a conexão dos dois processos, devem os mesmos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 43.° e 103.° do Regulamento de Processo, ser apensos para efeitos do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão suscitada no âmbito dos dois processos

26     Para efeitos da aplicação do acordo EEE, o artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92 deve ser entendido no sentido de que dispõe que o CCP produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira AIM concedida no território de um dos Estados abrangidos pelo acordo EEE, reduzido de um período de cinco anos.

27     Importa pois examinar se uma AIM emitida pelas autoridades suíças e automaticamente reconhecida pelo Principado do Liechtenstein por força da legislação deste Estado constitui uma primeira AIM, na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92.

28     Nesta matéria, resulta do anexo II do acordo EEE, conforme alterado pelo anexo 2 da Decisão n.° 1/95 do Conselho do EEE, que o referido Estado pode, no que se refere, nomeadamente, aos medicamentos referidos na Directiva 65/65, aplicar, no mercado do Liechtenstein, as regulamentações técnicas e as normas suíças decorrentes da sua união regional com a Suíça, a par da legislação de execução da referida directiva.

29     O acordo EEE admite, portanto, que podem coexistir dois tipos de AIM no Principado do Liechtenstein, a saber, por um lado, as AIM emitidas pelas autoridades suíças, que, por força da união regional entre a Suíça e o Liechtenstein, são automaticamente reconhecidas neste Estado, e, por outro, as AIM concedidas no Liechtenstein em conformidade com a Directiva 65/65.

30     Assim, resulta das disposições conjugadas do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92 e do anexo II do acordo EEE, conforme alterado pelo anexo II da Decisão n.° 1/95 do Conselho do EEE, que uma AIM emitida pelas autoridades suíças e automaticamente reconhecida no Liechtenstein no âmbito da sua união regional com a Suíça deve ser considerada uma primeira AIM na acepção do referido artigo 13.°

31     Esta interpretação da referida disposição é, de resto, conforme ao objectivo do Regulamento n.° 1768/92, expresso no seu oitavo considerando, no sentido em que deve ser entendido para efeitos da aplicação do acordo EEE, segundo o qual o titular de uma patente e de um CCP não deve poder beneficiar de um período superior a quinze anos de exclusividade a partir da data da primeira AIM concedida no EEE para o medicamento em causa. Com efeito, caso se excluísse que uma AIM emitida pelas autoridades suíças e reconhecida automaticamente pelo Principado do Liechtenstein por força da legislação deste Estado pudesse constituir uma primeira AIM na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, o cálculo da duração dos CCP deveria ter por base uma AIM ulteriormente emitida no EEE. Existiria, de igual modo, o risco de o período de quinze anos de exclusividade ser ultrapassado no EEE.

32     Acresce que a circunstância de as AIM concedidas na Suíça não permitirem a circulação dos medicamentos que abrangem no EEE, com excepção do Liechtenstein, não é, ao contrário do que é sustentado pela Novartis e o., pela Millenium, pelos Governos neerlandês, islandês, do Principado do Liechtenstein e norueguês assim como pelo Órgão de Fiscalização da EFTA, pertinente para a interpretação do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, no sentido em que este artigo deve ser entendido para efeitos da aplicação do acordo EEE. A este respeito, basta observar, à semelhança do advogado‑geral no n.° 43 das suas conclusões, que as AIM concedidas por um Estado‑Membro em conformidade com a Directiva 65/65 também não permitem a livre distribuição do produto no mercado dos outros Estados‑Membros.

33     Resulta do exposto que, constituindo uma AIM de um medicamento emitida pelas autoridades suíças e reconhecida automaticamente pelo Principado do Liechtenstein por força da legislação deste Estado a primeira AIM deste medicamento num dos Estados do EEE, deve a mesma ser considerada a primeira AIM na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, no sentido em que este artigo deve ser entendido para efeitos da aplicação do acordo EEE.

 Quanto à segunda questão prejudicial no processo C‑207/03

34     Uma vez que a interpretação do artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, no sentido em que este artigo deve ser entendido para efeitos da aplicação do acordo EEE, feita pelo Tribunal de Justiça na sua resposta à primeira questão prejudicial, foi adoptada pelo Patent Office na decisão que constitui o objecto do litígio no processo principal que deu origem ao processo C‑207/03 no Tribunal de Justiça, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

35     Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para apresentação de observações ao Tribunal não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Constituindo uma autorização de introdução no mercado de um medicamento emitida pelas autoridades suíças e reconhecida automaticamente pelo Principado do Liechtenstein por força da legislação deste Estado a primeira autorização de introdução no mercado deste medicamento num dos Estados do Espaço Económico Europeu, deve a mesma ser considerada a primeira autorização de introdução no mercado na acepção do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos, no sentido em que este artigo deve ser entendido para efeitos da aplicação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

Assinaturas


* Línguas de processo: inglês e francês.