Language of document : ECLI:EU:C:2014:350

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

22 de maio de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Transportes — Diretiva 2006/126/CE — Anexo III, ponto 6.4 — Validade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 20.°, 21.°, n.° 1, e 26.° — Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — Carta de condução — Aptidão física e mental para a condução de um veículo a motor — Normas mínimas — Acuidade visual — Igualdade de tratamento — Inexistência de possibilidade de exceção — Proporcionalidade»

No processo C‑356/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Alemanha), por decisão de 5 de julho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2012, no processo

Wolfgang Glatzel

contra

Freistaat Bayern,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, A. Rosas (relator), D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de junho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de W. Glatzel, por E. Giebler, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Freistaat Bayern, por M. Niese, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Parlamento Europeu, por A. Troupiotis e P. Schonard, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Conselho da União Europeia, por E. Karlsson, R. Wiemann e Z. Kupčová, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de julho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a conformidade do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução (JO L 403, p. 18, e retificação no JO 2009, L 19, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2009/113/CE da Comissão, de 25 de agosto de 2009 (JO L 223, p. 31, a seguir «Diretiva 2006/126»), com os artigos 20.°, 21.°, n.° 1, e 26.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), no que diz respeito às normas mínimas relativas à aptidão física para a condução de um veículo a motor em matéria de acuidade visual.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe W. Glatzel ao Freistaat Bayern, a propósito da decisão pela qual foi recusada a W. Glatzel a emissão de uma carta de condução para os veículos pertencentes à categoria C1 e C1E, conforme definidas pela Diretiva 2006/126, pelo facto de a acuidade visual no seu pior olho não atingir o nível mínimo exigido no anexo III, ponto 6.4, dessa diretiva.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2010/48/CE do Conselho, de 26 de novembro de 2009 (JO 2010, L 23, p. 35, a seguir a «Convenção da ONU sobre a deficiência»), enuncia no preâmbulo, alínea e):

«Os Estados Partes na presente Convenção:

[…]

e)      Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas;».

4        Nos termos do artigo 1.° dessa Convenção, intitulado «Objeto»:

«O objeto da presente Convenção é promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

As pessoas com deficiência incluem aqueles que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.»

5        O artigo 2.° da referida Convenção, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para os fins da presente Convenção:

[...]

‘Discriminação com base na deficiência’ designa qualquer distinção, exclusão ou restrição com base na deficiência que tenha como objetivo ou efeito impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade com os outros, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, económico, social, cultural, civil ou de qualquer outra natureza. Inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação de adaptações razoáveis;

[...]»

6        O artigo 4.° da Convenção da ONU sobre a deficiência, intitulado «Obrigações gerais», enuncia:

«1.      Os Estados Partes comprometem‑se a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência. Para este fim, os Estados Partes comprometem‑se a:

a)      Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de outra natureza apropriadas com vista à implementação dos direitos reconhecidos na presente Convenção;

b)      Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo legislação, para modificar ou revogar as leis, normas, costumes e práticas existentes que constituam discriminação contra pessoas com deficiência;

c)      Ter em consideração a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência em todas as políticas e programas;

d)      Abster‑se de qualquer ato ou prática que seja incompatível com a presente Convenção e garantir que as autoridades e instituições públicas agem em conformidade com a presente Convenção;

e)      Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação com base na deficiência por qualquer pessoa, organização ou empresa privada;

[...]»

7        Nos termos do artigo 5.° dessa Convenção, intitulado «Igualdade e não discriminação»:

«1.      Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e nos termos da lei e que têm direito, sem qualquer discriminação, a igual proteção e benefício da lei.

2.      Os Estados Partes proíbem toda a discriminação com base na deficiência e garantem às pessoas com deficiência proteção jurídica igual e efetiva contra a discriminação de qualquer natureza.

3.      De modo a promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para garantir a disponibilização de adaptações razoáveis.

4.      As medidas específicas que são necessárias para acelerar ou alcançar a igualdade de facto das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminação nos termos da presente Convenção.»

8        O artigo 27.° da referida Convenção, intitulado «Trabalho e Emprego», dispõe no n.° 1, alínea a):

«Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a trabalhar, em condições de igualdade com as demais; isto inclui o direito à oportunidade de ganhar a vida através de um trabalho livremente escolhido ou aceite num mercado e ambiente de trabalho aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardam e promovem o exercício do direito ao trabalho, incluindo para aqueles que adquirem uma deficiência durante o curso do emprego, adotando medidas apropriadas, incluindo através da legislação, para, inter alia:

a)      Proibir a discriminação com base na deficiência no que respeita a todas as matérias relativas a todas as formas de emprego, incluindo condições de recrutamento, contratação e emprego, continuidade do emprego, progressão na carreira e condições de segurança e saúde no trabalho;».

 Direito da União

9        Nos termos do considerando 8 da Diretiva 2006/126:

«Por razões de segurança rodoviária, é necessário fixar as condições mínimas para a emissão de uma carta de condução. É necessário proceder à harmonização das normas relativas ao exame de condução e à emissão da carta de condução. Para tanto, é necessário definir os conhecimentos, as aptidões e os comportamentos associados à condução de veículos a motor, o exame de condução deve ser estruturado com base nesses conceitos e redefinir as normas mínimas relativas à aptidão física e mental para a condução de tais veículos.»

10      O considerando 14 dessa diretiva enuncia:

«É necessário adotar disposições específicas que favoreçam o acesso das pessoas com deficiência física à condução de veículos.»

11      O considerando 19 da referida diretiva prevê:

«É necessário permitir que a Comissão proceda à adaptação dos Anexos I a VI ao progresso científico e técnico.»

12      O artigo 4.° da Diretiva 2006/126, intitulado «Categorias, definições e idades mínimas», dispõe:

«1.      A carta de condução prevista no artigo 1.° habilita a conduzir os veículos com motor de propulsão das categorias adiante definidas. [...]

[...]

4.      Veículos a motor:

[...]

d)      Categoria C1:

veículos a motor diferentes dos das categorias D1 ou D, com massa máxima autorizada superior a 3 500 kg e inferior a 7 500 kg e concebidos e construídos para transportar um número de passageiros não superior a oito, sem contar com o condutor; aos veículos a motor desta categoria pode ser acoplado um reboque cuja massa máxima autorizada não exceda 750 kg;

e)      Categoria C1E:

—      sem prejuízo das disposições relativas à homologação dos veículos em causa, conjuntos de veículos acoplados, compostos por um veículo trator pertencente à categoria C1 e um reboque ou semirreboque com massa máxima autorizada superior a 750 kg, desde que a massa máxima autorizada do conjunto assim formado não exceda 12 000 kg;

—      sem prejuízo das disposições relativas à homologação dos veículos em causa, conjuntos de veículos acoplados, compostos por um veículo trator pertencente à categoria B e um reboque ou semirreboque com massa máxima autorizada superior a 3 500 kg, desde que a massa máxima autorizada do conjunto assim formado não exceda 12 000 kg;

—      a idade mínima para as categorias C1 e C1E é fixada em 18 anos, sem prejuízo das disposições relativas à condução desses veículos constantes da Diretiva 2003/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003, relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos motoristas de determinados veículos afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros [, que altera o Regulamento (CEE) n.° 3820/85 do Conselho e a Diretiva 91/439/CEE do Conselho e que revoga da Diretiva 76/914/CEE do Conselho (JO L 226, p. 4)];

[...]»

13      Nos termos do artigo 7.° dessa diretiva, intitulado «Emissão, validade e renovação»:

«1.      As cartas de condução só serão emitidas aos candidatos:

a)      aprovados num exame de controlo de aptidão e de comportamento e num exame teórico de avaliação dos conhecimentos, e que satisfaçam as normas médicas, nos termos dos Anexos II e III;

[...]

3.      A renovação da carta de condução por motivo de caducidade fica subordinada:

a)      à observância constante das normas mínimas de aptidão física e mental para a condução previstas no Anexo III para as cartas de condução das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1, D1E; […]

[...]»

14      O artigo 8.° da referida diretiva, intitulado «Adaptação ao progresso científico e técnico», dispõe:

«As alterações necessárias para adaptar os Anexos I a VI ao progresso científico e técnico são aprovadas os termos do n.° 2 do artigo 9.°»

15      Nos termos do artigo 9.° da Diretiva 2006/126, intitulado «Comité»:

«1.      A Comissão é assistida pelo ‘Comité da Carta de Condução’.

2.      Sempre que se faça referência ao presente artigo, são aplicáveis os n.os 1 a 4 do artigo 5.°‑A e o artigo 7.° da Decisão 1999/468/CE, tendo‑se em conta o disposto no seu artigo 8.°»

16      O anexo III da Diretiva 2006/126 diz respeito às normas mínimas relativas à aptidão física e mental para a condução de um veículo a motor, incluindo as exigências em matéria de visão. Para efeitos deste anexo, os condutores são classificados em dois grupos, a saber, o grupo 1 que inclui os condutores de veículos das categorias A, A1, A2, AM, B, B1 e BE, e o grupo 2 que reúne os condutores de veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E.

17      Quanto aos exames médicos relativos à visão, o anexo III da Diretiva 2006/126 prevê o seguinte:

«6.      Os candidatos à emissão da carta de condução devem ser sujeitos às indagações adequadas para assegurar que têm uma acuidade visual compatível com a condução de veículos a motor. Se houver alguma razão para duvidar de que tenham uma visão adequada, os candidatos devem ser examinados por uma autoridade médica competente. Aquando desse exame, a atenção deve incidir, nomeadamente, sobre a acuidade visual, o campo visual, a visão crepuscular, o encandeamento e a sensibilidade aos contrastes, a diplopia e as outras funções visuais que possam comprometer a condução em segurança.

Para os condutores do grupo 1 que não satisfaçam as normas relativas ao campo visual ou à acuidade visual, pode ser ponderada a emissão de uma carta de condução em ‘casos excecionais’; nesses casos, os condutores devem ser sujeitos a um exame por uma autoridade médica competente, de modo a comprovar que não existe qualquer outra deficiência visual, designadamente no que respeita ao encandeamento, à sensibilidade aos contrastes e à visão crepuscular. Os condutores ou candidatos devem igualmente ser submetidos a um teste prático positivo efetuado por uma autoridade competente.

Grupo 1:

6.1.      Os candidatos à emissão ou renovação de uma carta de condução devem ter uma acuidade visual binocular, com correção ótica se for caso disso, de pelo menos 0,5 utilizando os dois olhos em conjunto.

Além disso, o campo visual deve ser no mínimo de 120° no plano horizontal, ter uma extensão mínima de 50° à esquerda e à direita e de 20° para cima e para baixo. Não deve existir qualquer defeito num raio de 20° em relação ao eixo central.

Se for detetada ou declarada uma doença oftalmológica progressiva, a carta de condução só pode ser emitida ou renovada sob reserva de um exame periódico por uma autoridade médica competente.

6.2.      Os candidatos à emissão ou renovação de uma carta de condução que tenham uma perda funcional total da visão de um olho ou que utilizem apenas um olho, nomeadamente em caso de diplopia, devem ter uma acuidade visual, com correção ótica se for caso disso, de pelo menos 0,5. A autoridade médica competente deve certificar que esse estado de visão monocular existe já há tempo suficiente para que o interessado a ela se tenha adaptado e que o campo de visão desse olho satisfaz o requisito estabelecido no [ponto] 6.1.

6.3.      Após uma diplopia recentemente declarada ou a perda de visão num dos olhos, deve existir um período de adaptação adequado (por exemplo, seis meses), durante o qual será proibida a condução de veículos. Findo este período, só será autorizada a condução uma vez obtido o parecer favorável de especialistas da visão e da condução.

Grupo 2:

6.4.      Os candidatos à emissão ou renovação da carta de condução devem ter uma acuidade visual, com correção ótica se for caso disso, de pelo menos 0,8 para o melhor olho e de pelo menos 0,1 para o pior. Se os valores 0,8 e 0,1 forem alcançados por meio de correção ótica, é necessário que a acuidade mínima (0,8 e 0,1) seja obtida com o auxílio de lentes com um poder de correção máximo de + 8 dioptrias ou com o auxílio de lentes de contacto. A correção deve ser bem tolerada.

Além disso, o campo visual no plano horizontal utilizando os dois olhos deve ser no mínimo de 160°, com uma extensão mínima de 70° à esquerda e à direita e de 30° para cima e para baixo. Não deve existir qualquer defeito num raio de 30° em relação ao eixo central.

No caso dos candidatos ou condutores que sofram de anomalia na sensibilidade aos contrastes ou de diplopia, a carta de condução não será emitida nem renovada.

Após uma perda de visão substancial num dos olhos, deve existir um período de adaptação adequado (por exemplo, seis meses), durante o qual será proibida a condução de veículos. Findo este período, só será autorizada a prática da condução uma vez obtido o parecer favorável de especialistas da visão e da condução.»

18      Segundo o anexo III, ponto 1.3, da Diretiva 2006/126, os Estados‑Membros podem prever que o disposto no referido anexo para os condutores do grupo 2 seja igualmente aplicável aos condutores de veículos da categoria B que utilizem a carta de condução para fins profissionais (táxis, ambulâncias, etc.).

19      Além disso, nos termos do ponto 5 desse anexo, no que diz respeito ao grupo 2, os Estados‑Membros podem, aquando da emissão ou de qualquer renovação ulterior da carta de condução, impor normas mais severas que as mencionadas no referido anexo.

 Direito alemão

20      O § 2, n.° 2, primeiro período, da Lei alemã relativa à circulação rodoviária (Straβenverkehrsgesetz), na sua versão publicada em 5 de março de 2003 (BGBl. 2003 I, p. 310, e retificação p. 919), conforme alterada pela última vez pelo § 2, n.° 118, da Lei de 22 de dezembro de 2011 (BGBl. 2011 I, p. 3044, a seguir «StVG»), tem a seguinte redação:

«A carta de condução deve ser emitida para a respetiva categoria, quando o candidato

[...]

3.      está apto para a condução de veículos a motor,

[...]»

21      O § 2, n.° 4, primeiro período, do StVG define o conceito de «aptidão» da seguinte forma:

«Está apto para a condução de veículos a motor quem preencher as condições físicas e mentais necessárias para o efeito, e não tenha cometido infrações graves, ou reiteradas, às disposições relativas à segurança rodoviária ou a disposições penais.»

22      As exigências específicas que uma pessoa deve cumprir para ser reconhecida apta para a condução de veículos a motor são determinadas pelo Regulamento que regula a concessão da licença de circulação rodoviária (Regulamento da carta de condução) [Verordnung über die Zulassung von Personen zum Straβenverkehr (Fahrerlaubnis‑Verordnung)], de 13 de dezembro de 2010 (BGBl. 2010 I, p. 1980), conforme alterado pela última vez pelo Regulamento de 26 de junho de 2012 (BGBl. 2012 I, p. 1394).

23      No que diz respeito à visão, o § 12, n.° 1, desse regulamento dispõe:

«Para efeitos da condução de veículos a motor, a visão do candidato deve cumprir as exigências referidas no anexo 6».

24      O anexo 6, ponto 2.2.1, do referido regulamento prevê:

«Acuidade visual central diurna:

Há que corrigir, na medida em que a referida correção seja possível e bem tolerada, qualquer defeito de visão, respeitando os valores mínimos seguintes de acuidade visual: acuidade no melhor dos dois olhos ou acuidade visual binocular: 0,8; acuidade no pior dos dois olhos: 0,5.

[...]

Em alguns casos especiais, tendo em conta a experiência de condução e a utilização do veículo, a acuidade visual no pior dos dois olhos pode ser inferior a 0,5 para as categorias C, CE, C1, C1E, desde que não seja inferior a 0,1. Nesse caso, é necessário realizar um exame oftalmológico.»

 Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

25      Por decisão judicial de abril de 2010, foi retirada a carta de condução a W. Glatzel, nascido em 1959, por ter conduzido em estado de embriaguez.

26      Por decisão administrativa de novembro de 2010, o Landratsamt Schwandorf deferiu parcialmente o pedido de W. Glatzel, concedendo‑lhe uma nova carta de condução que o autoriza a conduzir veículos a motor pertencentes às categorias A, A1 e BE, conforme definidas pela Diretiva 2006/126, bem como os de determinadas categorias nacionais que conferem o direito de conduzir velocípedes com motor auxiliar, motociclos ligeiros e veículos ligeiros a motor com uma velocidade máxima de projeto que não exceda 45 quilómetros por hora, bem como tratores para construção civil, ou agrícolas, com uma velocidade máxima de projeto que não exceda 25 e 32 quilómetros por hora, respetivamente.

27      Em contrapartida, na mesma decisão, foi recusada a W. Glatzel a emissão de uma nova carta de condução para os veículos das categorias C1 e C1E, ou seja, os veículos pesados. O Landratsamt Schwandorf fundamentou a sua recusa pelo facto de um exame oftalmológico ter revelado que W. Glatzel sofria de uma ambliopia unilateral, que implica uma perda funcional significativa da visão de um olho. Embora a sua acuidade visual central atingisse 1,0 para o olho esquerdo, sendo portanto total, e a acuidade visual binocular atingisse também o mesmo valor, W. Glatzel, no exame, utilizando apenas com o olho direito só conseguiu distinguir os movimentos da mão. Por conseguinte, a acuidade visual do olho direito de W. Glatzel não cumpre as exigências previstas na legislação alemã para a emissão de uma carta de condução para veículos pertencentes a essas categorias.

28      Na sequência de uma reclamação infrutífera contra essa recusa, W. Glatzel recorreu para o Verwaltungsgericht Regensburg (tribunal administrativo de Regensbourg). Uma vez que este último negou provimento ao recurso, W. Glatzel interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof.

29      Este ordenou diligências de instrução e pediu um relatório de peritagem a um serviço oftalmológico para avaliar o estado atual da visão de W. Glatzel e para determinar se, e em que medida, este podia compensar as deficiências existentes, no caso, as relativas à visão espacial, e se as referidas capacidades de compensação atuam independentemente da sua vontade. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, através de um outro relatório de peritagem, se, de um ponto de vista científico, existem motivos legítimos para recusar a emissão de uma carta de condução para os veículos das categorias C1 e C1E a pessoas com visão monocular devido a razões anatómicas ou funcionais, mesmo quando se comprove que essas pessoas são capazes de compensar as eventuais alterações da sua visão de forma suficiente. Este órgão jurisdicional pretende também saber que requisitos devem ser preenchidos, se for caso disso, para que a condução, por essas pessoas, dos veículos pertencentes a essas categorias não implique mais riscos para a segurança rodoviária do que a condução dos mesmos veículos por pessoas com visão inalterada.

30      Além disso, na audiência que decorreu no órgão jurisdicional de reenvio, os peritos tomaram posição sobre a probabilidade de uma eventual perda de visão de um olho quando a pessoa em causa conduz um veículo pertencente às categorias C1 e C1E e sobre a questão de saber se essa perda de visão pode acontecer de forma tão brusca que o condutor necessite da acuidade visual residual de 0,1 de que dispõe no outro olho para conseguir imobilizar o veículo na berma da estrada.

31      Com base nas informações obtidas, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof considera que há que dar provimento ao recurso de W. Glatzel, ou seja, anular as decisões administrativas e a sentença proferida pelo Verwaltungsgericht Regensburg, concedendo‑lhe uma carta de condução para os veículos das categorias C1 e C1E. Com efeito, este órgão jurisdicional declara que não existe nenhum motivo para proibir a condução de veículos a motor pertencentes a essas categorias às pessoas que têm uma acuidade visual inferior a 0,1 para um olho quando, em primeiro lugar, se trate de pessoas com visão binocular, em segundo lugar, o campo de visão binocular dessas pessoas cumpra as exigências enunciadas no anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 e, em terceiro lugar, as referidas pessoas tenham aprendido a compensar integralmente a visão espacial que lhes falta.

32      No que diz respeito a este último aspeto, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que uma pessoa que carece de visão espacial se adapta a esta falta quando esta surge ao longo da vida, o mais tardar ao fim de seis meses. Esta adaptação, que não depende, aliás, da prática voluntária pelo interessado de determinados comportamentos, ocorre sobretudo quando uma pessoa sofre de uma deficiência visual grave num olho desde a nascença, como no caso de W. Glatzel. Deste modo, a exigência, prevista no anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126, segundo a qual os condutores do grupo 2 devem dispor de uma acuidade visual não inferior a 0,1, não se baseia na ideia de compensar a falta de visão espacial das pessoas em causa, mas na de permitir ao condutor de um veículo a motor pertencente a essas categorias reagir à perda repentina de visão no melhor dos dois olhos ao longo de um trajeto e imobilizar o referido veículo na berma da estrada utilizando a visão residual de que dispõe.

33      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio alega que a exigência dessa acuidade visual residual para o pior dos dois olhos só é objetivamente justificada no que diz respeito às pessoas que não disponham de uma visão binocular ou cujo campo de visão binocular não cumpra as exigências do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126. Em contrapartida, uma pessoa, como W. Glatzel, que dispõe de um campo de visão normal e cujas deficiências visuais afetem a sua acuidade visual central, é capaz de se aperceber dos objetos que aparecem no seu campo de visão periférico essencialmente da mesma forma que uma pessoa que dispõe de uma visão normal, e está, por conseguinte, em condições de imobilizar um veículo a motor que conduza mesmo que utilize apenas a sua visão residual. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que é extremamente raro que os condutores dos veículos pesados percam a visão num olho de forma tão repentina que devam recorrer exclusivamente à visão residual de que dispõem no outro olho para imobilizar o veículo.

34      O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof considera que a exigência prevista no anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 constitui uma ingerência nos direitos fundamentais garantidos nos artigos 20.°, 21.°, n.° 1, e 26.° da Carta, relativos, respetivamente, à igualdade perante a lei, à não discriminação em razão da deficiência e à integração das pessoas com deficiência.

35      Em especial, a impossibilidade de pessoas como W. Glatzel acederem a atividades profissionais cujo exercício é legalmente, ou na prática, sujeito à condição de se obter uma autorização para conduzir veículos das categorias C1 e C1E, constitui uma discriminação em razão da deficiência da pessoa em causa. Além disso, as diferenças existentes entre as exigências, estabelecidas pelo anexo III da Diretiva 2006/126, relativas à visão dos candidatos à emissão ou renovação da carta de condução consoante pertençam ao grupo 1 ou ao grupo 2, constituem uma violação à igualdade de tratamento. De qualquer modo, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que a exigência de uma acuidade visual mínima de 0,1 não se justifica em determinados casos e que uma solução alternativa e mais proporcionada consiste na possibilidade de realizar um exame individual destinado a verificar a aptidão para a condução de veículos das categorias C1 e C1E de uma pessoa amblíope, tal como acontece com os condutores de veículos do grupo 1 do anexo III da Diretiva 2006/126.

36      Nestas condições, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Ao exigir dos candidatos à emissão de uma carta de condução para veículos das categorias C1 e C1E uma acuidade visual mínima de 0,1 no ‘pior olho’ mesmo quando estas pessoas possuem uma acuidade visual binocular e dispõem em ambos os olhos de um campo visual normal — sem que se preveja a hipótese de alguma exceção —, o ponto 6.4 do anexo III da Diretiva 2006/126[…] é compatível com o artigo 20.°, o artigo 21.°, n.° 1, e o artigo 26.° da [Carta]?»

 Quanto à questão prejudicial

37      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, em substância, que aprecie a validade do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126, no que diz respeito às normas mínimas em matéria de visão para os condutores de veículos abrangidos pelas categorias C1 e C1E, ou seja, os veículos pesados, à luz dos artigos 20.°, 21.°, n.° 1, e 26.° da Carta, que se referem, respetivamente, à igualdade perante a lei, à não discriminação em razão da deficiência e à integração das pessoas com deficiência.

38      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a exigência segundo a qual os condutores dos veículos a motor das categorias C1 e C1E devem dispor de uma acuidade visual mínima de 0,1 para o pior dos dois olhos constitui uma discriminação em razão da deficiência contra as pessoas que não tenham tal acuidade visual, na medida em que estas últimas dispõem de uma visão binocular e de um campo de visão suficiente para os dois olhos. Essa exigência em matéria de acuidade visual é igualmente incompatível com o princípio da integração das pessoas com deficiência e contrária à Convenção da ONU sobre a deficiência.

39      Além disso, o referido órgão jurisdicional declara que, nos termos do anexo III, ponto 6, da Diretiva 2006/126, pode ser emitida a carta de condução para os condutores do grupo 1, ou seja, os condutores dos veículos a motor mais leves, em «casos excecionais», mesmo que não satisfaçam as normas relativas ao campo de visão ou à acuidade visual. Em contrapartida, não pode ser emitida uma carta de condução para os condutores do grupo 2, incluindo os que solicitam uma carta de condução para as categorias de veículos C1 e C1E, que disponham de uma acuidade visual inferior a 0,1 para o pior dos dois olhos. Assim, o direito dos referidos condutores à igualdade perante a lei é violado na medida em que a referida diretiva não prevê nenhuma possibilidade de exame médico individual que permita demostrar que, embora os condutores em causa não satisfaçam as normas exigidas, a segurança da condução não está comprometida.

40      A fim de responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, há, em primeiro lugar, que determinar se o legislador da União violou o direito à não discriminação, consagrado no artigo 21.°, n.° 1, da Carta, quando adotou o limiar de acuidade visual que figura no anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126. Devem também ser examinados os eventuais efeitos que a Convenção da ONU sobre a deficiência tem sobre esta disposição. Em segundo lugar, há que apreciar se o artigo 26.° da Carta, que consagra o princípio da integração das pessoas com deficiência, se opõe ao anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 cuja validade é contestada. Em terceiro lugar, há que examinar se o artigo 20.° da Carta, segundo o qual todas as pessoas são iguais perante a lei, obsta a que os condutores de determinados veículos pesados tenham a possibilidade de demonstrar, mediante exame médico individual, que estão aptos para a condução desses veículos, mesmo na falta de determinadas capacidades físicas exigidas pela Diretiva 2006/126, ao passo que outros condutores de outros tipos de veículos dispõem de tal possibilidade.

 Quanto à exigência de não discriminação das pessoas com deficiência consagrada no artigo 21.° da Carta

41      Há que examinar se a regulamentação da União em causa no processo principal, que estabelece as exigências em matéria de acuidade visual para os condutores dos veículos a motor das categorias C1 e C1E, é contrária ao artigo 21.°, n.° 1, da Carta, nos termos do qual «[é] proibida a discriminação em razão, designadamente, d[a] […] deficiência».

42      A este respeito, há que recordar, antes de mais, que, nos termos do artigo 52.°, n.° 1, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades por ela reconhecidos deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

43      O princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral de direito da União, consagrado no artigo 20.° da Carta, de que o princípio da não discriminação, enunciado no artigo 21.°, n.° 1, da Carta, é uma expressão particular. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o referido princípio exige do legislador da União, em conformidade com as exigências do artigo 52.°, n.° 1, da Carta, que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 54, 55 e jurisprudência referida). Uma diferença de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão (acórdãos Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.° 47, e Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.° 77).

44      Em seguida, no que diz respeito à questão particular da discriminação em razão da deficiência, há que observar que o conceito de «deficiência» não está definido na própria Carta.

45      Na sua jurisprudência relativa à igualdade de tratamento em matéria de emprego e de atividade profissional, o Tribunal de Justiça já considerou que o conceito de «deficiência» devia ser entendido, para efeitos da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO L 303, p. 16), lida à luz da Convenção da ONU sobre a deficiência, no sentido de que visa uma limitação, resultante, designadamente, de incapacidades físicas, mentais ou psíquicas duradouras, cuja interação com diferentes barreiras possa impedir a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores (acórdãos HK Danmark, C‑335/11 e C‑337/11, EU:C:2013:222, n.os 37 a 39; Comissão/Itália, C‑312/11, EU:C:2013:446, n.° 56; e Z., C‑363/12, EU:C:2014:159, n.° 76).

46      Nestas condições, há que considerar que, no que diz respeito à questão da discriminação em razão de deficiência, o artigo 21.°, n.° 1, da Carta exige, em especial, que o legislador da União não efetue nenhuma diferença de tratamento com base numa limitação resultante, designadamente, de incapacidades físicas, mentais ou psíquicas duradouras, cuja interação com diferentes barreiras possa impedir a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outras pessoas, exceto no caso de essa diferença de tratamento ser objetivamente justificada.

47      No que diz respeito às pessoas que sofrem, como W. Glatzel, de uma afeção sensorial duradoura e que dispõem de uma acuidade visual inferior a 0,1 no pior dos dois olhos, há que salientar que essas pessoas não cumprem as exigências médicas que constam do anexo III da Diretiva 2006/126 e, por conseguinte, não lhes pode ser emitida uma carta de condução, concretamente, para as categorias de veículos C1 e C1E. Contudo, há que observar que, segundo as informações resultantes da decisão de reenvio, embora a acuidade visual no pior olho de W. Glatzel seja muito fraca, não é menos certo que, sempre que utilize os dois olhos, W. Glatzel dispõe de uma acuidade visual binocular de 1,0, ou seja, uma acuidade «completa». A este respeito, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos suficientes para apreciar se essa afeção constitui uma «deficiência», na aceção do artigo 21.°, n.° 1, da Carta.

48      Ora, para efeitos da apreciação da validade da Diretiva 2006/126 à luz do artigo 21.°, n.° 1, da Carta, não é necessário determinar de forma definitiva se, no processo principal, W. Glatzel é considerado ou não pessoa com deficiência na aceção desta última disposição. Com efeito, ainda que se pressuponha que o estado de uma pessoa, como W. Glatzel, esteja abrangido pelo conceito de «deficiência», na aceção da Carta, a diferença de tratamento que consiste em não lhe ser emitida uma carta de condução para os veículos pertencentes às categorias C1 e C1E, pelo facto de a sua acuidade visual ser insuficiente, é suscetível de ser objetivamente justificada à luz das considerações imperativas relativas à segurança rodoviária.

49      A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, no que diz respeito ao princípio geral da igualdade de tratamento, no contexto dos motivos como a idade ou o sexo, que uma diferença de tratamento com base numa característica, relacionada com esses motivos, não constitui uma discriminação — a saber, uma violação do artigo 21.°, n.° 1, da Carta — sempre que, em virtude da natureza de uma atividade profissional ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo dessa diferença de tratamento ser legítimo e o requisito proporcional aos fins prosseguidos (v., neste sentido, no que diz respeito à discriminação em razão da idade, acórdãos Wolf, C‑229/08, EU:C:2010:3, n.° 35, e Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.° 66; e, neste sentido, no que diz respeito à discriminação em razão do sexo, acórdãos Johnston, 222/84, EU:C:1986:206, n.° 40, e Sirdar, C‑273/97, EU:C:1999:523, n.° 25).

50      Na mesma ordem de ideias, há que considerar, para efeitos do presente processo, que uma diferença de tratamento aplicada a uma pessoa consoante possua ou não a acuidade visual necessária para a condução de veículos a motor não é, em princípio, contrária à proibição de discriminação em razão de deficiência, na aceção do artigo 21.°, n.° 1, da Carta, desde que tal exigência corresponda efetivamente a um objetivo de interesse geral, seja necessária e não constitua um encargo desproporcionado.

51      A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a melhoria da segurança rodoviária constitui um objetivo de interesse geral da União (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos van Schaik, C‑55/93, EU:C:1994:363, n.° 19; Cura Anlagen, C‑451/99, EU:C:2002:195, n.° 59; Comissão/Finlândia, C‑54/05, EU:C:2007:168, n.° 40; Comissão/Itália, C‑110/05, EU:C:2009:66, n.° 60; Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133 n.° 50; Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.° 48; Grasser, C‑184/10, EU:C:2011:324, n.° 26; e Apelt, C‑224/10, EU:C:2011:655, n.° 47). Com efeito, ao fixar no seu anexo III um limiar mínimo de acuidade visual relativamente ao pior olho, para os condutores do grupo 2 na aceção deste anexo, a Diretiva 2006/126 visa melhorar a segurança rodoviária e corresponde assim a um objetivo de interesse geral.

52      Quanto à fiscalização jurisdicional das exigências do princípio da proporcionalidade no que diz respeito às normas mínimas relativas à acuidade visual necessária para a condução dos veículos a motor, há que salientar que, uma vez que se trata de apreciações complexas de ordem médica como as que estão em causa no processo principal, o legislador da União dispõe de um amplo poder de apreciação e o controlo do Tribunal de Justiça deve limitar‑se a examinar se o exercício desse poder de apreciação não está viciado de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se o referido legislador não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação [v., neste sentido, acórdãos Enviro Tech (Europa), C‑425/08, EU:C:2009:635, n.° 47; Afton Chemical, C‑343/09, EU:C:2010:419, n.° 28; e Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.° 60].

53      No entanto, não é menos verdade que, mesmo dispondo desse poder de apreciação, o legislador da União continua obrigado a basear a sua opção em critérios objetivos (v. acórdão Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.° 53) e cabe‑lhe velar pelo respeito dos direitos fundamentais (v., neste sentido, acórdãos Volker und Markus Schecke e Eifert, C‑92/09 e C‑93/09, EU:C:2010:662, n.° 46, e Association belge des Consommateurs Test‑Achats e o., C‑236/09, EU:C:2011:100, n.° 17).

54      Quanto ao carácter necessário das normas mínimas em matéria de visão de condutores dos veículos a motor, há que salientar que é essencial, a fim de garantir a segurança rodoviária, que as pessoas a quem é passada uma carta de condução possuam capacidades físicas adequadas, nomeadamente no que diz respeito à visão, na medida em que as falhas físicas são suscetíveis de ter consequências graves (v., por analogia, no que diz respeito aos pilotos de linha, acórdão Prigge e o., EU:C:2011:573, n.° 67). É efetivamente notório que a visão preenche uma função essencial para a condução de veículos e, por conseguinte, quanto mais reduzida for esta função, mais se afigura necessário tomar em consideração as exigências relativas à segurança rodoviária.

55      Embora a proibição de emitir a carta de condução solicitada por pessoas cuja acuidade visual não atinja um determinado limiar seja necessária e constitua, por certo, um meio efetivo para melhorar a segurança rodoviária ao excluir as referidas pessoas da circulação, não é menos verdade que esta proibição não deve constituir um encargo desproporcionado.

56      Deste modo, num processo como o processo principal, o princípio da proporcionalidade exige a conciliação, na medida do possível, do princípio da igualdade de tratamento com as exigências da segurança rodoviária que são determinantes para as condições da condução dos veículos a motor (v., por analogia, acórdãos Johnston, EU:C:1986:206, n.° 38; Sirdar, EU:C:1999:523, n.° 26, e Kreil, C‑285/98, EU:C:2000:2, n.° 23).

57      Por conseguinte, há que examinar se o anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126, que estabelece o limiar de acuidade visual em 0,1 para os condutores dos veículos a motor do grupo 2 na aceção desse anexo, não é desproporcionado em relação ao objetivo prosseguido.

58      Há que recordar que as normas mínimas relativas à aptidão física e mental para a condução de um veículo a motor, definidas no anexo III da Diretiva 2006/126, foram fixadas, como resulta do considerando 8 dessa diretiva, para responder aos imperativos da segurança rodoviária, em conformidade com o artigo 91.°, n.° 1, alínea c), TFUE.

59      O Comité da Carta de Condução, constituído ao abrigo do artigo 9.° da Diretiva 2006/126, criou o grupo de trabalho «Vision», que publicou, no mês de maio de 2005, o relatório «New standards for the visual functions of drivers». Nos termos desse relatório, embora as exigências estritas em matéria de visão sejam as melhores para prosseguir o objetivo da segurança rodoviária, essas exigências não devem excluir, sem razão válida, as pessoas da atividade de condução de veículos a motor, tendo em conta a importância primordial, tanto do ponto de vista social como económico, que representa essa atividade na sociedade atual.

60      Neste relatório, os peritos do referido grupo de trabalho, embora admitindo uma escassez de dados de pesquisa para determinar os valores mínimos em matéria de acuidade visual, consideraram que, no que diz respeito aos condutores do grupo 2 na aceção do anexo III da Diretiva 2006/126, nomeadamente, os condutores de veículos pesados, deixou de se justificar o valor mínimo de 0,5 para a acuidade visual no pior olho exigido pela diretiva. Contudo, apesar de considerar que é possível defender a tese segundo a qual a condução de veículos a motor é um atividade binocular e que, por conseguinte, nenhuma exigência relativa à acuidade visual monocular pode ser fixada para os condutores desse grupo 2, o grupo de trabalho «Vision» concluiu que a responsabilidade acrescida dos condutores do referido grupo 2 milita a favor da exigência, para esse condutores, de dispor de um «olho de reserva» para, se for caso disso, estarem em condições de imobilizar o veículo que conduzem na berma da estrada utilizando o pior olho.

61      Seguindo as propostas do grupo de trabalho «Vision», o legislador da União alterou o anexo III da Diretiva 2006/126 de modo a que o limiar mínimo de acuidade visual exigido, relativamente ao pior olho para condutores do grupo 2 na aceção desse anexo, seja reduzido de 0,5 para 0,1. Além disso, no seu relatório, o grupo de trabalho «Vision» também menciona precisamente os efeitos da ambliopia para os condutores dos veículos a motor.

62      Nestas condições, afigura‑se que o legislador da União alterou o referido anexo com conhecimento de causa e que se esforçou por limitar, tanto quanto possível, qualquer violação dos direitos das pessoas que sofrem de uma deficiência visual.

63      No entanto, resulta do pedido de decisão prejudicial que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, mesmo este limiar de 0,1, acolhido pela Diretiva 2006/126, se revela excessivo.

64      Ora, no que diz respeito à determinação desse valor mínimo relativo à acuidade visual exigido pela Diretiva 2006/126, há que recordar que o legislador da União dispõe de um amplo poder de apreciação quanto às questões de ordem médica complexas, como as relativas à acuidade visual necessária para a condução dos veículos a motor. Com efeito, neste contexto, o juiz da União não pode substituir pela sua própria apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica a apreciação realizada pelo legislador da União, a quem os Tratados fundadores conferiram esta tarefa (sobre este último ponto, v. acórdão Afton Chemical, EU:C:2010:419, n.° 28).

65      Além disso, o grupo de trabalho «Vision» nota, no seu relatório, uma escassez de estudos científicos relativamente a vários aspetos da visão dos condutores de veículos a motor. A este respeito, há que recordar também a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, quando subsistam incertezas quanto à existência ou ao alcance de riscos para a saúde das pessoas, o legislador da União pode adotar as medidas de proteção sem ter de esperar que a realidade e a gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (v., neste sentido, acórdãos Reino Unido/Comissão, C‑180/96, EU:C:1998:192, n.° 99; Comissão/Dinamarca, C‑192/01, EU:C:2003:492, n.° 49; e Gowan Comércio Internacional e Serviços, C‑77/09, EU:C:2010:803, n.° 73).

66      Tendo em conta a ligação estreita existente entre a segurança rodoviária e a proteção da saúde dos utentes da estrada, quando o legislador da União adapta, em conformidade com o artigo 8.° da Diretiva 2006/126, as normas mínimas em matéria de acuidade visual ao progresso científico e técnico, é‑lhe permitido, face a incertezas científicas, privilegiar as considerações relativas à melhoria da segurança rodoviária. Deste modo, o facto de o referido legislador ter decidido, com a preocupação de não comprometer a segurança rodoviária, não suprimir toda e qualquer exigência mínima relativa à acuidade visual no pior olho dos condutores do grupo 2 na aceção do anexo III da referida diretiva, não confere a esta medida de adaptação um caráter desproporcionado.

67      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o facto de W. Glatzel não ter recebido a carta de condução solicitada pode constituir uma discriminação na aceção do artigo 2.° da Convenção da ONU sobre a deficiência. Resulta dos termos do referido artigo, intitulado, «Definições», que a discriminação em razão da deficiência inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação de adaptações razoáveis.

68      A este respeito, há que recordar que a União aprovou a Convenção da ONU sobre a deficiência por Decisão 2010/48. Por conseguinte, as disposições desta Convenção constituem, a partir da sua entrada em vigor, parte integrante da ordem jurídica da União (v., acórdãos Haegeman, 181/73, EU:C:1974:41, n.° 5, e Z., EU:C:2014:159, n.° 73). Além disso, resulta do apêndice do anexo II da Decisão 2010/48 que, no que diz respeito à mobilidade das pessoas, a Diretiva 2006/126 figura entre os atos jurídicos da União relativos às questões reguladas pela referida Convenção.

69      No entanto, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tendo em conta que as disposições da Convenção da ONU sobre a deficiência estão dependentes, na sua execução ou nos seus efeitos, de atos posteriores emanados das partes contratantes, as disposições desta Convenção não constituem, do ponto de vista do seu conteúdo, disposições incondicionais e suficientemente precisas que permitam uma fiscalização da validade do ato do direito da União à luz das disposições da referida Convenção (v., neste sentido, acórdão Z, EU:C:2014:159, n.os 89 e 90).

70      Contudo, não deixa de ser verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o primado dos acordos internacionais celebrados pela União sobre os textos de direito derivado determina que estes últimos sejam interpretados, na medida do possível, em conformidade com esses acordos (v., nomeadamente, acórdãos Comissão/Alemanha, C‑61/94, EU:C:1996:313, n.° 52; HK Dinamarca, EU:C:2013:222, n.° 29; e Z., EU:C:2014:159, n.° 72).

71      Ora, há que observar que o anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 prevê, de forma inequívoca, que os condutores dos veículos a motor abrangidos pelas categorias C1 e C1E devem dispor de uma acuidade visual mínima de 0,1 no pior dos dois olhos. Nestas condições, não se afigura possível dar a esta disposição de direito derivado uma interpretação que permita afastarmo‑nos da regra clara que enuncia este valor mínimo.

72      Resulta das considerações precedentes que o legislador da União, ao aprovar a disposição cuja validade é contestada, ponderou, por um lado, os imperativos da segurança rodoviária e, por outro, o direito à não discriminação das pessoas portadoras de deficiência visual de uma forma que não pode ser considerada desproporcionada em relação aos objetivos prosseguidos.

73      Face ao exposto, há que declarar que o exame da questão submetida não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 à luz do artigo 21.°, n.° 1, da Carta.

 Quanto à integração das pessoas com deficiência consagrada no artigo 26.° da Carta

74      Há que recordar, como resulta do artigo 52.°, n.os 5 e 7, da Carta e das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), relativas aos artigos 26.° e 52.°, n.° 5, da Carta, que a invocação do artigo 26.° desta perante o juiz é admitida para a interpretação e a fiscalização da legalidade dos atos legislativos da União que aplicam o princípio enunciado no referido artigo, ou seja, a integração das pessoas com deficiência.

75      Quanto à aplicação desse princípio pela Diretiva 2006/126, resulta nomeadamente dos termos do seu considerando 14 que «é necessário adotar disposições específicas que favoreçam o acesso das pessoas com deficiência física à condução de veículos». Do mesmo modo, o artigo 5.°, n.° 2, da dita diretiva refere os requisitos de emissão de uma carta de condução aos condutores portadores de uma deficiência física, nomeadamente no que diz respeito à autorização da condução para veículos adaptados.

76      Deste modo, na medida em que a Diretiva 2006/126 constitui um ato legislativo da União que aplica o princípio contido no artigo 26.° da Carta, esta última disposição é aplicável no processo principal.

77      Além disso, por força do artigo 51.°, n.° 1, segundo período, da Carta, o legislador da União observa e promove a aplicação dos princípios nela enunciados. No que se refere ao princípio da integração das pessoas com deficiência, o artigo 26.° da Carta proclama que a União reconhece e respeita o direito de as pessoas com deficiência beneficiarem de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e profissional e a sua participação na vida da comunidade.

78      Por conseguinte, embora o artigo 26.° da Carta determine que a União respeita e reconhece o direito de as pessoas com deficiência beneficiarem de medidas de integração, o princípio consagrado neste artigo não implica que o legislador da União seja obrigado a adotar determinada medida especial. Com efeito, para que este artigo produza plenamente os seus efeitos, deve ser concretizado por disposições do direito da União ou do direito nacional. Por conseguinte, o referido artigo não pode, por si próprio, conferir aos particulares um direito subjetivo que possa ser invocado enquanto tal (v., neste sentido, no que diz respeito ao artigo 27.° da Carta, acórdão Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.os 45 e 47).

79      Face ao exposto, há que declarar que o exame da questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 à luz do artigo 26.°, n.° 1, da Carta.

 Quanto ao princípio da igualdade perante a lei consagrado no artigo 20.° da Carta

80      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, para os condutores do grupo 1 na aceção do anexo III da Diretiva 2006/126, que não satisfazem as normas relativas, nomeadamente, à acuidade visual, pode ser ponderada a emissão da carta de condução em «casos excecionais» quando um condutor se sujeite a um exame individual relativo à sua aptidão para a condução. Deste modo, o facto de não existir tal possibilidade para os condutores do grupo 2, na aceção do mesmo anexo, pode constituir uma diferença de tratamento contrária ao artigo 20.° da Carta.

81      Como foi recordado no n.° 43 do presente acórdão, esse artigo, intitulado «Igualdade perante a lei», visa garantir que situações comparáveis não possam ter um tratamento diferente.

82      Por conseguinte, há que apreciar se são comparáveis, por um lado, a situação dos condutores do grupo 1 na aceção do anexo III da Diretiva 2006/126 e, por outro, a dos condutores do grupo 2 na aceção do mesmo anexo.

83      A este respeito, como o advogado‑geral observou no n.° 62 das suas conclusões, o legislador da União teve o cuidado de criar duas categorias de condutores em função do tipo de veículo, do número de passageiros transportados e das responsabilidades que decorrem, deste modo, da condução destes veículos. Com efeito, as características dos veículos em causa, como o tamanho, o peso, ou ainda a manobrabilidade desses veículos, justificam a existência de condições diferentes para a emissão da carta de condução em vista da sua condução. Por conseguinte, as situações dos condutores desses veículos não são comparáveis.

84      Na medida em que as referidas situações não são comparáveis, uma diferença de tratamento das situações em causa não viola o direito dos condutores de um ou de outro grupo de condutores à «igualdade perante a lei» consagrada no artigo 20.° da Carta.

85      Deste modo, uma vez que a situação dos condutores dos grupos 1 e 2 não são comparáveis, o artigo 20.° da Carta não se opõe ao anexo III, ponto 6, da Diretiva 2006/126, na parte em que o referido ponto permite a emissão de uma carta de condução aos condutores do grupo 1 em «casos excecionais», mesmo na falta de uma acuidade visual que cumpre as exigências previstas nessa diretiva para os condutores desse grupo, mas não o permite no caso dos condutores do grupo 2.

86      Face ao exposto, há que declarar que o exame da questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126 à luz dos artigos 20.°, 21.°, n.° 1, ou 26.° da Carta.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O exame da questão submetida não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do anexo III, ponto 6.4, da Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução, conforme alterada pela Diretiva 2009/113/CE da Comissão, de 25 de agosto de 2009, à luz dos artigos 20.°, 21.°, n.° 1, e 26.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.