Language of document : ECLI:EU:F:2009:160

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Primeira Secção)

30 de Novembro de 2009 (*)

«Função pública – Funcionários – Processo disciplinar – Suspensão de um funcionário – Retenção sobre a remuneração – Alegação de falta grave – Direitos de defesa – Competência – Não publicação de uma delegação de poderes – Incompetência do autor do acto impugnado»

No processo F‑80/08,

que tem por objecto um recurso interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

Fritz Harald Wenig, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Woluwé‑Saint‑Pierre (Bélgica), representado por G.‑A. Dal, D. Voillemot, D. Bosquet e S. Woog, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Currall e D. Martin, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, H. Kreppel (relator) e H. Tagaras, juízes,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Junho de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 13 de Outubro de 2008, por carta (o original foi entregue no próprio dia), F. Wenig pede a anulação da decisão de 18 de Setembro de 2008, através da qual a Comissão das Comunidades Europeias, o suspendeu por período indeterminado e ordenou uma retenção de 1 000 euros por mês sobre a sua remuneração por um período máximo de seis meses, em aplicação dos artigos 23.° e 24.° do anexo IX do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»).

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 86.° do Estatuto:

«1.      Todo e qualquer incumprimento dos deveres com fundamento no presente Estatuto, a que o funcionário ou o ex‑funcionário se encontra vinculado, voluntariamente efectivado ou por negligência, sujeita o mesmo a uma sanção disciplinar.

[…]

3.      As regras, procedimentos e medidas disciplinares, bem como as regras e procedimentos relativos aos inquéritos administrativos, constam do anexo IX.»

3        O artigo 23.° do anexo IX do Estatuto tem a seguinte redacção:

«1.      Quando a autoridade competente para proceder a nomeações acusar um funcionário de falta grave, quer por incumprimento das suas obrigações profissionais, quer por infracção de direito comum, pode suspendê‑lo imediatamente por um período determinado ou indeterminado.

2.      A autoridade competente para proceder a nomeações tomará esta decisão após ter ouvido o funcionário acusado, salvo em circunstâncias excepcionais.»

4        O artigo 24.°, n.os 1 e 2, do anexo IX do Estatuto, tem a seguinte redacção:

«1.      A decisão de suspensão deve especificar se, durante o período de suspensão, o funcionário conserva a sua remuneração completa ou se lhe é aplicada uma retenção e, neste caso, qual o seu montante. O montante pago ao funcionário não pode, em caso algum, ser inferior ao mínimo vital previsto no artigo 6.° do anexo VIII do presente Estatuto, acrescido das eventuais prestações familiares devidas.

2.      A situação do funcionário suspenso deve ser definitivamente regulada no prazo de seis meses a contar da data em que a decisão de suspensão produz efeitos. Se não tiver sido tomada qualquer decisão no termo do prazo de seis meses, o funcionário em causa receberá, de novo, a sua remuneração completa, sem prejuízo do disposto no n.° 3.»

5        Em 30 de Novembro de 2007, a Comissão adoptou a Decisão C (2007) 5730 relativa ao exercício dos poderes conferidos pelo Estatuto, à autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»), e pelo Regime aplicável aos outros agentes (a seguir «ROA») à entidade habilitada a celebrar contratos de admissão (a seguir «EHCA»). O artigo 1.°, primeiro parágrafo, desta decisão, publicada nas Informações Administrativas n.° 57‑2007, de 6 de Dezembro de 2007, tem a seguinte redacção:

«Os poderes conferidos pelo Estatuto […] à AIPN, e pelo ROA à EHCA, no que respeita ao pessoal da Comissão remunerado a partir das dotações de funcionamento e o pessoal remunerado a partir das dotações para a pesquisa e desenvolvimento tecnológico, à excepção do pessoal afectado ao Centro Comum de Investigação, são exercidos, dependendo do caso e sob reserva do exposto em seguida, pela Comissão, pelo membro da Comissão encarregado do pessoal, pelo membro da Comissão encarregado do serviço externo unificado, pelo director‑geral do pessoal e pelos outros directores‑gerais, incluindo os chefes de serviço e os directores [do Serviço ‘Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais’], do [Serviço ‘Infra‑estruturas e logística’ em Bruxelas] e do [Serviço ‘Infra‑estruturas e logística’ no Luxemburgo], nas condições estipuladas no anexo I».

6        Nos termos do n.° 14 da parte VI «Disciplina […]» do «[q]uadro das AIPN para o pessoal da Comissão remunerado a partir do orçamento de funcionamento e do orçamento de pesquisa (à excepção do [Centro Comum de Investigação])», para o qual remete o anexo I da Decisão C (2007) 5730, previa‑se que os poderes atribuídos à AIPN para suspender um funcionário em aplicação dos artigos 23.° e 24.° do anexo IX do Estatuto, tratando‑se de funcionários de grau AD 16 e AD 15 e de funcionários de grau AD 14 de enquadramento superior (directores ou equivalentes), fossem exercidos pela Comissão e, tratando‑se de outros funcionários, pelo director‑geral do pessoal.

7        Por comunicação de 9 de Setembro de 2008, o projecto de Decisão C (2008) 5085 que alterava a Decisão C (2007) 5730, foi inserido na ordem de trabalhos da reunião n.° 1842 do colégio dos comissários de 10 de Setembro de 2008. Esse projecto de decisão previa a transferência da competência para suspender os funcionários de grau AD 16 e AD 15, bem como os funcionários de grau AD 14 de enquadramento superior (directores ou equivalentes), para o membro da Comissão encarregado do pessoal. Na reunião de 10 de Setembro de 2008, o colégio dos comissários decidiu «modificar a Decisão C (2007) 5730 […] tal como reproduzid[a] no documento C (2008) 5085» precisando que esta decisão «produzi[ria] efeitos imediatamente» (a seguir «decisão de 10 de Setembro de 2008»). Esta decisão não foi publicada nas Informações Administrativas.

8        Em 29 de Abril de 2009, a Comissão adoptou a Decisão C (2009) 3074 «que altera a Decisão C (2007) 5730», na qual previa que os poderes atribuídos à AIPN para suspender um funcionário seriam exercidos, a partir dali, tratando‑se de funcionários de grau AD 16 e AD 15 e de funcionários de grau AD 14 de enquadramento superior (directores ou equivalentes), pelo membro da Comissão encarregado do pessoal. Esta decisão foi publicada nas Informações Administrativas n.° 33‑2009, de 8 de Maio de 2009.

 Factos na origem do litígio

9        À data dos factos controvertidos, o recorrente era funcionário da Comissão de grau AD 15 e exercia as funções de director da Direcção G «Acesso aos mercados e indústria», que dependia da Direcção‑Geral (DG) «Comércio» da Comissão, encarregada em particular da aplicação da política antidumping.

10      Em 7 de Setembro de 2008, o periódico britânico Sunday Times publicou no seu jornal em versão papel, e no seu sítio Internet, um artigo com o título «Revelado: como um eurocrata divulga segredos comerciais em jantares sumptuosos («Revealed: how Eurocrat leaked trade secrets over lavish dinners»). Neste artigo, relatavam‑se três jantares em que o recorrente participou entre os meses de Março e Setembro de 2008 em restaurantes de Bruxelas (Bélgica), com jornalistas do Sunday Times que se apresentaram na qualidade de correspondentes de um exportador chinês com interesse em determinados procedimentos antidumping conduzidos pela Comissão. Ainda segundo este artigo, durante esses jantares e conversas telefónicas o recorrente transmitiu aos seus interlocutores informações relativas a processos em curso na Comissão, informações essas que não estava autorizado a divulgar. Em troca dessas informações, foi igualmente proposta ao interessado a colaboração nas actividades do alegado exportador chinês mediante uma remuneração anual de 600 000 euros, mas, de acordo com o artigo, o recorrente apenas colocou a hipótese de tal colaboração após a sua aposentação. Por fim, à proposta de transferência de um montante de 100 000 euros, feita no segundo jantar, o interessado respondeu que tal soma podia ser‑lhe depositada numa conta bloqueada à qual teria acesso após a sua aposentação, precisando contudo que a transferência apenas poderia ser feita em função dos resultados obtidos pelo alegado exportador chinês graças à transmissão de informações.

11      No âmbito de uma investigação administrativa iniciada pela Comissão, o recorrente foi ouvido em 10 de Setembro de 2008 por dois funcionários do Serviço de Averiguação e Disciplina da Comissão (IDOC). Durante esta audição, o recorrente, assistido pelo seu advogado, admitiu ter sido convidado e ter comparecido nos três jantares descritos no artigo do Sunday Times sem disso ter informado a hierarquia. Reconheceu igualmente ter transmitido aos seus interlocutores várias informações, em particular, a respeito do nome de duas sociedades chinesas produtoras de velas, susceptíveis de adquirir, no fim de um processo antidumping em curso, o estatuto de sociedade que opera em condições de economia de mercado. Todavia, o recorrente sublinhou que estas informações eram semi‑públicas e, em todo o caso, desprovidas de qualquer valor comercial. Por fim, embora tenha indicado aos funcionários do IDOC que, quando no segundo jantar os seus interlocutores propuseram, em troca da comunicação dessas informações, a transferência de um montante em dinheiro para uma conta bancária num país com regime fiscal privilegiado, negou ter aceite essa proposta e sublinhou que nesses contactos apenas previu a possibilidade de colaborar na actividade do exportador chinês após a sua aposentação.

12      Por correio de 11 de Setembro de 2008, o membro da Comissão encarregado do pessoal, invocando a sua qualidade de AIPN, informou o recorrente que previa a possibilidade de lhe aplicar uma medida de suspensão, bem como uma retenção sobre a sua remuneração, em aplicação dos artigos 23.° e 24.° do anexo IX do Estatuto, e convocou‑o para uma audição em 12 de Setembro de 2008.

13      Por carta de 12 de Setembro de 2008, o advogado do recorrente solicitou à Comissão o adiamento da audição tendo acrescentado que o interessado pretendia «utilizar a língua francesa durante todo o processo instaurado contra ele».

14      Nesse mesmo dia 12 de Setembro de 2008, o membro da Comissão encarregado do pessoal informou o recorrente de que a audição iria decorrer em 16 de Setembro de 2008, tendo precisado que seria possível o interessado utilizar a língua francesa durante essa audição.

15      Em 16 de Setembro de 2008, o recorrente foi ouvido pelo membro da Comissão encarregado do pessoal. Durante essa audição, cuja acta foi redigida em inglês, o interessado reiterou, em substância, as declarações feitas perante os funcionários do IDOC.

16      No mesmo dia 16 de Setembro de 2008, o recorrente apresentou queixa e constituiu‑se assistente, contra, nomeadamente, os autores do artigo do Sunday Times.

17      Por decisão de 18 de Setembro de 2008, cujos considerandos se referiam à Decisão da Comissão C (2007) 5730, de 30 de Novembro de 2007, relativa ao exercício dos poderes atribuídos pelo Estatuto à AIPN e pelo ROA à EHCA, e «modificada em último lugar pela decisão […] de 10 de Setembro de 2008», em aplicação dos artigos 23.° e 24.° do anexo IX do Estatuto, o membro da Comissão encarregado do pessoal suspendeu o recorrente por período indeterminado e ordenou a retenção de 1 000 euros por mês sobre a sua remuneração por um período máximo de seis meses (a seguir «decisão impugnada»).

18      Para fundamentar a decisão impugnada, o membro da Comissão encarregado do pessoal baseou‑se na circunstância de o interessado ter violado as disposições dos artigos 11.°, 12.° e 17.°, n.° 1, do Estatuto, revelada pelas informações publicadas «em diferentes artigos de imprensa, em particular no Sunday Times», e nas audições do recorrente perante os funcionários do IDOC, e perante ele próprio. Com efeito, de acordo com a decisão impugnada, o recorrente tinha transmitido informações confidenciais a pessoas a quem as mesmas não podiam ser comunicadas, tinha‑se demonstrado disposto a ser posteriormente recrutado por essas pessoas por um salário elevado em troca de uma colaboração que teria começado mesmo antes da sua aposentação, e não tinha, nem informado a sua hierarquia do facto de ter sido abordado por esses interlocutores, nem pedido autorização para manter tais contactos repetidos. Por fim, a decisão impugnada sublinhava que, a serem provados, tais comportamentos seriam constitutivos de «falta profissional grave da parte do recorrente», atendendo nomeadamente ao «grave atentado à reputação da Comissão» que tinham implicado, e à elevada posição do interessado na Comissão.

19      Em 24 de Setembro de 2008, o recorrente apresentou um pedido de assistência com base no artigo 24.° do Estatuto, datado de 23 de Setembro de 2008, pedindo que a Comissão tomasse todas as medidas úteis com vista à reposição da sua honorabilidade profissional e, em particular, intentasse uma acção judicial para que fosse reconhecida a ilegalidade da actuação dos autores do artigo do Sunday Times.

20      Em 3 de Outubro de 2008, o recorrente apresentou uma reclamação na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, para obter a anulação da decisão impugnada.

21      Por nota de 22 de Janeiro de 2009, a Comissão respondeu ao pedido de assistência apresentado em 24 de Setembro de 2008 pelo recorrente, indicando que o inquérito aberto pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) substituía as investigações que a AIPN teria podido levar a cabo com base no artigo 24.° do Estatuto. A Comissão acrescentava que essa nota não constituía um indeferimento do pedido de assistência.

22      Em 29 de Janeiro de 2009, o OLAF encerrou o inquérito e, em 12 de Fevereiro seguinte, transmitiu as suas conclusões às autoridades judiciais belgas.

23      Por decisão de 3 de Fevereiro de 2009, a AIPN indeferiu a reclamação da decisão impugnada.

24      Por decisão de 18 de Fevereiro de 2009, foi aceite o pedido de aposentação apresentado pelo recorrente, com efeitos a partir de 1 de Maio de 2009.

 Pedidos das partes e tramitação processual

25      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 13 de Outubro de 2008, por correio, o recorrente interpôs o presente recurso. No mesmo dia, um pedido de suspensão da execução da decisão impugnada foi igualmente apresentado no Tribunal.

26      Por cartas da Secretaria de 14 de Outubro de 2008, as partes foram informadas da suspensão do processo principal até indeferimento explícito ou implícito da reclamação apresentada pelo recorrente em 3 de Outubro de 2008.

27      Por despacho de 17 de Dezembro de 2008, o Presidente do Tribunal indeferiu o pedido de suspensão da execução da decisão impugnada.

28      No seguimento da decisão que indeferiu a reclamação as partes foram informadas, por cartas da Secretaria de 25 de Fevereiro de 2009, do prosseguimento do processo no Tribunal.

29      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

30      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente a suportar as suas próprias despesas bem como as da Comissão.

31      No âmbito de uma medida de organização do processo, o Tribunal convidou a Comissão a confirmar que tinha sido adoptada a decisão de 10 de Setembro de 2008, referida nos considerandos da decisão impugnada, e em caso afirmativo, a apresentar cópia dessa decisão precisando se a mesma tinha sido publicada. Em resposta a esta medida, por correio de 3 de Junho de 2009, a Comissão apresentou, por um lado, cópia da comunicação de 9 de Setembro de 2008 do Vice‑Presidente da Comissão, na qual figurava o projecto na origem da decisão de 10 de Setembro de 2008 e, por outro, a acta da reunião do colégio dos comissários de 10 de Setembro de 2008, no decurso da qual o projecto foi adoptado. Além disso, admitindo que a decisão de 10 de Setembro de 2008 não tinha sido publicada nas Informações Administrativas, a Comissão sublinhou que a comunicação de 9 de Setembro de 2008 foi divulgada no sítio intranet da Comissão, tendo fornecido a ligação electrónica que permitia aceder‑lhe.

32      No relatório preparatório de audiência, o Tribunal convidou as partes a concentrarem as suas alegações na questão de saber se o membro da Comissão encarregado do pessoal era competente para adoptar a decisão impugnada.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

33      Depois de ter recordado que a decisão impugnada tinha, por um lado, suspendido o recorrente por período indeterminado e, por outro, ordenado a retenção de 1 000 euros por mês sobre a sua remuneração por um período máximo de seis meses, a Comissão alega que o recorrente, aposentado desde 1 de Maio de 2009, já não tem interesse em pedir a anulação da decisão impugnada, pelo menos na parte em que esta decisão o suspende do exercício das suas funções.

34      A este respeito, é certo que a decisão impugnada, na parte em que ordenou a suspensão do recorrente por período indeterminado, foi implícita mas necessariamente derrogada, quando em 1 de Maio de 2009 o interessado se aposentou, pois uma medida de suspensão apenas diz respeito aos funcionários em actividade. Por outro lado, ainda antes da interposição do presente recurso, a decisão impugnada caducou na parte em que ordenou a retenção sobre a remuneração do recorrente, na medida em que de acordo com o artigo 24.°, n.° 2, do anexo IX do Estatuto, a retenção se limitava a um período de seis meses.

35      Contudo, as circunstâncias acima lembradas não privaram o presente recurso de objecto, nem implicam que o interesse do recorrente em pedir a anulação total da decisão impugnada desapareça, uma vez que a mesma produziu efeitos, não apenas sobre a sua situação material, mas também sobre a sua honorabilidade (v., por analogia, no que respeita ao interesse de um funcionário aposentado por invalidez total em pedir a anulação do seu relatório de classificação, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 2008, Gordon/Comissão, C‑198/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.os 44 e 45).

36      Daqui resulta que o fundamento de inadmissibilidade deve ser afastado.

 Quanto ao mérito

37      Na sua petição, o recorrente invoca sete fundamentos com base:

–        na violação do artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto, por falta de fundamentação;

–        na violação dos direitos de defesa;

–        na violação do artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»);

–        na existência de erros manifestos de apreciação no que respeita aos factos alegados;

–        na violação do artigo 23.° do anexo IX do Estatuto no que respeita à alegada falta grave;

–        na violação do princípio da proporcionalidade;

–        na violação do dever de assistência.

38      Por outro lado, na audiência, o recorrente invocou um oitavo fundamento baseado na alegação de que a decisão impugnada foi adoptada por entidade incompetente.

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação do artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto, por falta de fundamentação

–       Argumentos das partes

39      O recorrente defende que a decisão impugnada não está suficiente nem validamente fundamentada, na medida em que não expõe de forma detalhada as razões pelas quais os factos alegados contra ele são constitutivos de uma falta e, além disso, de uma falta grave.

40      Em sua defesa, a Comissão conclui pedindo que o fundamento seja julgado improcedente, alegando que decisão impugnada está suficientemente fundamentada.

–       Apreciação do Tribunal

41      De acordo com jurisprudência assente, a obrigação de fundamentar uma decisão que cause prejuízo tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer o seu controlo sobre a legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão está bem fundamentada ou se contém vício que autorize a contestação da sua legalidade. Esta exigência está preenchida sempre que o acto susceptível de recurso ocorrer num contexto conhecido do funcionário, que lhe permita compreender o alcance da medida tomada a seu respeito (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Dezembro de 1993, Turner/Comissão, T‑80/92, Colect., p. II‑1465, n.° 62, e de 27 de Novembro de 1997, Pascall/Comissão, T‑20/96, ColectFP, pp. I‑A‑361 e II‑977, n.° 44).

42      No caso em apreço, resulta dos articulados que na decisão impugnada, cujo teor é relembrado no n.° 18 supra, a Comissão descreveu de forma detalhada a natureza das alegações de falta grave formuladas contra o recorrente. Indicou igualmente que essas alegações tinham origem em informações provenientes de «vários artigos de imprensa, em particular [o artigo do] Sunday Times», e sublinhou que tais comportamentos, a comprovarem‑se, seriam constitutivos de «falta profissional grave da parte do recorrente», atendendo, nomeadamente, ao «grave atentado à reputação da Comissão» que teriam provocado e da posição elevada do interessado na Comissão.

43      Daqui resulta que o recorrente não tem razão quando pretende que a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada.

44      Nestas circunstâncias, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação dos direitos de defesa

–       Argumentos das partes

45      O recorrente alega que para adoptar a decisão impugnada, a Comissão se baseou em informações publicadas em «vários artigos de imprensa, em particular no Sunday Times de 7 de Setembro de 2008». Ora, de acordo com o interessado, apenas o artigo do Sunday Times lhe foi comunicado e não os demais artigos de imprensa. Assim sendo, o princípio do respeito pelos direitos da defesa foi violado.

46      Em sua defesa, a Comissão responde que respeitou o princípio dos direitos da defesa ao ter ouvido o recorrente antes da adopção da decisão impugnada.

47      A Comissão acrescenta que, de qualquer forma, seria novamente dada oportunidade ao recorrente para se exprimir, em caso de posterior abertura de procedimentos penais e disciplinares.

–       Apreciação do Tribunal

48      De acordo com jurisprudência assente, o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo iniciado contra um terceiro e susceptível de culminar num acto que afecte os seus interesses, constitui um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação relativa ao procedimento em causa (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 6 de Maio de 1997, Quijano/Comissão, T‑169/95, ColectFP, pp. I‑A‑91 e II‑273, n.° 44, e de 10 de Julho de 1997, Gaspari/Parlamento, T‑36/96, ColectFP, pp. I‑A‑201 e II‑595, n.° 32).

49      Este princípio, que corresponde a exigências de boa administração, exige que todas as pessoas em relação às quais possam ser tomadas decisões que afectem os seus interesses sejam colocadas em condições de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista em relação às acusações que contra elas existem e que servem de base à referida decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal e o./Comissão, T‑450/93, Colect., p. II‑1177, n.° 42, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373, n.° 21).

50      Deve ainda recordar‑se que as disposições do artigo 23.°, n.° 2, do anexo IX do Estatuto, que têm por objecto garantir o respeito dos direitos da defesa nos processos de suspensão de funcionários, prevêem que a AIPN só pode tomar uma decisão de suspensão depois de ter ouvido o funcionário em questão, salvo circunstâncias excepcionais.

51      No caso em apreço, resulta dos articulados que, em aplicação das disposições do artigo 23.°, n.° 2, do anexo IX do Estatuto, acima referidas, o recorrente foi ouvido em 16 de Setembro de 2008, ou seja, previamente à adopção da decisão impugnada, pelo Vice‑Presidente da Comissão encarregado do pessoal, que o informou das alegações de falta grave formuladas contra si e o colocou em condições de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre essas alegações.

52      Por outro lado, embora o recorrente alegue que a Comissão apenas lhe comunicou o artigo do Sunday Times, antes da audição de 16 de Setembro de 2008, quando ela própria indicou na decisão impugnada ter‑se baseado em «vários artigos de imprensa, em particular [o artigo do] Sunday Times», resulta dos autos que tal como o interessado reconheceu em audiência, os artigos de imprensa divulgados na sequência da publicação do artigo do Sunday Times se limitaram a reproduzir o teor das informações reveladas pelos jornalistas do Sunday Times.

53      O recorrente não tem portanto qualquer fundamento para pretender que a Comissão violou o princípio do respeito dos direitos da defesa.

54      Daqui resulta que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, baseado na violação do artigo 6.° da CEDH

–       Argumentos das partes

55      O recorrente alega que a decisão impugnada foi adoptada em violação do princípio da equidade processual garantido pelo artigo 6.°  da CEDH, na medida em que as informações em que a AIPN se baseou para decidir sobre a suspensão foram obtidas sem o seu conhecimento, no contexto de uma armadilha organizada pelos jornalistas do Sunday Times.

56      Em sua defesa a Comissão sublinha que a jurisprudência comunitária, de acordo com a qual o artigo 6.° da CEDH não se aplica a procedimentos disciplinares, se impõe por maioria de razão tratando‑se de uma suspensão.

–       Apreciação do Tribunal

57      De acordo com jurisprudência assente, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo juiz comunitário. Para este efeito, este último inspira‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos humanos em que os Estados‑Membros colaboraram ou a que aderiram. A CEDH reveste, neste contexto, um significado particular (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Junho de 2003, Schmidberger, C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 71, de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 35, e de 18 de Janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, Colect., p. I‑439, n.° 76).

58      De acordo com o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

59      Contudo, há que relembrar que um procedimento de suspensão e de retenção sobre a remuneração não é judicial, mas administrativo, de forma que a Comissão não pode ser qualificada de «tribunal» na acepção do artigo 6.° da CEDH (v., por analogia, despacho do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, N/Comissão, C‑252/97 P, Colect., p. I‑4871, n.° 52; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 1991, de Compte/Parlamento, T‑26/89, Colect., p. II‑781, n.° 94, e de 21 de Novembro de 2000, A/Comissão, T‑23/00, ColectFP, pp. I‑A‑263 e II‑1211, n.° 24). Por conseguinte, o respeito das obrigações que este artigo impõe a um «tribunal» não pode ser exigido à Comissão no momento em que procede à suspensão de um funcionário e a retenções sobre a sua remuneração.

60      Daqui resulta que o recorrente não pode utilmente invocar uma violação pela Comissão do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH.

61      O terceiro fundamento não pode portanto ser acolhido.

 Quanto ao quarto e quinto fundamentos baseados, respectivamente, na existência de erros manifestos de apreciação no que respeita aos factos alegados e na violação do artigo 23.° do anexo IX do Estatuto no que respeita à alegada falta grave

–       Argumentos das partes

62      O recorrente defende que as alegações de falta grave invocadas contra ele pela Comissão, baseadas em particular na violação das disposições dos artigos 11.°, n.° 2, e 17.°, n.° 1, do Estatuto, são manifestamente infundadas, por assentarem em informações falsas relatadas pelo artigo do Sunday Times.

63      A este respeito, o recorrente alega que apenas transmitiu informações «semi‑públicas» e desprovidas de qualquer incidência comercial, respeitantes a processos antidumping e relativas, nomeadamente, à duração previsível dos referidos processos, aos critérios para obter o estatuto de sociedade que opera em condições de economia de mercado ou à necessidade de recorrer a um advogado ou consultor nesta matéria.

64      Para além disso, embora o recorrente admita ter aceite três convites para jantar com jornalistas do Sunday Times que se faziam passar por correspondentes de um exportador chinês, sublinha que a participação em jantares, prática corrente na Comissão, não pode ser vista como contrária às obrigações profissionais dos funcionários e não necessita de obtenção da autorização prévia prevista no artigo 11.°, n.° 2, do Estatuto.

65      Por fim, o recorrente alega nunca ter recebido qualquer montante em dinheiro, nem nunca ter feito depender a transmissão de informações suplementares da obtenção, após a sua aposentação, de um emprego ao serviço do exportador chinês em questão.

66      Em sua defesa a Comissão recorda, antes de mais, que a questão de saber se o recorrente cometeu efectivamente as faltas graves de que é acusado apenas pode ser examinada no âmbito de um eventual processo disciplinar. Em qualquer caso, as alegações formuladas contra o recorrente não são manifestamente desprovidas de qualquer fundamento pois o artigo do Sunday Times, que serviu de fundamento às referidas alegações, é muito detalhado tendo o recorrente admitido parcialmente o seu carácter exacto.

–       Apreciação do Tribunal

67      A título liminar, cumpre sublinhar que o controlo da justeza de uma medida de suspensão, realizado pelo juiz, pode apenas ser muito restrito, dado o carácter provisório de tal medida. O juiz deve assim limitar‑se a verificar se as alegações de falta grave têm um carácter suficientemente verosímil e se não são manifestamente desprovidas de qualquer fundamento (v., por analogia, no caso de um despacho que indefere um pedido de medidas provisórias contra uma medida de suspensão, despacho do Presidente do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Fevereiro de 1999, Willeme/Comissão, T‑211/98 R, ColectFP, pp. I‑A‑15 e II‑57, n.° 30).

68      No caso em apreço, deve, em primeiro lugar, observar‑se que o artigo do Sunday Times, cujas informações, juntamente com as declarações do recorrente nas audições, estão na origem da decisão impugnada, foi redigido de forma muito detalhada referindo por várias vezes, e entre aspas, as respostas do interessado às questões que lhe foram colocadas pelos jornalistas.

69      Em segundo lugar, resulta dos autos que o recorrente, nas suas audições perante os funcionários do IDOC e perante o membro da Comissão encarregado do pessoal, reconheceu, enquanto estava assistido pelo seu advogado, uma parte dos factos relatados no artigo do Sunday Times. Assim, reconheceu ter comunicado certas informações aos seus interlocutores durante os jantares para que foi convidado ou nas conversas telefónicas, em particular o nome de duas sociedades chinesas produtoras de velas que no fim de um processo antidumping, na altura em curso, poderiam obter o estatuto de sociedade que opera em condições de economia de mercado. A este respeito, o recorrente não pode com seriedade questionar o carácter confidencial de tais informações ou sustentar que eram «semi‑públicas», quando as mesmas eram susceptíveis de conferir uma certa vantagem a um operador desejoso de celebrar contratos com essas sociedades, antes do fim do processo antidumping. Para além disso, importa referir que as duas sociedades em questão obtiveram efectivamente o estatuto de sociedade que opera em condições de economia de mercado e não foram sujeitas a qualquer direito antidumping pelo Regulamento (CE) n.° 1130/2008 da Comissão, de 14 de Novembro de 2008, que institui um direito anti‑dumping provisório sobre as importações de determinados círios, velas, pavios e artigos semelhantes originários da República Popular da China (JO L 306, p. 22).

70      Em terceiro lugar, apesar de o recorrente ter indicado aos funcionários do IDOC que no segundo jantar lhe foi proposta a transferência de um montante em dinheiro para uma conta aberta em seu nome num país com um regime fiscal privilegiado em troca da transmissão de informações, é pacífico que o interessado não informou a hierarquia de tais factos, nem interrompeu os contactos com os seus interlocutores, tendo mesmo aceite da parte deles um novo convite para jantar.

71      Em quarto lugar, sendo certo que as informações que constam do artigo do Sunday Times foram obtidas numa «armadilha» destinada a incitar o recorrente a cometer uma falta, deve, contudo, sublinhar‑se que essa armadilha não foi obra da Comissão, mas de terceiros, no caso em apreço jornalistas do Sunday Times, não tendo sido provado, nem mesmo alegado, que tais manobras tivessem sido solicitadas pela administração. Assim, o recorrente não pode criticar a Comissão por esta se ter baseado em informações trazidas pelo artigo do Sunday Times.

72      De resto, deve acrescentar‑se que a decisão impugnada não se limitou a reproduzir as informações constantes do Sunday Times, mas que também se referiu expressamente às declarações do recorrente nas audições perante os funcionários do IDOC e perante o Vice‑Presidente da Comissão encarregado do pessoal.

73      Assim, e atendendo apenas aos elementos acima expostos, o recorrente não tem razão quando sustenta que as alegações de falta grave formuladas pela Comissão são manifestamente desprovidas de fundamento.

74      Nestas condições, o quarto e quinto fundamentos não devem ser acolhidos.

 Sobre o sexto e sétimo fundamentos, baseados na violação do princípio da proporcionalidade e do dever de assistência

–       Argumentos das partes

75      O recorrente alega que encontrando‑se de férias à data da audição pelo Vice‑Presidente da Comissão encarregado do pessoal, lhe propôs o prolongamento da duração das suas férias por mais oito semanas. Ora, em vez de adoptar esta solução, que teria permitido evitar que o recorrente fosse posto em causa publicamente, deixando ao mesmo tempo à Comissão um prazo suficiente para instruir o processo, a Comissão preferiu adoptar a decisão impugnada. Desta forma, a Comissão violou quer o princípio da proporcionalidade quer o dever de assistência.

76      O recorrente acrescenta que a Comissão violou igualmente o dever de assistência ao ter comunicado com ele em inglês e ao ter redigido a decisão impugnada nesta língua, apesar dos seus repetidos pedidos de que fosse utilizada a língua francesa no procedimento para permitir a sua «perfeita compreensão» pelos advogados.

77      Em sua defesa, a Comissão contesta ter violado o princípio da proporcionalidade ou o dever de assistência, observando que o direito a férias é totalmente distinto do poder de a AIPN suspender um funcionário em aplicação do artigo 23.° do anexo IX do Estatuto. Por outro lado, os interesses do recorrente foram salvaguardados na medida em que a retenção sobre a sua remuneração se limitou a 1 000 euros por mês.

–       Apreciação do Tribunal

78      Atendendo, em primeiro lugar, à gravidade das alegações invocadas contra o recorrente, alto funcionário da DG «Comércio» e responsável da Direcção G «Acesso aos mercados e indústria», em segundo lugar, ao prejuízo causado à imagem da Comissão pela publicidade dada a este caso, em terceiro lugar, à necessidade de a Comissão serenamente proceder a um inquérito administrativo através do OLAF, deve considerar‑se que a AIPN não violou, nem o princípio da proporcionalidade, nem o dever de assistência, ao adoptar, com base numa avaliação global e provisória adaptada ao caso em apreço, a decisão impugnada A este respeito, o facto de o recorrente ter apresentado uma queixa e constituiu‑se assistente contra os autores do artigo do Sunday Times não afasta esta conclusão, não tendo tal circunstância qualquer ligação com a existência ou gravidade das faltas alegadas contra o interessado.

79      Não pode ser acolhido o argumento de que o dever de assistência foi violado pelo facto de a Comissão ter comunicado com o recorrente em inglês e de ter redigido a decisão impugnada nessa língua. Com efeito, e quando o recorrente tinha pedido, através de uma carta do seu advogado de 12 de Setembro de 2008, para «utilizar a língua francesa no âmbito de todo o processo conduzido contra ele», é pacífico que o interessado pôde exprimir‑se em francês na audição de 16 de Setembro de 2008. Por outro lado, sendo certo que a acta da audição e a decisão impugnada foram redigidas em língua inglesa, o recorrente não provou, nem de resto alegou, que ele ou os seus advogados não puderam compreender estes documentos. De resto, as peças constantes dos autos realçam, pelo contrário, um domínio aprofundado da língua inglesa da parte do interessado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Março de 2000, Rudolph/Comissão, T‑197/98, ColectFP, pp. I‑A‑55 e II‑241, n.° 46, e de 17 de Maio 2006, Lavagnoli/Comissão, T‑95/04, ColectFP, pp. I‑A‑2‑121 e II‑A‑2‑569, n.° 48).

80      Daqui resulta que o sexto e sétimo fundamentos devem ser julgados improcedentes.

 Quanto ao oitavo fundamento baseado na incompetência do autor do acto

–       Argumentos das partes

81      O recorrente alega que a decisão impugnada emana de uma autoridade incompetente. Sustenta que, em virtude da decisão da Comissão C (2007) 5730, de 30 de Novembro de 2007, aquela decisão devia ter sido adoptada pelo colégio dos comissários e não, como no caso em apreço, pelo membro da Comissão encarregue do pessoal. O recorrente acrescenta que sendo certo que em 10 de Setembro de 2008 a Comissão adoptou uma decisão que transferiu para o membro da Comissão encarregado do pessoal a competência para suspender funcionários de grau AD 15, esta decisão não lhe era oponível, por não ter sido publicada ou difundida antes da decisão impugnada.

82      Em sua defesa, a Comissão conclui pela improcedência do fundamento. Observa que a publicação da decisão de 10 de Setembro de 2008 não era obrigatória e que a sua falta de publicação em nada prejudica a sua entrada em vigor e, consequentemente, a sua oponibilidade. De qualquer forma, esta decisão estava acessível na intranet da Comissão, na base que contém as comunicações ao colégio dos comissários bem como as actas das suas reuniões.

–       Apreciação do Tribunal

83      A título liminar importa recordar que o fundamento baseado na incompetência do autor de um acto que cause prejuízo é um fundamento de ordem pública que, em qualquer caso, compete ao Tribunal examinar oficiosamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão, C‑210/98 P, Colect., p. I‑5843, n.° 56; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 2006, Vounakis/Comissão, T‑165/04, ColectFP, pp. I‑A‑2‑155 e II‑A‑2‑735, n.° 30; acórdãos do Tribunal de 13 de Dezembro de 2006, de Brito Sequeira Carvalho/Comissão, F‑17/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑149 e II‑A‑1‑577, n.° 51, e de 18 de Setembro de 2007, Botos/Comissão, F‑10/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 78).

84      No caso em apreço, uma vez que a decisão impugnada se referia a uma decisão de 10 de Setembro de 2008, que modificou «a decisão relativa ao exercício dos poderes conferidos pelo Estatuto […] à [AIPN] e pelo [ROA] à [EHCA] de 30 de Novembro de 2007» e que essa decisão de 10 de Setembro de 2008 não constava dos autos, atendendo à jurisprudência acima recordada, competia ao Tribunal solicitar oficiosamente, através de medidas de organização do processo, a produção de uma cópia dessa decisão bem como a comunicação de toda a informação relativa à publicidade de que a mesma foi objecto.

85      Tal como referido no n.° 31 supra, em resposta a essa medida de organização do processo a Comissão produziu, por um lado, a cópia da comunicação de 9 de Setembro de 2008 do Vice‑Presidente da Comissão, na qual figurava o projecto na origem da decisão de 10 de Setembro de 2008 e por outro, a acta da reunião do colégio dos comissários de 10 de Setembro de 2008, no decurso da qual o projecto foi adoptado.

86      O recorrente alegou contudo que a decisão de 10 de Setembro de 2008 não lhe era oponível, por não ter sido publicada antes de ter sido adoptada a decisão impugnada. Daí deduz que, em virtude da decisão da Comissão C (2007) 5730, de 30 de Novembro de 2007, a decisão impugnada devia ter sido tomada pelo colégio dos comissários e não, como no caso em apreço, pelo membro da Comissão encarregado do pessoal.

87      O Tribunal considera que esta argumentação do recorrente, ainda que apenas tenha sido invocada em audiência, é admissível, facto que, de resto, a Comissão não contestou. Com efeito, por um lado, a questão de saber se o membro da Comissão encarregado do pessoal estava devidamente habilitado a adoptar a decisão impugnada pressupõe que seja decidida a questão da oponibilidade da decisão de 10 de Setembro de 2008. Esta última questão é indissociável da precedente e constitui por conseguinte, como ela, uma questão de ordem pública que cumpre ao Tribunal examinar oficiosamente a qualquer momento do processo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 1964, Rotterdam e Putterskoek, 73/63 e 74/63, Colect. 1962‑1964, p. 369). Por outro lado, mesmo admitindo que a questão da oponibilidade da decisão de 10 de Setembro de 2008 seja distinta da questão da competência, que é a única que o Tribunal pode suscitar oficiosamente, a argumentação do recorrente deve ser analisada como um fundamento baseado em elementos de direito e de facto que surgiram durante o processo, na acepção do artigo 43.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, aquando do exame oficioso da questão da competência do autor da decisão impugnada pelo Tribunal. Por outro lado, o Tribunal sublinha que a Comissão foi informada antes da audiência, através da medida de organização do processo decidida pelo Tribunal, de que a publicação da decisão de 10 de Setembro de 2008 seria discutida. Deste modo, possibilitou‑se à Comissão preparar a sua defesa sobre este ponto, tal como por demais revelaram, quer a sua resposta escrita à referida medida, quer as observações do seu representante na audiência.

88      A argumentação do recorrente relativa ao facto de a decisão de 10 de Setembro de 2008 não lhe ser oponível por falta de publicação é igualmente procedente.

89      A este respeito, cumpre recordar que as decisões respeitantes à repartição dos poderes atribuídos à AIPN constituem regras de organização interna da instituição (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1973, De Greef/Comissão, 46/72, Colect., p. 231, Recueil, p. 543, n.° 18) e que, tal como recordou o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão de 25 de Março de 1999, Hamptaux/Comissão (T‑76/98, ColectFP, pp. I‑A‑59 e II‑303, n.° 23), nem as disposições do Tratado CE, nem as do Estatuto, e em particular o seu artigo 2.°, prevêem que a publicação de tais decisões seja uma condição da sua entrada em vigor e por conseguinte da sua oponibilidade.

90      Contudo, em primeiro lugar, o respeito do princípio de segurança jurídica, que exige que um acto emanado dos poderes públicos não seja oponível aos cidadãos antes de existir a possibilidade de estes dele terem conhecimento (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 1979, Racke, 98/78, Colect., p. 53, n.° 15, Weingut Decker, 99/78, Colect., p. 77, n.° 3, e de 11 de Dezembro de 2007, Skoma‑Lux, C‑161/06, Colect. p. I‑10841, n.° 37), impõe, ainda que nenhuma disposição escrita o preveja expressamente, que as decisões relativas ao exercício dos poderes conferidos pelo Estatuto à AIPN, e pelo ROA à EHCA, sejam objecto de uma medida de publicidade adequada de acordo com as modalidades e formas que cumpre à administração determinar.

91      Em segundo lugar, importa constatar que, em princípio, a própria Comissão faz questão de assegurar a publicidade das decisões relativas ao exercício dos poderes conferidos pelo Estatuto à AIPN, e pelo ROA à EHCA, na medida em que, habitualmente, as mesmas são publicadas nas Informações Administrativas. Em particular, a Decisão C (2007) 5730, alterada pela decisão de 10 de Setembro de 2008, foi objecto de publicação nas Informações Administrativas n.° 57‑2007 de 6 de Dezembro de 2007. Para além disso, deve sublinhar‑se que o artigo 5.° desta mesma Decisão C (2007) 5730, que reconhece aos directores‑gerais a possibilidade de conceder delegações de poderes a autoridades que lhes sejam subordinadas, tais como os directores‑gerais adjuntos, os directores, os chefes de unidade ou os chefes de sector, prevê mesmo que essas delegações «[serão] publicadas de forma adequada e levadas ao conhecimento do pessoal».

92      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça recordou anteriormente a necessidade de assegurar uma certa publicidade às decisões relativas à determinação das autoridades competentes em matéria de gestão do pessoal. Assim sendo, num caso em que o recorrente contestava a decisão do Parlamento Europeu que, na sequência de um concurso interno nomeava um funcionário num lugar de chefe de divisão, e alegava, para defender que o Secretário‑Geral do Parlamento tinha ilegalmente escolhido os membros do júri, que a delegação de poderes dada para este efeito ao Secretário‑Geral pela Mesa da instituição não tinha sido levada ao conhecimento do pessoal, o Tribunal de Justiça constatou que esta delegação de poderes era «juridicamente eficaz, na medida em que, para além de comportar uma repartição de competências internas à instituição, geralmente admitida, tinha sido comunicada aos directores‑gerais da instituição, aos presidentes de grupos, ao secretariado e ao órgão de controlo, bem como ao comité do pessoal instituído pelo artigo 9.° do Estatuto o qual tem, nos termos dessa disposição, entre outras, por tarefa representar os interesses do pessoal junto da instituição e assegurar um contacto permanente entre a mesma e o pessoal (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1976, Küster/Parlamento, 123/75, Colect., p. 669, n.os 6 a 8).

93      De maneira mais geral e ainda que esta jurisprudência não tenha sido proferida em processos que pusessem em causa decisões relativas ao exercício de poderes conferidos pelo Estatuto à AIPN, e pelo ROA à EHCA, o Tribunal de Justiça julgou igualmente que o imperativo de segurança jurídica exige que uma regulamentação comunitária permita aos interessados conhecer com exactidão a extensão das obrigações que ela lhes impõe, na medida em que os sujeitos de direito devem poder conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações (acórdão de 21 de Junho de 2007, ROM‑projecten, C‑158/06, Colect., p. I‑5103, n.° 25; acórdão Skoma‑Lux, já referido n.° 38). No acórdão Skoma‑Lux, já referido (n.os 33, 34, 36 e 38), o Tribunal de Justiça considerou, assim, que a exigência de publicação regular de um regulamento comunitário na língua oficial do destinatário tinha por base, não apenas disposições escritas como o artigo 254.°, n.° 2, CE ou os artigos 4.°, 5.° e 8.° do Regulamento n.° 1 do Conselho, de 15 de Abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385, EE 01 F1 p. 8) mas que resultava ainda da exigência de segurança jurídica (v., igualmente, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2009, Heinrich, C‑345/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44).

94      Em quarto lugar, a necessidade de assegurar uma publicidade adequada das decisões que determinam a repartição dos poderes conferidos pelo Estatuto à AIPN, e pelo ROA à EHCA, resulta igualmente das regras da boa administração em matéria de gestão de pessoal, tal como o Tribunal recordou expressamente no seu acórdão de 9 de Julho de 2008, Kuchta/BCE (F‑89/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 62).

95      No caso em apreço, é pacífico que, por um lado, a decisão de 10 de Setembro de 2008 não foi publicada nas Informações Administrativas e que, por outro, não foi objecto de qualquer medida de publicidade, quando a decisão impugnada foi adoptada. Embora na sua resposta à medida de organização do processo ordenada pelo Tribunal, a Comissão tenha alegado que a comunicação de 9 de Setembro de 2008, em que figurava o projecto de decisão que alterava a Decisão C (2007) 5730, foi publicada na intranet da instituição, não apresentou qualquer precisão a respeito da data dessa difusão. De qualquer forma, a Comissão também não demonstrou que a acta da reunião de 10 de Setembro de 2008, no decurso da qual esse projecto foi adoptado, foi objecto de difusão na intranet antes da adopção da decisão impugnada. Assim, na data em que a decisão impugnada foi adoptada e notificada ao interessado, o mesmo não podia utilmente tomar conhecimento do conteúdo da decisão de 10 de Setembro de 2008.

96      Por acréscimo, importa referir que a obrigação que a Comissão tinha de assegurar uma publicidade adequada à decisão de 10 de Setembro de 2008, se impunha com especial rigor no caso em apreço. Com efeito, enquanto na vigência da Decisão C (2007) 5730, a competência para suspender um funcionário resultava da autoridade mais elevada da Comissão, concretamente, o colégio dos comissários, é pacífico que a decisão de 10 de Setembro de 2008 transferiu esta competência para uma pessoa única, a saber, o membro da Comissão encarregado do pessoal. Ora, uma medida tomada apenas por uma pessoa oferece ao funcionário que dela é destinatário um menor grau de protecção que aquele que é garantido por uma autoridade colegial, na medida em que graças à deliberação dos seus membros, a mesma está em condições de tomar em consideração um maior número de informações pertinentes. Assim, e na medida em que a decisão de 10 de Setembro de 2008 tinha por efeito reduzir o nível de protecção garantido aos funcionários e, dessa forma, afectar os seus direitos, devia a fortiori ser objecto de uma publicidade adequada.

97      Por fim, a falta de publicação da decisão de 10 de Setembro de 2008 parece igualmente ter impedido que a própria administração tivesse um conhecimento adequado da sua própria decisão. Com efeito, tal como resulta dos debates na audiência, a Comissão adoptou, em 29 de Abril de 2009, uma nova decisão relativa ao exercício dos poderes conferidos à AIPN pelo Estatuto, e pelo ROA à EHCA, concretamente a Decisão C (2009) 3074 «que altera a Decisão C (2007) 5730». Ora, nesta decisão publicada nas Informações Administrativas de 8 de Maio seguinte, a Comissão, agindo como se a decisão de 10 de Setembro de 2008 nunca tivesse existido, decidiu que os poderes conferidos à AIPN para suspender um funcionário seriam exercidos, dali em diante, e no caso de funcionários de grau AD 16 e AD 15 e de funcionários de grau AD 14 de enquadramento superior (directores ou equivalentes), pelo membro da Comissão encarregado do pessoal e já não pelo colégio dos comissários.

98      Não sendo a decisão de 10 de Setembro de 2008 oponível ao recorrente, o mesmo tem razão quando sustenta que o comissário encarregado do pessoal não era competente para adoptar a decisão impugnada e que a mesma deveria ter sido adoptada pela autoridade designada pela Decisão C (2007) 5730, concretamente o colégio dos comissários.

99      Sendo o fundamento baseado na incompetência do membro da Comissão encarregado do pessoal para adoptar a decisão impugnada procedente, a decisão impugnada deve ser anulada.

 Quanto às despesas

100    Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, sem prejuízo de outras disposições do Capítulo VIII, Título II, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas, ou mesmo que não seja condenada nas despesas.

101    Resulta dos motivos acima enunciados que a Comissão é a parte vencida. Por outro lado, o recorrente pediu expressamente que a Comissão fosse condenada nas despesas. Não justificando as circunstâncias do caso em apreço a aplicação das disposições do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, deve, por conseguinte, condenar‑se a Comissão nas despesas do processo principal.

102    Tratando‑se das despesas da instância relativa às medidas provisórias, é certo que o recorrente é a parte vencida no âmbito da mesma. Contudo, na falta de qualquer pedido da Comissão requerendo a condenação do interessado nas despesas desta instância, cada parte suportará as suas próprias despesas da instância relativa às medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção)

decide:

1)      A decisão de 18 de Setembro de 2008, através da qual a Comissão das Comunidades Europeias, em aplicação dos artigos 23.° e 24.° do anexo IX do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, suspendeu F. Wenig por período indeterminado e ordenou a retenção de 1 000 euros por mês sobre a sua remuneração por um período máximo de seis meses, é anulada.

2)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas do processo principal.

3)      Cada parte suportará as suas próprias despesas da instância relativa às medidas provisórias.

Gervasoni

Kreppel

Tagaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Novembro de 2009.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      S. Gervasoni

O texto da presente decisão bem como das decisões das jurisdições da União Europeia nela citadas e ainda não publicadas na Colectânea do Tribunal de Justiça estão disponíveis no sítio internet www.curia.europa.eu


* Língua do processo: francês.