Language of document : ECLI:EU:C:2019:821

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

3 de outubro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Sociedade da informação — Livre circulação de serviços — Diretiva 2000/31/CE — Responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços — Artigo 14.o, n.os 1 e 3 — Prestador de serviços de armazenamento — Faculdade de exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração — Artigo 18.o, n.o 1 — Limites pessoal, material e territorial ao alcance de uma medida inibitória — Artigo 15.o, n.o 1 — Ausência de obrigação geral de vigilância»

No processo C‑18/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por Decisão de 25 de outubro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de janeiro de 2018, no processo

Eva GlawischnigPiesczek

contra

Facebook Ireland Limited,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský (relator), C. G. Fernlund e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 13 de fevereiro de 2019,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de E. Glawischnig‑Piesczek, por M. Windhager e W. Niklfeld, Rechtsanwälte,

–        em representação da Facebook Ireland Limited, por G. Kresbach, K. Struckmann e A. Tauchen, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, G. Kunnert e A. Jurgutyte‑Ruez, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo letão, por I. Kucina, E. Petrocka‑Petrovska e V. Soņeca, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e M. Figueiredo, na qualidade de agentes, assistidos por T. Rendas, consultor jurídico,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, F. Wilman, S. L. Kalėda e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de junho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Eva Glawischnig‑Piesczek à Facebook Ireland Limited, cuja sede social se situa na Irlanda, a propósito da publicação, na página de um utilizador armazenada no sítio da rede social Facebook, de uma mensagem com declarações que ofendem a honra de E. Glawischnig‑Piesczek.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 6, 7, 9, 10, 40, 41, 45 a 48, 52, 58 e 60 da Diretiva 2000/31 enunciam:

«(6)      […] A presente diretiva, ao tratar apenas de certas questões específicas que levantam problemas ao mercado interno, é plenamente coerente com a necessidade de respeitar o princípio da subsidiariedade, tal como enunciado no artigo 5.o do Tratado.

(7)      A fim de garantir a segurança jurídica e a confiança do consumidor, é essencial que a presente diretiva estabeleça um quadro geral claro, que abranja certos aspetos legais do comércio eletrónico no mercado interno.

[…]

(9)      A livre circulação dos serviços da sociedade da informação pode em muitos casos constituir um reflexo específico, no direito comunitário, de um princípio mais geral, designadamente o da liberdade de expressão, consagrado no n.o 1 do artigo 10.o da Convenção [Europeia] para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, [assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] ratificada por todos os Estados‑Membros. Por esta razão, as diretivas que cobrem a prestação de serviços da sociedade da informação devem assegurar que essa atividade possa ser empreendida livremente, à luz daquele preceito, apenas se subordinando às restrições fixadas no n.o 2 daquele artigo e no n.o 1 do artigo 46.o do Tratado. A presente diretiva não tem por objetivo afetar as normas e princípios nacionais fundamentais respeitantes à liberdade de expressão.

(10)      De acordo com o princípio da proporcionalidade, as medidas previstas na presente diretiva limitam‑se ao mínimo estritamente necessário para alcançar o objetivo do correto funcionamento do mercado interno. Sempre que seja necessário intervir a nível comunitário, e a fim de garantir a existência de um espaço efetivamente isento de fronteiras internas no que diz respeito ao comércio eletrónico, a presente diretiva deve assegurar um alto nível de proteção dos objetivos de interesse geral, em especial a proteção dos menores e da dignidade humana, a defesa do consumidor e a proteção da saúde pública. […]

[…]

(40)      As divergências atuais ou futuras, entre as legislações e jurisprudências nacionais no domínio da responsabilidade dos prestadores de serviços agindo na qualidade de intermediários, impedem o bom funcionamento do mercado interno, perturbando particularmente o desenvolvimento dos serviços transfronteiriços e produzindo distorções de concorrência. Os prestadores de serviços têm, em certos casos, o dever de agir a fim de evitar ou fazer cessar atividades ilícitas. A presente diretiva deve constituir a base adequada para a criação de mecanismos rápidos e fiáveis para remover as informações ilícitas e impossibilitar o acesso a estas. […]

(41)      A presente diretiva estabelece um justo equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo e consagra princípios em que se podem basear os acordos e normas da indústria.

[…]

(45)      A delimitação da responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços, fixada na presente diretiva, não afeta a possibilidade de medidas inibitórias de diversa natureza. Essas medidas podem consistir, designadamente, em decisões judiciais ou administrativas que exijam a prevenção ou a cessação de uma eventual infração, incluindo a remoção de informações ilegais, ou tornando impossível o acesso a estas.

(46)      A fim de beneficiar de uma delimitação de responsabilidade, o prestador de um serviço da sociedade da informação, que consista na armazenagem de informação, a partir do momento em que tenha conhecimento efetivo da ilicitude, ou tenha sido alertado para esta, deve proceder com diligência no sentido de remover as informações ou impossibilitar o acesso a estas. A remoção ou impossibilitação de acesso têm de ser efetuadas respeitando o princípio da liberdade de expressão. A presente diretiva não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros fixarem requisitos específicos que tenham de ser cumpridos de forma expedita, previamente à remoção ou à impossibilitação de acesso à informação.

(47)      Os Estados‑Membros só estão impedidos de impor uma obrigação de vigilância obrigatória dos prestadores de serviços em relação a obrigações de natureza geral. Esse impedimento não diz respeito a obrigações de vigilância em casos específicos e, em especial, não afeta as decisões das autoridades nacionais nos termos das legislações nacionais.

(48)      A presente diretiva não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros exigirem dos prestadores de serviços, que acolham informações prestadas por destinatários dos seus serviços, que exerçam deveres de diligência que podem razoavelmente esperar‑se deles e que estejam especificados na legislação nacional, no sentido de detetarem e prevenirem determinados tipos de atividades ilegais.

[…]

(52)      O exercício efetivo das liberdades do mercado interno exige que se garanta às vítimas um acesso eficaz aos mecanismos de resolução de litígios. Os prejuízos que podem ocorrer no quadro dos serviços da sociedade da informação caracterizam‑se pela rapidez e pela extensão geográfica. Em virtude desta especificidade e da necessidade de zelar por que as autoridades nacionais não ponham em causa a confiança mútua que devem ter, a presente diretiva requer dos Estados‑Membros que assegurem a existência de meios de recurso judicial adequados. Os Estados‑Membros devem estudar a necessidade de acesso a procedimentos judiciais por meios eletrónicos adequados.

[…]

(58)      A presente diretiva não deve aplicar‑se aos serviços provenientes de prestadores estabelecidos em países terceiros. Dada a dimensão mundial do comércio eletrónico, deve, no entanto, ser garantida a coerência do quadro comunitário com o quadro internacional. A presente diretiva não prejudica os resultados das discussões que estão a decorrer no âmbito de organizações internacionais (nomeadamente, OMC, OCDE, CNUDCI) sobre os aspetos legais desta problemática.

[…]

(60)      Para facilitar o desenvolvimento sem entraves do comércio eletrónico, o quadro jurídico em questão deve ser simples, sóbrio, previsível e compatível com as regras em vigor a nível internacional, de modo a não prejudicar a competitividade da indústria europeia, nem impedir as ações inovadoras no setor.»

4        O artigo 14.o da Diretiva 2000/31, sob a epígrafe «Armazenagem em servidor», dispõe:

«1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à informação armazenada a pedido de um destinatário do serviço, desde que:

a)      O prestador não tenha conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal e, no que se refere a uma ação de indemnização por perdas e danos, não tenha conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal,

ou

b)      O prestador, a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude, atue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações.

[…]

3.      O disposto no presente artigo não afeta a faculdade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração, nem afeta a faculdade de os Estados‑Membros estabelecerem disposições para a remoção ou impossibilitação do acesso à informação.»

5        Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva:

«Os Estados‑Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12.o, 13.o e 14.o, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.»

6        O artigo 18.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros assegurarão que as ações judiciais disponíveis em direito nacional em relação às atividades de serviços da sociedade da informação permitam a rápida adoção de medidas, inclusive medidas transitórias, destinadas a pôr termo a alegadas infrações e a evitar outros prejuízos às partes interessadas.»

 Direito austríaco

7        Em conformidade com o § 1330, n.o 1, do Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), quem tiver sofrido um prejuízo efetivo ou lucros cessantes na sequência de uma ofensa à sua honra tem direito a indemnização. Ao abrigo do n.o 2 dessa disposição, o mesmo acontece quando uma pessoa relata factos ofensivos da reputação, da situação material e das perspetivas de futuro de terceiros, de que conhecia ou devia conhecer a falsidade. Neste caso, podem ser exigidas a retratação e a respetiva publicação.

8        Segundo o § 78, n.o 1, da Urheberrechtsgesetz (Lei sobre os Direitos de Autor), as imagens que representam uma pessoa não devem ser expostas publicamente nem divulgadas de outra forma que as torne acessíveis ao público, caso isso viole os interesses legítimos da pessoa em causa ou, se esta tiver falecido sem ter autorizado ou ordenado a publicação, os interesses legítimos de um parente próximo.

9        De acordo com o § 18, n.o 1, da E‑Commerce‑Gesetz (Lei Relativa ao Comércio Eletrónico), os prestadores de serviços de armazenamento em servidor não têm uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que armazenem, transmitam ou tornem acessíveis, nem de procurar por si mesmos factos ou circunstâncias que indiciem atividades ilícitas.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      E. Glawischnig‑Piesczek era deputada no Nationalrat (Conselho Nacional, Áustria), presidente do grupo parlamentar «die Grünen» (Os Verdes) e porta‑voz federal desse partido político.

11      A Facebook Ireland explora uma plataforma mundial de rede social (a seguir «Facebook Service») para os utilizadores situados fora dos Estados Unidos da América e do Canadá.

12      Em 3 de abril de 2016, um utilizador da Facebook Service partilhou, na sua página pessoal, um artigo da revista austríaca de informação em linha oe24.at, intitulado «Os Verdes: a favor da manutenção de um rendimento mínimo para os refugiados», que teve por efeito gerar, nessa página, uma «pré‑visualização» do sítio de origem, que continha o título desse artigo, um breve resumo deste último e uma fotografia de E. Glawischnig‑Piesczek. Além disso, a propósito desse artigo, esse utilizador publicou um comentário redigido em termos que o órgão jurisdicional de reenvio verificou serem suscetíveis de ofender a honra da recorrente no processo principal, de a injuriar e de a difamar. Esse contributo podia ser consultado por todos os utilizadores da Facebook Service.

13      Por carta de 7 de julho de 2016, E. Glawischnig‑Piesczek pediu à Facebook Ireland, nomeadamente, que apagasse esse comentário.

14      Não tendo a Facebook Ireland retirado o comentário em questão, E. Glawischnig‑Piesczek intentou uma ação no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), que, por Despacho de medidas provisórias de 7 de dezembro de 2016, ordenou à Facebook Ireland que cessasse, imediatamente e até ao encerramento definitivo do processo relativo à ação inibitória, a publicação e/ou a divulgação de fotos da recorrente no processo principal, quando a mensagem de acompanhamento contivesse as mesmas afirmações ou afirmações de conteúdo semelhante ao do comentário mencionado no n.o 12 do presente acórdão.

15      A Facebook Ireland impossibilitou, na Áustria, o acesso ao conteúdo inicialmente publicado.

16      Em sede de recurso, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) confirmou o despacho de medidas provisórias proferido em primeira instância a respeito de afirmações de conteúdo idêntico. Em contrapartida, a respeito das afirmações de conteúdo semelhante, decidiu que apenas se devia cessar a divulgação das que tinham sido levadas ao conhecimento da Facebook Ireland pela recorrente no processo principal, por terceiros ou de outra forma.

17      O Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) e o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena) basearam a sua decisão no § 78 da Lei sobre os Direitos de Autor e no § 1330 do Código Civil, com o fundamento, nomeadamente, de que o comentário publicado continha declarações que ofendiam excessivamente a honra de E. Glawischnig‑Piesczek e dava a entender, além disso, que esta teria tido um comportamento criminoso, sem fornecer a mínima prova a esse respeito.

18      Cada uma das partes no processo principal interpôs recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria).

19      Chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se a ordem de cessação, dada a um fornecedor de armazenamento que explora uma rede social com inúmeros utilizadores, também pode ser alargada às declarações de conteúdo literalmente idêntico e/ou semelhante de que o mesmo não tem conhecimento, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) declara que, de acordo com a sua própria jurisprudência, essa obrigação deve ser considerada proporcionada quando o fornecedor de armazenamento já teve conhecimento de, pelo menos, uma ofensa aos interesses da pessoa em causa, originada pelo contributo de um utilizador, e quando se verifica o risco de outras violações virem, assim, a ser cometidas.

20      Considerando, no entanto, que o litígio que lhe foi submetido suscita questões de interpretação do direito da União, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva [2000/31] opõe‑se, em termos gerais, a uma das seguintes obrigações impostas a um fornecedor de web hosting[,] que não [retirou] imediatamente informações ilegais, no sentido de [retirar] não apenas a informação ilegal em causa[,] na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), [desta] diretiva, mas também outras informações de conteúdo idêntico:

–        a nível mundial[;]

–        no respetivo Estado‑Membro[;]

–        do respetivo utilizador a nível mundial[;]

–        do respetivo utilizador no respetivo Estado‑Membro?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão: o mesmo se aplica a informações de conteúdo semelhante?

3)      O mesmo se aplica a informações de conteúdo semelhante, a partir do momento em que o operador tenha tido conhecimento desta circunstância?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

21      Com a primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2000/31, nomeadamente o seu artigo 15.o, n.o 1, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro possa:

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja idêntico ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas, seja qual for o autor do pedido de armazenamento dessas informações;

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja semelhante ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas; e

–        alargar a nível mundial os efeitos dessa medida inibitória.

22      A título preliminar, é pacífico que a Facebook Ireland presta os serviços de um fornecedor de armazenamento, na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2000/31.

23      A este respeito, importa recordar que o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva visa exonerar o fornecedor de armazenamento da sua responsabilidade quando este preenche um dos dois requisitos enumerados nesta disposição, a saber, não ter conhecimento da atividade ou informação ilegal, ou atuar com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso a essas informações a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude.

24      Resulta, além disso, do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2000/31, lido à luz do considerando 45 da mesma, que esta exoneração não prejudica a faculdade de os tribunais ou as autoridades administrativas nacionais exigirem do fornecedor de armazenamento em causa que previna ou ponha termo a uma infração, nomeadamente, suprimindo as informações ilegais ou impossibilitando o acesso a estas últimas.

25      Daqui decorre, como salientou o advogado‑geral no n.o 32 das suas conclusões, que um fornecedor de armazenamento pode ser o destinatário de medidas inibitórias adotadas com base no direito nacional de um Estado‑Membro, ainda que preencha um dos requisitos alternativos enunciados no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, ou seja, mesmo na hipótese de não ser considerado responsável.

26      Além disso, o artigo 18.o da Diretiva 2000/31, que faz parte do capítulo III desta, intitulado «Aplicação», prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros assegurarão que as ações judiciais disponíveis em direito nacional em relação às atividades de serviços da sociedade da informação permitam a rápida adoção de medidas, inclusive medidas transitórias, destinadas a pôr termo a alegadas infrações e a evitar outros prejuízos às partes interessadas.

27      No caso em apreço, como decorre do n.o 13 do presente acórdão e da própria redação das questões submetidas, a Facebook Ireland, antes de mais, tinha conhecimento da informação ilegal em causa. Em seguida, essa sociedade não atuou com diligência para retirar ou impossibilitar o acesso a essa informação, como prevê o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Por último, a recorrente no processo principal instaurou uma ação num órgão jurisdicional nacional para que este adotasse uma medida inibitória como a prevista no referido artigo 18.o

28      O considerando 52 desta diretiva precisa que a especificidade decorrente do facto de os prejuízos que podem ocorrer no quadro dos serviços da sociedade da informação se caracterizarem pela rapidez e pela extensão geográfica e que a necessidade de zelar por que as autoridades nacionais não ponham em causa a confiança mútua que devem ter conduziram o legislador da União Europeia a requerer dos Estados‑Membros que assegurem a existência de meios de recurso judicial adequados.

29      Assim, no âmbito da aplicação do artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, os Estados‑Membros dispõem de um poder de apreciação particularmente relevante relativamente às ações e procedimentos que permitam a adoção das medidas necessárias.

30      Além disso, tendo em conta que, segundo várias versões linguísticas desta disposição, entre as quais figuram, nomeadamente, as versões em língua espanhola, inglesa e francesa, estas últimas medidas devem expressamente pôr termo a «quaisquer» alegadas infrações ou evitar «quaisquer» outros prejuízos aos interesses em causa, não se pode, em princípio, presumir uma limitação do seu alcance para efeitos da sua aplicação. Esta interpretação não é posta em causa pela circunstância de outras versões linguísticas da referida disposição, nomeadamente a de língua alemã, preverem que as referidas medidas se destinam a pôr termo a «uma alegada infração» e a evitar «novas infrações dos interesses em causa».

31      O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 precisa, por sua vez, que os Estados‑Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12.o, 13.o e 14.o, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.

32      É tendo em conta todas as referidas disposições que se deve responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

33      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio submete, em substância, a questão de saber se o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ordene a um fornecedor de armazenamento que suprima ou bloqueie o acesso às informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja idêntico ao de uma informação declarada ilegal anteriormente.

34      A este respeito, embora este artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 proíba os Estados‑Membros de imporem aos fornecedores de armazenamento uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes, como resulta do considerando 47 da referida diretiva, esse impedimento não diz respeito a obrigações de vigilância «em casos específicos».

35      Um desses casos específicos pode, nomeadamente, ter origem, como no processo principal, numa informação precisa, armazenada pelo fornecedor de armazenamento em causa, a pedido de um determinado utilizador da sua rede social, cujo conteúdo foi analisado e apreciado por um órgão jurisdicional competente do Estado‑Membro, que, na sequência da sua apreciação, a declarou ilegal.

36      Dado que uma rede social facilita a transmissão rápida das informações armazenadas pelo fornecedor de armazenamento entre os seus diferentes utilizadores, existe um risco real de uma informação que tenha sido qualificada de ilegal vir a ser posteriormente reproduzida e partilhada por outro utilizador dessa rede.

37      Nestas condições, a fim de garantir que o fornecedor de armazenamento em causa evite outros prejuízos às partes interessadas, é legítimo que o órgão jurisdicional competente possa exigir a esse fornecedor de armazenamento que bloqueie o acesso às informações armazenadas cujo conteúdo seja idêntico ao declarado ilegal anteriormente ou que retire essas informações, seja qual for o autor do pedido de armazenamento das mesmas. Ora, tendo em conta, em especial, essa identidade de conteúdo das informações em causa, não se pode considerar que a medida inibitória emitida para esse efeito impõe ao fornecedor de armazenamento uma obrigação de vigilância, de maneira geral, sobre as informações que este armazena ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31.

38      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio submete, em substância, a questão de saber se o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ordene a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja semelhante ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas.

39      Resulta dos elementos constantes da decisão de reenvio que, com a expressão «informações de conteúdo semelhante», o órgão jurisdicional de reenvio pretende referir‑se a informações que veiculam uma mensagem cujo conteúdo se mantém, em substância, inalterado e, por conseguinte, diverge muito pouco daquele que deu lugar à constatação de ilicitude.

40      A este respeito, importa salientar que a ilicitude do conteúdo de uma informação não resulta, por si só, da utilização de certos termos, combinados de determinada maneira, mas do facto de a mensagem veiculada por esse conteúdo ser qualificada de ilegal, tratando‑se, como no caso em apreço, de declarações difamatórias contra uma pessoa específica.

41      Daqui decorre que, para que uma medida inibitória destinada a fazer cessar um ato ilegal e a evitar a sua reiteração e outros prejuízos às partes interessadas possa efetivamente alcançar esses objetivos, a referida medida inibitória deve poder abranger as informações cujo conteúdo, veiculando, em substância, a mesma mensagem, esteja formulado com ligeiras diferenças, devido aos termos empregues ou à sua combinação, em relação à informação cujo conteúdo tenha sido declarado ilegal. Com efeito, se assim não fosse, e como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, os efeitos associados a essa medida inibitória poderiam ser facilmente contornados pelo armazenamento de mensagens que mal diferem das que foram declaradas ilegais anteriormente, o que poderia conduzir a pessoa em causa a ter de multiplicar os processos para obter a cessação da atuação de que é vítima.

42      Todavia, neste contexto, há igualmente que recordar que, como decorre do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 e como foi recordado no n.o 34 do presente acórdão, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro não pode, por um lado, dirigir a um fornecedor de armazenamento uma medida inibitória que lhe imponha vigilância, de maneira geral, sobre as informações que armazena nem, por outro, obrigá‑lo a procurar ativamente factos ou circunstâncias subjacentes ao conteúdo ilegal.

43      A este respeito, importa nomeadamente salientar que, como resulta do considerando 41 da Diretiva 2000/31, o legislador da União pretendeu, ao adotar esta última, estabelecer um justo equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo.

44      Assim, o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 implica que o objetivo pretendido por uma medida inibitória como a mencionada no artigo 18.o, n.o 1, desta diretiva, lido à luz do considerando 41 da mesma, que consiste, nomeadamente, em proteger eficazmente a reputação e a honra de uma pessoa, não possa ser prosseguido através de uma obrigação excessiva imposta ao fornecedor de armazenamento.

45      Tendo em conta o exposto, é necessário que as informações semelhantes referidas no n.o 41 do presente acórdão contenham elementos específicos devidamente identificados pelo autor da medida inibitória, como o nome da pessoa afetada pela infração constatada anteriormente, as circunstâncias em que a infração foi constatada e o conteúdo semelhante ao que foi declarado ilegal. As diferenças na formulação desse conteúdo semelhante, relativamente ao conteúdo declarado ilegal, não devem, em todo o caso, ser suscetíveis de obrigar o fornecedor de armazenamento em causa a proceder a uma apreciação autónoma do referido conteúdo.

46      Nestas condições, uma obrigação como a descrita nos n.os 41 e 45 do presente acórdão, por um lado, na medida em que abrange igualmente informações de conteúdo semelhante, parece suficientemente eficaz para assegurar uma proteção da pessoa visada por declarações difamatórias. Por outro lado, essa proteção não é assegurada por uma obrigação excessiva imposta ao fornecedor de armazenamento, na medida em que a vigilância e a procura que exige estão limitadas às informações que contêm os elementos especificados na medida inibitória e em que o conteúdo difamatório de natureza semelhante não obriga o fornecedor de armazenamento a proceder a uma apreciação autónoma, podendo este último, assim, recorrer a técnicas e a meios de pesquisa automatizados.

47      Assim, essa medida inibitória não é, nomeadamente, suscetível de impor ao fornecedor de armazenamento uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que este armazena ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31.

48      Em terceiro lugar, embora o órgão jurisdicional de reenvio não dê explicações a esse respeito nos fundamentos da sua decisão de reenvio, a redação das questões que submeteu ao Tribunal de Justiça sugere que as suas dúvidas incidem igualmente sobre a questão de saber se o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 é suscetível de se opor a que medidas inibitórias como as referidas nos n.os 37 e 46 do presente acórdão possam produzir efeitos à escala mundial.

49      Para responder a esta questão, importa recordar que, como resulta, em particular, do seu artigo 18.o, n.o 1, a Diretiva 2000/31 não prevê, a este respeito, nenhuma limitação, nomeadamente territorial, ao alcance das medidas que os Estados‑Membros têm o direito de adotar em conformidade com esta diretiva.

50      Por conseguinte, e tendo igualmente em conta os n.os 29 e 30 do presente acórdão, a Diretiva 2000/31 não se opõe a que as referidas medidas inibitórias produzam efeitos à escala mundial.

51      Todavia, resulta dos considerandos 58 e 60 desta diretiva que, dada a dimensão mundial do serviço eletrónico, o legislador da União considerou que era necessário garantir a coerência das regras da União nesse domínio com as regras em vigor a nível internacional.

52      É da competência dos Estados‑Membros assegurar que as medidas que adotam e que produzem efeitos à escala mundial tenham devidamente em conta estas últimas regras.

53      Atendendo a todas as considerações expostas, há que responder à primeira e segunda questões que a Diretiva 2000/31, nomeadamente o seu artigo 15.o, n.o 1, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro possa:

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja idêntico ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas, seja qual for o autor do pedido de armazenamento dessas informações;

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja semelhante ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas, desde que a vigilância e a procura das informações a que essa medida inibitória diz respeito estejam limitadas às informações que veiculem uma mensagem cujo conteúdo permaneça, em substância, inalterado em relação ao que deu lugar à constatação de ilicitude e que contenham os elementos especificados na medida inibitória e desde que as diferenças na formulação desse conteúdo semelhante relativamente à que caracteriza a informação declarada ilegal anteriormente não sejam suscetíveis de obrigar o fornecedor de armazenamento a proceder a uma apreciação autónoma desse conteúdo; e

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações a que a medida inibitória diz respeito ou que bloqueie o acesso às mesmas a nível mundial, no âmbito do direito internacional relevante.

 Quanto à terceira questão

54      Atendendo à resposta dada à primeira e segunda questões, não há que examinar a terceira questão.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

A Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico»), nomeadamente o artigo 15.o, n.o 1, da mesma, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional de um EstadoMembro possa:

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja idêntico ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas, seja qual for o autor do pedido de armazenamento dessas informações;

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações por si armazenadas e cujo conteúdo seja semelhante ao de uma informação declarada ilegal anteriormente ou que bloqueie o acesso às mesmas, desde que a vigilância e a procura das informações a que essa medida inibitória diz respeito estejam limitadas às informações que veiculem uma mensagem cujo conteúdo permaneça, em substância, inalterado em relação ao que deu lugar à constatação de ilicitude e que contenham os elementos especificados na medida inibitória e desde que as diferenças na formulação desse conteúdo semelhante relativamente à que caracteriza a informação declarada ilegal anteriormente não sejam suscetíveis de obrigar o fornecedor de armazenamento a proceder a uma apreciação autónoma desse conteúdo; e

–        ordenar a um fornecedor de armazenamento que suprima as informações a que a medida inibitória diz respeito ou que bloqueie o acesso às mesmas a nível mundial, no âmbito do direito internacional relevante.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.