Language of document : ECLI:EU:C:2008:11

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 16 de Janeiro de 2008 1(1)

Processo C‑402/05 P

Yassin Abdullah Kadi

contra

Conselho da União Europeia

e

Comissão das Comunidades Europeias






1.        O recorrente no presente processo foi designado pelo Comité de Sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas como pessoa suspeita de apoiar o terrorismo, cujos fundos e outros recursos financeiros deviam ser congelados. No Tribunal de Primeira Instância, o recorrente impugnou a legalidade do regulamento através do qual o Conselho implementou a ordem de congelamento na Comunidade. Alegou – sem sucesso – que a Comunidade não era competente para adoptar esse regulamento e, além disso, que o regulamento violava determinados direitos fundamentais. Basicamente com os mesmos fundamentos, pede agora que o Tribunal de Justiça anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância. O Conselho e a Comissão discordam do recorrente relativamente a ambos os fundamentos invocados. Mas, principalmente, alegam que o regulamento é necessário para a implementação das resoluções vinculativas do Conselho de Segurança e, consequentemente, que os tribunais comunitários não devem apreciar a sua conformidade com direitos fundamentais. Alegam essencialmente que, quando o Conselho de Segurança se pronunciou, o Tribunal de Justiça deve permanecer em «silêncio».

I –    Antecedentes do presente recurso

2.        Y. A. Kadi (a seguir «recorrente») reside na Arábia Saudita. Em 19 de Outubro de 2001, foi incluído na lista do Anexo I do Regulamento (CE) n.° 467/2001 do Conselho, como pessoa suspeita de apoiar o terrorismo (2). Por conseguinte, todos os fundos e outros recursos financeiros de que era titular na Comunidade foram congelados. Em 27 de Maio de 2002, esse regulamento foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.° 881/2002 do Conselho (a seguir «regulamento impugnado») (3). O recorrente continuou, no entanto, a fazer parte da lista do Anexo I do regulamento impugnado, como pessoa suspeita de apoiar o terrorismo, cujos fundos e outros recursos financeiros deviam ser congelados.

3.        O regulamento impugnado foi adoptado com base nos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE, para dar execução, na Comunidade, à Posição Comum 2002/402/PESC do Conselho (4). Esta posição comum, por sua vez, deu execução às Resoluções 1267(1999) (5), 1333(2000) (6) e 1390(2002) (7) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tendo considerado que a supressão do terrorismo internacional é essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais, o Conselho de Segurança adoptou essas resoluções ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

4.        As resoluções dispõem, nomeadamente, que todos os Estados devem tomar medidas para congelar os fundos e outros activos financeiros dos indivíduos e entidades associados a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibãs, tais como foram designados por um Comité do Conselho de Segurança composto por todos os seus membros (a seguir «Comité de Sanções»). Em 8 de Março de 2001, o Comité de Sanções publicou a primeira lista consolidada de pessoas e entidades sujeitas ao congelamento de fundos. Desde então, essa lista tem sido alterada e aditada várias vezes. O nome do recorrente foi acrescentado à lista pelo Comité de Sanções, em 19 de Outubro de 2001.

5.        Em 20 de Dezembro de 2002, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1452(2002), destinada a facilitar a implementação de medidas de luta contra o terrorismo. Esta resolução prevê determinadas excepções ao congelamento de fundos imposto pelas Resoluções 1267(1999), 1333(2000) e 1390(2002), que podem ser admitidas pelos Estados por motivos humanitários, desde que o Comité de Sanções tenha sido notificado e não se tenha oposto ou, em certos casos, tenha dado o seu consentimento. Além disso, em 17 de Janeiro de 2003, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1455(2003), destinada a melhorar a implementação das medidas de congelamento de fundos.

6.        Ao abrigo dessas resoluções, o Conselho adoptou a Posição Comum 2003/140/PESC (8), para consagrar as excepções permitidas pelo Conselho de Segurança. Além disso, em 27 de Março de 2003, o Conselho alterou o regulamento impugnado, relativamente às excepções ao congelamento de fundos e de recursos económicos (9).

7.        O regulamento impugnado, na versão alterada, dispõe, no artigo 2.°, que «[s]ão congelados todos os fundos e recursos económicos que sejam propriedade das pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo Comité de Sanções e enumerados no Anexo I, ou que por eles sejam possuídos ou detidos». O artigo 2.° A prevê determinadas excepções, relativas, nomeadamente, à alimentação, a despesas médicas e a honorários razoáveis, desde que o Comité de Sanções tenha sido notificado e não tenha apresentado objecções.

8.        Por petição inicial entrada em 18 de Dezembro de 2001, o recorrente interpôs no Tribunal de Primeira Instância um recurso contra o Conselho e a Comissão, destinado a obter a anulação dos Regulamentos n.° 2062/2001 e 467/2001, na parte que lhe diziam respeito. Foi admitida a intervenção do Reino Unido em apoio dos recorridos. Na sequência da revogação do Regulamento n.° 467/2001, o Tribunal de Primeira Instância decidiu considerar que o recurso era de anulação do regulamento impugnado, dirigido apenas contra o Conselho, apoiado pela Comissão e pelo Reino Unido.

9.        No Tribunal de Primeira Instância, o recorrente alegou que o Conselho não era competente para adoptar o regulamento impugnado. Principalmente, o recorrente alegou que o regulamento violava determinados direitos fundamentais, em particular o direito à propriedade privada e o direito de audição. Por acórdão de 21 de Setembro de 2005, Kadi/Conselho e Comissão, T‑315/01 (a seguir «acórdão recorrido») (10), o Tribunal de Primeira Instância não anulou o regulamento impugnado e julgou improcedentes todos os pedidos do recorrente. Em 17 de Novembro de 2005, o recorrente interpôs o presente recurso contra o acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Além do recorrente, as partes no presente processo são o Conselho, a Comissão e o Reino Unido, bem como a Espanha, a França e os Países Baixos na qualidade de intervenientes no âmbito do presente recurso. Para ser breve, referir‑me‑ei, de vez em quando, ao Conselho, à Comissão e ao Reino Unido, como «os recorridos».

10.      Procederei à análise do recurso do seguinte modo. Em primeiro lugar, referir‑me‑ei aos fundamentos relativos à base jurídica do regulamento impugnado. Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre a competência dos tribunais comunitários para verificar se o regulamento impugnado viola direitos fundamentais. Por último, apreciarei a questão do nível adequado de fiscalização e analisarei se o regulamento impugnado viola ou não os direitos fundamentais invocados pelo recorrente.

II – A base jurídica do regulamento impugnado

11.      O primeiro fundamento invocado pelo recorrente é relativo à base jurídica do regulamento impugnado. O acórdão recorrido dedica uma atenção considerável a esta questão. Depois de ter ponderado várias alternativas, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que o efeito conjugado dos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE confere competência à Comunidade para adoptar o regulamento impugnado (11). O recorrente alega que essa conclusão padece de erro de direito e reitera que a Comunidade era totalmente incompetente para adoptar o regulamento impugnado. Embora com base em argumentos ligeiramente diferentes, tanto o Conselho como o Reino Unido concordam com o Tribunal de Primeira Instância em que o regulamento impugnado encontra a sua base jurídica nos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE. A Comissão, porém, é de opinião diferente, considerando que os artigos 60.° CE e 301.° CE, por si só, teriam constituído uma base jurídica suficiente.

12.      Concordo com este argumento. O Tribunal de Primeira Instância considerou que o poder de impor sanções económicas e financeiras conferido pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, nomeadamente, a interrupção ou a redução das relações económicas com um ou mais países terceiros, não abrange a interrupção ou a redução das relações económicas com os particulares dentro desses países, mas apenas com os seus governos. Esta interpretação é difícil de conciliar com a letra e a finalidade dessas disposições. O artigo 301.° CE autoriza o Conselho a «interromper ou reduzir […] as relações económicas com um ou mais países terceiros», através de «medidas urgentes» não especificadas necessárias à execução da Política Externa e de Segurança Comum (a seguir «PESC»). Como tal, o artigo 301.° CE refere‑se fundamentalmente aos objectivos dessas medidas, designadamente os objectivos da PESC, cuja prossecução afecte as relações económicas da Comunidade com países terceiros. O artigo 60.°, n.° 1, CE autoriza o Conselho a tomar essas medidas, «relativamente aos países terceiros em causa», em matéria de «movimentos de capitais e de pagamentos». Assim, indica os meios para levar a cabo os objectivos antes enunciados; esses meios envolvem a restrição do fluxo de capitais que entrem e saiam da Comunidade. Para além dessas duas disposições, o Tratado CE não regula a forma que essas medidas devem tomar, nem quem deve ser alvo ou sobre quem recai o ónus dessas medidas. O único requisito é que essas medidas «interrompam ou reduzam» as relações económicas com países terceiros, em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos.

13.      As sanções financeiras previstas no regulamento impugnado preenchem esse requisito: dirigem‑se predominantemente a indivíduos e grupos de países terceiros. Ao afectarem as relações económicas com entidades de um dado país, as sanções afectam necessariamente a globalidade das relações económicas entre a Comunidade e esse país. As relações económicas com indivíduos e grupos de países terceiros são parte das relações económicas com esse país; atingir as primeiras afecta necessariamente as segundas. Excluir as relações económicas com indivíduos ou grupos do âmbito das «relações económicas com […] países terceiros» seria ignorar uma realidade elementar da vida económica internacional: que os governos da maioria dos países não funcionam como guardiães das relações económicas e das actividades de cada entidade dentro das suas fronteiras.

14.      Além disso, a interpretação restritiva que o Tribunal de Primeira Instância faz do artigo 301.° CE retira a esta disposição muita da sua utilidade prática. No âmbito da PESC, a União pode decidir, por razões relacionadas com a manutenção da paz e da segurança internacionais, impor sanções económicas e financeiras a operadores não estatais situados em países terceiros. Não vejo por que razão o artigo 301.° CE deveria ser interpretado mais restritivamente. Como reconheceu o próprio Tribunal de Primeira Instância, «a União e o seu pilar comunitário não podem ser impedidos de se adaptarem [às ameaças à paz e à segurança internacionais] pela imposição de sanções económicas e financeiras não apenas contra países terceiros mas também contra pessoas, grupos, empresas ou entidades associadas que desenvolvam uma actividade terrorista internacional ou que atentem de outra forma contra a paz e a segurança internacionais» (12).

15.      O Tribunal de Primeira Instância considerou que o artigo 308.° CE devia ser chamado à colação para impor sanções financeiras a indivíduos que não exercem controlo governamental. No entanto, a adopção do conceito de controlo governamental como factor distintivo põe em evidência uma tensão subjacente no raciocínio do Tribunal de Primeira Instância. O Tribunal de Primeira Instância interpretou o artigo 308.° CE como uma «ponte» entre a PESC e o pilar comunitário. Porém, enquanto o artigo 301.° CE pode ser visto como uma ponte entre pilares, o artigo 308.° CE não pode seguramente desempenhar essa função. O artigo 308.° CE, como o artigo 60.°, n.° 1, CE, é estritamente uma disposição de autorização: prevê os meios, mas não o objectivo. Apesar de fazer referência aos «objectivos da Comunidade», esses objectivos são externos ao artigo 308.° CE; não podem ser introduzidos pelo próprio artigo 308.° CE. Por conseguinte, se se excluir a interrupção das relações económicas com operadores não estatais do conjunto dos meios aceitáveis para dar cumprimento aos objectivos do artigo 301.° CE, não se pode usar o artigo 308.° CE para os admitir novamente. Ou uma medida dirigida contra operadores não estatais é adequada aos objectivos da PESC que a Comunidade pode prosseguir ao abrigo do artigo 301.° CE, ou, se não for, o artigo 308.° CE de nada serve.

16.      Concluo, por conseguinte, que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância padece de erro de direito. Se o Tribunal de Justiça adoptar a minha apreciação relativamente à base jurídica, terá fundamento suficiente para anular o acórdão recorrido. Creio no entanto que, no que diz respeito aos fundamentos invocados relativos à alegada violação de direitos fundamentais, é preferível que o Tribunal de Justiça faça uso da possibilidade de apreciar também esses fundamentos, tanto por razões de certeza jurídica como para impedir que uma possível violação de direitos fundamentais subsista no ordenamento jurídico comunitário, ainda que por força de uma medida que tenha apenas uma forma ou base jurídica diferente. Procederei, em conformidade, à apreciação dos restantes fundamentos jurídicos invocados pelo recorrente.

III – Competência dos tribunais comunitários para determinar se o regulamento impugnado viola direitos fundamentais

17.      No âmbito do processo no Tribunal de Primeira Instância, o recorrente alegou que o regulamento impugnado violava o direito de audição, o direito de propriedade privada e o princípio da proporcionalidade, e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva (13). No entanto, antes de apreciar o mérito dessas alegações, o Tribunal de Primeira Instância analisou o âmbito da sua própria competência para apreciar da conformidade do regulamento impugnado com direitos fundamentais (14). Para definir o âmbito adequado do seu poder de fiscalização, o Tribunal de Primeira Instância levou em consideração a relação entre o ordenamento jurídico comunitário e o ordenamento jurídico instituído pela Carta das Nações Unidas. O raciocínio do Tribunal de Primeira Instância é extenso e complexo, mas pode ser resumido nos seguintes termos.

18.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância identificou o que equivale essencialmente a um princípio do primado, decorrente do Tratado CE, de acordo com o qual as resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas prevalecem sobre as normas jurídicas comunitárias. O Tribunal de Primeira Instância considerou, essencialmente, que o direito comunitário reconhece e aceita que, de acordo com o artigo 103.° da Carta das Nações Unidas, as resoluções do Conselho de Segurança prevalecem sobre o Tratado (15). Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância sustentou que, consequentemente, não tinha poderes para fiscalizar, ainda que indirectamente, as resoluções do Conselho de Segurança, de modo a apreciar a sua conformidade com direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico comunitário. Observou que as resoluções do Conselho de Segurança em causa não deixavam margem de discricionariedade alguma e que, consequentemente, não podia apreciar o regulamento impugnado sem cair nessa fiscalização indirecta. Não obstante, o Tribunal de Primeira Instância considerou, em terceiro lugar, que tinha competência para fiscalizar as resoluções do Conselho de Segurança em causa, para apreciar a sua conformidade com a protecção dos direitos fundamentais, desde que esses direitos fizessem parte das regras do jus cogens.

19.      O recorrente impugna esta parte do acórdão recorrido, conjugando argumentos de direito internacional e de direito comunitário. Na petição de recurso, alega, inter alia, que o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância a respeito dos efeitos vinculativos e da interpretação das resoluções do Conselho de Segurança relevantes é incorrecto na perspectiva do direito internacional. O recorrente alega que nem o artigo 103.° da Carta das Nações Unidas nem essas resoluções podiam ter por efeito impedir os tribunais de fiscalizar medidas de implementação internas para apreciar a sua conformidade com direitos fundamentais. Na réplica e na audiência, o recorrente desenvolveu os seus argumentos e adaptou‑os de modo a encaixarem melhor no direito comunitário e na jurisprudência do Tribunal de Justiça. O recorrente reitera que, enquanto as Nações Unidas não previrem um mecanismo de fiscalização judicial independente que garanta a conformidade das decisões do Conselho de Segurança e do Comité de Sanções com os direitos fundamentais, os tribunais comunitários devem fiscalizar as medidas adoptadas pelas instituições comunitárias tendo em vista implementar essas decisões para efeitos da sua conformidade com os direitos fundamentais tal como reconhecidos no ordenamento jurídico comunitário. O recorrente cita o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Bosphorus (16) como um precedente.

20.      O Reino Unido arguiu uma excepção de inadmissibilidade relativa à linha de argumentação expressamente baseada no direito comunitário, com fundamento em que a mesma constitui um novo fundamento jurídico. Não partilho desse ponto de vista. O raciocínio do Tribunal de Primeira Instância gera uma dúvida legítima sobre a forma como o primado das resoluções do Conselho de Segurança pode ter por base o direito comunitário por força de um requisito que é uma importação do direito internacional. A este respeito, os argumentos de direito internacional e os de direito comunitário são, essencialmente, as duas faces da mesma moeda. Reconhecidamente, o recorrente teria sido mais prudente se tivesse baseado a sua alegação, desde o início, em ambas as linhas de argumentação. No entanto, embora inicialmente tenha «apostado» sobretudo na perspectiva do direito internacional, o objectivo da sua alegação sempre foi claro entre as partes, a saber, que o Tribunal de Primeira Instância caracterizou erradamente a natureza das obrigações da Comunidade por força do direito internacional e a relação entre essas obrigações e os deveres dos tribunais comunitários por força do Tratado. Com efeito, nas respectivas alegações escritas e orais que submeteram ao Tribunal de Justiça, o Conselho e a Comissão, bem como o Reino Unido, debateram profusamente a questão essencial suscitada pelo recorrente: a relação entre o ordenamento jurídico internacional e o ordenamento jurídico comunitário. Por conseguinte, não vejo por que razão o Tribunal de Justiça deveria considerar parte dos argumentos do recorrente como fundamentos jurídicos novos. Creio, ao invés, que o Tribunal de Justiça deve julgar o referido fundamento integralmente admissível.

21.      Isto conduz‑nos à questão de saber de que modo deve ser descrita a relação entre o ordenamento jurídico internacional e o ordenamento jurídico comunitário. O ponto de partida lógico desta discussão deveria obviamente ser o acórdão proferido no âmbito do processo Van Gend en Loos, em que o Tribunal de Justiça afirmou a autonomia do ordenamento jurídico comunitário (17). O Tribunal de Justiça considerou que o Tratado não é meramente um acordo entre Estados, mas sim um acordo entre os povos da Europa. Considerou que o Tratado instituiu uma «nova ordem jurídica», proveniente do ordenamento jurídico de direito internacional público existente, mas distinto dele. Por outras palavras, o Tratado criou um ordenamento jurídico interno de dimensão transnacional, do qual constitui a «carta constitucional de base» (18).

22.      Isto não significa, porém, que o ordenamento jurídico comunitário e o ordenamento jurídico internacional se ignorem mutuamente. Pelo contrário, tradicionalmente, a Comunidade tem desempenhado um papel activo e construtivo na cena internacional. A aplicação e a interpretação do direito comunitário orientam‑se, assim, pela presunção de que a Comunidade quer honrar os seus compromissos internacionais (19). Os tribunais comunitários, por conseguinte, analisam cuidadosamente as obrigações que vinculam a Comunidade no plano internacional e têm em conta essas obrigações no exercício da actividade judicial (20).

23.      Todavia, em última análise, os tribunais comunitários determinam os efeitos das obrigações internacionais no ordenamento jurídico comunitário por referência a condições estipuladas no direito comunitário. A jurisprudência fornece vários exemplos. Houve casos em que o Tribunal de Justiça impediu que um acordo internacional produzisse efeitos no ordenamento jurídico comunitário, pelo facto de esse acordo ter sido celebrado com fundamento numa base jurídica errada. Foi o que aconteceu recentemente no âmbito dos processos apensos Parlamento/Conselho e Comissão (21). A posição do Tribunal de Justiça é fácil de perceber quando nos damos conta de que o facto de um acordo adoptado com fundamento numa base jurídica errada – ou de acordo com um processo decisório errado – produzir efeitos no ordenamento jurídico comunitário teria «implicações institucionais […] fundamentais tanto para a Comunidade como para os Estados‑Membros» (22). É uma preocupação semelhante que subjaz aos casos em que o Tribunal de Justiça considerou que, quando assumem compromissos no plano internacional, os Estados‑Membros e as instituições comunitárias estão sujeitos ao dever de cooperação leal (23). Se esse dever for violado na celebração de um acordo internacional, este pode não produzir efeitos no ordenamento jurídico comunitário. Ainda mais relevante, no contexto do presente processo, é o facto de o Tribunal de Justiça ter verificado, por vezes, se actos adoptados pela Comunidade para conferir efeitos comunitários a compromissos internacionais estavam em conformidade com os princípios gerais de direito comunitário. Por exemplo, no processo Alemanha/Conselho, o Tribunal de Justiça anulou a decisão do Conselho relativa à celebração dos acordos OMC, na parte em que aprovou o acordo‑quadro sobre as bananas (24). O Tribunal de Justiça considerou que as disposições desse acordo‑quadro violavam um princípio geral de direito comunitário: o princípio da não discriminação.

24.      O ponto comum entre todos estes processos é o facto de, apesar de o Tribunal de Justiça ter grande cuidado em respeitar as obrigações que incumbem à Comunidade por força do direito internacional, procurar, em primeiro lugar e sobretudo, preservar o quadro constitucional criado pelo Tratado (25). Assim, seria errado concluir que, quando a Comunidade está vinculada por uma norma de direito internacional, os tribunais comunitários devem submeter‑se integralmente a essa norma, aplicando‑a incondicionalmente no ordenamento jurídico comunitário. A relação entre o direito internacional e o ordenamento jurídico comunitário é regulada pelo próprio ordenamento jurídico comunitário, e o direito internacional só pode ser integrado nesse ordenamento jurídico mediante a observância das condições impostas pelos princípios constitucionais da Comunidade.

25.      Por conseguinte, o presente recurso assenta fundamentalmente na seguinte questão: o Tratado fornece alguma base para sustentar que o regulamento impugnado está isento das exigências constitucionais normalmente impostas pelo direito comunitário, uma vez que implementa um regime sancionatório imposto por resoluções do Conselho de Segurança? Ou, por outras palavras: o ordenamento jurídico comunitário confere estatuto supraconstitutional a medidas necessárias à implementação das resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança?

26.      O recorrente alega que a resposta a essa questão se pode inferir do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Bosphorus (26). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça verificou se um regulamento adoptado para implementar uma resolução do Conselho de Segurança que impunha um embargo comercial à República Federativa da Jugoslávia infringia direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade. O Tribunal de Justiça considerou que o interesse em «pôr termo a um estado de guerra na região e às violações maciças dos direitos humanos e do direito internacional humanitário na República da Bósnia‑Herzegovina» era superior ao interesse de alguém completamente inocente poder prosseguir a sua actividade económica recorrendo a bens locados a uma sociedade com sede na República Federativa da Jugoslávia (27). O Tribunal de Justiça de forma nenhuma sugeriu que, eventualmente, não teria poderes de fiscalização uma vez que o regulamento era necessário para implementar um regime sancionatório estabelecido pelo Conselho de Segurança (28).

27.      No entanto, o Conselho, a Comissão e o Reino Unido alegam que o acórdão Bosphorus não tem a autoridade que o recorrente lhe pretende atribuir. Alegam que o acórdão nada diz sobre a extensão da competência do Tribunal de Justiça, porque, de qualquer forma, o regulamento não violava direitos fundamentais. Não considero este argumento muito persuasivo. É verdade que, apesar de o advogado‑geral a ter referido incidentalmente, o Tribunal de Justiça não abordou expressamente a questão de saber se o facto de o regulamento implementar uma resolução do Conselho de Segurança o podia impedir de proceder à sua fiscalização judicial. Considero contudo que o Tribunal de Justiça não deixou deliberadamente a questão por decidir, antes tendo aceite como um pressuposto óbvio o que o advogado‑geral tinha considerado útil dizer expressamente, a saber, que «o respeito dos direito fundamentais é […] condição da legalidade dos actos da Comunidade» (29).

28.      De qualquer forma, mesmo que fosse de aceitar a ideia de que o Tribunal de Justiça evitou a abordagem da questão do alcance da sua competência no processo Bosphorus, o facto é que o Conselho, a Comissão e o Reino Unido não identificaram nenhum fundamento no Tratado do qual pudesse logicamente decorrer que as medidas adoptadas para implementar resoluções do Conselho de Segurança têm estatuto supraconstitutional e, por conseguinte, são isentas de fiscalização judicial.

29.      O Reino Unido afirma que essa isenção de fiscalização judicial pode resultar do artigo 307.° CE. O n.° 1 desse artigo dispõe: «As disposições do presente Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados‑Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro». Na opinião do Reino Unido, essa disposição, conjugada com o artigo 10.° CE, impõe à Comunidade a obrigação de não impedir que os Estados‑Membros dêem cumprimento às resoluções do Conselho de Segurança. Em consequência, o Tribunal de Justiça deve abster‑se de proceder à fiscalização judicial do regulamento impugnado. Devo dizer desde já que esse argumento não convence, mas que, no entanto, vale a pena analisar o assunto em pormenor, especialmente porque o artigo 307.° CE teve grande importância no raciocínio do Tribunal de Primeira Instância (30).

30.      À primeira vista, pode não ser completamente claro de que modo os Estados‑Membros seriam impedidos de dar cumprimento às obrigações que lhes são impostas pela Carta das Nações Unidas se o Tribunal de Justiça anulasse o regulamento impugnado. Com efeito, na falta de uma medida comunitária, os Estados‑Membros poderiam, em princípio, adoptar as suas próprias medidas de implementação, uma vez que, nos termos do Tratado, lhes é permitido adoptar medidas que, apesar de afectarem o funcionamento do mercado comum, sejam necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais (31). Todavia, os poderes dos Estados‑Membros no domínio da política de segurança têm de ser exercidos em conformidade com o direito comunitário (32). À luz do acórdão ERT do Tribunal de Justiça (33), pode considerar‑se que, na medida em que a sua actuação seja abrangida pelo direito comunitário, os Estados‑Membros estão sujeitos às mesmas normas comunitárias para a protecção dos direitos fundamentais que as próprias instituições comunitárias. Partindo deste pressuposto, se o Tribunal de Justiça anulasse o regulamento impugnado com fundamento em violação de normas comunitárias para a protecção dos direitos fundamentais, isso implicaria que os Estados‑Membros não poderiam adoptar as mesmas medidas – na medida em que fossem abrangidas pelo âmbito do direito comunitário – sem cair numa situação de violação dos direitos fundamentais protegidos pelo Tribunal de Justiça. Assim, o argumento baseado no artigo 307.° CE tem apenas relevância indirecta.

31.      Todavia, o problema crucial do argumento esgrimido pelo Reino Unido é o facto de apresentar o artigo 307.° CE como uma fonte de derrogação possível do artigo 6.°, n.° 1, UE, nos termos do qual «[a] União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito». Não vejo base alguma para tal interpretação do artigo 307.° CE. Além disso, seria incompatível com o artigo 49.° UE, que faz depender a adesão à União Europeia do respeito pelos princípios consagrados no artigo 6.°, n.° 1, UE. Acresce que permitiria potencialmente que as autoridades nacionais usassem a Comunidade para contornar direitos fundamentais que são garantidos pelos seus ordenamentos jurídicos nacionais mesmo em relação a actos de implementação de obrigações internacionais (34). Isto iria claramente contra a jurisprudência solidamente firmada do Tribunal de Justiça, segundo a qual a Comunidade garante um sistema completo de tutela judicial em que os direitos fundamentais são protegidos de acordo com as tradições constitucionais dos Estados‑Membros. Como referiu o Tribunal de Justiça no acórdão Os Verdes/Parlamento, «a Comunidade Europeia é uma Comunidade assente no princípio do Estado de Direito na medida em que nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições podem evitar que a questão de saber se as medidas por eles adoptadas estão em conformidade com a carta constitucional de base, o Tratado, sejam alvo de fiscalização judicial» (35). De um modo mais directo, no processo Schmidberger, o Tribunal de Justiça reafirmou que «não podem ser admitidas na Comunidade medidas incompatíveis com o respeito dos direitos do homem» (36). Resumindo, a interpretação que o Reino Unido faz do artigo 307.° CE romperia com os princípios em que a União assenta, quando nada no Tratado sugere que o artigo 307.° CE tem estatuto especial – e muito menos um estatuto especial dessa dimensão – no quadro constitucional da Comunidade.

32.      Além disso, as obrigações decorrentes do artigo 307.° CE e o dever de cooperação leal com elas relacionado funcionam nos dois sentidos: são aplicáveis tanto à Comunidade como aos Estados‑Membros (37). O segundo parágrafo do artigo 307.° CE dispõe que «o Estado‑Membro ou os Estados‑Membros em causa recorrem a todos os meios adequados para eliminar as incompatibilidades» entre as suas obrigações anteriores decorrentes de tratados em que sejam parte e as obrigações decorrentes do direito comunitário. Para esse efeito, os Estados‑Membros «auxiliam‑se mutuamente [...] adoptando, se for caso disso, uma atitude comum». Esta obrigação impõe aos Estados‑Membros que exerçam os seus poderes e responsabilidades numa organização internacional como as Nações Unidas, de modo compatível com as condições impostas pelas normas de direito primário e os princípios gerais de direito comunitário (38). Na qualidade de membros das Nações Unidas, os Estados‑Membros, e especialmente – no contexto do presente processo – os que pertencem ao Conselho de Segurança, devem actuar de modo a evitar, na medida do possível, que os órgãos das Nações Unidas adoptem decisões que possam entrar em conflito com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico comunitário. Os próprios Estados‑Membros têm, assim, a responsabilidade de minimizar o risco de conflitos entre o ordenamento jurídico comunitário e o direito internacional.

33.      Se o artigo 307.° CE não pode isentar de fiscalização judicial o regulamento impugnado, haverá outras normas de direito comunitário que possam fazê‑lo? O Conselho, a Comissão e o Reino Unido alegam que, como princípio geral, não compete ao Tribunal de Justiça lançar a dúvida sobre a regularidade de medidas comunitárias que implementam resoluções que o Conselho de Segurança tenha considerado necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. A este respeito, a Comissão evoca o conceito de «questões políticas» (39). Em suma, pode dizer‑se que a Comissão, o Conselho e o Reino Unido afirmam que a questão específica objecto do presente processo não se presta à fiscalização judicial. Alegam que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem defende uma posição semelhante.

34.      A premissa de que o presente processo diz respeito a uma «questão política», relativamente à qual até o mais pequeno grau de controlo judicial seria inadequado, é, do meu ponto de vista, insustentável. A alegação de que uma medida é necessária para a manutenção da paz e da segurança internacionais não pode ter o efeito de silenciar os princípios gerais de direito comunitário e de privar os indivíduos dos seus direitos fundamentais. Isto não prejudica a importância do interesse na manutenção da paz e da segurança internacionais; significa apenas que continua a ser dever dos tribunais apreciar a legalidade de medidas que podem entrar em conflito com outros interesses que também têm uma importância significativa e cuja protecção compete aos tribunais. Como apropriadamente afirmou o magistrado Murphy no seu voto de vencido no processo Korematsu do Supremo Tribunal dos Estados Unidos:

«Como outras pretensões que conflituam com direitos individuais constitucionalmente garantidos, [essa] pretensão também tem de ser sujeita a um processo judicial destinado a determinar a sua razoabilidade e a compatibilizá‑la com outros interesses. Quais os limites admissíveis de [discricionariedade], e se foram ou não ultrapassados num caso determinado, são questões de apreciação judicial» (40).

35.      É certo que algumas circunstâncias excepcionais podem justificar restrições às liberdades individuais que seriam inaceitáveis em condições normais. No entanto, isso não nos deve levar a afirmar que «há casos em que se deve pôr um véu sobre a liberdade, como habitualmente se tapavam as estátuas dos deuses» (41). Nem significa, como alega o Reino Unido, que a fiscalização judicial nesses casos deve ser apenas «do tipo mais marginal». Pelo contrário, quando se considera que os riscos para a segurança pública são extremamente elevados, a pressão é especialmente forte para adoptar medidas que não levem em conta os direitos individuais, sobretudo relativamente a indivíduos que têm pouco ou nenhum acesso ao processo político. Por conseguinte, nesses casos, os tribunais devem cumprir o seu dever de proteger o princípio do Estado de Direito com vigilância acrescida. Assim, as mesmas circunstâncias que podem justificar restrições excepcionais aos direitos fundamentais também impõem aos tribunais que verifiquem cuidadosamente se essas restrições vão para além do necessário. Como especificarei adiante, o Tribunal de Justiça deve averiguar se a alegação de que se verificam riscos extraordinariamente elevados para a segurança é fundada e deve garantir que as medidas adoptadas representam uma ponderação adequada entre a natureza dos riscos para a segurança e o grau em que essas medidas restringem os direitos fundamentais dos indivíduos.

36.      Segundo o Conselho, a Comissão e o Reino Unido, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem renuncia ao seu poder de fiscalização quando a medida impugnada é necessária para implementar uma resolução do Conselho de Segurança. Porém, duvido seriamente que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem limite dessa forma a sua própria competência (42). Além disso, mesmo que o fizesse, não creio que tal tivesse consequências para o presente processo.

37.      Não há dúvida de que é correcto afirmar que, ao garantir a observância dos direitos fundamentais na Comunidade, o Tribunal de Justiça se inspira na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (43). No entanto, continuam a existir diferenças significativas entre ambos os tribunais. A função do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é garantir o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados contratantes nos termos da Convenção. Embora a finalidade da Convenção seja a protecção e o desenvolvimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais individuais, foi celebrada com o objectivo de operar em primeira linha como um acordo entre Estados que cria obrigações entre as partes contratantes a nível internacional (44). Isto é ilustrado pelo mecanismo de execução intergovernamental previsto na Convenção (45). O Tratado CE, ao invés, fundou um ordenamento jurídico autónomo, no âmbito do qual tanto os Estados como os indivíduos têm direitos e obrigações imediatos. O Tribunal de Justiça tem o dever de actuar como o tribunal constitucional do ordenamento jurídico interno, que é a Comunidade. Consequentemente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal de Justiça são diferentes no que diz respeito à sua competência ratione personae e à relação entre os seus sistemas jurídicos e o direito internacional público. Assim, o Conselho, a Comissão e o Reino Unido procuraram estabelecer um paralelismo precisamente onde a analogia entre os dois tribunais acaba.

38.      O Conselho alegou, na audiência, que, ao exercer a sua função jurisdicional relativamente a actos das instituições comunitárias que têm por fonte resoluções do Conselho de Segurança, o Tribunal de Justiça excederia a sua própria função e «falaria em nome da comunidade internacional». Todavia, claramente, esta afirmação vai longe de mais. Obviamente, se o Tribunal de Justiça concluísse que a resolução controvertida não pode ser aplicada no ordenamento jurídico comunitário, isso poderia ter determinadas repercussões no plano internacional. Observe‑se, no entanto, que essas repercussões não têm necessariamente de ser negativas. São a consequência imediata do facto de, no estádio actual de funcionamento do sistema de organização das Nações Unidas, a única opção ao dispor dos indivíduos que pretendam aceder a um tribunal independente para obter protecção adequada dos seus direitos fundamentais ser a impugnação, perante os tribunais nacionais, dos actos internos que implementam medidas dessa instituição (46). Com efeito, a possibilidade de uma impugnação ser procedente não pode ser totalmente inesperada por parte do Conselho de Segurança, já que essa possibilidade foi expressamente contemplada pelo Analytical Support and Sanctions Monitoring Team do Comité de Sanções (47).

39.      Além disso, os efeitos jurídicos de uma decisão do Tribunal de Justiça limitam‑se ao ordenamento jurídico comunitário. Na medida em que tal decisão impeça a Comunidade e os seus Estados‑Membros de implementarem resoluções do Conselho de Segurança, as consequências jurídicas no ordenamento jurídico internacional serão determinadas pelas normas de direito internacional público. Embora seja verdade que as restrições impostas pelos princípios gerais de direito comunitário à actuação das instituições podem causar inconvenientes à Comunidade e aos seus Estados‑Membros nas suas negociações internacionais, a aplicação desses princípios pelo Tribunal de Justiça não prejudica a aplicação das normas internacionais relativas à responsabilidade dos Estados nem o disposto no artigo 103.° da Carta das Nações Unidas. A afirmação do Conselho segundo a qual, ao fiscalizar o regulamento impugnado, o Tribunal de Justiça estaria a considerar‑se competente para além do perímetro do ordenamento jurídico comunitário é, portanto, errada.

40.      Assim sendo, concluo que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que não tinha competência para fiscalizar a conformidade do regulamento impugnado com os direitos fundamentais que fazem parte dos princípios gerais de direito comunitário. Consequentemente, o Tribunal de Justiça deve julgar procedente o segundo pedido do recorrente e anular o acórdão recorrido.

IV – A alegada violação de direitos fundamentais

41.      Em vez de remeter novamente a questão ao Tribunal de Primeira Instância, sugiro que o Tribunal de Justiça faça uso do seu poder de proferir uma decisão de mérito no presente processo (48). Por razões práticas, creio que seria apropriado, a este respeito, concentrarmo‑nos sobre a principal questão do processo, ou seja, a questão de saber se o regulamento impugnado viola direitos fundamentais do recorrente.

42.      O recorrente invoca várias violações dos seus direitos fundamentais e, com esse fundamento, pretende obter a anulação do regulamento impugnado na parte que lhe diz respeito. Os recorridos – especialmente a Comissão e o Reino Unido – alegam que, na medida em que o regulamento impugnado possa afectar os direitos fundamentais do recorrente, isso justifica‑se por razões relativas à supressão do terrorismo internacional. A este respeito, alegam igualmente que o Tribunal de Justiça não deve aplicar os critérios normais de fiscalização, mas sim – tendo em conta os interesses de segurança internacional em causa – aplicar critérios menos rigorosos de protecção dos direitos fundamentais.

43.      Discordo dos recorridos. Defendem um tipo de fiscalização judicial que, no essencial, é muito semelhante ao critério seguido pelo Tribunal de Primeira Instância no que se refere ao jus cogens. Num certo sentido, o seu argumento é mais uma expressão da crença no facto de o presente processo dizer respeito a uma «questão política» e de o Tribunal de Justiça, ao contrário das instituições políticas, não estar em posição de lidar adequadamente com tais questões. A razão seria a de que as questões em causa são questões de relevância internacional e de que qualquer intervenção do Tribunal de Justiça poderia perturbar os esforços globalmente coordenados de combate ao terrorismo. O argumento também está intimamente relacionado com a opinião segundo a qual os tribunais estão mal apetrechados para determinar quais as medidas adequadas para combater o terrorismo internacional. Pelo contrário, presume‑se que o Conselho de Segurança tem os necessários conhecimentos para proceder a essa determinação. Por essas razões, os recorridos concluem que o Tribunal de Justiça deve tratar com a maior deferência as apreciações levadas a cabo pelo Conselho de Segurança e, a fazer alguma coisa, deve exercer uma fiscalização mínima relativamente aos actos comunitários baseados nessas apreciações.

44.      É verdade que os tribunais não devem ser institucionalmente cegos. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve ter presente o contexto internacional em que opera e estar consciente das suas limitações. Deve ter conhecimento do impacto que as suas decisões podem ter fora da Comunidade. Num mundo cada vez mais interdependente, os vários ordenamentos jurídicos terão de se esforçar por compatibilizar reciprocamente as suas reivindicações de jurisdição. Assim, o Tribunal de Justiça nem sempre pode impor um monopólio na determinação da forma como certos interesses fundamentais devem ser conciliados. Deve, quando possível, reconhecer a autoridade de instituições, como o Conselho de Segurança, criadas no âmbito de um ordenamento jurídico diferente do seu e que estejam por vezes melhor colocadas para ponderar esses interesses fundamentais. Todavia, o Tribunal de Justiça não pode, para respeitar as posições dessas instituições, virar as costas aos valores fundamentais que estão na base do ordenamento jurídico comunitário e que tem o dever de proteger. O respeito pelas outras instituições apenas tem significado se puder alicerçar‑se num entendimento partilhado desses valores e no compromisso mútuo de os proteger. Consequentemente, nas situações em que os valores fundamentais da Comunidade possam estar em risco, o Tribunal de Justiça pode ser chamado a reapreciar, e possivelmente a anular, medidas adoptadas pelas instituições comunitárias, mesmo quando essas medidas reflectem a vontade do Conselho de Segurança.

45.      O facto de as medidas em causa se destinarem a suprimir o terrorismo internacional não deve inibir o Tribunal de Justiça de cumprir o seu dever de preservar o princípio do Estado de Direito. Ao fazê‑lo, em vez de se imiscuir no domínio da política, o Tribunal de Justiça reafirma os limites que o Direito impõe a determinadas decisões políticas. Isto nunca é tarefa fácil, e é efectivamente um grande desafio, para um tribunal, aplicar a sua sabedoria em assuntos relacionados com a ameaça do terrorismo. Contudo, o mesmo se aplica às instituições políticas. Especialmente em questões de segurança pública, há o risco de o processo político se tornar excessivamente receptivo às preocupações populares imediatas, levando as autoridades a acalmar a ansiedade de muitos à custa dos direitos de alguns. É precisamente aqui que os tribunais se devem envolver, de modo a garantir que as necessidades políticas de hoje não se transformem nas realidades jurídicas de amanhã. A sua responsabilidade consiste em garantir que o que pode ser politicamente eficiente num dado momento esteja em conformidade com o princípio do Estado de Direito, sem o qual, a longo prazo, nenhuma sociedade democrática pode verdadeiramente prosperar. Nas palavras de Aharon Barak, antigo presidente do Supremo Tribunal de Israel:

«É quando os canhões troam que mais precisamos das leis […] Todas as lutas do Estado – contra o terrorismo ou qualquer outro inimigo – são guiadas pelas regras e pelo direito. Há sempre uma lei que o Estado deve respeitar. Não há ‘buracos negros’ […] A razão que está na base desta ideia não é apenas a consequência pragmática da realidade política e normativa. As suas raízes são muito mais profundas. É a expressão da diferença entre um Estado democrático que luta pela sua própria vida e a luta dos terroristas que se erguem contra ele. O Estado luta em nome da lei e em nome da defesa da lei. Os terroristas lutam contra a lei, violando‑a. A guerra contra o terrorismo é também a guerra do direito contra os que se revoltam contra ele» (49).

46.      Por conseguinte, não há razão para que o Tribunal de Justiça se afaste, no presente processo, da interpretação que habitualmente faz dos direitos fundamentais invocados pelo recorrente. A única questão nova é a de saber se as necessidades concretas suscitadas pela prevenção do terrorismo internacional justificam restrições aos direitos fundamentais do recorrente que de outro modo não seriam aceitáveis. Isto não implica uma concepção diferente desses direitos fundamentais e do critério de fiscalização aplicável. Significa apenas que o peso a atribuir aos diversos interesses que devem sempre ser ponderados na aplicação dos direitos fundamentais em causa pode ser diferente em consequência das necessidades específicas que emergem da prevenção do terrorismo internacional. Mas isto deve ser apreciado no âmbito do normal exercício do poder de fiscalização judicial pelo Tribunal de Justiça. As presentes circunstâncias podem dar lugar a um equilíbrio diferente entre os valores envolvidos na protecção dos direitos fundamentais, mas o grau de protecção que eles proporcionam não deve ser alterado.

47.      O problema com que o recorrente depara consiste no facto de todos os seus interesses financeiros na Comunidade terem sido congelados por vários anos, sem limitação no tempo e em condições em que aparentemente não dispõe de nenhum meio adequado para contestar o ilícito que lhe é imputado. Invocou o direito de propriedade privada, o direito de audição e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva. No contexto do presente processo, esses direitos estão intimamente ligados. O congelamento, por tempo indeterminado, dos bens de um indivíduo constitui claramente uma interferência profunda na fruição pacífica da propriedade. As consequências para o indivíduo em causa são potencialmente devastadoras, mesmo que se proceda a ajustamentos relativamente às necessidades e despesas básicas. Visivelmente, isto explica a razão pela qual a medida tem um efeito coercivo tão forte e por que é que «sanções inteligentes» deste tipo podem ser consideradas um meio adequado ou mesmo necessário para prevenir actos terroristas. No entanto, também evidencia a necessidade de serem consagradas garantias processuais que obriguem as autoridades a justificar essas medidas e a demonstrar a sua proporcionalidade, não apenas em abstracto mas nas circunstâncias concretas do caso. A Comissão refere acertadamente que a prevenção do terrorismo internacional pode justificar restrições ao direito de propriedade privada. No entanto, isso não dispensa ipso facto as autoridades da obrigação de demonstrar que essas restrições se justificam relativamente à pessoa em causa. As garantias processuais são necessárias, precisamente, para assegurar que assim é. Não havendo essas garantias, o congelamento dos bens de um indivíduo por um período de tempo indeterminado viola o direito de propriedade privada.

48.      O recorrente afirma que, no que diz respeito às sanções que lhe foram aplicadas, essas garantias não lhe foram concedidas. Reitera que não foi ouvido sobre os factos e circunstâncias alegados nem sobre as provas contra si produzidas. Alega que se tivesse sido alvo de um procedimento criminal, estaria numa posição mais favorável, uma vez que, pelo menos, nesse caso, teria usufruído da protecção proporcionada por um julgamento no âmbito de um processo penal. Neste contexto, invoca o direito de ser ouvido pelas autoridades administrativas assim como direito a uma tutela jurisdicional efectiva por um tribunal independente.

49.      Tanto o direito de audição como o direito à tutela jurisdicional efectiva são direitos fundamentais que fazem parte dos princípios gerais de direito comunitário. De acordo com jurisprudência assente, «o respeito pelos direitos de defesa, em qualquer processo iniciado contra um terceiro e susceptível de culminar num acto que afecte os seus interesses, constitui um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação específica [...] Este princípio exige que os destinatários de decisões, que afectem de modo sensível os seus interesses, sejam colocados em condições de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista» (50). Quanto ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva, o Tribunal de Justiça considerou que «a Comunidade Europeia é uma comunidade de direito em que as suas instituições estão sujeitas à fiscalização da conformidade dos seus actos com o Tratado e com os princípios gerais do direito, onde se incluem os direitos fundamentais [...] Portanto, os particulares devem poder beneficiar de uma tutela jurisdicional efectiva dos direitos que retiram da ordem jurídica comunitária, sendo o direito a esta tutela parte dos princípios gerais de direito que resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros» (51).

50.      Os recorridos alegam, contudo, que se justificam as restrições ao direito de audição e ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva que possam ter existido. Reiteram que quaisquer esforços por parte da Comunidade ou dos seus Estados‑Membros no sentido de proporcionar procedimentos administrativos ou processos judiciais para impugnar a legalidade de sanções impostas pelo regulamento impugnado transgrediriam as resoluções do Conselho de Segurança subjacentes e, portanto, poriam em causa a luta contra o terrorismo internacional. De acordo com este ponto de vista, não deduziram nenhuns argumentos ou informação que possibilitem ao Tribunal de Justiça exercer o seu poder de fiscalização relativamente à situação específica do recorrente.

51.      Não me alongarei muito sobre a alegada violação do direito de audição. Basta referir que, apesar de poderem ser feitas algumas restrições a esse direito por razões de segurança pública, no caso em apreço, as instituições comunitárias não deram nenhuma oportunidade ao recorrente de tomar posição sobre a questão de saber se as sanções que lhe foram aplicadas se justificavam ou se deviam ser mantidas. A existência de um procedimento destinado a retirar as pessoas das listas, ao nível das Nações Unidas, nada ajuda nesta matéria. Esse procedimento permite aos requerentes apresentar um pedido ao Comité de Sanções ou ao seu Governo, para serem retirados da lista (52). Porém, o processamento desse pedido é meramente uma questão de consulta intergovernamental. Na realidade, o Comité de Sanções não tem a obrigação de levar em conta o ponto de vista do requerente. Além disso, o procedimento destinado a retirar as pessoas das listas não dá sequer o mínimo direito de consultar a informação com base na qual foi tomada a decisão de incluir o requerente na lista. Com efeito, o acesso a essa informação é negado independentemente de qualquer justificação relativa à necessidade de proteger a sua confidencialidade. Uma das principais razões por que o direito de audição tem de ser respeitado é permitir que as pessoas em causa defendam efectivamente os seus direitos, especialmente no âmbito dos processos judiciais que podem correr depois de encerrado o procedimento de controlo administrativo. Neste sentido, a observância do direito de audição tem relevância directa para garantir o direito a uma tutela jurisdicional efectiva. As garantias processuais a nível administrativo nunca podem eliminar a necessidade da fiscalização judicial subsequente. Todavia, a inexistência dessas garantias administrativas tem efeitos adversos significativos no direito do recorrente à tutela jurisdicional efectiva.

52.      O direito à tutela jurisdicional efectiva tem um lugar proeminente no universo dos direitos fundamentais. Embora, na presença de outros interesses importantes, possam ser permitidas algumas limitações a esse direito, é inaceitável, numa sociedade democrática, que a essência desse direito seja afectada. Como referiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo Klass e o., «o princípio do Estado de Direito implica, inter alia, que a interferência do poder executivo nos direitos individuais tenha de ser sujeita a um controlo efectivo que deve normalmente ser garantido pelo poder judicial, pelo menos em última instância, uma vez que a fiscalização judicial é a que oferece mais garantias de independência, de imparcialidade e de um processo equitativo» (53).

53.      Desde há vários anos que o recorrente é listado no Anexo I do regulamento impugnado e as instituições comunitárias continuam a negar‑lhe a oportunidade de impugnar os fundamentos da sua contínua inclusão na lista. Com efeito, têm feito alegações extremamente sérias contra ele e, com base nisso, sujeitaram‑no a graves sanções. Porém, rejeitam totalmente a ideia de que um tribunal independente possa apreciar a justiça dessas alegações e a razoabilidade dessas sanções. Em consequência desta recusa, existe verdadeiramente uma possibilidade de que as sanções aplicadas ao recorrente na Comunidade sejam desproporcionadas ou mesmo infundadas e, apesar disso, se mantenham em vigor por tempo indeterminado. O Tribunal de Justiça não tem como saber se é isso que acontece na realidade, mas a simples existência dessa possibilidade deve ser banida numa sociedade que respeita o princípio do Estado de Direito.

54.      Se houvesse um mecanismo genuíno e efectivo de fiscalização judicial por um tribunal independente, ao nível das Nações Unidas, a Comunidade seria dispensada da obrigação de proceder à fiscalização judicial das medidas de implementação aplicáveis no ordenamento jurídico comunitário. Todavia, actualmente, não há esse mecanismo. Como a própria Comissão e o próprio Conselho salientaram nas suas alegações, a decisão de retirar ou não uma pessoa da lista das Nações Unidas depende unicamente da total discricionariedade do Comité de Sanções – um órgão diplomático. Nestas circunstâncias, deve referir‑se que o direito à tutela jurisdicional efectiva por um tribunal independente não está garantido ao nível das Nações Unidas. Consequentemente, as instituições comunitárias não estão isentas do devido processo de fiscalização judicial quando implementam resoluções do Conselho de Segurança no ordenamento jurídico comunitário.

55.      Daqui resulta que a alegação do recorrente de que o regulamento impugnado viola o direito de audição, o direito à tutela jurisdicional efectiva e o direito de propriedade privada é procedente. O Tribunal de Justiça deve anular o regulamento impugnado na parte que diz respeito ao recorrente.

V –    Conclusão

56.      Proponho que o Tribunal de Justiça:

«1)      Anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Setembro de 2005, no processo T‑315/01, Kadi/Conselho e Comissão.

2)      Anule, na parte que diz respeito ao recorrente, o Regulamento (CE) n.° 881/2002 do Conselho, de 27 de Maio de 2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 467/2001 que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos e prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos talibã do Afeganistão.»


1 – Língua original: inglês.


2 – Regulamento de 6 de Março de 2001, que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos, prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento (CE) n.° 337/2000 (JO L 67, p. 1). O nome do recorrente foi acrescentado pelo Regulamento (CE) n.° 2062/2001 da Comissão, de 19 de Outubro de 2001, que altera, pela terceira vez, o Regulamento n.° 467/2001 (JO L 277, p. 25).


3 – Regulamento que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 467/2001 (JO L 139, p. 9).


4 – Posição Comum de 27 de Maio de 2002, relativa a medidas restritivas contra Osama bin Laden, os membros da organização Al‑Qaida e os Talibã, bem como contra outros indivíduos, grupos, empresas e entidades a eles associados e que revoga as Posições Comuns 96/746/PESC, 1999/727/PESC, 2001/154/PESC e 2001/771/PESC (JO L 139, p. 4). V., especialmente, artigo 3.° e considerando 9.


5 – S/RES/1267(1999), de 15 de Outubro de 1999.


6 – S/RES/1333(2000), de 19 de Dezembro de 2000.


7 – S/RES/1390(2002), de 16 de Janeiro de 2002.


8 – Posição Comum de 27 de Fevereiro de 2003, relativa às derrogações às medidas restritivas impostas pela Posição Comum 2002/402/PESC (JO L 53, p. 62).


9 – Regulamento (CE) n.° 561/2003, que altera, no referente às excepções ao congelamento de fundos e de recursos económicos, o Regulamento (CE) n.° 881/2002 (JO L 82, p. 1).


10 – Colect., p. II‑3649.


11 – N.os 87 a 135 do acórdão recorrido.


12 – N.° 133 do acórdão recorrido.


13 – N.° 59 do acórdão recorrido.


14 – N.os 181 a 232 do acórdão recorrido.


15 – O artigo 103.° da Carta das Nações Unidas dispõe: «No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta». É geralmente reconhecido que esta obrigação se estende às decisões vinculativas do Conselho de Segurança. V. despacho de 14 de Abril de 1992 do Tribunal Internacional de Justiça in Questões de Interpretação e Aplicação da Convenção de Montreal de 1971 Resultantes do Incidente Aéreo de Lockerbie (Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia c. Reino Unido), Medidas Provisórias, despacho de 14 de Abril de 1992, I.C.J. Reports 1992, p. 3, n.° 39.


16 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Julho de 1996 (C‑84/95, Colect., p. I‑3953).


17 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1963 (26/62, Colect. 1962‑1964, p. 205).


18 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986 Os Verdes/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 23).


19 – V., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn (41/74, Colect., p. 567, n.° 22), e de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, Colect., p. I‑6019, n.os 9 a 11).


20 – V., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2007, Merck Genéricos‑Produtos Farmacêuticos (C‑431/05, ainda não publicado na Colectânea); de 14 de Dezembro de 2000, Dior (C‑300/98 e C‑392/98, Colect., p. I‑11307, n.° 33); de 16 de Junho de 1998, Racke (C‑162/96, Colect., p. I‑3655); de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o. (21/72 a 24/72, Colect., p. 407); e Poulsen e Diva Navigation, já referido na nota 19.


21 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2006 (C‑317/04 e C‑318/04, Colect., p. I‑4721). V., igualmente, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Agosto de 1994, França/Comissão (C‑327/91, Colect., p. I‑3641).


22 – Parecer do Tribunal de Justiça de 28 de Março de 1996 (2/94, Colect., p. I‑1759, n.° 35).


23 – V., nomeadamente, decisão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1978 (1/78, Colect., p. 711, n.° 33); parecer do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1993 (2/91, Colect., p. I‑1061, n.os 36 a 38); e acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1996, Comissão/Conselho (C‑25/94, Colect., p. I‑1469, n.os 40 a 51).


24 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998 (C‑122/95, Colect., p. I‑973).


25 – V., nomeadamente, parecer já referido na nota 22, n.os 30, 34 e 35.


26 – Já referido na nota 16.


27 – Acórdão já referido na nota 16, n.° 26.


28 – A apreensão da aeronave da Bosphorus Airways teve lugar por força da Resolução 820(1993) do Conselho de Segurança. O Comité de Sanções das Nações Unidas tinha decidido que a não apreensão da aeronave pelas autoridades equivaleria a uma violação da resolução.


29 – Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs de 30 de Abril de 1996 no processo Bosphorus, já referido na nota 16, n.° 53. V., igualmente, n.° 34 do parecer 2/94, já referido na nota 22.


30 – N.os 185 a 191 e 196 do acórdão recorrido.


31 – Artigos 297.° CE e 60.°, n.° 2, CE. V., igualmente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1995, Werner (C‑70/94, Colect., p. I‑3189); de 17 de Outubro de 1995, Leifer e o. (C‑83/94, Colect., p. I‑3231); e conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs de 6 de Abril de 1995 no processo Comissão/Grécia (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1996, C‑120/94, Colect., pp. I‑1513, I‑1514).


32 – Acórdão do Tribunal de justiça de 14 de Janeiro de 1997, Centro‑Com (C‑124/95, Colect., p. I‑81, n.° 25).


33 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1991, Elliniki Radiophonia (C‑260/89, Colect., p. I‑2925). V., igualmente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1997, Familiapress (C‑368/95, Colect., p. I‑3689), e de 11 de Julho de 2002 Carpenter (C‑60/00, Colect., p. I‑6279).


34 – Em certos sistemas jurídicos, é muito pouco provável que medidas nacionais de implementação de resoluções do Conselho de Segurança estejam isentas de fiscalização judicial (o que incidentalmente demonstra que uma decisão do Tribunal de Justiça no sentido de subtrair medidas, como o regulamento impugnado, à fiscalização judicial poderia criar dificuldades relativamente à recepção do direito comunitário por determinados ordenamentos jurídicos nacionais). V., nomeadamente, as seguintes fontes. Alemanha: Bundesverfassungsgericht, despacho de 14 de Outubro de 2004 (Görgülü) 2 BvR 1481/04, publicado no NJW 2004, pp. 3407‑3412. República Checa: Ústavní soud, 15 de Abril de 2003 (I. ÚS 752/02); Ústavní soud, 21 de Fevereiro de 2007 (I. ÚS 604/04). Itália: Corte Costituzionale, 19 de Março de 2001, n.° 73. Hungria: 4/1997 (I. 22.) AB határozat. Polónia: Orzecznictwo Trybunału Konstytucyjnego (zbiór urzędowy), 27 de Abril de 2005, P 1/05, pkt 5.5, Seria A, 2005 Nr 4, poz. 42; e Orzecznictwo Trybunału Konstytucyjnego (zbiór urzędowy), 2 de Julho de 2007, K 41/05, Seria A, 2007 Nr 7, poz. 72.


35 – Acórdão Os Verdes, já referido na nota 18, n.° 23.


36 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2003 (C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 73).


37 – Para um exemplo recente de um processo relativo às obrigações dos Estados‑Membros decorrentes do artigo 307.° CE, v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2005, Comissão/Áustria (C‑203/03, Colect., p. I‑935, n.° 59).


38 – V., no mesmo sentido, sobre a exigência de unidade na representação internacional da Comunidade, parecer do Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 1994 (1/94, Colect., p. I‑5267, n.os 106 a 109), e acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 23, n.os 40 a 51.


39 – O termo «questão política» é da autoria do magistrado Taney do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, no processo Luther v. Borden, 48 U.S. 1 (1849), 46‑47. O significado preciso deste conceito no contexto comunitário está longe de ser claro. A Comissão não desenvolveu o argumento, que invocou na audiência, mas o que parece sugerir é que o Tribunal de Justiça devia abster‑se de exercer o seu poder de fiscalização judicial, uma vez que não há critérios judiciais através dos quais as questões ora em análise possam ser apreciadas.


40 –      Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Korematsu v. United States, 323 U.S. 214, 233‑234 (1944) (vto de vencido de Murphy, J.) (aspas omitidas).


41 – Montesquieu, De l’Esprit des Lois, livro XII («Il y a des cas où il faut mettre, pour un moment, un voile sur la liberté, comme l’on cache les statues des dieux») (tradução livre).


42 – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que «os Estados contratantes não podem, em nome da luta contra [...] o terrorismo, adoptar quaisquer medidas que considerem adequadas» (Klass e o., acórdão de 6 de Setembro de 1978, série A, n.° 28, § 49). Acresce que, no seu acórdão Bosphorus Airways, o mesmo tribunal discutiu cabalmente a questão da sua competência, sem sequer aflorar a possibilidade de não poder exercer o seu poder de fiscalização pelo facto de as medidas impugnadas terem implementado uma resolução do Conselho de Segurança (Bosphorus Hava Yolları Turizm ve Ticaret Anonim Şirketi (Bosphorus Airways) c. Irlanda [GC], processo n.° 45036/98). Por conseguinte, o acórdão proferido no âmbito do processo Bosphorus Airways parece sustentar o argumento a favor da fiscalização judicial. Ainda assim, segundo o Conselho, a Comissão e o Reino Unido, decorre da decisão relativa à admissibilidade no processo Behrami que as medidas que são necessárias à implementação de resoluções do Conselho de Segurança ficam automaticamente fora do âmbito de aplicação da Convenção (Behrami e Behrami c. França e Saramati c. França, Alemanha e Noruega (dec.) [GC], processos n.os 71412/01 e 78166/01, TEDH, 2 de Maio de 2007); v. igualmente as decisões relativas à admissibilidade de 5 de Julho de 2007, no processo Kasumaj c. Grécia (dec.), n.° 6974/05, e de 28 de Agosto de 2007, no processo Gajic c. Alemanha (dec.), n.° 31446/02). No entanto, trata‑se de uma interpretação excessivamente ampla da decisão do tribunal. O processo Behrami tinha por objecto uma alegada violação de direitos fundamentais por uma força de segurança no Kosovo que operava sob o auspício das Nações Unidas. O Estado requerido tinha disponibilizado tropas para essa força de segurança. No entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou‑se incompetente ratione personae, principalmente porque a autoridade última e o controlo sobre a missão de segurança cabiam ao Conselho de Segurança e, por conseguinte, as acções impugnadas e as omissões eram imputáveis às Nações Unidas e não aos Estados requeridos (v. §§ 121 e 133 a 135 da decisão). Com efeito, nessa matéria, o TEDH distinguiu cuidadosamente o caso do processo Bosphorus Airways (v., especialmente, § 151 da decisão). Assim, a posição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem parece ser a de que, de acordo com as normas de direito internacional público, se os actos impugnados são imputáveis às Nações Unidas, o Tribunal não é competente ratione personae, uma vez que as Nações Unidas não são parte contratante na Convenção. Ao invés, quando as autoridades de um Estado contratante tiverem adoptado medidas processuais para implementar uma resolução do Conselho de Segurança no ordenamento jurídico interno, as medidas tomadas são imputáveis a esse Estado e, consequentemente, podem ser objecto de fiscalização judicial ao abrigo da Convenção (v., igualmente, §§ 27 a 29 da decisão de admissibilidade de 16 de Outubro de 2007, no processo Beric e o. c. Bósnia‑Herzegovina).


43 – V., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2004, Omega Spielhallen (C‑36/02 , Colect., p. I‑9609, n.° 33).


44 – V. Preâmbulo da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir CEDH), bem como artigos 19.° e 46.°, n.° 1, da CEDH.


45 – V. artigo 46.°, n.° 2, da CEDH.


46 – V. n.° 39 do Relatório de 16 de Agosto de 2006 do Relator Especial das Nações Unidas sobre o desenvolvimento e protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais no âmbito da luta contra o terrorismo (A/61/267): «Dado que o efeito da inclusão [na lista] é o congelamento de bens, o direito de contestar essa inclusão é uma necessidade. A nível internacional, esses procedimentos, actualmente, não existem. Existem sim, em algumas instâncias, a nível nacional. O Relator Especial é de opinião de que se não há nenhum meio adequado de fiscalização a nível internacional, são necessários os processos de fiscalização nacionais, mesmo para as listas internacionais. Devem estar disponíveis nos Estados que aplicam as sanções».


47 – V., especialmente, o Segundo Relatório do Analytical Support and Sanctions Monitoring Team (S/2005/83), em que é observado, no n.° 54, que «a forma como as entidades ou os indivíduos são acrescentados à lista de terroristas do Conselho e a inexistência de uma fiscalização ou de um recurso ao dispor de quem faz parte dessa lista levanta problemas sérios de responsabilidade e, possivelmente, viola normas e convenções que consagram direitos fundamentais» e, no n.° 58, que «revisões do processo poderiam ajudar a reduzir a possibilidade de serem proferidas uma ou mais decisões judiciais potencialmente negativas». A este respeito, o relatório menciona especificamente o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. V., igualmente, anexo I do Sexto Relatório do Analytical Support and Sanctions Monitoring Team (S/2007/132), para uma ideia geral das questões legais suscitadas pelo programa de sanções.


48 – Nos termos do disposto no artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.


49 –      Supremo Tribunal de Israel, HCJ 769/02 [2006] The Public Committee Against Torture in Israel et. al. v. Governo de Israel et. al., n.os 61 e 62 (aspas omitidas).


50 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Lisrestal e o. (C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373, n.° 21). V., igualmente, artigo 41.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


51 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.os 38 e 39). V., igualmente, artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e artigos 6.° e 13.° da CEDH.


52 – O procedimento destinado a retirar as pessoas das listas sofreu várias alterações desde a primeira vez que foram adoptadas medidas contra o recorrente. Nos termos do regime original, a pessoa em causa só podia apresentar um pedido para ser retirada da lista ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência. Nos termos do procedimento actualmente em vigor, os requerentes que pretendam apresentar um pedido para serem retirados da lista podem fazê‑lo através de um «ponto focal» das Nações Unidas ou através do Estado da sua nacionalidade ou da sua residência. Todavia, a natureza essencialmente intergovernamental do procedimento destinado a retirar as pessoas das listas não mudou. V. a Resolução do Conselho de Segurança 1730(2006), de 19 de Dezembro de 2006, e Orientações do Comité de Sanções para a Organização do seu Trabalho, disponíveis em http://www.un.org/sc/committees/1267/index.shtml.


53 – Acórdão TEDH, Klass e o., já referido na nota 42, § 55.