Language of document : ECLI:EU:C:2005:763

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

13 de Dezembro de 2005 (*)

«Artigos 43.° CE e 48.° CE – Imposto sobre as sociedades – Grupos de sociedades – Dedução fiscal – Benefícios das sociedades‑mãe – Dedução dos prejuízos sofridos por uma filial residente – Autorização – Dedução dos prejuízos sofridos noutro Estado‑Membro por uma filial não residente – Exclusão»

No processo C‑446/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), por decisão de 16 de Julho de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Outubro de 2003, no processo

Marks & Spencer plc

contra

David Halsey (Her Majesty’s Inspector of Taxes),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans e A. Rosas, presidentes de secção, C. Gulmann (relator), A. La Pergola, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric, J. Klučka, U. Lõhmus, E. Levits e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Fevereiro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Marks & Spencer plc, por G. Aaronson, QC, e P. Farmer, barrister,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell, na qualidade de agente, assistido por R. Plender, QC, e D. Ewart, barrister,

–        em representação do Governo alemão, por W.‑D. Plessing e A. Tiemann, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por K. Boskovits, V. Kyriazopoulos, I. Pouli e S. Trekli, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Jurgensen‑Mercier, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por D. J. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por E. Fitzsimons, SC, e G. Clohessy, BL,

–        em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, S. Terstal e J. van Bakel, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 43.° CE e 48.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Marks & Spencer plc (a seguir «Marks & Spencer») e a administração fiscal britânica, a respeito do indeferimento, por esta, de um pedido de dedução fiscal apresentado pela Marks & Spencer com o objectivo de deduzir ao seu lucro tributável no Reino Unido prejuízos sofridos pelas suas filiais estabelecidas na Bélgica, na Alemanha e em França.

 Quadro jurídico nacional

3        As disposições de direito nacional aplicáveis no processo principal são as da Lei de 1988 relativa aos impostos sobre o rendimento e sobre as sociedades (Income and Corporation Tax Act 1988, a seguir «ICTA»). São enunciadas em seguida, tendo em conta as informações contidas na decisão de reenvio.

 Sujeição ao imposto sobre as sociedades

4        Nos termos das Section 6(1) e 11(1) da ICTA, o imposto sobre as sociedades é devido sobre os lucros das sociedades estabelecidas no Reino Unido ou que aí exerçam uma actividade comercial através de uma sucursal ou de uma agência.

5        A Section 8(1) da ICTA sujeita os lucros a nível mundial das sociedades residentes ao imposto sobre as sociedades. A Section 11(1) apenas sujeita ao imposto sobre as sociedades os lucros das sucursais ou agências estabelecidas no Reino Unido das sociedades não residentes.

6        Nos termos das convenções fiscais celebradas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, nomeadamente, com o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha e a República Francesa, as filiais estrangeiras de sociedades residentes, enquanto sociedades não residentes, só são sujeitas ao imposto sobre as sociedades no Reino Unido em relação às actividades comerciais exercidas neste Estado‑Membro através de um estabelecimento estável na acepção das referidas convenções.

7        O Reino Unido adoptou um sistema de crédito de imposto para evitar a dupla tributação.

8        Esse sistema reveste‑se, designadamente, das duas seguintes características.

9        Em primeiro lugar, uma sociedade estabelecida no Reino Unido que exerça uma actividade comercial noutro Estado‑Membro através de uma sucursal aí estabelecida é tributada no Reino Unido pelos lucros dessa sucursal e deduz do imposto devido o imposto pago no outro Estado‑Membro ou é autorizada a deduzir este último imposto no âmbito da determinação do resultado fiscal da sucursal no Reino Unido. O lucro de exploração da sucursal é determinado de acordo com as normas fiscais do Reino Unido. Um prejuízo de exploração pode ser imputado nos lucros da sociedade estabelecida no Reino Unido. Os prejuízos não imputados podem ser reportados para os exercícios seguintes. A circunstância de o prejuízo poder ser imputado no outro Estado‑Membro nos lucros futuros da sucursal não impede a sua imputação nos lucros no Reino Unido.

10      Em segundo lugar, uma sociedade estabelecida no Reino Unido que exerça uma actividade comercial noutro Estado‑Membro através de uma filial aí estabelecida é tributada no Reino Unido pelos dividendos que receba dessa filial e beneficia de um crédito de imposto correspondente ao imposto pago no outro Estado‑Membro sobre os lucros com base nos quais são distribuídos os dividendos, e correspondente também, sendo caso disso, à retenção na fonte efectuada. Quando a legislação sobre as sociedades estrangeiras controladas não seja aplicável, a sociedade‑mãe não é tributada pelos lucros da sua filial não residente e não pode imputar os prejuízos dessa filial nos seus lucros.

11      Nos termos da Section 208 da ICTA, os dividendos que uma sociedade‑mãe estabelecida no Reino Unido receba de uma filial igualmente estabelecida nesse Estado‑Membro não são tributados, diferentemente do que acontece com os que receba de uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro.

 Regime especial dos prejuízos no âmbito dos grupos de sociedades (dedução de grupo)

12      No Reino Unido, institui‑se um regime de dedução de grupo que permite às sociedades residentes de um grupo proceder entre si a uma compensação dos seus lucros e prejuízos.

13      A Section 402 da ICTA dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto no presente Chapter e na Section 492(8), as deduções por prejuízos comerciais e outros montantes dedutíveis no imposto sobre as sociedades podem, nos casos previstos nas Subsections (2) e (3) […], ser cedidas por uma sociedade (designada ‘sociedade cedente’) que faça parte de um grupo de sociedades e, a pedido de outra sociedade (designada ‘sociedade reclamante’) do mesmo grupo, ser atribuídas à sociedade reclamante sob a forma de dedução, denominada ‘de grupo’, ao imposto sobre as sociedades.

2.      A dedução de grupo pode ser obtida se a sociedade cedente e a sociedade reclamante fizerem parte do mesmo grupo de sociedades […]»

14      A Section 403 da ICTA prevê:

«1.      Se, num dado período contabilístico (‘período de referência’), a sociedade cedente sofrer:

a)      prejuízos de exploração […] o montante do prejuízo pode, sem prejuízo das disposições do presente Chapter, ser deduzido, para efeitos do imposto sobre as sociedades, dos lucros totais da sociedade reclamante no respectivo período contabilístico.»

15      No que diz respeito aos exercícios encerrados antes de 1 de Abril de 2000, a Section 413(5) da ICTA refere:

«Para efeitos do presente Chapter, por ‘sociedade’ entende‑se apenas as pessoas colectivas com sede no Reino Unido […]»

16      Na sequência de uma alteração legislativa posterior ao acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, ICI (C‑264/96, Colect., p. I‑4695), o regime de dedução de grupo é, desde o exercício de 2000, aplicável aos lucros e prejuízos abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito fiscal do Reino Unido.

17      Em consequência dessa alteração legislativa:

–        os prejuízos de uma sucursal, estabelecida no Reino Unido, de uma sociedade não residente podem ser transferidos para outra sociedade do grupo para serem deduzidos aos seus lucros tributáveis no Reino Unido;

–        os prejuízos de uma sociedade do grupo estabelecida no Reino Unido podem ser transferidos para a sucursal para serem deduzidos aos lucros desta última no Reino Unido.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      A Marks & Spencer é uma sociedade constituída e registada na Inglaterra e no País de Gales. É a sociedade‑mãe de sociedades estabelecidas no Reino Unido e noutros Estados. É um dos mais importantes retalhistas do Reino Unido nos domínios da confecção, dos produtos alimentares, dos electrodomésticos e dos serviços financeiros.

19      A partir de 1975, começou a implantar‑se noutros Estados, com a abertura de um estabelecimento em França. No fim dos anos 90, possuía pontos de venda em mais de 36 países, no âmbito de uma rede de filiais e de um sistema de franchising.

20      A meio dos anos 90, verificou‑se uma tendência para um aumento dos prejuízos.

21      No mês de Março de 2001, a Marks & Spencer anunciou a cessação das suas actividades no continente europeu. Em 31 de Dezembro de 2001, a filial estabelecida em França tinha sido cedida a terceiros, ao passo que as outras filiais, incluindo as estabelecidas na Bélgica e na Alemanha, tinham cessado a sua actividade comercial.

22      No Reino Unido, a Marks & Spencer, nos termos da Section 6 do anexo 17 A da ICTA, requereu uma dedução fiscal de grupo pelos prejuízos sofridos pelas suas filiais estabelecidas na Bélgica, na Alemanha e em França no decurso dos quatro exercícios encerrados em 31 de Março de 1998, 31 de Março de 1999, 31 de Março de 2000 e 31 de Março de 2001. Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que as partes no processo principal acordaram no facto de os prejuízos deverem ser determinados segundo as normas fiscais do Reino Unido. Assim, a pedido da Administração Fiscal, a Marks & Spencer calculou novamente os respectivos prejuízos nessa base.

23      As referidas filiais tinham exercido as suas actividades económicas nos Estados‑Membros da respectiva sede. Não possuíam um estabelecimento estável no Reino Unido, onde não tinham exercido nenhuma actividade económica.

24      Os pedidos de dedução foram indeferidos pelo facto de uma dedução de grupo apenas poder ser concedida relativamente aos prejuízos registados no Reino Unido.

25      A Marks & Spencer impugnou esse indeferimento no Special Commissioners of Income Tax, que negou provimento ao recurso.

26      A Marks & Spencer interpôs recurso dessa decisão na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Quando

–      nos termos da regulamentação de um Estado‑Membro, como a aplicável no Reino Unido aos grupos de sociedades, a sociedade‑mãe com domicílio fiscal nesse Estado está impedida de deduzir do seu lucro tributável nesse Estado os prejuízos sofridos noutros Estados‑Membros por filiais com domicílio fiscal nesses Estados, quando tal dedução seria admissível se os referidos prejuízos tivessem sido suportados por filiais estabelecidas no Estado da sociedade‑mãe;

–      o Estado‑Membro da sociedade‑mãe:

–      sujeita uma sociedade estabelecida no seu território ao imposto sobre as sociedades relativamente à totalidade dos seus lucros, incluindo os lucros das filiais noutros Estados‑Membros, prevendo mecanismos contra a dupla tributação que permitem deduzir os impostos pagos noutro Estado‑Membro e tomar em consideração os prejuízos sofridos por essas filiais na determinação do lucro tributável;

–      não sujeita ao imposto sobre as sociedades os lucros não distribuídos das filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros;

–      sujeita a sociedade‑mãe a imposto sobre as sociedades relativamente a quaisquer distribuições de dividendos que receba de filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros, mas não relativamente a distribuições de dividendos que receba de filiais estabelecidas no Estado da sociedade‑mãe;

–      garante mecanismos para evitar a dupla tributação sob a forma de um crédito do imposto retido na fonte sobre os dividendos e dos impostos pagos no estrangeiro sobre os lucros que deram origem aos dividendos pagos pelas filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros;

verifica‑se uma restrição na acepção do artigo 43.° CE, em conjugação com o artigo 48.° CE? Em caso de resposta afirmativa, trata‑se de uma restrição justificada ao abrigo do direito comunitário?

2)      a)     O facto de a lei do Estado‑Membro da filial autorizar ou poder autorizar, em certas circunstâncias, que os prejuízos sofridos pela filial sejam total ou parcialmente deduzidos aos lucros tributáveis no Estado da filial tem alguma relevância para a resposta a dar à questão n.° 1?

b)      Em caso de resposta afirmativa, que relevância se deve atribuir ao facto de:

–      uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro ter cessado a sua actividade comercial e, apesar de nesse Estado existir a possibilidade legal de dedução dos prejuízos em certas condições, não haver provas de que essa dedução tenha sido obtida no caso concreto;

–      uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro ter sido alienada a um terceiro e, apesar de, nos termos da lei desse Estado, existir a possibilidade de, em certas circunstâncias, o terceiro adquirente imputar os prejuízos, não haver a garantia de que os prejuízos tenham sido utilizados para esse efeito no caso concreto;

–      as disposições ao abrigo das quais o Estado‑Membro da sociedade‑mãe toma em conta os prejuízos das sociedades estabelecidas no Reino Unido se aplicarem independentemente do facto de esses prejuízos serem também deduzidos noutro Estado‑Membro?

c)      Seria outra a resposta se existisse prova de que os prejuízos foram deduzidos no Estado‑Membro onde a filial está estabelecida e, em caso de resposta afirmativa, teria alguma influência o facto de essa dedução ter aproveitado a um grupo de empresas terceiro ao qual a filial foi vendida?»

 Quanto à primeira questão

27      Na primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 43.° CE e 48.° CE se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que impede uma sociedade‑mãe residente de deduzir do seu lucro tributável os prejuízos sofridos noutros Estados‑Membros por filiais estabelecidas nesses Estados, quando tal dedução é admissível relativamente aos prejuízos sofridos por filiais residentes.

28      Por outras palavras, coloca a questão de saber se essa legislação constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento contrária aos artigos 43.° CE e 48.° CE.

29      A este respeito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados‑Membros, estes últimos devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727, n.° 37, e jurisprudência aí referida).

30      A liberdade de estabelecimento, que o artigo 43.° CE reconhece aos nacionais da Comunidade e que compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício como a constituição e a gestão de empresas, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, inclui, nos termos do artigo 48.° CE, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercer a sua actividade no Estado‑Membro em causa através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Saint‑Gobain ZN, C‑307/97, Colect., p. I‑6161, n.° 35).

31      Embora, de acordo com o seu teor, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento visem nomeadamente assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (v., nomeadamente, acórdão ICI, já referido, n.° 21).

32      Uma dedução de grupo com a que está em causa no processo principal constitui um benefício fiscal para as sociedades em causa. Ao acelerar o apuramento dos prejuízos das sociedades deficitárias através da sua imputação imediata nos lucros de outras sociedades do grupo, confere‑lhe uma vantagem de tesouraria.

33      A exclusão desse benefício no que diz respeito aos prejuízos sofridos por uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro e que não exerce nenhuma actividade económica no Estado‑Membro da sociedade‑mãe é susceptível de entravar o exercício, por essa sociedade, da sua liberdade de estabelecimento, dissuadindo‑a de criar filiais noutros Estados‑Membros.

34      Assim, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção dos artigos 43.° CE e 48.° CE, na medida em que cria uma diferença de tratamento fiscal entre prejuízos sofridos por uma filial residente e prejuízos sofridos por uma filial não residente.

35      Semelhante restrição só pode ser admitida se prosseguir um objectivo legítimo e compatível com o Tratado e se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas é ainda necessário, em tal caso, que a sua aplicação seja adequada a garantir a realização do objectivo assim prosseguido e que não ultrapasse o que é necessário para o atingir (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, C‑250/95, Colect., p. I‑2471, n.° 26, e de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, Colect., p. I‑2409, n.° 49).

36      O Reino Unido e os outros Estados‑Membros que apresentaram observações no âmbito do presente processo alegam que as filiais residentes e as filiais não residentes não estão, no âmbito de um regime de dedução de grupo como o que está em causa no processo principal, em situações fiscais comparáveis. Em conformidade com o princípio da territorialidade aplicável tanto em direito internacional como em direito comunitário, o Estado‑Membro de estabelecimento da sociedade‑mãe não tem competência fiscal em relação às filiais não residentes. Relativamente a estas filiais, a competência fiscal cabe, em princípio, em conformidade com a repartição habitual na matéria, aos Estados em cujo território estão estabelecidas e exercem actividades económicas.

37      A este respeito, importa observar que, em direito fiscal, a residência dos contribuintes pode constituir um factor justificador das normas nacionais que impliquem uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes. No entanto, a residência não é sempre um factor justificativo da distinção. Com efeito, admitir que o Estado‑Membro de estabelecimento possa livremente aplicar um tratamento diferente, unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada noutro Estado‑Membro, esvaziaria o artigo 43.° CE do seu conteúdo (v. acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273, n.° 18).

38      Em cada caso concreto, há que analisar se a limitação da aplicação de um benefício fiscal aos contribuintes residentes se baseia em elementos objectivos pertinentes susceptíveis de justificar a diferença de tratamento.

39      Numa situação como a do litígio no processo principal, há que admitir que o Estado‑Membro de estabelecimento da sociedade‑mãe, ao tributar as sociedades residentes pelos seus lucros a nível mundial e as sociedades não residentes exclusivamente pelos lucros provenientes da sua actividade no referido Estado, age em conformidade com o princípio da territorialidade consagrado pelo direito fiscal internacional e reconhecido pelo direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão Futura Participations e Singer, já referido, n.° 22).

40      Todavia, a circunstância de o referido Estado‑Membro não tributar os lucros das filiais não residentes de uma sociedade‑mãe estabelecida no seu território não justifica, por si só, uma limitação da dedução de grupo dos prejuízos sofridos pelas sociedades residentes.

41      Para apreciar se essa limitação se justifica, há que analisar as consequências de uma extensão ilimitada de um benefício como o que está em causa no processo principal.

42      Sobre esse aspecto, o Reino Unido e os outros Estados‑Membros que apresentaram observações invocam três justificações.

43      Em primeiro lugar, em matéria fiscal, os lucros e os prejuízos são as duas faces da mesma moeda, devendo ser tratados de forma simétrica no âmbito do mesmo sistema fiscal, a fim de garantir uma repartição equilibrada do poder tributário entre os diferentes Estados‑Membros interessados. Em segundo lugar, se os prejuízos fossem levados em conta no Estado‑Membro da sociedade‑mãe, existiria o risco de serem objecto de uma dupla utilização. Por último, em terceiro lugar, se os prejuízos não fossem levados em conta no Estado‑Membro de estabelecimento da filial, existiria um risco de evasão fiscal.

44      Relativamente à primeira justificação, deve recordar‑se que a redução das receitas fiscais não pode ser considerada razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.° 49, e jurisprudência aí referida).

45      No entanto, como correctamente salienta o Reino Unido, a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros pode tornar necessária a aplicação das respectivas normas fiscais somente às actividades económicas das sociedades estabelecidas num desses Estados, tanto no que diz respeito aos lucros como aos prejuízos.

46      Com efeito, conceder às sociedades a faculdade de optar pela dedução dos seus prejuízos no Estado‑Membro do seu estabelecimento ou noutro Estado‑Membro comprometeria sensivelmente a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros, sendo a matéria colectável aumentada no primeiro Estado e diminuída no segundo, até ao montante dos prejuízos transferidos.

47      No que diz respeito à segunda justificação, relativa ao risco da dupla utilização dos prejuízos, há que admitir que os Estados‑Membros devem poder impedi‑la.

48      Esse risco existe efectivamente se a dedução de grupo for aplicada aos prejuízos das filiais não residentes. É afastado por uma regra que exclui a dedução desses prejuízos.

49      Por último, no que toca à terceira justificação, relativa ao risco de evasão fiscal, há que admitir que a possibilidade de transferir os prejuízos de uma filial não residente para uma sociedade residente comporta o risco de serem organizadas transferências de prejuízos no interior de um grupo de sociedades para sociedades estabelecidas nos Estados‑Membros que aplicam as taxas de impostos mais elevadas e onde, por conseguinte, o valor fiscal dos prejuízos é mais significativo.

50      O facto de se excluírem da dedução de grupo os prejuízos sofridos por filiais não residentes impede essas práticas, susceptíveis de serem inspiradas pela verificação de diferenças sensíveis entre as taxas de imposto aplicadas nos vários Estados‑Membros.

51      Tendo em conta estas três justificações, consideradas no seu conjunto, há que observar que uma regulamentação restritiva como a que está em causa no processo principal, por um lado, prossegue objectivos legítimos compatíveis com o Tratado e justifica‑se por razões imperiosas de interesse geral e, por outro, é adequada a garantir a realização dos referidos objectivos.

52      Esta análise não é posta em causa pelas indicações, constantes da segunda parte da primeira questão, relativas aos regimes aplicáveis no Reino Unido:

–        aos lucros e aos prejuízos de uma sucursal estrangeira de uma sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro;

–        aos dividendos distribuídos a uma sociedade aí estabelecida por uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro.

53      No entanto, deve verificar‑se se a medida restritiva não ultrapassa o que é necessário para atingir os objectivos prosseguidos.

54      Com efeito, a Marks & Spencer e a Comissão defenderam ser possível ponderar a criação de medidas menos restritivas do que uma exclusão geral do benefício da dedução de grupo. A título de exemplo, fazem referência à possibilidade de fazer depender o benefício da dedução do pressuposto de a filial estrangeira ter retirado pleno proveito das possibilidades de dedução dos prejuízos concedidas no Estado‑Membro de residência. Fizeram igualmente referência à possibilidade de fazer depender o benefício da dedução de um pressuposto de reintegração, nos lucros tributáveis da sociedade que beneficiou da dedução de grupo, dos lucros posteriores da filial não residente, até ao montante dos prejuízos previamente imputados.

55      A este respeito, o Tribunal considera que a medida restritiva em causa no processo principal ultrapassa o que é necessário para atingir, no essencial, os objectivos prosseguidos quando:

–        a filial não residente tiver esgotado as possibilidades de dedução dos prejuízos existentes no seu Estado de residência para o exercício fiscal relativo ao pedido de dedução bem como para os exercícios fiscais anteriores, eventualmente através da transferência desses prejuízos para um terceiro ou da imputação dos referidos prejuízos nos lucros obtidos pela filial no decurso de exercícios anteriores, e

–        não haja possibilidade de dedução dos prejuízos da filial estrangeira no seu Estado de residência a título dos exercícios futuros, nem por si própria nem por um terceiro, nomeadamente no caso de a filial ser cedida a esse terceiro.

56      Quando, num Estado‑Membro, a sociedade‑mãe residente provar às autoridades fiscais que esses pressupostos se encontram reunidos, é contrário aos artigos 43.° CE e 48.° CE impedi‑la de deduzir do seu lucro tributável nesse Estado‑Membro os prejuízos sofridos pela sua filial não residente.

57      Importa ainda esclarecer, neste contexto, que os Estados‑Membros permanecem livres de adoptar ou manter em vigor normas que tenham por objectivo específico excluir a aplicação de benefícios fiscais em caso de expedientes puramente artificiais cuja única finalidade seja a de contornar a lei fiscal nacional ou fugir à sua alçada (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, ICI, n.° 26, e de Lasteyrie du Saillant, n.° 50).

58      Por outro lado, apesar de ser possível vislumbrar outras medidas menos restritivas, tais medidas necessitam, em todo o caso, de regras de harmonização a adoptar pelo legislador comunitário.

59      Assim sendo, há que responder à primeira questão que os artigos 43.° CE e 48.° CE não se opõem, no estado actual do direito comunitário, a uma legislação de um Estado‑Membro que impede de um modo geral uma sociedade‑mãe residente de deduzir do seu lucro tributável os prejuízos sofridos noutro Estado‑Membro por filiais aí estabelecidas, quando essa dedução é admissível relativamente aos prejuízos sofridos por filiais residentes. No entanto, é contrário aos artigos 43.° CE e 48.° CE excluir uma sociedade‑mãe residente dessa possibilidade nos casos em que, por um lado, a filial não residente esgotou as possibilidades de dedução dos prejuízos existentes no seu Estado de residência para o exercício fiscal relativo ao pedido de dedução bem como para os exercícios fiscais anteriores e, por outro, não haja possibilidade de dedução desses prejuízos no seu Estado de residência a titulo dos exercícios futuros, nem por si própria nem por um terceiro, nomeadamente no caso de a filial ser cedida a esse terceiro.

 Quanto à segunda questão

60      Tendo em conta a resposta à primeira questão, não há que responder à segunda.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Os artigos 43.° CE e 48.° CE não se opõem, no estado actual do direito comunitário, a uma legislação de um Estado‑Membro que impede de um modo geral uma sociedade‑mãe residente de deduzir do seu lucro tributável os prejuízos sofridos noutro Estado‑Membro por filiais aí estabelecidas, quando essa dedução é admissível relativamente aos prejuízos sofridos por filiais residentes. No entanto, é contrário aos artigos 43.° CE e 48.° CE excluir uma sociedade‑mãe residente dessa possibilidade nos casos em que, por um lado, a filial não residente esgotou as possibilidades de dedução dos prejuízos existentes no seu Estado de residência para o exercício fiscal relativo ao pedido de dedução bem como para os exercícios fiscais anteriores e, por outro, não haja possibilidade de dedução desses prejuízos no seu Estado de residência a titulo dos exercícios futuros, nem por si própria nem por um terceiro, nomeadamente no caso de a filial ser cedida a esse terceiro.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.