Language of document : ECLI:EU:C:2012:636

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de outubro de 2012 (*)

«Diretiva 2003/109/CE ― Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração ― Âmbito de aplicação ― Artigo 3.°, n.° 2, alínea e) ― Residência baseada numa autorização formalmente limitada»

No processo C‑502/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Raad van State (Países Baixos), por decisão de 14 de outubro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de outubro de 2010, no processo

Staatssecretaris van Justitie

contra

Mangat Singh,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász, G. Arestis e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de M. Singh, por I. M. Hagg, advocaat,

¾        em representação do Governo neerlandês, por M. Noort, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo belga, por T. Materne e C. Pochet, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de maio de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Justitie (Secretário de Estado da Justiça, a seguir «Staatssecretaris») a M. Singh na sequência do indeferimento do pedido deste último no sentido de obter uma autorização de residência para residentes de longa duração ― CE.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 2, 4, 6 e 12 da Diretiva 2003/109:

«(2)      Aquando da reunião extraordinária de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu proclamou que o estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deveria aproximar‑se do estatuto dos nacionais dos Estados‑Membros e que uma pessoa que resida legalmente num Estado‑Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar neste Estado‑Membro de um conjunto de direitos uniformes tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União Europeia.

[…]

(4)      A integração dos nacionais de países terceiros que sejam residentes de longa duração nos Estados‑Membros constitui um elemento‑chave para promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade consagrado no Tratado [CE].

[...]

(6)      O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de longa duração deverá ser a duração da residência no território de um Estado‑Membro. Esta residência deverá ter sido legal e ininterrupta a fim de comprovar o enraizamento da pessoa no país. Deve ser prevista uma certa flexibilidade para ter em conta determinadas circunstâncias que podem levar alguém a afastar‑se do território de forma temporária.

[...]

(12)      A fim de constituir um verdadeiro instrumento de integração na sociedade em que se estabeleceu o residente de longa duração, este deverá ser tratado em pé de igualdade com os cidadãos do Estado‑Membro num amplo leque de domínios económicos e sociais, de acordo com as condições relevantes definidas na presente diretiva.»

4        O artigo 1.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Objeto», enuncia:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições de concessão e perda de estatuto de residente de longa duração conferido por um Estado‑Membro a nacionais de países terceiros legalmente residentes no seu território, bem como os direitos correspondentes; […]

[…]»

5        O artigo 3.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro.

2.      A presente diretiva não é aplicável aos nacionais de países terceiros que:

a)      Tenham residência para seguirem os seus estudos ou uma formação profissional;

b)      Estejam autorizados a residir num Estado‑Membro ao abrigo da proteção temporária ou tenham solicitado autorização de residência por esse motivo e aguardem uma decisão sobre o seu estatuto;

c)      Estejam autorizados a residir num Estado‑Membro ao abrigo de uma forma de proteção subsidiária, em conformidade com obrigações contraídas internacionalmente, o direito interno ou a prática dos Estados‑Membros, ou tenham solicitado uma autorização de residência por esse motivo e aguardem uma decisão sobre o seu estatuto;

d)      Sejam refugiados ou tenham solicitado o reconhecimento do estatuto de refugiado e o seu pedido não tenha ainda sido objeto de decisão definitiva;

e)      Tenham residência exclusivamente por motivos de caráter temporário, como trabalhadores sazonais ou au pair, trabalhadores destacados por um prestador de serviços para efeitos de prestação de serviços transfronteiriços, ou prestadores de serviços transfronteiriços, ou nos casos em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada;

f)      Beneficiem de um estatuto jurídico ao abrigo da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961, da Convenção de Viena sobre relações consulares, de 1963, da Convenção sobre missões diplomáticas especiais, de 1969, ou da Convenção de Viena sobre a representação dos Estados nas suas relações com as organizações internacionais de caráter universal, de 1975.»

6        O artigo 4.° da Diretiva 2003/109, sob a epígrafe «Duração da residência», tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos que antecedem imediatamente a apresentação do respetivo pedido.

2.      Os períodos de residência pelas razões referidas nas alíneas e) e f) do n.° 2 do artigo 3.° não são tidos em conta para efeitos do cálculo do período referido no n.° 1.

Nos casos abrangidos pela alínea a) do n.° 2 do artigo 3.°, sempre que o nacional de um país terceiro em questão tiver adquirido um título de residência que lhe permita beneficiar do estatuto de residente de longa duração, só metade dos períodos de residência para efeitos de estudos ou de formação profissional pode ser tomada em conta para o cálculo do período referido no n.° 1.

3.      Os períodos de ausência do território do Estado‑Membro em questão não interrompem o período referido no n.° 1 e entram no cálculo deste, desde que sejam inferiores a seis meses consecutivos e não excedam, na totalidade, dez meses compreendidos no período referido no n.° 1.

Caso existam motivos específicos ou excecionais de caráter temporário, os Estados‑Membros podem, de acordo com a respetiva legislação nacional, aceitar que um período de ausência mais longo do que o fixado no primeiro parágrafo não interrompa o período referido no n.° 1. Nesse caso, o período de ausência em questão não entra no cálculo do período referido no n.° 1.

Em derrogação do segundo parágrafo, os Estados‑Membros podem ter em conta, no cálculo do período referido no n.° 1, os períodos de ausência devidos a destacamento por razões de trabalho, nomeadamente no quadro de uma prestação de serviços transfronteiriços.»

7        O artigo 5.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Condições para aquisição do estatuto de residente de longa duração», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que este e os familiares a seu cargo dispõem de:

a)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo e das pensões antes do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração;

b)      Um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em questão para os próprios nacionais.

2.      Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o direito nacional.»

8        O artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da mesma diretiva prevê que os Estados‑Membros podem recusar a concessão do estatuto de residente de longa duração por razões de ordem pública ou de segurança pública.

9        Sob a epígrafe «Aquisição do estatuto de residente de longa duração», o artigo 7.° da Diretiva 2003/109 dispõe, no seu n.° 3:

«Se as condições estabelecidas nos artigos 4.° e 5.° estiverem preenchidas e a pessoa não representar uma ameaça na aceção do artigo 6.°, o Estado‑Membro em causa deve conceder o estatuto de residente de longa duração ao nacional de um país terceiro em questão.»

 Direito nacional

10      A Diretiva 2003/109 foi transposta nos Países Baixos pela Lei de revisão geral da lei relativa aos estrangeiros (Wet tot algehele herziening van de Vreemdelingenwet), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.° 495), conforme alterada pela Lei de 23 de novembro de 2006 (Stb. 2006, n.° 584, a seguir «Vw 2000»).

11      O artigo 14.° da Vw 2000 enuncia:

«1.      Compete ao Ministro:

a.      conceder, recusar ou até não tomar em consideração o pedido de autorização de residência de duração determinada;

[…]

2.      A concessão de uma autorização de residência de duração determinada está sujeita a restrições relativas ao objetivo prosseguido. A autorização pode estar sujeita a condições. Podem ser adotadas regras relativas às restrições e às condições por ou nos termos de uma medida geral de administração.

3.      A autorização de residência de uma duração determinada é concedida por uma duração máxima de cinco anos sucessivos. Através de uma medida geral de administração, são adotadas condições relativas à duração da validade da autorização de residência e à prorrogação da duração da validade da autorização de residência.»

12      O artigo 21.°, n.° 1, da Vw 2000 dispõe:

«Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2003/109 […], o pedido de concessão ou de alteração de uma autorização de residência de duração indeterminada, na aceção do artigo 20.°, apenas pode ser indeferido se o estrangeiro:

a.      não tiver residido legalmente durante cinco anos de forma ininterrupta, na aceção [do referido] artigo 8.°, imediatamente antes da apresentação do pedido;

b.      durante o período visado na alínea a), tiver disposto de uma autorização de residência temporária ou de uma autorização de residência formalmente limitada ou de uma autorização de residência enquanto trabalhador de um prestador de serviços para efeitos de prestação de serviços transfronteiriços ou enquanto prestador de serviços transfronteiriços;

c.      durante o período visado na alínea a), tiver residido durante seis meses sucessivos ou mais ou um total de dez meses ou mais fora dos Países Baixos;

d.      não dispuser de forma independente e duradoura de meios de subsistência suficientes juntamente ou não com o membro da família com o qual resida;

e.      tiver sido judicialmente condenado por sentença transitada em julgado por infrações pelas quais incorra numa pena de prisão igual ou superior a três meses, ou ainda se lhe tiver sido aplicada uma medida como a prevista no artigo 37.°a do Código Penal (Wetboek van Strafrecht);

f.      representar um perigo para a segurança nacional;

g.      não dispuser de um seguro de doença suficiente para cobrir os seus próprios riscos e dos membros da sua família a seu cargo;

h.      tiver facultado informações erradas ou não tiver comunicado informações que possam influenciar o indeferimento do pedido de concessão, de alteração ou de prorrogação da autorização;

i.      residir de forma regular nos Países Baixos na aceção do artigo 8.°, alínea c) e alínea d), ou aguardar uma decisão definitiva de concessão ou de prorrogação da duração da validade de uma autorização de residência na aceção dos artigos 28.° ou 33.°; ou

j.      dispuser ou tiver disposto de um estatuto particularmente privilegiado durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido;

k.      não tiver passado no exame de integração previsto no artigo 13.° da Lei relativa à integração.»

13      O Decreto relativo aos estrangeiros (Vreemdelingenbesluit, Stb. 2000, n.° 497), que está previsto pela Vw 2000, entrou em vigor em 1 de abril de 2001 (a seguir «Vb 2000»).

14      O artigo 3.5 do Vb 2000 tem a seguinte redação:

«1.      O direito de residência baseado na autorização de residência de duração determinada visada no artigo 14.° da [Vw 2000] é temporário ou não temporário.

2.      O direito de residência é temporário se a autorização de residência for concedida com uma restrição, tendo uma ligação com:

a.      a constituição de uma família ou o reagrupamento familiar com uma pessoa dotada de um direito de residência temporário ou um titular da autorização de residência prevista no artigo 28.° da [Vw 2000], ou uma residência junto de tal pessoa ou de um tal titular para adoção ou enquanto criança em acolhimento;

b.      o período da investigação relativa à aptidão dos candidatos a adotar, previsto no artigo 11.° da Lei sobre a admissão das crianças estrangeiras à adoção;

c.      a visita familiar;

d.      o exercício de um trabalho enquanto chefe espiritual ou professor de religião, a menos que o titular obtenha o direito de residência com base na decisão de associação 1/80 do Conselho de Associação CEE/Turquia;

e.      a procura e o exercício de um trabalho remunerado ou não, a menos que o titular obtenha o direito de residência da decisão de associação 1/80 do Conselho de Associação CEE/Turquia;

f.      a procura por um trabalho remunerado à bordo de um navio neerlandês ou de uma instalação mineira no continente, a menos que o titular obtenha o direito de residência da decisão de associação 1/80 do Conselho de Associação CEE/Turquia;

g.      o período de espera pela retoma ou pela reintegração num trabalho remunerado a bordo de um navio neerlandês ou de uma instalação mineira no continente, a menos que o titular obtenha o direito de residência da decisão de associação 1/80 do Conselho de Associação CEE/Turquia;

h.      a residência enquanto estagiário;

i.      a residência enquanto militar não privilegiado ou enquanto membro do pessoal civil não privilegiado;

j.      a consequência dos estudos;

k.      a preparação dos estudos;

l.      a residência enquanto jovem trabalhadora au pair;

m.      a residência no âmbito de um intercâmbio;

n.      o seguimento de um tratamento médico;

o.      o tráfico de seres humanos;

p.      o período de espera pela decisão de um pedido baseado no artigo 17.° da Lei sobre a nacionalidade neerlandesa;

q.      a residência enquanto estrangeiro menor sozinho;

r.      a residência enquanto estrangeiro que não pode sair dos Países Baixos sem que isso lhe possa ser imputado; ou

s.      uma atividade no âmbito de uma prestação de serviços transfronteiriços, como prevista no artigo 1.°, alínea e), do decreto de execução da Lei sobre o trabalho dos estrangeiros;

t.      o facto de passar as suas férias nos Países Baixos.

3.      Se a autorização de residência for concedida sob uma restrição diferente da que está mencionada no [n.° 2], o direito de residência não é temporário, salvo decisão em contrário no momento da entrega da autorização de residência.»

15      O artigo 3.33, n.° 1, do Vb 2000 dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 3.31, a autorização de residência de duração determinada, referida no artigo 14.° da Vw 2000, sujeita a uma restrição ligada ao exercício de uma atividade assalariada como chefe espiritual ou professor de religião, só pode ser concedida se o estrangeiro também declarar por escrito que é do seu conhecimento que:

a.      a residência só é autorizada para o exercício de atividades como chefe espiritual ou professor de religião, exercidas ao serviço de um grupo que deve ser designado com precisão;

b.      a residência só pode ser autorizada pelo período de exercício dessas atividades;

c.      findas essas atividades, deve abandonar os Países Baixos; e

d.      não lhe é permitido, durante a sua residência nos Países Baixos, exercer atividades de outra natureza.»

16      Na Circular relativa aos estrangeiros (Vreemdelingencirculaire, a seguir «Vc 2000»), o Ministro descreve as modalidades de exercício dos poderes que lhe foram conferidos pela Vw 2000 e pelo Vb 2000.

17      O ponto B1/2.4 da Vc 2000 enuncia:

«[...]

O direito de residência que, por natureza, seja limitado no tempo é designado direito de residência temporário. A questão de saber se o direito de residência é ou não por natureza limitado no tempo só é pertinente se o estrangeiro possuir uma autorização de residência de duração determinada, conforme prevista no artigo 14.° da Vw [2000]. Nessa autorização de residência pode assentar um direito de residência temporário ou não temporário. O caráter temporário do direito de residência nada tem a ver com o facto de a autorização de residência de duração determinada ser concedida por um período máximo de cinco anos. O caráter temporário do direito de residência também não se pode inferir do facto de a autorização de residência ter sido sempre concedida com uma restrição.

A autorização de residência de duração determinada confere ao seu titular um direito de residência temporário ou um direito de residência não temporário. O caráter temporário ou não temporário do direito de residência do estrangeiro é determinado exclusivamente pelo artigo 3.5 do [Vb 2000]. Se a autorização de residência for concedida com uma restrição referida no [n.° 2], o direito de residência do estrangeiro é por natureza temporário. Se autorização de residência for concedida com uma restrição diferente, o direito de residência do estrangeiro não é, à partida, temporário por natureza.

[…]»

18      O ponto B1/7.1.2. da Vc 2000 tem a seguinte redação:

«Para a apreciação do pedido de concessão de uma autorização normal de residência de duração indeterminada, reveste importância decisiva o facto de o direito de residência do estrangeiro não ser por natureza temporário. […] Segundo o artigo 21.°, [n.° 1], alínea b), da [Vw 2000], o pedido de concessão ou de alteração de uma autorização de residência de duração indeterminada na aceção do artigo 20.° da [Vw 2000] pode ser recusado se esta tiver sido objeto de um direito de residência formalmente limitado ou de um direito de residência enquanto trabalhador de um prestador de serviços no âmbito de serviços transfronteiriços ou enquanto prestador de serviços transfronteiriços.»

19      Segundo a Lei de 7 de julho de 2010 (Stb. 2010, n.° 209) e a Decisão de 24 de julho de 2010 (Stb. 2010, n.° 307), que não são aplicáveis ao litígio no processo principal, a residência dos chefes espirituais e dos professores de religião não é temporária por natureza e, consequentemente, pode ser tomada em consideração no quadro da concessão de uma autorização de residência normal de duração indeterminada com o averbamento «residente CE de longa duração».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

20      M. Singh, de nacionalidade indiana, chegou aos Países Baixos em 4 de setembro de 2001. Em 22 de outubro seguinte, foi‑lhe concedida uma autorização normal de residência de duração determinada, cuja validade estava limitada ao exercício da atividade enquanto chefe espiritual ou professor de religião, por um período até 6 de setembro de 2002. A validade dessa autorização foi prorrogada até 19 de janeiro de 2005, depois até 19 de janeiro de 2008. Entretanto, a restrição à qual a autorização havia sido sujeita foi alterada no sentido de que a sua validade era para o futuro limitada ao exercício de uma atividade enquanto chefe espiritual.

21      Em 30 de maio de 2007, M. Singh apresentou um pedido de autorização de residência para residentes de longa duração ― CE. Por decisão de 15 de novembro de 2007, o Staatssecretaris indeferiu este pedido em aplicação dos artigos 21.°, n.° 1, alínea b), da Vw 2000 e 3.5, n.° 2, alínea d), do Vb 2000, prorrogando a duração da sua autorização de duração determinada até 19 de janeiro de 2009.

22      M. Singh apresentou uma reclamação da referida decisão de indeferimento ao Staatssecretaris, a qual também foi indeferida por decisão deste de 26 de fevereiro de 2008. Por sentença de 29 de abril de 2009, o Rechtbank ’s‑Gravenhage julgou procedente o recurso de M. Singh da referida decisão e ordenou ao Staatssecretaris que tomasse uma nova decisão sobre essa reclamação tendo em conta os fundamentos que constavam da sua sentença.

23      Segundo o referido órgão jurisdicional, a Diretiva 2003/109 não pretendeu excluir do seu âmbito de aplicação os casos nos quais a autorização de residência concedida a um estrangeiro não deve ser considerada, por natureza, temporária, tendo o artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da mesma diretiva apenas em vista os casos em que a residência é temporária por natureza. A este respeito, o efeito útil desta diretiva seria anulado se um Estado‑Membro fosse autorizado a excluir do seu âmbito de aplicação os casos em que um estrangeiro dispõe de uma autorização de residência suscetível de ser prorrogada de forma ilimitada.

24      O Staatssecretaris interpôs recurso da referida sentença para o órgão jurisdicional de reenvio.

25      Segundo esse órgão jurisdicional, pode admitir‑se que a expressão «formalmente limitada», que consta do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109, concede uma margem de apreciação aos Estados‑Membros que lhes permite juntar restrições formais a uma autorização de residência de duração determinada, desde que estes últimos assegurem efetivamente a plena aplicação da mesma diretiva.

26      Todavia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o significado do conceito de «autorização de residência [...] formalmente limitada» na aceção da referida disposição não está definido e a concessão de uma tal margem de apreciação aos Estados‑Membros poderia prejudicar o efeito útil da Diretiva 2003/109 ou o seu objetivo de alcançar uma harmonização dos requisitos de aquisição do estatuto de residente de longa duração ― CE.

27      No que respeita às autorizações de residência de duração determinada às quais está associada uma restrição relativa ao exercício de uma atividade enquanto chefe espiritual ou professor de religião, o órgão jurisdicional de reenvio observa que está assente que a duração destas pode ser indefinidamente prorrogada enquanto o seu titular continuar a preencher os requisitos exigidos pela regulamentação neerlandesa e que, além disso, resulta de documentos oficiais do Ministério da Imigração e da Integração que, na prática, muitos estrangeiros que residem enquanto chefes espirituais no território neerlandês não o abandonam. Foi devido a uma constatação deste tipo que a residência dos chefes espirituais e dos professores de religião nos Países Baixos foi considerada não temporária por natureza na nova regulamentação mencionada no n.° 19 do presente acórdão.

28      Neste contexto, o Raad van State decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O conceito de ‘autorização de residência […] formalmente limitada’, que figura no artigo 3.°, n.° 2, [initio] e alínea e), da Diretiva 2003/109[…], deve ser interpretado no sentido de que abrange uma autorização de residência de duração determinada que, em conformidade com o direito neerlandês, não permite obter uma autorização de residência de duração indeterminada, mesmo que o período de validade da autorização de residência temporária possa, em princípio, nos termos do direito neerlandês, ser prorrogad[o] por tempo indeterminado e, deste modo, excluir um grupo determinado de pessoas, como chefes espirituais e professores de religião, do âmbito de aplicação da diretiva?»

 Quanto à questão prejudicial

29      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «autorização de residência [que] tenha sido formalmente limitada» abrange uma autorização de residência de duração determinada, concedida em benefício de um grupo específico de pessoas, cuja validade pode ser prorrogada por tempo indeterminado, sem todavia haver qualquer perspetiva de obter uma autorização de residência de duração indeterminada.

 Quanto aos casos previstos no artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109

30      Segundo o seu artigo 3.°, n.° 1, o âmbito de aplicação da Diretiva 2003/109 abrange os nacionais de países terceiros que residem legalmente no território de um Estado‑Membro.

31      Todavia, nos termos do n.° 2, alínea e), do mesmo artigo, a referida diretiva não é aplicável aos nacionais de países terceiros que tenham residência exclusivamente por motivos de caráter temporário como, por exemplo, trabalhadores au pair ou trabalhadores sazonais, trabalhadores destacados por um prestador de serviços para prestação de serviços transfronteiriços, ou prestadores de serviços transfronteiriços, ou nos casos em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada.

32      Assim, para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que determinar previamente se os termos «em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada» visam um caso diferente daquele dos nacionais de países terceiros «que tenham residência exclusivamente por motivos de caráter temporário» ou se, pelo contrário, à semelhança dos trabalhadores au pair, dos trabalhadores sazonais ou destacados e dos prestadores de serviços transfronteiriços, se trata apenas de um exemplo suplementar que ilustra este último caso, que seria assim o único caso previsto pelo artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109.

33      A este respeito, cumpre constatar que os termos literais desta última disposição são, num número considerável de versões linguísticas, desprovidos de significado unívoco e não permitem por isso determinar claramente e à primeira vista o seu alcance exato.

34      Quanto à interpretação lógica do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109, há que observar que, se os trabalhadores au pair, os trabalhadores sazonais ou destacados e os prestadores de serviços transfronteiriços residirem no Estado‑Membro em causa exclusivamente por motivos de caráter temporário, esse não é necessariamente o caso dos nacionais cuja autorização de residência é formalmente limitada. 

35      Com efeito, as eventuais limitações formais às quais uma autorização de residência está sujeita não se reduzem ao caráter temporário desta última. Além disso, mesmo admitindo que a limitação formal da «autorização» diga apenas respeito ao seu caráter temporário, isso não significa que o próprio motivo de «residência» apresente, à semelhança daquele de um trabalhador au pair, de um trabalhador sazonal ou destacado ou de um prestador de serviços transfronteiriços, um caráter exclusivamente temporário.

36      Além disso, as autorizações de residência são as que com maior frequência são concedidas por um período limitado, de modo que, se a limitação formal da autorização fosse interpretada exclusivamente como uma limitação que decorre do caráter temporário dos motivos da residência, os termos «em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada» não constituiriam um exemplo destinado a ilustrar os termos «que tenham residência exclusivamente por motivos de caráter temporário», mas antes uma reiteração destes últimos.

37      De igual modo, se a segunda interpretação mencionada no n.° 32 do presente acórdão fosse admitida, a utilização da conjunção «ou» que figura antes dos termos «em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada» seria dificilmente conciliável com o facto de que a autorização de residência concedida aos trabalhadores au pair, aos trabalhadores sazonais ou destacados e aos prestadores de serviços transfronteiriços é na maior parte das vezes formalmente limitada às referidas atividades.

38      Assim, há que interpretar o artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109 no sentido de que visa dois casos, a saber, por um lado, o dos nacionais de países terceiros que residem exclusivamente por motivos de caráter temporário e, por outro, o dos nacionais de países terceiros cuja autorização de residência tenha sido formalmente limitada.

 Quanto ao significado dos termos «em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada»

39      A título liminar, há que observar que, embora nos termos do seu artigo 1.°, alínea a), o objetivo da Diretiva 2003/109 seja estabelecer as condições de concessão e perda de estatuto de residente de longa duração conferido por um Estado‑Membro a nacionais de países terceiros legalmente residentes no seu território, bem como os direitos correspondentes, o referido objetivo não abrange a determinação do conceito de «residência legal» nem das condições ou dos direitos correspondentes à referida residência, que são da competência dos Estados‑Membros.

40      Assim, estes últimos podem, no âmbito do exercício das suas competências em matéria de imigração, determinar as condições de residência legal e, neste contexto, limitar formalmente as autorizações de residência dos nacionais de países terceiros.

41      Contudo, não é suficiente que uma autorização de residência seja formalmente limitada na aceção do direito nacional de um Estado‑Membro para que possa ser considerada uma «autorização de residência [...] formalmente limitada» na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109.

42      Com efeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ter, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme (acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, Colet., p. I‑14035, n.° 32 e jurisprudência aí referida).

43      Ora, embora a redação do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109 não dê indicações quanto à forma como devem ser entendidos os termos «em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada», esta diretiva também não procede a uma remissão para os direitos nacionais no que respeita ao significado desses termos. Daqui resulta que se deve considerar, para efeitos da aplicação da referida diretiva, que estes designam um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de maneira uniforme no território de todos os Estados‑Membros.

44      A este respeito, cumpre recordar que a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não fornece nenhuma definição se deve fazer de acordo com o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v., designadamente, acórdãos de 10 de março de 2005, easyCar, C‑336/03, Colet., p. I‑1947, n.° 21; de 22 de dezembro de 2008, Wallentin‑Hermann, C‑549/07, Colet., p. I‑11061, n.° 17; de 29 de julho de 2010, UGT‑FSP, C‑151/09, Colet., p. I‑7591, n.° 39; e de 18 de outubro de 2011, Brüstle, C‑34/10, Colet., p. I‑9821, n.° 31).

45      Como decorre do quarto, sexto e décimo segundo considerandos da Diretiva 2003/109, o seu objetivo principal é a integração dos nacionais de países terceiros que estão instalados de forma duradoura nos Estados‑Membros (v. acórdão de 26 de abril de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑508/10, n.° 66). De igual modo, como resulta também do seu considerando 2, esta diretiva visa, ao conceder o estatuto de residente de longa duração aos referidos nacionais de países terceiros, aproximar o estatuto jurídico destes últimos do estatuto jurídico dos nacionais dos Estados‑Membros.

46      Como também é referido no artigo 4.°, n.° 1, e no considerando 6 da Diretiva 2003/109, é a duração da residência legal e ininterrupta de cinco anos que comprova o enraizamento da pessoa em causa no país e, consequentemente, a instalação de longa duração desta última.

47      Tendo em conta os objetivos acima mencionados, o artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva exclui do seu âmbito de aplicação as residências de nacionais de países terceiros que, mesmo sendo legais e de duração eventualmente ininterrupta, não refletem, a priori, uma intenção de estes se instalarem no território dos Estados‑Membros de forma duradoura.

48      Assim, o artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109 exclui do âmbito de aplicação desta última as residências «por motivos de caráter temporário». Tais motivos implicam, com efeito, uma instalação não duradoura do nacional de um país terceiro no Estado‑Membro em causa. Esta diretiva dá para esse efeito alguns exemplos de residências ligadas ao exercício de uma atividade temporária por natureza, como o trabalho au pair, o trabalho sazonal ou a prestação de serviços transfronteiriços.

49      Além disso, a referida disposição exclui também do âmbito de aplicação da Diretiva 2003/109 os nacionais de países terceiros que residem num Estado‑Membro com base numa autorização de residência formalmente limitada.

50      Contrariamente ao caso dos nacionais de países terceiros cuja residência se deve exclusivamente a motivos de caráter temporário, no qual está assente que este caráter temporário não permite a instalação duradoura do nacional em causa, o facto de uma autorização de residência incluir uma restrição formal não permite, só por si, saber se esse nacional de um país terceiro é suscetível de se instalar de forma duradoura no Estado‑Membro, não obstante a existência de uma tal restrição.

51      Assim, uma autorização de residência formalmente limitada na aceção do direito nacional, mas cuja limitação formal não impede a instalação duradoura do nacional de um país terceiro em causa, não pode ser qualificada de autorização de residência formalmente limitada na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109, sob pena de pôr em perigo a realização dos objetivos prosseguidos por esta última e, portanto, privá‑la do seu efeito útil (v., neste sentido, acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 65 e jurisprudência aí referida).

52      Consequentemente, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se a limitação formal de uma autorização de residência na aceção do direito nacional permite ou não a instalação duradoura do titular desta autorização no Estado‑Membro em causa.

53      No âmbito de uma análise deste tipo, o facto de a limitação formal apenas respeitar a um grupo específico de pessoas não é, em princípio, pertinente, para efeitos do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109.

54      Em contrapartida, o facto de a validade de uma autorização de residência ser prorrogável por períodos sucessivos, incluindo por mais de cinco anos ou, nomeadamente, de forma ilimitada, pode constituir um indício importante suscetível de permitir a conclusão de que a limitação formal que está associada a esta autorização não impede a instalação de longa duração do nacional de um país terceiro no Estado‑Membro em causa. Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar, à luz de todas as circunstâncias, se esse é realmente o caso.

55      Se o órgão jurisdicional nacional verificar que a limitação formal associada à autorização de residência não impede a instalação de longa duração do nacional de um país terceiro, a autorização de residência em causa não decorre do artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109 e a residência constituída com base numa autorização deste tipo deverá ser considerada uma residência legal para efeitos da aquisição pelo seu titular do estatuto de nacional de um país terceiro residente de longa duração.

56      Em face das considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «autorização de residência [que] tenha sido formalmente limitada» não abrange uma autorização de residência de duração determinada, concedida em benefício de um grupo específico de pessoas, cuja validade pode ser prorrogada por tempo indeterminado, sem todavia haver qualquer perspetiva de obter uma autorização de residência de duração indeterminada, na medida em que uma tal limitação formal não impeça a instalação de longa duração do nacional de um país terceiro no Estado‑Membro em causa, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 3.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «autorização de residência [que] tenha sido formalmente limitada» não abrange uma autorização de residência de duração determinada, concedida em benefício de um grupo específico de pessoas, cuja validade pode ser prorrogada por tempo indeterminado, sem todavia haver qualquer perspetiva de obter uma autorização de residência de duração indeterminada, na medida em que uma tal limitação formal não impeça a instalação de longa duração do nacional de um país terceiro no Estado‑Membro em causa, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.