Language of document : ECLI:EU:T:2019:330

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

14 de maio de 2019 (*)

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Ofício enviado pela Comissão às autoridades francesas sobre o protocolo de indemnização do grupo EDF no âmbito da revogação da autorização de exploração da central nuclear de Fessenheim — Recusa de acesso — Exceção relativa à proteção dos interesses comerciais de um terceiro — Exceção relativa à proteção dos objetivos das atividades de inspeção, inquérito e auditoria — Presunção geral de confidencialidade — Interesse público superior»

No processo T‑751/17,

Commune de Fessenheim (França),

Communauté de communes Pays RhinBrisach, com sede em Volgelsheim (França),

Conseil départemental du HautRhin, com sede em Colmar (França),

Conseil régional Grand Est Alsace ChampagneArdenne Lorraine, com sede em Estrasburgo (França),

representados por G. de Rubercy, advogado,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Buchet e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Francesa, representada por E. de Moustier, B. Fodda e J.‑L. Carré, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão da Comissão de 18 de outubro de 2017, que recusa o acesso ao ofício que enviou às autoridades francesas em 22 de março de 2017, sobre o projeto de protocolo de indemnização do grupo Électricité de France (EDF) relativo ao encerramento da central nuclear de Fessenheim,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, P. Nihoul (relator) e J. Svenningsen, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        Os recorrentes, a Commune de Fessenheim, a Communauté de communes Pays Rhin‑Brisach, o Conseil départemental du Haut‑Rhin e o Conseil régional Grand Est Alsace Champagne‑Ardenne Lorraine, são quatro coletividades territoriais francesas em cujo território se situa a central nuclear de Fessenheim (a seguir «central»), explorada pela Électricité de France (EDF).

2        Em 8 de abril de 2017, o Governo francês adotou o Decreto n.o 2017‑508, relativo à revogação da autorização de exploração da central (JORF de 9 de abril de 2017, texto n.o 3).

3        Em 2 de maio de 2017, os recorrentes, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), enviaram à Comissão Europeia um pedido de acesso à «decisão» que tinha «aprovado, à luz do direito europeu sobre auxílios estatais, o projeto de protocolo de indemnização da EDF pela França em consequência do encerramento da central». Segundo os recorrentes, esta «decisão» tinha sido enviada pela Comissão às autoridades francesas por ofício de 24 de março de 2017.

4        Por ofício de 16 de junho de 2017, a Comissão recusou dar acesso ao ofício em causa, que, na realidade, datava de 22 de março de 2017, com o fundamento de que fazia parte de um processo administrativo iniciado no âmbito da fiscalização dos auxílios estatais e que, a esse título, estava abrangido por uma presunção geral de que a divulgação desse documento prejudicaria, em princípio, a proteção dos objetivos das atividades de inquérito, a qual constituía uma exceção ao princípio do acesso aos documentos nos termos do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Invocou também a exceção relativa à proteção dos interesses comerciais, prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

5        Em 27 de junho de 2017, os recorrentes enviaram, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, um pedido confirmativo à Comissão, do qual esta acusou a receção em 28 de junho de 2017.

6        Por ofício de 18 de julho de 2017, a Comissão informou os recorrentes de que devia prorrogar por quinze dias úteis o prazo inicial de análise deste pedido, ao abrigo do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, porque não tinha podido encerrar as consultas necessárias a essa análise. Além disso, esclarecia que o novo prazo terminaria em 10 de agosto de 2017.

7        Por ofício de 18 de agosto de 2017, a Comissão confirmou que o prazo tinha expirado em 10 de agosto de 2017, mas declarou que continuava a não estar em condições de responder ao pedido confirmativo.

8        Por ofício de 18 de outubro de 2017, a Comissão esclareceu que o projeto de protocolo de indemnização da EDF (a seguir «projeto de protocolo de indemnização») tinha sido objeto de uma pré‑notificação pelas autoridades francesas e que, no ofício de 22 de março de 2017, sobre o qual recaía o pedido de acesso, tinha considerado que, nessa fase, não havia objeções a esse projeto, à luz do direito da União Europeia relativo aos auxílios estatais. Além disso, confirmou o indeferimento do pedido de acesso a esse documento com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, primeiro e terceiro travessões, do Regulamento n.o 1049/2001 (a seguir «decisão impugnada»).

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

9        Os recorrentes interpuseram o presente recurso por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de novembro de 2017.

10      Por articulado apresentado na Secretaria em 28 de fevereiro de 2018, a República Francesa pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por Decisão de 9 de abril de 2018, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral autorizou essa intervenção. A República Francesa apresentou a sua petição e os recorrentes apresentaram as suas observações no prazo fixado.

11      Por Despacho de 4 de outubro de 2018, o Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 91.o, alínea c), e do artigo 92.o do seu Regulamento de Processo, ordenou à Comissão que apresentasse o ofício de 22 de março de 2017. Este documento foi enviado ao Tribunal Geral em 17 de outubro de 2018 e não foi notificado aos recorrentes nem à República Francesa, em conformidade com o artigo 104.o do Regulamento de Processo.

12      Em 17 de dezembro de 2018, por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes. As partes responderam no prazo que lhes fora fixado.

13      As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 24 de janeiro de 2019.

14      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        ordenar à Comissão que comunique o ofício de 22 de março de 2017 no prazo de uma semana a contar do acórdão a proferir;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso de anulação;

–        declarar inadmissível o pedido de injunção;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

16      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao objeto do pedido de acesso

17      Na petição, os recorrentes referem que o recurso diz respeito à recusa oposta pela Comissão ao pedido de acesso que tem por objeto o ofício que esta enviou às autoridades francesas em 22 de março de 2017 relativamente ao projeto de protocolo de indemnização.

18      Na réplica, os recorrentes afirmam que o seu pedido de acesso tinha por objeto não só o ofício da Comissão de 22 de março de 2017 mas também o projeto de protocolo de indemnização.

19      Para determinar o objeto do pedido de acesso, há que consultar o ofício enviado pelos recorrentes à Comissão em 2 de maio de 2017, que contém o seu pedido inicial.

20      Ora, segundo esse ofício, o pedido de acesso feito pelos recorrentes tinha somente por objeto o ofício da Comissão de 22 de março de 2017, e não o projeto de protocolo de indemnização.

21      O objeto do pedido de acesso, assim circunscrito, é confirmado pelo pedido confirmativo que os recorrentes enviaram à Comissão em 27 de junho de 2017.

22      Por conseguinte, há que considerar que a recusa da Comissão dizia respeito a um pedido de acesso ao seu ofício de 22 de março de 2017, no qual considerou que, nessa fase, não havia objeções, à luz das regras relativas aos auxílios estatais, ao projeto de protocolo de indemnização (a seguir «documento controvertido»).

B.      Quanto ao pedido de injunção

23      No seu segundo pedido, os recorrentes pedem ao Tribunal Geral que ordene à Comissão que lhes comunique o documento controvertido no prazo de uma semana a contar da prolação do acórdão.

24      No entanto, na audiência, os recorrentes renunciaram a este pedido.

25      Por conseguinte, o Tribunal Geral não tem de analisar este pedido.

C.      Quanto ao pedido de anulação

26      No seu primeiro pedido, os recorrentes pedem a anulação da decisão impugnada, pela qual a Comissão confirmou o indeferimento do pedido de acesso ao documento controvertido.

27      Em apoio deste pedido, os recorrentes invocam três fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9), do Regulamento n.o 1049/2001 e da Diretiva 2006/111/CE da Comissão, de 16 de novembro de 2006, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira relativamente a certas empresas (JO 2006, L 318, p. 17), o segundo, à violação do artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, o terceiro, à violação do artigo 47.o da mesma Carta.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do Regulamento 2015/1589, do Regulamento n.o 1049/2001 e da Diretiva 2006/111

a)      Quanto à violação do Regulamento 2015/1589

28      No primeiro fundamento, os recorrentes alegam que a recusa de acesso que lhes foi oposta é contrária ao Regulamento 2015/1589, que, no seu considerando 39 e no seu artigo 32.o, impõe a publicidade das decisões tomadas pela Comissão no âmbito da fiscalização relativa aos auxílios estatais, para permitir que terceiros impugnem, sendo caso disso, essas decisões.

29      A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta o mérito do argumento.

30      A este propósito, há que observar que o documento controvertido é redigido no âmbito de contactos que tiveram lugar no decurso de uma pré‑notificação.

31      Ora, tais contactos não são regulados pelo Regulamento 2015/1589. Com efeito, como resulta do n.o 10 do Código de Boas Práticas para a condução dos procedimentos de controlo dos auxílios estatais (JO 2009, C 136, p. 13, a seguir «Código de Boas Práticas»), a pré‑notificação consiste em contactos voluntários e informais entre a Comissão e um Estado‑Membro precedendo a notificação, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, de uma medida suscetível de constituir um auxílio estatal e que, por conseguinte, deve ser examinada segundo o procedimento de controlo previsto pelo Regulamento 2015/1589. Só a partir desta notificação se aplicam as disposições do Regulamento 2015/1589, que determinam as modalidades de controlo da medida à luz das regras do Tratado FUE, nomeadamente os artigos 4.o, 9.o e 15.o deste regulamento, esclarecendo as decisões que a Comissão pode tomar no termo do processo.

32      Por outro lado, admitindo que o Regulamento 2015/1589 é aplicável aos contactos que são efetuados no âmbito de uma pré‑notificação, o documento controvertido não é visado pelo considerando 39 e pelo artigo 32.o deste regulamento, invocados pelos recorrentes, porque estas disposições dizem respeito às decisões adotadas pela Comissão no termo do procedimento de controlo e que devem ser tornadas públicas do modo que aí se encontra descrito.

33      Ora, como resulta do n.o 16 do Código de Boas Práticas, a pré‑notificação não dá origem a tal decisão, mas a uma apreciação que, como o documento controvertido, não tem caráter vinculativo e exprime apenas a opinião que a Comissão tem com base nas informações recebidas quanto ao caso que lhe foi submetido, sabendo‑se que, como indicou na audiência, essa instituição é livre de modificar essa opinião em função dos dados que lhe possam chegar posteriormente.

34      Por estas razões, o argumento dos recorrentes relativo à violação do Regulamento 2015/1589 deve ser julgado improcedente.

b)      Quanto à violação do Regulamento n.o 1049/2001

1)      No que se refere à exceção relativa à proteção dos objetivos das atividades de inquérito (artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001)

35      Na decisão impugnada, a Comissão recusou o acesso ao documento controvertido com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, alegando que, para a aplicação desta disposição, existia uma presunção geral segundo a qual a divulgação dos documentos do processo administrativo relativo a um procedimento de controlo dos auxílios estatais prejudicava, em princípio, a proteção dos objetivos de atividades de inquérito na aceção da referida disposição.

36      Os recorrentes sustentam que a Comissão não estava autorizada a aplicar a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 e articulam, em apoio da sua posição, três argumentos a seguir analisados.

i)      Quanto à alegada irrelevância do argumento da Comissão segundo o qual a divulgação do documento controvertido era suscetível de comprometer a vontade dos EstadosMembros de cooperar consigo

37      Em primeiro lugar, os recorrentes consideram que a Comissão não podia recusar o acesso ao documento controvertido pelo facto de a sua divulgação ser suscetível de comprometer a vontade dos Estados‑Membros de cooperar consigo.

38      A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta o mérito do argumento.

39      A este propósito, há que recordar que, na decisão impugnada, a recusa de permitir o acesso ao documento controvertido foi justificada, a título principal, pela presunção geral de confidencialidade aplicável, segundo a Comissão, aos documentos abrangidos por um procedimento de controlo dos auxílios estatais.

40      Segundo a jurisprudência, a aplicação desta presunção aos documentos relativos ao procedimento de controlo dos auxílios estatais resulta da necessidade de permitir uma articulação harmoniosa entre, por um lado, o Regulamento n.o 1049/2001 e, por outro, o Regulamento 2015/1589 (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 58 e 61).

41      De um modo geral, o primeiro destes regulamentos, a saber, o Regulamento n.o 1049/2001, prevê que o público deve ter acesso aos documentos das instituições, numa medida que deve ser a mais ampla possível (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 51).

42      No artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, este direito está sujeito a exceções nos termos das quais as instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar, designadamente, a proteção dos interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas ou a de objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

43      Segundo a jurisprudência, para justificar a recusa de acesso a um documento cuja divulgação foi requerida, a instituição deve não só provar que esse documento é relativo a uma atividade mencionada no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 mas também prestar explicações quanto à questão de saber de que modo o acesso ao referido documento poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por uma exceção prevista neste artigo (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 53 e jurisprudência referida).

44      Para documentos relativos aos procedimentos de controlo dos auxílios de Estado, a jurisprudência, no entanto, permitiu à Comissão basear‑se numa presunção geral de confidencialidade, uma vez que considerações de ordem geral semelhantes podem‑se aplicar a pedidos de divulgação respeitantes a documentos da mesma natureza (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 54 e 55).

45      Segundo a jurisprudência, esta presunção visa preservar a existência de um clima de confiança entre os Estados‑Membros e a Comissão [v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2018, Chambre de commerce et d’industrie métropolitaine Bretagne‑Ouest (port de Brest)/Comissão, T‑39/17, não publicado, EU:T:2018:560, n.o 57 e jurisprudência referida], sendo esse clima necessário, por um lado, para assegurar a comunicação pelo Estado‑Membro em causa à Comissão de todos os documentos úteis ao inquérito e, por outro, para permitir a essa instituição e a esse Estado‑Membro analisar em conjunto as medidas nacionais em causa, devendo a avaliação final ser plenamente esclarecida e solidamente fundamentada.

46      Para salvaguardar esse clima de confiança, o Regulamento 2015/1589 reserva à Comissão e ao Estado‑Membro em causa o acesso ao processo relativo ao controlo, sem que seja concedido um direito de acesso aos terceiros que tenham adquirido, no âmbito do processo, o estatuto de partes interessadas (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 56 e 58).

47      Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que, se as partes interessadas pudessem ter acesso aos documentos do processo administrativo, com fundamento no Regulamento n.o 1049/2001, o regime de controlo dos auxílios de Estado poderia ser posto em causa (v. Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 58 e jurisprudência referida).

48      Consequentemente, segundo a jurisprudência, o simples facto de os documentos cuja divulgação é pedida serem abrangidos pelo processo administrativo relativo a um procedimento de controlo dos auxílios de Estado basta para justificar a aplicação da presunção geral de confidencialidade a seu respeito (Acórdão de 14 de julho de 2016, Sea Handling/Comissão, C‑271/15 P, não publicado, EU:C:2016:557, n.o 41).

49      No caso em apreço, o Tribunal Geral considera que a aplicação desta presunção geral de confidencialidade não pode ser limitada ao procedimento subsequente à notificação pelo Estado‑Membro em causa de uma medida suscetível de constituir um auxílio estatal, mas que, com o mesmo objetivo, a saber, preservar a confiança do Estado‑Membro em causa, deve também aplicar‑se aos documentos trocados no âmbito de uma pré‑notificação.

50      Com efeito, os contactos de pré‑notificação podem ser seguidos de um exame preliminar, ou mesmo de um procedimento formal de investigação. Ora, se os documentos trocados durante a pré‑notificação pudessem ser comunicados, a presunção de confidencialidade aplicável aos documentos relativos ao procedimento de controlo regido pelo Regulamento 2015/1589 perderia a sua eficácia, uma vez que os documentos a que se refere poderiam ter sido divulgados previamente. Assim, a aplicação da presunção geral de confidencialidade aos documentos trocados no âmbito de uma pré‑notificação afigura‑se necessária para salvaguardar o efeito útil dessa presunção, na medida em que esta seja aplicável ao procedimento subsequente à notificação.

51      Por outro lado, resulta dos n.os 10 e 17 do Código de Boas Práticas que, como o procedimento de controlo previsto pelo Regulamento 2015/1589, os contactos de pré‑notificação devem decorrer, entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, num clima de confiança.

52      Ora, se a Comissão tivesse de conceder o acesso a informações sensíveis fornecidas no âmbito de contactos de pré‑notificação, os Estados‑Membros poderiam mostrar‑se relutantes em partilhá‑las, quando esta vontade de cooperar é essencial para o sucesso dos referidos contactos, os quais, segundo o ponto 10 do Código de Boas Práticas, se destinam a melhorar a qualidade da notificação e a permitir, assim, que sejam elaboradas, nas melhores condições, soluções que permitam corrigir as situações que podem levantar problemas à luz do direito da União Europeia relativo aos auxílios estatais.

53      Os recorrentes sublinham, no entanto, que a Comissão dispõe de importantes poderes de investigação que lhe permitem obter as informações de que necessita sem ter que contar com a cooperação dos Estados‑Membros.

54      Embora seja verdade que, no âmbito do Regulamento 2015/1589, a Comissão dispõe de importantes poderes de investigação, o mesmo não acontece no âmbito dos contactos de pré‑notificação, que têm lugar por iniciativa dos Estados‑Membros e cujo sucesso depende essencialmente da relação de confiança estabelecida pela Comissão com estes.

55      O argumento dos recorrentes relativo à irrelevância do argumento da Comissão segundo o qual a divulgação do documento controvertido seria suscetível de comprometer a vontade dos Estados‑Membros de cooperar consigo deve, portanto, ser julgado improcedente.

ii)    Quanto à inaplicabilidade, no caso em apreço, da presunção geral de confidencialidade

56      Em segundo lugar, os recorrentes parecem indicar, na réplica, que, mesmo que fosse declarada aplicável aos documentos trocados no âmbito da pré‑notificação, a presunção geral de confidencialidade não é aplicável, no caso em apreço, por razões que se prendem com as particularidades do processo submetido ao Tribunal Geral.

57      Assim, no n.o 14 da réplica, os recorrentes enunciam o seguinte:

«[A Comissão] invoca o conceito vago e inaplicável neste caso de presunção geral de confidencialidade.»

58      Por outro lado, no n.o 19, os recorrentes formulam a seguinte consideração:

«Por conseguinte, a Comissão Europeia não pode sustentar que os documentos estão abrangidos por uma presunção de confidencialidade, tanto mais que o montante da indemnização paga pelo Estado francês à EDF para o encerramento da central e as modalidades da sua regularização não podem ser considerados confidenciais uma vez que devem ser comunicados aos mercados financeiros.»

59      A este propósito, há que considerar, como sugere a Comissão, que o argumento é inadmissível.

60      Antes de mais, foi invocado pela primeira vez na réplica e apresenta, por conseguinte, um caráter novo que, na falta de factos alegados pelas partes para justificar a extemporaneidade deste argumento, obriga o Tribunal Geral a rejeitá‑lo por força do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

61      Em seguida, os recorrentes não explicam validamente a razão pela qual consideram que a presunção geral de confidencialidade dos documentos relativos a um procedimento de controlo dos auxílios estatais não é aplicável no caso em apreço.

62      Assim, no n.o 14 da réplica, os recorrentes limitam‑se a fazer uma afirmação sem lhe acrescentar qualquer fundamento factual ou jurídico.

63      De mesmo modo, no ponto 19 desse documento, os recorrentes parecem, através da utilização do termo «portanto», estabelecer um nexo de causalidade entre, por um lado, a alegada inaplicabilidade da presunção e, por outro, as explicações que precedem, sem que, todavia, essa relação se imponha manifestamente, uma vez que essas explicações não dizem respeito à proteção dos objetivos das atividades de inquérito, à qual está associada a presunção geral de confidencialidade, mas antes à exceção relativa à proteção dos interesses comerciais, que é analisada a seguir e não é afetada por essa presunção.

64      Além disso, nesse mesmo n.o 19, pelo recurso à expressão «tanto mais que», os recorrentes sugerem que a presunção geral de confidencialidade não é aplicável ao montante da indemnização prevista para a EDF, que, em todo o caso, deve ser tornado público.

65      Ora, como resulta dos n.os 17 a 22, supra, o pedido de acesso não tinha por objeto o projeto de protocolo de indemnização, mas sim a apreciação feita pela Comissão, no termo dos contactos com a República Francesa durante a pré‑notificação, no que respeita ao encerramento da central.

66      Destes diferentes elementos, afigura‑se que o argumento dos recorrentes relativo à inaplicabilidade, no caso em apreço, da presunção geral de confidencialidade, carece de elementos adequados para lhe garantir um conteúdo real e que, também por esta razão, deve ser rejeitado, por ser inadmissível, por força do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, uma vez que não permite à outra parte preparar a sua defesa nem ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

iii) Quanto à falta de fundamentação

67      Em terceiro lugar, os recorrentes acusam a Comissão de não ter explicado, na decisão impugnada, de que modo a divulgação do documento controvertido podia prejudicar os objetivos do inquérito relativo à indemnização da EDF.

68      A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta o argumento.

69      Como foi recordado no n.o 43, supra, segundo jurisprudência assente, quando uma instituição se baseia numa exceção ao direito de acesso prevista pelo artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, deve, em princípio, fornecer explicações quanto à questão de saber de que modo o acesso ao referido documento poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido pela referida exceção (v. Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 53 e jurisprudência referida).

70      Esta obrigação é a consequência do facto de as exceções previstas no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 derrogarem o princípio do direito de acesso aos documentos das instituições da União, consagrado no artigo 1.o do mesmo regulamento, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 3, TFUE. Este acesso, como refere o considerando 4 deste regulamento, deve ser o mais amplo possível (v., neste sentido, Acórdão Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 51).

71      No entanto, o mesmo não acontece quando, como no caso em apreço, a instituição está habilitada a invocar uma presunção geral de confidencialidade como a relativa aos documentos respeitantes a um processo de controlo de um auxílio de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida) ou de uma extensão, como no caso em apreço, dessa presunção.

72      Neste caso, basta que, em conformidade com jurisprudência constante relativa ao artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, a fundamentação deixe transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de forma a permitir, por um lado, aos interessados conhecer as razões da medida adotada e defender os seus direitos e, por outro, ao tribunal exercer a sua fiscalização. Não se pode, todavia, exigir que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes. Com efeito, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz essas exigências deve ser apreciada à luz não somente da sua redação mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 10 de dezembro de 2010, Ryanair/Comissão, T‑494/08 a T‑500/08 e T‑509/08, EU:T:2010:511, n.o 96 e jurisprudência referida).

73      No caso em apreço, na decisão impugnada, a Comissão expôs claramente, em primeiro lugar, que o projeto de protocolo de indemnização tinha sido objeto de pré‑notificação e que tinha efetuado um inquérito baseado em contactos com as autoridades francesas segundo o Código de Boas Práticas; em segundo lugar, que, no estado dos autos, os seus serviços tinham considerado que não havia objeções a levantar ao projeto de protocolo à luz do direito da União sobre os auxílios estatais e que, nessa fase, o mesmo ainda não tinha sido assinado nem formalmente notificado; em terceiro lugar, que existia uma presunção geral segundo a qual a divulgação dos documentos de um processo administrativo relativo a um procedimento de controlo dos auxílios estatais prejudicaria a proteção dos objetivos das atividades de inquérito e, em quarto lugar, que, por força das regras processuais em matéria de auxílios estatais, as partes interessadas que não o Estado‑Membro em causa não dispunham do direito de consultar os documentos do processo administrativo e que, se tal acesso fosse concedido, o regime de controlo seria posto em causa.

74      A Comissão acrescentou que, dado que as informações fornecidas pelos Estados‑Membros continham elementos sensíveis a respeito das empresas em causa, esses Estados, em caso de divulgação dos documentos do processo administrativo, poderiam ser dissuadidos de cooperar com a Comissão.

75      Por último, a Comissão explicou que, quando os documentos eram abrangidos por uma presunção geral de confidencialidade, não era obrigada a analisar individualmente todos os documentos solicitados.

76      Esta fundamentação é suficientemente precisa para permitir aos recorrentes compreender as razões pelas quais o acesso ao documento controvertido lhes foi recusado e ao juiz exercer a sua fiscalização sobre essa recusa.

77      Por conseguinte, o argumento relativo à insuficiência da fundamentação à luz da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 deve ser julgado improcedente.

78      Tendo em atenção todas as considerações precedentes, há que considerar que a recusa de comunicar o documento controvertido podia ser legalmente fundamentada na proteção dos objetivos do inquérito em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 e que os argumentos invocados pelos recorrentes relativos a esta disposição devem ser julgados improcedentes ou inadmissíveis.

2)      Quanto, por um lado, à exceção relativa à proteção dos interesses comerciais e, por outro, à existência de um interesse público superior

79      Os recorrentes acusam a Comissão de ter feito uma aplicação errada da exceção relativa à proteção dos interesses comerciais prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

80      A este propósito, há que salientar que, uma vez que a recusa de dar acesso pode ser fundamentada na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que visa a proteção dos objetivos de inquérito (v. n.o 78, supra), a argumentação dos recorrentes relativa à proteção dos interesses comerciais deve ser considerada irrelevante.

81      Por outro lado, os recorrentes sustentam que, admitindo que a proteção dos interesses comerciais possa ser invocada no caso em apreço, a Comissão cometeu um erro de direito ao não reconhecer a existência de um interesse público superior que prevalece sobre esta exceção e impõe a divulgação do documento controvertido.

82      Na audiência, os recorrentes, questionados pelo Tribunal Geral, declararam que, no que lhes dizia respeito, o interesse público superior era invocado no âmbito da exceção relativa à proteção dos interesses comerciais, mas não o era no que dizia respeito à exceção relativa à proteção dos objetivos das atividades de inquérito.

83      Na medida em que é apresentada pelos recorrentes como estando associada exclusivamente à aplicação da exceção relativa à proteção dos interesses comerciais, que não tem que ser analisada no presente acórdão, como indicado no n.o 80, supra, há que considerar, por identidade de motivos, que a eventual existência de um interesse público superior também não tem de ser examinada, estando o Tribunal Geral vinculado quanto a este ponto pelos pedidos formulados pelas partes.

84      Por estas razões, os argumentos respeitantes à exceção relativa à proteção dos interesses comerciais e à eventual existência de um interesse público superior devem ser afastados por serem irrelevantes, na forma em que este último argumento foi apresentado pelos recorrentes.

c)      Quanto à violação da Diretiva 2006/111

85      No primeiro fundamento, os recorrentes sustentam que a recusa de acesso ao documento controvertido é contrária à Diretiva 2006/111, em especial ao seu artigo 3.o, alínea f).

86      A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta o mérito deste argumento.

87      A este propósito, importa salientar que a Diretiva 2006/111 impõe aos Estados‑Membros um determinado número de obrigações para assegurar a transparência das relações financeiras entre esses Estados e as empresas públicas.

88      Para o efeito, os Estados‑Membros devem, nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2006/111, fazer ressaltar nas suas contas a atribuição de recursos públicos efetuada diretamente pelos poderes públicos às empresas públicas em causa, a atribuição de recursos públicos efetuada pelos poderes públicos por intermédio de empresas públicas ou instituições financeiras bem como a utilização efetiva desses recursos públicos. Além disso, os Estados‑Membros devem assegurar que a estrutura financeira e organizativa de quaisquer empresas obrigadas a manter contas distintas seja refletida de forma adequada nessas contas, de modo a fazer ressaltar os custos e receitas associados às diferentes atividades e elementos pormenorizados sobre os métodos através dos quais os custos e as receitas são afetados ou imputados às diferentes atividades.

89      Por outro lado, em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/111, os Estados devem tomar as medidas necessárias para assegurar que, nas empresas públicas obrigadas a manter contas distintas, em primeiro lugar, sejam estabelecidas contas de exploração distintas em relação às diferentes atividades, em segundo lugar, todos os custos e receitas sejam corretamente afetados ou imputados, com base na aplicação coerente de princípios contabilísticos de custeio fundados em bases objetivas e, em terceiro lugar, os princípios contabilísticos de custeio com base nos quais são elaboradas as contas distintas sejam claramente estabelecidos.

90      Por último, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/111, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que os dados relativos às relações financeiras entre si próprios e as empresas públicas sejam mantidos à disposição da Comissão, em princípio, durante um período de cinco anos a contar do final do exercício durante o qual os recursos públicos tenham sido atribuídos às empresas públicas em causa.

91      Como refere a Comissão, a Diretiva 2006/111, que se dirige aos Estados‑Membros, não contém nenhuma disposição que autorize ou obrigue essa instituição a comunicar a terceiros informações de que tenha conhecimento ao abrigo das disposições desta diretiva.

92      A situação não é diferente com o artigo 3.o, alínea f), da Diretiva 2006/111, mencionado pelos recorrentes, segundo o qual as relações financeiras entre os poderes públicos e as empresas públicas cuja transparência deve ser assegurada são, designadamente, a compensação de encargos impostos pelos poderes públicos.

93      Com efeito, esta disposição indica apenas que os dados relativos à compensação de encargos públicos devem ser incluídos nas contas apresentadas por essas empresas da forma prevista nos artigos 1.o e 4.o da Diretiva 2006/111, que se referiu nos n.os 88 e 89, supra, e postas à disposição da Comissão da forma descrita no artigo 6.o, que se referiu no n.o 90.

94      Assim, contrariamente ao que afirmam os recorrentes, a Diretiva 2006/111 não contém nenhuma disposição que obrigue ou autorize a Comissão a comunicar aos recorrentes o documento controvertido.

95      Tendo em atenção estas considerações, o argumento relativo à violação da Diretiva 2006/111 deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais

96      Os recorrentes alegam que, ao recusar o acesso ao documento controvertido, a Comissão violou o artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que tem um valor superior, por um lado, ao Regulamento n.o 1049/2001 e, por outro, às decisões tomadas pelos órgãos da União.

97      O artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais prevê:

«Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou coletiva com residência ou sede social num Estado‑Membro, tem direito de acesso aos documentos das instituições […], seja qual for o suporte desses documentos.»

98      Em primeiro lugar, relativamente ao Regulamento n.o 1049/2001, os recorrentes indicam, no n.o 51 da petição, que «[é] patente que, em caso de incoerência entre o artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o regulamento em causa, compete ao Tribunal Geral afastar o regulamento por exceção de ilegalidade».

99      Há que examinar se, com esta afirmação, os recorrentes articulam de forma admissível uma exceção de ilegalidade do Regulamento n.o 1049/2001.

100    A este propósito, há que recordar que, nos termos do artigo 277.o TFUE, «[m]esmo depois de decorrido o prazo previsto no sexto parágrafo do artigo 263.o, qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha em causa um ato de alcance geral adotado por uma instituição […] recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 263.o, para arguir, no Tribunal de Justiça da União Europeia, a inaplicabilidade desse ato».

101    Todavia, não basta inserir as palavras «exceção de ilegalidade» num ponto da petição para que o Tribunal Geral deva considerar que foi suscitada uma exceção ao abrigo desta disposição.

102    Com efeito, importa recordar que, nos termos do artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo perante o Tribunal Geral nos termos do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 76.o, alíneas d) e e), do Regulamento de Processo, da petição deve constar o objeto do litígio, as conclusões e fundamentos invocados e uma exposição sumária destas conclusões e fundamentos do recorrente. Estes elementos devem ser suficientemente claros e precisos para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao Tribunal julgar o recurso, eventualmente, sem mais informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que aquele assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (v. Despacho de 6 de novembro de 2018, Chioreanu/ERCEA, T‑717/17, EU:T:2018:765, n.o 23 e jurisprudência referida).

103    No caso em apreço, nem o objeto do litígio, descrito no n.o 1 da petição inicial, nem as suas conclusões fazem referência a um pedido baseado no artigo 277.o TFUE.

104    Além disso, quer nos seus articulados quer na audiência, os recorrentes não formularam qualquer consideração que permita justificar, sendo caso disso, a sua alegação geral, relatada no n.o 98, supra, segundo a qual importa afastar a aplicação do Regulamento n.o 1049/2001 por violação do artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

105    Nestas condições, não se pode considerar que o Tribunal Geral foi validamente chamado a pronunciar‑se sobre um pedido incidental relativo à apreciação da legalidade do Regulamento n.o 1049/2001 à luz do artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

106    Em segundo lugar, independentemente de qualquer apreciação sobre a legalidade do Regulamento n.o 1049/2001, os recorrentes pedem a anulação da decisão impugnada com o fundamento de que, ao recusar‑lhes o acesso ao documento controvertido, a Comissão violou o artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

107    A este propósito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, os direitos reconhecidos por esta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos.

108    Segundo o artigo 15.o, n.o 3, TFUE, o direito de acesso aos documentos das instituições é garantido sem prejuízo dos princípios e condições que são fixados por via de regulamentos pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia de acordo com o processo legislativo ordinário.

109    Por força desta disposição, o Regulamento n.o 1049/2001, adotado com fundamento no artigo 255.o CE, que precedeu o artigo 15.o, n.o 3, TFUE, fixou os princípios gerais e os limites no que respeita ao direito de acesso aos documentos detidos pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Deutsche Telekom/Comissão, T‑210/15, EU:T:2017:224, n.o 113).

110    Por conseguinte, é em relação ao Regulamento n.o 1049/2001 que a legalidade da decisão impugnada deve ser apreciada.

111    Ora, resulta da resposta dada ao primeiro fundamento que a Comissão pôde legalmente recusar aos recorrentes o acesso ao documento controvertido com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que diz respeito à proteção dos objetivos das atividades de inquérito.

112    Uma vez que foi acima declarado que a Comissão aplicou corretamente esta disposição, há que considerar que, ao adotar a decisão impugnada, a Comissão não violou o artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

113    Consequentemente, há que julgar o segundo fundamento, no que diz respeito à primeira parte, inadmissível e, quanto à segunda, improcedente.

3.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais

114    Os recorrentes consideram que, ao recusar o acesso ao documento controvertido, a Comissão violou o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, relativo ao direito à ação.

115    O fundamento é contestado pela Comissão, apoiada pela República Francesa.

116    Em primeiro lugar, os recorrentes consideram que, devido à recusa de lhes comunicar o documento controvertido, não podem interpor um recurso de anulação perante o juiz da União contra a decisão contida no documento controvertido.

117    A este respeito, basta observar, como alegaram a Comissão e a República Francesa, que o documento controvertido não contém uma decisão suscetível de ser objeto de um recurso de anulação na aceção do artigo 263.o TFUE.

118    Com efeito, segundo jurisprudência constante, apenas constituem atos ou decisões suscetíveis de recurso de anulação as medidas que produzam efeitos jurídicos obrigatórios que afetem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (v. Acórdão de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Ferriere Nord, C‑516/06 P, EU:C:2007:763, n.o 27 e jurisprudência referida).

119    Ora, como resulta do n.o 16 do Código de Boas Práticas, a apreciação emitida pela Comissão no termo de um procedimento de pré‑notificação não constitui uma posição oficial da Comissão, mas um parecer não vinculativo sobre a conformidade do projeto de notificação e a sua compatibilidade, prima facie, com o direito da União relativo aos auxílios estatais.

120    Por conseguinte, ao recusar o acesso ao documento controvertido, a Comissão não podia entravar o direito de os recorrentes de interporem um recurso de anulação perante o juiz da União.

121    Em segundo lugar, os recorrentes alegam que, devido à decisão impugnada, estão impedidos de tomar conhecimento do protocolo de indemnização de que necessitam para demonstrar, no âmbito de um recurso interposto no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), que o decreto que revoga a autorização de explorar a central é ilegal pelo facto de este último não estar em conformidade com as regras da União relativas aos auxílios de Estado.

122    A este propósito, há que recordar que o pedido de acesso formulado pelos recorrentes tinha por objeto o documento controvertido, e não o projeto de protocolo de indemnização. Consequentemente, mesmo que a Comissão tivesse satisfeito o seu pedido de acesso, os recorrentes não teriam obtido o documento pretensamente necessário ao seu recurso.

123    Além disso, como observou a Comissão, o objeto do Regulamento n.o 1049/2001 é regular as questões relativas ao acesso do público aos documentos na posse das instituições da União, e não as relativas às provas a apresentar pelas partes no âmbito de um processo judicial, quer se trate de um litígio perante o juiz da União quer nos órgãos jurisdicionais nacionais.

124    Nos processos nacionais, é ao juiz nacional chamado a pronunciar‑se que, segundo a jurisprudência, incumbe arbitrar os mecanismos de produção de provas e de documentos apropriados, por força do direito aplicável a fim de resolver o litígio (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2013, Países Baixos/Comissão, T‑380/08, EU:T:2013:480, n.o 82).

125    Por conseguinte, há que julgar improcedente o terceiro fundamento e, portanto, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

126    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

127    Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

128    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo suportam as respetivas despesas.

129    Por conseguinte, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A commune de Fessenheim, a communauté de communes Pays RhinBrisach, o conseil départemental du HautRhin e o conseil régional Grand Est Alsace ChampagneArdenne Lorraine suportarão as suas próprias despesas e as efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pelikánová

Nihoul

Svenningsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de maio de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.