Language of document : ECLI:EU:C:2018:589

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de julho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 1.o, n.o 3 — Processos de entrega entre os Estados‑Membros — Condições de execução — Motivos de não execução — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 4.o — Proibição de tratamentos desumanos ou degradantes — Condições de detenção no Estado‑Membro de emissão — Âmbito do exame efetuado pelas autoridades judiciárias de execução — Existência de recurso no Estado‑Membro de emissão — Garantia dada pelas autoridades desse Estado‑Membro»

No processo C‑220/18 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen, Alemanha), por Decisão de 27 de março de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça nesse mesmo dia, no processo relativo à execução de um mandado de detenção europeu emitido contra

ML

com intervenção de:

Generalstaatsanwaltschaft Bremen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin e E. Regan (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de ML, por A. Jung, Rechtsanwalt,

–        em representação da Generalstaatsanwaltschaft Bremen, por M. Glasbrenner, Oberstaatsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por C. Van Lul, C. Pochet e A. Honhon, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por M. Søndahl Wolff, na qualidade de agente,

–        em representação da Irlanda, por G. Mullan, BL,

–        em representação do Governo espanhol, por Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, G. Tornyai e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por J. Langer, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo romeno, por E. Gane e C.‑M. Florescu, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 1.o, n.o 3, do artigo 5.o e do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «decisão‑quadro»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro da execução, na Alemanha, de um mandado de detenção europeu emitido em 31 de outubro de 2017 pelo Nyíregyházi Járásbíróság (Tribunal de Primeira Instância de Nyíregyháza, Hungria) contra ML com vista à execução, na Hungria, de uma pena privativa da liberdade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Carta

3        Nos termos do artigo 4.o da Carta, sob a epígrafe «Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes»:

«Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

4        As Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) especificam que «[o] direito consagrado no artigo 4.o [da Carta] é o direito garantido pelo artigo 3.o, de igual teor, da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir “CEDH”)] […]. Em aplicação do n.o 3 do artigo 52.o da Carta, tem por conseguinte um sentido e um âmbito iguais aos daquele artigo».

5        O artigo 47.o da Carta, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», prevê:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

[…]»

6        O artigo 51.o da Carta, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no n.o 1:

«As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. […]»

7        O artigo 52.o da Carta, sob a epígrafe «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia, no n.o 3:

«Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

 Decisãoquadro

8        Os considerandos 5 a 7 da decisão‑quadro estão redigidos nos seguintes termos:

«(5)      […] [A] instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição. […]

(6)      O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização, no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

(7)      Como o objetivo de substituir o sistema de extradição multilateral baseado na Convenção europeia de extradição de 13 de dezembro de 1957 não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros agindo unilateralmente e pode, pois, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, ser melhor alcançado ao nível da União, o Conselho pode adotar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade referido no artigo 2.o [UE] e no artigo 5.o [CE]. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade estabelecido neste último artigo, a presente decisão‑quadro não excede o necessário para atingir aquele objetivo.»

9        O artigo 1.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», prevê:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE].»

10      Os artigos 3.o, 4.o e 4.o‑A da decisão‑quadro enunciam os motivos da não execução obrigatória e facultativa do mandado de detenção europeu. Em especial, nos termos do artigo 4.o, ponto 6, da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu «[s]e o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional».

11      Nos termos do artigo 5.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais»:

«A execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado‑Membro de execução a uma das seguintes condições:

[…]

2)      Quando a infração que determina o mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com caráter perpétuo, a execução do mandado de detenção europeu pode ficar sujeita à condição de que o Estado‑Membro de emissão preveja no seu sistema jurídico uma revisão da pena proferida ‑ a pedido ou, o mais tardar, no prazo de 20 anos — ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado‑Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;

3)      Quando a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente do Estado‑Membro de execução, a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão.»

12      O artigo 6.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Determinação das autoridades judiciárias competentes», dispõe, no n.o 1:

«A autoridade judiciária de emissão é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão competente para emitir um mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.»

13      O artigo 7.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Recurso à autoridade central», prevê, no n.o 1:

«Cada Estado‑Membro pode designar uma autoridade central ou, quando o seu ordenamento jurídico o previr, várias autoridades centrais, para assistir as autoridades judiciárias competentes.»

14      O artigo 15.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Decisão sobre a entrega», está redigido nos seguintes termos:

«1.      A autoridade judiciária de execução decide da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos na presente decisão‑quadro.

2.      Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.o a 5.o e o artigo 8.o, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.o

3.      A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

15      O artigo 17.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Prazos e regras relativos à decisão de execução do mandado de detenção europeu», dispõe:

«1.      Um mandado de detenção europeu deve ser tratado e executado com urgência.

2.      Nos casos em que a pessoa procurada consinta na sua entrega, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada no prazo de 10 dias a contar da data do consentimento.

3.      Nos outros casos, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada no prazo de 60 dias após a detenção da pessoa procurada.

4.      Em casos específicos, quando o mandado de detenção europeu não possa ser executado dentro dos prazos previstos nos n.os 2 ou 3, a autoridade judiciária de execução informa imediatamente a autoridade judiciária de emissão do facto e das respetivas razões. Neste caso, os prazos podem ser prorrogados por mais 30 dias.

5.      Enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução, [esta] deve zelar por que continuem a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efetiva da pessoa.

[…]

7.      Sempre que, em circunstâncias excecionais, um Estado‑Membro não possa observar os prazos fixados no presente artigo, deve informar a Eurojust do facto e das razões do atraso. Além disso, um Estado‑Membro que tenha sofrido, por parte de outro Estado‑Membro, atrasos repetidos na execução de mandados de detenção europeus, deve informar o Conselho do facto, com vista à avaliação, a nível dos Estados‑Membros, da aplicação da presente decisão‑quadro.»

 Direito alemão

16      A transposição da decisão‑quadro para a ordem jurídica alemã ocorreu através dos §§ 78 a 83k da Gesetz über die internationale Rechtshilfe in Strafsachen (Lei da assistência judiciária internacional em matéria penal), de 23 de dezembro de 1982, conforme alterada pela Europäisches Haftbefehlsgesetz (Lei do mandado de detenção europeu), de 20 de julho de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1721) (a seguir «IRG»).

17      Nos termos do § 29, n.o 1, da IRG, o Oberlandesgericht (Tribunal Regional Superior, Alemanha) pronuncia‑se, a pedido do Ministério Público, sobre a licitude da extradição quando a pessoa acusada não aceita a extradição. A decisão é tomada sob a forma de despacho, em conformidade com o disposto no § 32 da IRG.

18      O § 73 da IRG enuncia:

«Na falta de um pedido nesse sentido, a cooperação judiciária e a transmissão de informações são ilícitas se infringirem princípios essenciais da ordem jurídica alemã. Em caso de pedido nos termos das partes oito, nove e dez, a assistência judiciária é ilícita se infringir os princípios enunciados no artigo 6.o TUE.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      Em 2 de agosto de 2017, o Nyíregyházi Járásbíróság (Tribunal de Primeira Instância de Nyíregyháza, Hungria) emitiu um mandado de detenção europeu contra ML, um nacional húngaro, para efeitos do exercício da ação penal pela autoria de crimes de ofensas corporais, danos, fraude e roubo praticados em Nyíregyháza (Hungria) entre os meses de fevereiro e julho de 2016.

20      Em 16 de agosto 2017, o Ministério da Justiça húngaro transmitiu esse mandado de detenção europeu à Generalstaatsanwaltschaft Bremen (Ministério Público de Bremen, Alemanha).

21      Por sentença de 14 de setembro de 2017, o Nyíregyházi Járásbíróság (Tribunal de Primeira Instância de Nyíregyháza) julgou ML à revelia e condenou‑o numa pena privativa da liberdade de um ano e oito meses.

22      Por ofício de 20 de setembro de 2017, o Ministério da Justiça húngaro informou o Ministério Público de Bremen, em resposta a uma questão que este lhe colocou, de que, em caso de entrega, ML ficaria detido, primeiro, no Centro de Detenção de Budapeste (Hungria) durante todo o período de duração do processo de entrega e, em seguida, no Centro de Detenção Regional de Szombathely (Hungria). O Ministério da Justiça húngaro também garantiu que ML não sofreria tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta, devido à sua detenção na Hungria. Acrescentou ainda que pode ser dada a mesma garantia em caso de transferência de ML para outro centro de detenção.

23      Em 31 de outubro de 2017, o Nyíregyházi Járásbíróság (Tribunal de Primeira Instância de Nyíregyháza) emitiu um novo mandado de detenção europeu contra ML com vista, desta vez, à execução da pena privativa de liberdade que lhe foi aplicada por esse órgão jurisdicional em 14 de setembro de 2017.

24      Em 23 de novembro de 2017, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen, Alemanha) ordenou que ML fosse detido com vista à sua eventual extradição em execução do mandado de detenção europeu emitido em 2 de agosto de 2017. Desde então, ML encontra‑se detido no Estabelecimento Prisional de Bremen‑Oslebshausen (Alemanha).

25      Em 12 de dezembro de 2017, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen, Alemanha) ordenou a detenção de ML ao abrigo do mandado de detenção europeu emitido em 31 de outubro de 2017, enquanto aguarda pela sua eventual entrega às autoridades húngaras. ML opôs‑se à sua entrega.

26      Por Despacho de 19 de dezembro de 2017, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen) manteve a detenção de ML com vista à sua extradição ao abrigo desse mandado de detenção. Porém, para avaliar da regularidade da entrega na perspetiva das condições de detenção nos estabelecimentos prisionais húngaros, este órgão jurisdicional entendeu que era necessário obter mais informações.

27      No seu Despacho de 9 de janeiro de 2018, o referido órgão jurisdicional declarou, a este propósito, que, de acordo com as informações que possui, a execução da pena aplicada a ML no Centro de Detenção de Szombathely não lhe suscita objeções. Todavia, como o Ministério da Justiça húngaro referiu, no seu ofício de 20 de setembro de 2017, a possibilidade de uma transferência para outros centros de detenção, esse órgão jurisdicional entendeu dever enviar ao referido ministério um pedido de informações com uma lista de 78 questões sobre as condições em que as pessoas ficam detidas no Centro de Detenção de Budapeste, bem como noutros centros de detenção para onde ML pudesse ser transferido.

28      Em 10 de janeiro de 2018, o Ministério Público de Bremen enviou esse pedido ao Ministério da Justiça húngaro.

29      Em 12 de janeiro de 2018, em resposta ao mencionado pedido, o Ministério da Justiça húngaro veio afirmar que o legislador nacional, com a Lei CX adotada em 25 de outubro de 2016, que altera, designadamente, o artigo 144.o/B, n.o 1, da Lei CCXL de 2013, relativa à execução das penas e medidas de natureza penal, de determinadas medidas coercivas e da detenção por delitos menores (a seguir «Lei de 2016»), introduziu, por um lado, uma via de recurso que permite aos detidos contestar a legalidade das suas condições de detenção e, por outro, uma nova modalidade de detenção, dita de «reintegração». No âmbito desta, os detidos que ainda não cumpriram toda a sua pena privativa da liberdade podem ver a sua detenção ser convertida em prisão domiciliária. O Ministério da Justiça húngaro também acrescentou que a criação, desde 2015, de mais de 1 000 novos lugares nos estabelecimentos prisionais contribuiu para reduzir a sobrelotação das cadeias.

30      Por mensagem de correio eletrónico de 1 de fevereiro de 2018, enviada ao Ministério Público de Bremen, um agente do Ministério da Justiça húngaro veio indicar que, salvo eventuais imprevistos, ML ficaria detido em Budapeste durante uma a três semanas, para cumprir um certo número de medidas não especificadas, relacionadas com a execução do processo de entrega.

31      Por Despacho de 12 de fevereiro de 2018, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen) pediu às autoridades húngaras que lhe fornecessem, até 28 de fevereiro de 2018, informações sobre as condições de detenção, por um lado, no estabelecimento prisional de Budapeste e, por outro, nos outros estabelecimentos prisionais para onde ML pode ser transferido. Também pediu para ser informado dos elementos com base nos quais poderia verificar as condições em que as pessoas aí se encontram detidas.

32      Em 15 de fevereiro de 2018, o Ministério Público de Bremen transmitiu esse pedido às autoridades húngaras.

33      Em 27 de março de 2018, o Ministério da Justiça húngaro, em concertação com a Direção‑Geral da Execução das Penas, veio mais uma vez garantir que ML, durante a sua detenção na Hungria, não será sujeito a tratamentos desumanos e degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta, independentemente do centro de detenção onde ficará detido.

34      Na sua decisão de reenvio, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen) observa que ML não dispõe de um interesse digno de proteção suscetível de justificar que a sua pena seja cumprida na Alemanha. Com efeito, como ML não domina a língua alemã e a sua companheira não tem nem trabalho nem direito a prestações sociais nesse Estado‑Membro, as suas hipóteses de ressocialização não são maiores se cumprir a sua pena em território nacional. Por conseguinte, ML deveria, em princípio, ser entregue à Hungria.

35      Todavia, antes de tomar uma decisão definitiva sobre o assunto, esse órgão jurisdicional entende dever verificar se as indicações fornecidas pelas autoridades húngaras em resposta aos seus pedidos de informação bastam para afastar, no âmbito da aplicação do § 73 da IRG, e tendo em conta a interpretação do artigo 1.o, n.o 3, do artigo 5.o e do artigo 6.o, n.o 1, da decisão‑quadro, bem como do artigo 4.o da Carta, a existência de um risco real de tratamento desumano ou degradante.

36      Para esse efeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre o alcance da análise que tem de efetuar, dado que, a partir de agora, existe na Hungria uma via de recurso que permite aos detidos contestar as suas condições de detenção à luz dos direitos fundamentais. Em especial, questiona‑se sobre se essa via de recurso permite efetivamente excluir a existência de risco de tratamento desumano ou degradante, quando, como nomeadamente resulta do Acórdão do TEDH de 10 de março de 2015, Varga e o. c. Hungria (CE:ECHR:2015:0310JUD001409712, §§ 79 a 92), existem provas da existência de falhas sistémicas ou generalizadas nas condições de detenção na Hungria. A este respeito, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre as consequências de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter recentemente considerado, no seu Acórdão de 14 de novembro de 2017, Domján c. Hungria (CE:ECHR:2017:1114DEC000543317, § 22), não ter ficado provado que a referida via de recurso não vai oferecer perspetivas realistas de melhoria das inadequadas condições de detenção das pessoas, a fim de respeitar as exigências decorrentes do artigo 3.o da CEDH.

37      Para o caso de essa mesma via de recurso não ser suscetível de impedir o risco de um detido sofrer um tratamento desumano ou degradante devido às suas condições de detenção, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em segundo lugar, sobre o âmbito, na perspetiva das informações e garantias obtidas das autoridades húngaras, da sua eventual obrigação de verificar as regras e as condições de detenção no conjunto dos estabelecimentos prisionais em que ML pode ser detido.

38      A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, antes de mais, sobre se a verificação das condições de detenção deve abranger todos os estabelecimentos prisionais em que ML pode ficar detido, nomeadamente os utilizados transitória ou esporadicamente, ou se pode ficar limitada àqueles em que, segundo as informações das autoridades do Estado‑Membro de emissão, é mais provável que ML fique no essencial detido. Com efeito, embora esse órgão jurisdicional consiga excluir a existência de risco de tratamento desumano ou degradante no que respeita ao Centro de Detenção de Szombathely, as informações transmitidas pelas autoridades húngaras são insuficientes para se chegar à mesma conclusão no que respeita tanto ao Centro de Detenção de Budapeste como aos outros centros de detenção para onde as autoridades húngaras se reservaram a possibilidade de vir a transferir ML. Além disso, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre o alcance e os critérios da análise a efetuar a este respeito. Em especial, questiona‑se sobre se é obrigado a atender à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, resultante do seu Acórdão de 20 de outubro de 2016, Muršić c. Croácia (CE:ECHR:2016:1020JUD000733413).

39      Além disso, para o caso de as autoridades judiciárias de execução terem de analisar todos os estabelecimentos prisionais em que ML poderá ficar detido, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, antes de mais, sobre a questão de saber se se pode contentar com as declarações gerais das autoridades húngaras, segundo as quais ML não ficará exposto ao risco de tratamento desumano ou degradante, ou se pode fazer depender a entrega de ML da condição única de não ficar exposto a um tal tratamento. Caso contrário, esse órgão jurisdicional questiona‑se sobre, por um lado, qual a importância que deve atribuir ao facto de as autoridades húngaras terem afirmado que a detenção transitória de ML não ultrapassará as três semanas, sendo que essa afirmação é feita sob reserva da «ocorrência de circunstâncias que a isso se oponham». Por outro lado, pretende saber se pode ter em consideração informações relativamente às quais não é possível apurar se têm a sua origem na autoridade judiciária de emissão, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da decisão‑quadro, ou numa autoridade central, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, dessa decisão‑quadro, que atuou a pedido da referida autoridade judiciária de emissão.

40      Nestas condições, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Que relevância tem, no quadro da interpretação [do artigo 1.o, n.o 3, do artigo 5.o e do artigo 6.o, n.o 1, da decisão‑quadro, conjugados com a proibição de tratamentos desumanos ou degradantes prevista no artigo 4.o da Carta], o facto de, no Estado‑Membro de emissão, os detidos terem meios de tutela jurisdicional no tocante às condições da sua detenção?

a)      Quando as autoridades judiciárias de execução têm provas de que, no Estado‑Membro de emissão, existem condições de detenção deficientes, quer sistémicas ou generalizadas quer afetando determinados grupos de pessoas ou ainda determinados estabelecimentos penitenciários, a existência de um risco real de tratamento desumano ou degradante do arguido em caso de extradição, suscetível de pôr em causa a admissibilidade da extradição por força das disposições supramencionadas, fica excluída se for possível recorrer aos referidos meios de tutela jurisdicional sem ser necessária uma verificação mais aprofundada das condições concretas da detenção?

b)      Para este efeito, é relevante o facto de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não ter detetado, no que respeita a estes meios de tutela jurisdicional, indícios de que os mesmos não proporcionem aos detidos perspetivas realistas de melhoria das condições de detenção deficientes?

2)      Se a resposta à primeira questão prejudicial for de que, sem uma verificação mais aprofundada das condições concretas de detenção no Estado‑Membro de emissão por parte das autoridades judiciárias de execução, a existência destes meios de tutela jurisdicional para os detidos não é adequada a excluir um risco real de tratamento desumano ou degradante do arguido:

a)      Devem as disposições acima referidas ser interpretadas no sentido de que a verificação das condições de detenção no Estado‑Membro de emissão por parte das autoridades judiciárias de execução deve abranger todos os estabelecimentos penitenciários ou os outros centros de detenção nos quais o arguido possa eventualmente vir a ser acolhido? O mesmo também se aplica a uma detenção meramente provisória ou transitória em determinados estabelecimentos penitenciários? Ou a verificação pode limitar‑se ao estabelecimento penitenciário no qual o arguido, segundo as informações prestadas pelas autoridades do Estado‑Membro de emissão, irá provavelmente ser detido durante a maior parte do tempo?

b)      Para este efeito, é sempre necessária uma verificação exaustiva das condições de detenção em causa, que avalie tanto a área do espaço pessoal por detido, como também as restantes condições de detenção? A avaliação das condições de detenção determinadas deste modo deve ter em conta a jurisprudência do [TEDH] resultante da decisão Muršić/Croácia [Acórdão de 20 de outubro de 2016 (CE:ECHR:2016:1020JUD000733413)]?

3)      Se a resposta à segunda questão prejudicial também for de que é necessário o alargamento dos deveres de verificação das autoridades judiciárias de execução a todos os estabelecimentos penitenciários possíveis [para os quais a pessoa em causa pode ser transferida]:

a)      Pode a verificação das condições de detenção de cada um dos estabelecimentos penitenciários possíveis por parte das autoridades judiciárias de execução ser dispensada se o Estado‑Membro de emissão prestar uma garantia geral de que o arguido não correrá nenhum risco de tratamento desumano ou degradante?

b)      Ou, em vez da verificação das condições de detenção de cada um dos estabelecimentos penitenciários possíveis, pode a decisão das autoridades judiciárias de execução sobre a admissibilidade da extradição ser tomada sob a condição de o arguido não ser sujeito a nenhum tratamento daquela espécie?

4)      Se, de acordo com a resposta à terceira questão prejudicial, a prestação de garantias e a imposição de condições não forem adequadas a prescindir da verificação das condições de detenção de cada um dos estabelecimentos de detenção possíveis do Estado‑Membro de emissão por parte das autoridades judiciárias de execução [para os quais a pessoa em causa pode ser transferida]:

a)      O dever de verificação das autoridades judiciárias de execução deve igualmente ser alargado às condições de detenção de todos os estabelecimentos penitenciários possíveis, se as autoridades judiciárias do Estado‑Membro de emissão comunicarem que a duração da detenção do arguido naqueles estabelecimentos não ultrapassará o período de três semanas, mas só se não ocorrerem circunstâncias em contrário?

b)      O mesmo também se aplica se as autoridades judiciárias de execução não conseguirem determinar se estas informações provêm de declarações da autoridade judiciária de emissão ou de uma das autoridades centrais do Estado‑Membro de emissão que intervieram na sequência de um pedido de apoio por parte da autoridade judiciária de emissão?»

 Quanto à tramitação prejudicial urgente

41      O órgão jurisdicional de reenvio solicitou que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

42      Em apoio do seu pedido, esse órgão jurisdicional declarou que a pessoa em causa se encontra privada de liberdade desde 23 de novembro de 2017 para efeitos da execução de um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciárias húngaras. Além disso, o referido órgão jurisdicional entende que, se fosse obrigado a avaliar as condições de detenção nos estabelecimentos prisionais de trânsito ou nos outros estabelecimentos para onde essa pessoa possa vir a ser transferida, deveria, salvo se estiver em condições de excluir o risco de tratamentos desumanos ou degradantes, chegar à conclusão de que a entrega solicitada é ilícita. Por conseguinte, seria igualmente obrigado a pôr termo à detenção com vista à extradição.

43      A este respeito, cabe observar, em primeiro lugar, que o presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação da decisão‑quadro, que integra o âmbito do título V da terceira parte do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Assim, este reenvio prejudicial pode ser sujeito a tramitação urgente.

44      Em segundo lugar, quanto ao critério relativo à urgência, importa, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tomar em consideração a circunstância de a pessoa em causa estar atualmente privada de liberdade e de a sua manutenção em detenção depender da resolução do litígio no processo principal. Por outro lado, a sua situação deve ser apreciada tal como se apresenta à data do exame do pedido de tratamento do reenvio prejudicial segundo a tramitação prejudicial urgente (Acórdão de 22 de dezembro de 2017, Ardic, C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026, n.o 58 e jurisprudência referida).

45      Ora, no presente caso, por um lado, é ponto assente que, nessa data, a pessoa em causa, porque estava detida, estava, portanto, privada de liberdade. Por outro lado, das explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio resulta que o facto de permanecer em detenção depende do desfecho do processo principal. Com efeito, a medida de detenção de que foi alvo foi decretada no âmbito da execução de um mandado de detenção europeu emitido contra si. Por conseguinte, a decisão desse órgão jurisdicional sobre a sua eventual entrega às autoridades húngaras depende das respostas que o Tribunal de Justiça der às presentes questões prejudiciais.

46      Nestas condições, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 17 de abril de 2018, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação urgente.

 Quanto às questões prejudiciais

47      Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 3, o artigo 5.o e o artigo 6.o, n.o 1, da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que, quando a autoridade judiciária de execução dispõe de provas de que nos estabelecimentos prisionais do Estado‑Membro de emissão existem condições de detenção deficientes, sistémicas ou generalizadas, essa autoridade só pode afastar a existência de um risco real de a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade ser objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, caso essa pessoa disponha, no Estado‑Membro de emissão, de uma via de recurso que lhe permita contestar as suas condições de detenção e, em caso de resposta negativa, se a referida autoridade é então obrigada a apreciar as condições de detenção existentes no conjunto dos estabelecimentos prisionais em que essa pessoa poderá eventualmente ficar detida, ainda que a título temporário ou transitório, ou apenas as condições de detenção existentes no estabelecimento, de entre todos esses, onde provavelmente, de acordo com as informações de que dispõe, essa pessoa ficará detida a maior parte do tempo. Esse órgão jurisdicional também pergunta se essas mesmas disposições devem ser interpretadas no sentido de que a autoridade judiciária de execução deve apreciar a totalidade das condições de detenção e se, no âmbito dessa apreciação, essa autoridade pode atender a informações fornecidas por autoridades do Estado‑Membro de emissão diversas da autoridade judiciária de emissão, como, em especial, a garantia de que a pessoa em causa não será objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta.

 Observações preliminares

48      Para responder às questões submetidas, importa recordar que o direito da União assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os restantes Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.o TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento destes valores e, portanto, no respeito do direito da União que os aplica [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 35 e jurisprudência referida].

49      Tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, ele próprio assente na confiança recíproca entre estes últimos, são, no direito da União, de fundamental importância, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe a cada um desses Estados‑Membros, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 36 e jurisprudência referida].

50      Assim, quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros podem ser obrigados, por força desse mesmo direito, a presumir o respeito dos direitos fundamentais por parte dos outros Estados‑Membros, pelo que não lhes é possível exigir a outro Estado‑Membro um nível de proteção nacional dos direitos fundamentais mais elevado do que o assegurado pelo direito da União, nem tão‑pouco, salvo em circunstâncias excecionais, verificar se esse outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 37 e jurisprudência referida].

51      Resulta do considerando 6 da decisão‑quadro que o mandado de detenção europeu previsto nesta decisão‑quadro constitui a primeira concretização, no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 38].

52      Como resulta, em especial, do artigo 1.o, n.os 1 e 2, da decisão‑quadro, lido à luz dos seus considerandos 5 e 7, a decisão‑quadro tem por objeto substituir o sistema de extradição multilateral baseado na Convenção Europeia de Extradição, de 13 de dezembro de 1957, por um sistema de entrega, entre as autoridades judiciárias, das pessoas condenadas ou suspeitas, para efeitos da execução de sentenças ou de procedimentos criminais, baseando‑se este último sistema no princípio do reconhecimento mútuo [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 39 e jurisprudência referida].

53      A decisão‑quadro pretende, assim, ao instituir um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, atribuído à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU], n.o 40 e jurisprudência referida].

54      No domínio regido pela decisão‑quadro, o princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, como resulta designadamente do considerando 6 desta, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra aplicação no artigo 1.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro, que consagra a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com as disposições desta mesma decisão‑quadro. As autoridades judiciárias de execução só podem, portanto, em princípio, recusar executar esse mandado pelos motivos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos pela decisão‑quadro, e a execução do mandado de detenção europeu apenas pode ser subordinada a uma das condições taxativamente previstas no artigo 5.o desta decisão‑quadro. Por conseguinte, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 41 e jurisprudência referida].

55      Assim, a decisão‑quadro enuncia expressamente os motivos de não execução obrigatória (artigo 3.o) e facultativa (artigos 4.o e 4.o‑A) do mandado de detenção europeu, bem como as garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais (artigo 5.o) [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 42 e jurisprudência referida].

56      Não deixa de ser verdade que o Tribunal de Justiça admitiu a possibilidade de limitar os princípios do reconhecimento e da confiança mútuos entre Estados‑Membros «em circunstâncias excecionais» [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 43 e jurisprudência referida].

57      Neste contexto, o Tribunal de Justiça reconheceu, sob certas condições, a faculdade de a autoridade judiciária de execução pôr termo ao processo de entrega instituído pela decisão‑quadro, quando essa entrega crie o risco de conduzir a um trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, da pessoa procurada [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 44 e jurisprudência referida].

58      Para este efeito, o Tribunal de Justiça baseou‑se, por um lado, no artigo 1.o, n.o 3, desta decisão‑quadro, que prevê que esta não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelos artigos 2.o e 6.o TUE, e, por outro, no caráter absoluto do direito fundamental garantido pelo artigo 4.o da Carta [Acórdão proferido na presente data, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, n.o 45 e jurisprudência referida].

59      Assim, quando a autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução dispõe de elementos que comprovam um risco real de tratamento desumano ou degradante das pessoas detidas no Estado‑Membro de emissão, à luz do padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União e, em especial, do artigo 4.o da Carta, deve apreciar a existência desse risco no momento de decidir sobre a entrega às autoridades do Estado‑Membro de emissão da pessoa a que o mandado de detenção europeu diz respeito. Com efeito, a execução desse mandado não pode conduzir a um tratamento desumano ou degradante dessa pessoa (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 88).

60      Para este efeito, a autoridade judiciária de execução deve, antes de mais, basear‑se em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados quanto às condições de detenção nos estabelecimentos prisionais do Estado‑Membro de emissão que demonstrem a realidade das deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção. Estes elementos podem resultar, designadamente, de decisões judiciais internacionais, como acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de decisões judiciais do Estado‑Membro de emissão e de decisões, de relatórios e de outros documentos elaborados pelos órgãos do Conselho da Europa ou pertencentes ao sistema das Nações Unidas (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 89).

61      Todavia, a constatação da existência de um risco real de tratamento desumano ou degradante em razão das condições gerais de detenção no Estado‑Membro de emissão não pode conduzir, enquanto tal, à recusa da execução de um mandado de detenção europeu. Com efeito, a mera existência de elementos que atestem deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que respeita às condições de detenção no Estado‑Membro de emissão, não implica necessariamente que, num caso concreto, a pessoa em causa seja sujeita a um tratamento desumano ou degradante em caso de entrega às autoridades desse Estado‑Membro (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 91 e 93).

62      Assim, para garantir o respeito do artigo 4.o da Carta no caso particular de uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução, que é confrontada com elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que atestem a existência dessas deficiências, deve verificar, em seguida, de maneira concreta e precisa, se, nas circunstâncias do caso, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, no seguimento da sua entrega a esse Estado‑Membro, essa pessoa correrá um risco real de ser sujeita, nesse Estado‑Membro, a um tratamento desumano ou degradante, na aceção deste artigo, em razão das condições de detenção que se prevê aplicar‑lhe no Estado‑Membro de emissão (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 92 e 94).

63      Para o efeito, a referida autoridade deve, em aplicação do artigo 15.o, n.o 2, da decisão‑quadro, pedir à autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão o fornecimento com urgência de todas as informações complementares necessárias sobre as condições de detenção que se prevê aplicar à detenção da pessoa em causa nesse Estado‑Membro. Este pedido pode igualmente abranger a existência, no Estado‑Membro de emissão, de eventuais procedimentos e mecanismos nacionais ou internacionais de fiscalização das condições de detenção relacionadas, por exemplo, com visitas aos estabelecimentos prisionais, que permitam apreciar o estado atual das condições de detenção nesses estabelecimentos (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 95 e 96).

64      A autoridade judiciária de emissão deve transmitir todas essas informações à autoridade judiciária de execução (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 97).

65      Se, à luz das informações fornecidas em aplicação do artigo 15.o, n.o 2, da decisão‑quadro, bem como de quaisquer outras informações de que a autoridade judiciária de execução disponha, esta autoridade concluir que existe, relativamente à pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu, um risco real de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta, a execução desse mandado deve ser adiada mas não pode ser abandonada (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 98).

66      Em contrapartida, caso as informações recebidas pela autoridade judiciária de execução da autoridade judiciária de emissão conduzam ao afastamento da existência de um risco real de a pessoa em causa ser objeto de um tratamento desumano ou degradante no Estado‑Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução deve adotar, nos prazos previstos pela decisão‑quadro, a sua decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu, sem prejuízo da possibilidade de a pessoa em causa, uma vez entregue, explorar, na ordem jurídica do Estado‑Membro de emissão, as vias de recurso que lhe permitem contestar, se for caso disso, a legalidade das condições da sua detenção num estabelecimento prisional desse Estado‑Membro (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 103).

67      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio considera dispor de elementos que demonstram a existência de deficiências sistémicas ou generalizadas nas condições de detenção na Hungria. Com efeito, segundo esse órgão jurisdicional, resulta do Acórdão do TEDH de 10 de março de 2015, Varga e o. c. Hungria (CE:ECHR:2015:0310JUD001409712, §§ 79 a 92), que, verificando‑se nesse Estado‑Membro uma situação de sobrelotação dos estabelecimentos prisionais, existe o risco de as pessoas que aí se encontram detidas sofrerem um tratamento desumano ou degradante. O referido órgão jurisdicional considera que, à data em que foi proferida a decisão de reenvio, essa situação ainda se mantinha, pois, segundo as autoridades húngaras, foram criados 1 000 lugares nos estabelecimentos prisionais, quando eram necessários 5 500. Além disso, segundo esse órgão jurisdicional, é difícil avaliar o verdadeiro impacto que a possibilidade, introduzida pela Lei de 2016, de a detenção ser convertida em prisão domiciliária teve na sobrelotação dos estabelecimentos prisionais na Hungria.

68      Nas observações escritas que apresentou e na audiência, a Hungria contestou a existência dessas deficiências que afetam as condições de detenção no seu território. Esse Estado‑Membro considera que o órgão jurisdicional de reenvio atribui, erradamente, uma importância desmedida ao Acórdão do TEDH de 10 de março de 2015, Varga e o. c. Hungria (CE:ECHR:2015:0310JUD001409712), sem ter em conta os factos posteriores à prolação desse acórdão. Em especial, esse órgão jurisdicional não teve em conta nem as melhorias introduzidas na vida prisional nem as alterações legislativas ocorridas para efeitos da execução desse acórdão ou das decisões mais recentes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

69      A este respeito, importa, contudo, sublinhar que, no âmbito do presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça não é questionado sobre a existência de deficiências sistémicas ou generalizadas nas condições de detenção na Hungria.

70      Com efeito, com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio, baseando‑se na premissa da existência dessas deficiências, pretende, no essencial, determinar se, atenta a jurisprudência recordada nos n.os 61 a 66 do presente acórdão, os diferentes elementos de informação que lhe foram transmitidos pelas autoridades do Estado‑Membro de emissão lhe permitem excluir a existência de um risco real de a pessoa em causa sofrer, nesse Estado‑Membro, um tratamento desumano ou degradante, na acessão do artigo 4.o da Carta.

71      Importa, portanto, responder a essas questões com base na premissa que o órgão jurisdicional de reenvio, sob sua inteira responsabilidade, definiu e cuja exatidão lhe cabe verificar tendo em conta os dados devidamente atualizados, conforme referido no n.o 60 do presente acórdão, e, em especial, a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2017, das disposições da Lei de 2016, que podem, eventualmente, pôr em causa essa premissa.

 Quanto à existência de uma via de recurso no Estado‑Membro de emissão no que respeita à legalidade das condições de detenção à luz dos direitos fundamentais

72      É ponto assente que, pela Lei de 2016, a Hungria instituiu, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2017, uma via de recurso que permite aos detidos contestar, no quadro de um recurso jurisdicional, a legalidade das respetivas condições de detenção à luz dos direitos fundamentais.

73      Como alegado por todos os intervenientes no presente processo, essa via de recurso, embora possa constituir uma ação perante um tribunal, na aceção do artigo 47.o da Carta, não basta, por si só, para excluir a existência de um risco real de a pessoa em causa ser objeto de um tratamento desumano ou degradante no Estado‑Membro de emissão, na aceção do artigo 4.o da Carta.

74      Com efeito, embora essa fiscalização jurisdicional a posteriori das condições de detenção no Estado‑Membro de emissão constitua uma evolução importante passível de contribuir para incentivar as autoridades desse Estado‑Membro a melhorar essas condições e que, portanto, pode ser tida em conta pelas autoridades judiciárias de execução quando da avaliação global das condições de detenção da pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para decidir da sua entrega, não é, por si só, suscetível de excluir o risco de essa pessoa ser, na sequência da sua entrega, sujeita a um tratamento incompatível com o artigo 4.o da Carta devido às condições da sua detenção.

75      Por conseguinte, mesmo que o Estado‑Membro de emissão preveja vias de recurso que permitam fiscalizar a legalidade das condições de detenção à luz dos direitos fundamentais, as autoridades judiciárias de execução continuam a ter de proceder a um exame individual da situação de cada pessoa em causa, a fim de se certificarem de que a decisão relativa à entrega dessa pessoa não a fará correr o risco real, devido às referidas condições, de sofrer um tratamento desumano ou degradante, na aceção dessa disposição.

76      Esta interpretação em nada contraria o que foi decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no seu Acórdão de 14 de novembro de 2017, Domján c. Hungria (CE:ECHR:2017:1114DEC000543317). Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por um lado, limitou‑se a declarar que, como os recursos instituídos pela Lei de 2016 garantem, em princípio, uma verdadeira reparação das violações da CEDH decorrentes da sobrelotação dos estabelecimentos prisionais e de outras condições de detenção inadequadas na Hungria, o pedido que lhe foi submetido nesse processo devia ser julgado inadmissível, porquanto as vias de recurso interno ainda não tinham sido esgotadas. Por outro lado, especificou que se reservava o direito de reapreciar o caráter efetivo desses recursos à luz da realidade prática.

 Quanto ao alcance da análise das condições de detenção no Estado‑Membro de emissão

 Quanto aos estabelecimentos prisionais a examinar

77      De acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 61 a 66 do presente acórdão, as autoridades judiciárias de execução chamadas a decidir da entrega de uma pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu devem verificar, de forma concreta e precisa, se, nas circunstâncias do caso, existe um risco real de essa pessoa ser sujeita, no Estado‑Membro de emissão, a um tratamento desumano ou degradante.

78      Daqui decorre que a análise que essas autoridades são obrigadas a efetuar, atento o seu caráter concreto e preciso, não pode ser sobre as condições gerais de detenção existentes no conjunto dos estabelecimentos prisionais desse Estado‑Membro em que a pessoa em causa poderá ficar detida.

79      A este propósito, cabe referir que a possibilidade de as autoridades judiciárias de execução solicitarem, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da decisão‑quadro, que lhes sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, quando julguem que as informações transmitidas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para decidir da entrega, é uma solução de último recurso, apenas para os casos excecionais em que a autoridade judiciária de execução considera que não dispõe de todos os elementos formais necessários para adotar com urgência a sua decisão relativa à entrega (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski, C‑367/16, EU:C:2018:27, n.os 60 e 61).

80      Essa disposição não pode, portanto, ser evocada sistematicamente pelas autoridades judiciárias de execução para solicitar às autoridades do Estado‑Membro de emissão informações gerais sobre as condições de detenção nos estabelecimentos prisionais em que uma pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu poderá ficar detida.

81      De resto, um tal pedido equivaleria, a maior parte das vezes, a solicitar informações sobre todos os estabelecimentos prisionais situados no território do Estado‑Membro de emissão, pois uma pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu pode, regra geral, ser encarcerada em qualquer estabelecimento prisional situado no território desse Estado‑Membro. Ora, de um modo geral, não é possível, na fase de execução de um mandado de detenção europeu, identificar todos os estabelecimentos prisionais em que uma tal pessoa ficará efetivamente encarcerada, já que uma transferência de um estabelecimento para outro se pode justificar devido à ocorrência de circunstâncias imprevisíveis, ou mesmo alheias à pessoa em causa.

82      Estas considerações são corroboradas pelo objetivo prosseguido pela decisão‑quadro, que, como decorre já do n.o 53 do presente acórdão, consiste em acelerar e facilitar as entregas, através da instituição, entre as autoridades judiciárias, de um sistema de entrega simplificado e mais eficaz das pessoas condenadas ou suspeitas de terem violado a lei penal.

83      Com efeito, tal objetivo assenta, nomeadamente, na determinação dos prazos de adoção das decisões relativas ao mandado de detenção europeu, que os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar e cuja importância está expressa em várias disposições da decisão‑quadro, designadamente no seu artigo 17.o (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski, C‑367/16, EU:C:2018:27, n.os 55 e 56).

84      Ora, a obrigação das autoridades judiciárias de execução de analisar as condições de detenção existentes no conjunto dos estabelecimentos prisionais onde a pessoa em causa poderá ficar encarcerada no Estado‑Membro de emissão é manifestamente excessiva. Além disso, é impossível de realizar nos prazos previstos no artigo 17.o da decisão‑quadro. Com efeito, essa análise poderia atrasar substancialmente a entrega dessa pessoa e, portanto, privar de efeito útil o funcionamento do mandado de detenção europeu.

85      Daqui decorre um risco de impunidade da pessoa procurada, sobretudo quando, como no processo principal, que tem por objeto a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade, a autoridade judiciária de execução conclui que as condições de aplicação do motivo de não execução facultativa enunciado no artigo 4.o, n.o 6 da decisão‑quadro, que permite ao Estado‑Membro comprometer‑se a executar essa pena em conformidade com o seu direito interno, para, designadamente, aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa em causa (v., designadamente, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 32), não estavam preenchidas.

86      Ora, essa impunidade seria incompatível com o objetivo prosseguido tanto pela decisão‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski, C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 23) como pelo artigo 3.o, n.o 2, TUE, no contexto do qual essa decisão‑quadro se inscreve, e segundo o qual a União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos nas fronteiras externas, bem como de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno (Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 36 e 37).

87      Por conseguinte, dada a confiança recíproca que deve existir entre os Estados‑Membros, confiança essa em que assenta o sistema do mandado de detenção europeu, e tendo em especial atenção os prazos que o artigo 17.o da decisão‑quadro impôs às autoridades judiciárias de execução para efeitos da adoção da decisão definitiva de execução desse mandado, essas autoridades apenas são obrigadas a analisar as condições de detenção nos estabelecimentos prisionais onde, concretamente e de acordo com as informações de que dispõem, essa pessoa ficará detida, ainda que a título temporário ou transitório. A conformidade, à luz dos direitos fundamentais, das condições de detenção existentes nos outros estabelecimentos prisionais onde a referida pessoa poderá, eventualmente, ficar encarcerada mais tarde é, de acordo com a jurisprudência recordada no n.o 66 do presente acórdão, da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão.

88      No presente caso, embora essas informações não tenham sido prestadas pela autoridade judiciária de emissão, é incontestável para todos os intervenientes no presente processo que a pessoa em causa, em caso de entrega às autoridades húngaras, ficará primeiro detida no Centro de Detenção de Budapeste por um período de uma a três semanas, antes de ser transferida para o Centro de Detenção de Szombathely, não sendo de excluir que possa vir a ser ulteriormente transferida para outro centro de detenção.

89      Nestas condições, incumbe à autoridade judiciária de execução verificar as condições de detenção da pessoa em causa apenas nesses dois estabelecimentos.

 Quanto à apreciação das condições de detenção

90      Não existindo regras mínimas, no direito da União, no que respeita às condições de detenção, cabe recordar que, como já se observou no Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 90), o artigo 3.o da CEDH impõe às autoridades do Estado em cujo território tem lugar uma detenção uma obrigação positiva que consiste em certificar‑se de que qualquer prisioneiro é detido em condições que garantam o respeito da dignidade humana, de que as modalidades de execução da medida não sujeitam a pessoa em causa a uma situação de desespero ou a dificuldades de uma intensidade que exceda o nível inevitável de sofrimento inerente à detenção e de que, tendo em conta as exigências práticas da prisão, a saúde e o bem‑estar do prisioneiro sejam garantidos de maneira adequada (TEDH, 25 de abril de 2017, Rezmiveș e o. c. Roménia, CE:ECHR:2017:0425JUD006146712, § 72).

91      A este respeito, os maus tratos, para integrarem o âmbito do artigo 3.o da CEDH, devem atingir um nível mínimo de gravidade, que depende do conjunto dos fatores do caso, designadamente da duração da situação e dos seus efeitos físicos ou psíquicos, bem como, por vezes, do sexo, da idade e do estado de saúde da vítima (TEDH, 20 de outubro de 2016, Muršić c. Croácia, CE:ECHR:2016:1020JUD000733413, §§ 97 e 122).

92      Dada a importância atribuída ao fator espacial na apreciação global das condições de detenção, o facto de a área pessoal de que dispõe o detido ser inferior a 3 m² numa cela coletiva dá origem a uma forte presunção de violação do artigo 3.o da CEDH (TEDH, 20 de outubro de 2016, Muršić c. Croácia, CE:ECHR:2016:1020JUD000733413, § 124).

93      Essa forte presunção de violação do artigo 3.o da CEDH só pode, regra geral, ser ilidida, em primeiro lugar, se a redução do espaço pessoal relativamente ao mínimo exigido de 3 m2 for de curta duração, ocasional e insignificante, em segundo, se estiver associada a uma liberdade de circulação suficiente fora da cela e a atividades adequadas também no exterior da cela e, em terceiro, se o estabelecimento oferecer de um modo geral condições de detenção decentes e a pessoa em causa não for submetida a outros elementos considerados circunstâncias agravantes de más condições de detenção (TEDH, 20 de outubro de 2016, Muršić c. Croácia, CE:ECHR:2016:1020JUD000733413, § 138).

94      No presente caso, no entender do próprio órgão jurisdicional de reenvio, as informações de que dispõe no que respeita às condições de encarceração no Centro de Detenção de Szombathely, no qual é certo que a pessoa em causa deverá cumprir a maior parte da pena privativa de liberdade que lhe foi aplicada na Hungria, levam‑no a excluir a existência de um risco real de essa pessoa ser objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, o que, de resto, nenhum dos intervenientes no presente processo põe em causa.

95      Nestas condições, é à autoridade judiciária de execução que cabe verificar se, em contrapartida, a pessoa em causa ficará exposta a tal risco no Centro de Detenção de Budapeste.

96      A circunstância de a detenção nesse estabelecimento só estar prevista para o período que durar o processo de entrega e não dever, por isso, de acordo com as informações prestadas pelas autoridades do Estado‑Membro de emissão, durar mais do que três semanas não é determinante para este efeito.

97      É verdade que da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem resulta que a duração de um período de detenção pode, conforme resulta já dos n.os 91 e 93 do presente acórdão, ser um fator pertinente para efeitos da análise da gravidade do sofrimento ou da humilhação sofridos por um detido devido às más condições de detenção (TEDH, 20 de outubro de 2016, Muršić c. Croácia, CE:ECHR:2016:1020JUD000733413, § 131).

98      Todavia, a brevidade relativa de um período de detenção não subtrai automaticamente por si só o tratamento controvertido do âmbito de aplicação do artigo 3.o da CEDH quando outros elementos bastam para que esse tratamento integre o âmbito dessa disposição.

99      Além disso, embora o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tenha considerado que, quando o detido dispõe de uma área menor do que 3 m², um período de detenção de alguns dias possa ser equiparado a um curto período, um período de cerca de 20 dias, como o previsto no processo principal pelas autoridades do Estado‑Membro de emissão, relativamente ao qual nem sequer se exclui que possa ser prorrogado caso surjam «eventuais imprevistos» não especificados, não pode ser considerado um período curto (v., neste sentido, TEDH, 20 de outubro de 2016, Muršić c. Croácia, CE:ECHR:2016:1020JUD000733413, §§ 146, 152 e 154).

100    Donde se conclui que o caráter temporário ou transitório de uma detenção nessas condições não basta, por si só, para afastar o risco efetivo de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta.

101    Nestas condições, se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações de que dispõe são insuficientes para poder tomar uma decisão sobre a entrega, poderá, como já se referiu no n.o 63 do presente acórdão, pedir à autoridade judiciária de emissão, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da decisão‑quadro, que lhe forneça com urgência informações adicionais que considera necessárias, a fim de obter esclarecimentos concretos e precisos sobre as condições de detenção da pessoa em causa no estabelecimento prisional em questão.

102    No presente caso, resulta dos elementos apresentados ao Tribunal de Justiça que as autoridades húngaras não responderam às 78 questões que lhes foram enviadas em 10 de janeiro de 2018, em conformidade com o despacho do órgão jurisdicional de reenvio de 9 de janeiro de 2018, pelo Ministério Público de Bremen, relativas às condições de detenção existentes no Centro de Detenção de Budapeste, bem como em qualquer outro estabelecimento onde a pessoa em causa pudesse, eventualmente, vir a ser encarcerada.

103    Embora algumas dessas questões, consideradas individualmente, sejam pertinentes para efeitos da apreciação das condições concretas e precisas de detenção da pessoa em causa em função dos elementos indicados no n.o 93 do presente acórdão, acontece, no entanto, que, como também referiu o advogado‑geral, em substância, no n.o 76 das suas conclusões, as referidas questões, devido ao seu número, ao seu âmbito, que abrange qualquer estabelecimento prisional em que a pessoa em causa possa ser encarcerada, e ao seu conteúdo, que inclui aspetos da detenção sem pertinência evidente para efeitos da referida apreciação, como, designadamente, a prática de um culto, a possibilidade de fumar, as regras da lavagem da roupa e a instalação de grades ou treliças nas janelas das celas, tornavam, na prática, impossível qualquer resposta útil por parte das autoridades do Estado‑Membro de emissão, atentos, em especial, os curtos prazos definidos no artigo 17.o da decisão‑quadro para a execução de um mandado de detenção europeu.

104    Um pedido desta natureza, que conduz à paralisação do funcionamento do mandado de detenção europeu, não é compatível com a obrigação de cooperação leal, inscrita no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, que deve presidir ao diálogo entre as autoridades judiciárias de execução e as autoridades judiciárias de emissão, no quadro, nomeadamente, da transmissão de informações ao abrigo do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da decisão‑quadro.

105    Na audiência, o Ministério Público de Bremen afirmou, assim, nunca ter recebido resposta a este tipo de pedidos de informação, que o órgão jurisdicional de reenvio envia sistematicamente às autoridades de três Estados‑Membros de emissão, entre os quais a Hungria. Esclareceu que essa prática conduzia a que, não existindo decisão desse órgão jurisdicional de aprovação da entrega, nenhum mandado de detenção europeu emitido por um órgão jurisdicional de um desses três Estados‑Membros era executado por esse ministério público.

106    Isto posto, é certo que, em resposta ao pedido de 10 de janeiro de 2018, as autoridades húngaras ofereceram ao Ministério Público de Bremen, nos seus ofícios de 20 de setembro de 2017 e 27 de março de 2018, a garantia de que a pessoa em causa não sofrerá, em virtude da sua detenção na Hungria, qualquer tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, independentemente do estabelecimento onde fique encarcerada.

107    Importa, portanto, verificar se e em que medida pode uma tal garantia ser tida em conta pela autoridade judiciária de execução para efeitos da sua decisão sobre a entrega da pessoa em causa.

 Quanto à tomada em consideração das garantias dadas pelas autoridades do Estado‑Membro de emissão

108    Importa recordar que o artigo 15.o, n.o 2, da decisão‑quadro autoriza expressamente a autoridade judiciária de execução, quando considerar que as informações transmitidas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para lhe permitir decidir da entrega, a solicitar a transmissão urgente das informações complementares necessárias. Além disso, segundo o artigo 15.o, n.o 3, da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.

109    Por outro lado, por força do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados (Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 42).

110    Nos termos dessas disposições, a autoridade judiciária de execução e a autoridade judiciária de emissão podem, respetivamente, solicitar informações ou fornecer garantias no que respeita às condições concretas e precisas em que a pessoa em causa ficará detida no Estado‑Membro de emissão.

111    A garantia fornecida pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão de que a pessoa em causa não sofrerá tratamentos desumanos ou degradantes devido às condições concretas e precisas de detenção seja qual for o estabelecimento prisional onde ficará encarcerada no Estado‑Membro de emissão é um elemento que a autoridade judiciária de execução não pode ignorar. Com efeito, como o advogado‑geral referiu no n.o 64 das suas conclusões, a violação desse compromisso, que vincula o seu autor, poderá ser invocada contra ele perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão.

112    Quando essa garantia é dada ou, pelo menos, aprovada pela autoridade judiciária de emissão, eventualmente após ter sido requerida a intervenção da autoridade central ou de uma das autoridades centrais do Estado‑Membro de emissão na aceção do artigo 7.o da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de execução, tendo em atenção a confiança recíproca que deve existir entre as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros, e na qual se funda o sistema do mandado de detenção europeu, deve nela confiar, pelo menos desde que não existam elementos precisos que permitam pensar que as condições de detenção num determinado centro de detenção são contrárias ao artigo 4.o da Carta.

113    No presente caso, a garantia dada pelo Ministério da Justiça húngaro em 20 de setembro de 2017, e reiterada em 27 de março de 2018, de que a pessoa em causa não será sujeita a qualquer tratamento desumano ou degradante devido às suas condições de detenção na Hungria não foi, no entanto, nem dada nem aprovada pela autoridade judiciária de emissão, o que o Governo húngaro expressamente confirmou na audiência.

114    Dado que não emana de uma autoridade judiciária, a garantia que esse compromisso representa deve ser determinada por meio de uma apreciação global do conjunto dos elementos que se encontram ao dispor da autoridade judiciária de execução.

115    Ora, a este respeito, cabe observar que a garantia dada pelo Ministério da Justiça húngaro parece ser corroborada pelas informações de que dispõe o Ministério Público de Bremen. Com efeito, em resposta às questões do Tribunal de Justiça, o referido ministério público afirmou, na audiência, que esses elementos, que resultam, em especial, da experiência adquirida nos processos de entrega que decorreram antes da prolação do Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198), lhe permitem considerar que as condições de detenção no estabelecimento prisional de Budapeste, pelo qual transitam todas as pessoas sobre as quais recai um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades húngaras, não são contrárias ao artigo 4.o da Carta.

116    Nestas condições, a entrega da pessoa em causa às autoridades húngaras parece ser possível de efetuar no respeito do disposto no artigo 4.o da Carta, o que, no entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

117    Atento o conjunto das considerações que precede, há que responder às questões colocadas que o artigo 1.o, n.o 3, o artigo 5.o e o artigo 6.o, n.o 1, da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que, quando a autoridade judiciária de execução dispõe de provas de que nos estabelecimentos prisionais do Estado‑Membro de emissão existem condições de detenção deficientes, sistémicas ou generalizadas, cuja exatidão cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todos os dados atualizados disponíveis:

–        a autoridade judiciária de execução não pode afastar a existência de um risco real de a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade ser objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, pelo simples facto de essa pessoa dispor, no Estado‑Membro de emissão, de uma via de recurso que lhe permite contestar as suas condições de detenção, embora a existência dessa via de recurso possa ser tida em conta pela referida autoridade para decidir da entrega da pessoa em causa;

–        a autoridade judiciária de execução apenas é obrigada a apreciar as condições de detenção existentes nos estabelecimentos prisionais onde provavelmente, de acordo com as informações de que dispõe, a referida pessoa ficará detida, ainda que a título temporário ou transitório;

–        a autoridade judiciária de execução apenas deve verificar, para esse efeito, as condições de detenção, concretas e precisas, da pessoa em causa que sejam pertinentes para determinar se corre um risco real de sofrer tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta;

–        a autoridade judiciária de execução pode atender a informações fornecidas por autoridades do Estado‑Membro de emissão diversas da autoridade judiciária de emissão, como, em especial, a garantia de que a pessoa em causa não será objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta.

 Quanto às despesas

118    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 1.o, n.o 3, o artigo 5.o e o artigo 6.o, n.o 1, da DecisãoQuadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os EstadosMembros, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, devem ser interpretados no sentido de que, quando a autoridade judiciária de execução dispõe de provas de que nos estabelecimentos prisionais do EstadoMembro de emissão existem condições de detenção deficientes, sistémicas ou generalizadas, cuja exatidão cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todos os dados atualizados disponíveis:

–        a autoridade judiciária de execução não pode afastar a existência de um risco real de a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade ser objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Cartados Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo simples facto de essa pessoa dispor, no EstadoMembro de emissão, de uma via de recurso que lhe permite contestar as suas condições de detenção, embora a existência dessa via de recurso possa ser tida em conta pela referida autoridade para decidir da entrega da pessoa em causa;

–        a autoridade judiciária de execução apenas é obrigada a apreciar as condições de detenção existentes nos estabelecimentos prisionais onde provavelmente, de acordo com as informações de que dispõe, a referida pessoa ficará detida, ainda que a título temporário ou transitório;

–        a autoridade judiciária de execução apenas deve verificar, para esse efeito, as condições de detenção, concretas e precisas, da pessoa em causa que sejam pertinentes para determinar se corre um risco real de sofrer tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais;

–        a autoridade judiciária de execução pode atender a informações fornecidas por autoridades do EstadoMembro de emissão diversas da autoridade judiciária de emissão, como, em especial, a garantia de que a pessoa em causa não será objeto de um tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.