Language of document : ECLI:EU:T:2016:496

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

15 de setembro de 2016 (*)

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na Ucrânia — Congelamento de fundos — Lista de pessoas, entidades e organismos aos quais se aplica o congelamento dos fundos e dos recursos económicos — Inclusão do nome do recorrente — Direitos de defesa — Dever de fundamentação — Base legal — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Desrespeito dos critérios de inclusão na lista — Erro manifesto de apreciação — Direito de propriedade — Direito ao bom nome»

No processo T‑340/14,

Andriy Klyuyev, residente em Donetsk (Ucrânia), representado por B. Kennelly, J. Pobjoy, barristers, R. Gherson e T. Garner, solicitors,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por Á. de Elera‑San Miguel Hurtado e J.‑P. Hix, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por

Comissão Europeia, representada por D. Gauci e T. Scharf, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.° TFUE e destinado à anulação, por um lado, da Decisão 2014/119/PESC do Conselho, de 5 de março de 2014, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia (JO 2014, L 66, p. 26), e do Regulamento (UE) n.° 208/2014 do Conselho, de 5 de março de 2014, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia (JO 2014, L 66, p. 1), e, por outro, da Decisão (PESC) 2015/364 do Conselho, de 5 de março de 2015, que altera a Decisão 2014/119 (JO 2015, L 62, p. 25), e do Regulamento de Execução (UE) 2015/357 do Conselho, de 5 de março de 2015, que dá execução ao Regulamento (UE) n.° 208/2014 (JO 2015, L 62, p. 1), na medida em que o nome do recorrente foi incluído ou mantido na lista das pessoas, entidades e organismos a quem se aplicam essas medidas restritivas e, a título subsidiário, um pedido destinado a obter uma declaração de inaplicabilidade ao recorrente do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2015/143 do Conselho, de 29 de janeiro de 2015 (JO 2015, L 24, p. 16), e do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 208/2014, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/138 do Conselho, de 29 de janeiro de 2015 (JO 2015, L 24, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: G. Berardis (relator), presidente, O. Czúcz, I. Pelikánová, A. Popescu e E. Buttigieg, juízes,

secretário: G. Predonzani, administradora,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 27 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, Andriy Klyuyev, é o antigo Chefe do Gabinete da Presidência da Ucrânia.

2        O presente processo inscreve‑se no âmbito das medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na Ucrânia na sequência da repressão das manifestações na Praça da Independência em Kiev (Ucrânia) em fevereiro de 2014.

3        Em 5 de março de 2014, o Conselho da União Europeia adotou, com base no artigo 29.° TUE, a Decisão 2014/119/PESC, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia (JO 2014, L 66, p. 26). Na mesma data, o Conselho adotou, com fundamento no artigo 215.°, n.° 2, TFUE, o Regulamento (UE) n.° 208/2014, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia (JO 2014, L 66, p. 1).

4        O considerando 2 da Decisão 2014/119 precisa:

«Em 3 de março de 2014, o Conselho acordou em fazer incidir as medidas restritivas no congelamento e recuperação de ativos de pessoas identificadas como responsáveis pelo desvio de fundos públicos ucranianos e de pessoas responsáveis por violações de direitos humanos, tendo em vista consolidar e apoiar o Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos na Ucrânia.» 

5        O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Decisão 2014/119 dispõe:

«1. São congelados todos os fundos e recursos económicos pertencentes, na posse ou que se encontrem à disposição ou sob controlo de pessoas que tenham sido identificadas como responsáveis por desvios de fundos públicos ucranianos e de pessoas responsáveis por violações de direitos humanos na Ucrânia, e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados, enumerados no anexo.

2. É proibido colocar, direta ou indiretamente, fundos ou recursos económicos à disposição das pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo, ou disponibilizá‑los em seu benefício.»

6        As modalidades deste congelamento de fundos são definidas nos números seguintes do mesmo artigo.

7        Em conformidade com a Decisão 2014/119, o Regulamento n.° 208/2014 impõe a adoção das medidas de congelamento de fundos e define as modalidades desse congelamento em termos idênticos, em substância, às da referida decisão.

8        Os nomes das pessoas visadas pela Decisão 2014/119 e pelo Regulamento n.° 208/2014 (a seguir, conjuntamente, «atos de março de 2014») aparecem na lista, idêntica, que consta do anexo da Decisão 2014/119 e do Anexo I do Regulamento n.° 208/2014 (a seguir «lista») com, nomeadamente, a motivação da sua inclusão.

9        O nome do recorrente foi inscrito na lista com os dados de identificação «antigo Chefe do Gabinete da Presidência da Ucrânia» e a seguinte justificação:

«Sujeito a ação penal na Ucrânia para investigação de crimes relacionados com a expoliação de fundos do Estado ucraniano e a sua transferência ilegal para fora do país.»

10      Em 6 de março de 2014, o Conselho publicou no Jornal Oficial da União Europeia o aviso à atenção das pessoas a quem se aplicam as medidas restritivas previstas pelos atos de março de 2014 (JO 2014, C 66, p. 1). Segundo este aviso, «[e]stas pessoas podem enviar ao Conselho um requerimento, acompanhado de documentação justificativa, para que seja reapreciada a decisão de as incluir na lista […]».

11      Através de troca de correspondência durante o ano de 2014, o recorrente contestou o mérito da inclusão do seu nome na lista e pediu ao Conselho que procedesse a uma reapreciação. Pediu igualmente para aceder às informações e às provas subjacentes à referida inclusão.

12      O Conselho respondeu ao pedido de reapreciação do recorrente. Manteve que, em seu entender, as medidas restritivas adotadas contra o recorrente ainda se justificavam pelas razões expostas na fundamentação dos atos de março de 2014. Quanto ao pedido de acesso ao processo do recorrente, o Conselho enviou‑lhe vários documentos do mesmo, entre os quais documentos das autoridades ucranianas de 3 de março de 2014 (a seguir «carta de 3 de março de 2014»), de 8 de julho de 2014 e de 10 de outubro de 2014 (a seguir «carta de 10 de outubro de 2014»).

13      Em 29 de janeiro de 2015, o Conselho adotou a Decisão (PESC) 2015/143, que altera a Decisão 2014/119 (JO 2015, L 24, p. 16), e o Regulamento (UE) 2015/138, que altera o Regulamento n.° 208/2014 (JO 2015, L 24, p. 1) (a seguir, conjuntamente, «atos de janeiro de 2015»).

14      A Decisão 2015/143 precisou, a partir de 31 de janeiro de 2015, os critérios de designação das pessoas visadas pelo congelamento de fundos. Em particular, o artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119 foi substituído pelo seguinte texto:

«1. São congelados todos os fundos e recursos económicos pertencentes, na posse ou que se encontrem à disposição ou sob controlo de pessoas identificadas como responsáveis por desvios de fundos estatais ucranianos e de pessoas responsáveis por violações de direitos humanos na Ucrânia, e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados, enumerados no anexo.

Para efeitos da presente decisão, as pessoas identificadas como responsáveis por desvios de fundos estatais ucranianos incluem as pessoas sujeitas a inquérito pelas autoridades ucranianas:

a)      por desvios de fundos ou ativos públicos ucranianos, ou por serem cúmplices nesses desvios; ou

b)      por abuso de poder por parte de titular de cargo público para obter, para si ou para outrem, vantagem injustificada, lesando desse modo os fundos ou ativos públicos ucranianos, ou por serem cúmplices nesse abuso.»

15      O Regulamento 2015/138 alterou o Regulamento n.° 208/2014 em conformidade com a Decisão 2015/143.

16      Por carta de 2 de fevereiro de 2015, o Conselho informou o recorrente da sua intenção de manter as medidas restritivas a seu respeito e enviou‑lhe um documento das autoridades ucranianas de 30 de dezembro de 2014 (a seguir «carta de 30 de dezembro de 2014»), informando‑o da possibilidade de apresentar observações. Por carta de 17 de fevereiro de 2015, o recorrente convidou o Conselho a rever a sua posição e a fornecer‑lhe os outros eventuais elementos que a justificavam.

17      Em 5 de março de 2015, o Conselho adotou a Decisão (PESC) 2015/364, que altera a Decisão 2014/119 (JO 2015, L 62, p. 25), e o Regulamento de Execução (UE) 2015/357, que dá execução ao Regulamento (UE) n.° 208/2014 (JO 2015, L 62, p. 1) (a seguir, conjuntamente, «atos de março de 2015»).

18      A Decisão 2015/364 alterou o artigo 5.° da Decisão 2014/119, prorrogando as medidas restritivas, no que respeita ao recorrente, até 6 de março de 2016. Por conseguinte, a Decisão 2015/364 e o Regulamento de Execução 2015/357 substituíram a lista.

19      Na sequência dessas alterações, o nome do recorrente foi mantido na lista com os dados de identificação «antigo Chefe do Gabinete da Presidência da Ucrânia» e a nova justificação que segue:

«Sujeito a ação penal pelas autoridades ucranianas por desvio de fundos ou ativos públicos ucranianos em ligação com o desvio de poder por um titular de cargo público a fim de obter benefício ilegítimo para si ou para terceiros, lesando desse modo os fundos ou ativos públicos ucranianos.»

20      A Decisão 2014/119 e o Regulamento n.° 208/2014 foram alterados, pela última vez, respetivamente, pela Decisão (PESC) 2016/318 do Conselho, de 4 de março de 2016, que altera a Decisão 2014/119 (JO 2016, L 60, p. 76), e pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/311 do Conselho, de 4 de março de 2016, que dá execução ao Regulamento n.° 208/2014 (JO 2016, L 60, p. 1).

21      A Decisão 2016/318 alterou o artigo 5.° da Decisão 2014/119, prorrogando as medidas restritivas, no que respeita ao recorrente, até 6 de março de 2017.

 Tramitação processual e pedidos das partes

22      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de maio de 2014, o recorrente interpôs o presente recurso.

23      Em 12 de agosto de 2014, o Conselho apresentou a sua contestação. No mesmo dia, apresentou um pedido de tratamento confidencial destinado a que o conteúdo de um anexo não fosse citado nos documentos relativos a este processo a que o público tem acesso.

24      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de setembro de 2014, a Comissão Europeia pediu para intervir no presente processo em apoio do Conselho. Por despacho de 6 de novembro de 2014, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. Por requerimento apresentado em 17 de dezembro de 2014, a Comissão renunciou à apresentação das alegações de interveniente.

25      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de setembro de 2014, a Ucrânia pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Conselho. Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de dezembro de 2014, a Ucrânia informou o Tribunal Geral de que desistia da sua intervenção. Por despacho de 11 de março de 2015, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral declarou o cancelamento no registo da Ucrânia como interveniente.

26      A réplica e a tréplica foram apresentadas, respetivamente, pelo recorrente, em 31 de outubro de 2014, e pelo Conselho, em 18 de dezembro de 2014. No mesmo dia, o Conselho apresentou um pedido de tratamento confidencial destinado a que o conteúdo de um anexo não fosse citado nos documentos relativos a este processo a que o público tem acesso.

27      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de maio de 2015, o recorrente adaptou os seus pedidos, solicitando igualmente a anulação da Decisão 2015/364 e do Regulamento de Execução 2015/357, na parte em que estes atos lhe dizem respeito. O Conselho apresentou as suas observações no prazo estabelecido. Em 14 de setembro de 2015, apresentou também um pedido de tratamento confidencial destinado a que o conteúdo de certos anexos não fosse citado nos documentos relativos a este processo a que o público tem acesso.

28      Mediante proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.° do seu Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

29      Mediante proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

30      Na audiência de 27 de abril de 2016, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

31      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular, em primeiro lugar, a Decisão 2014/119 e o Regulamento n.° 208/2014 e, em segundo, a Decisão 2015/364 e o Regulamento de Execução 2015/357, na medida em que lhe dizem respeito;

–        a título subsidiário, declarar que lhe é inaplicável o artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119, conforme alterado pela Decisão 2015/143, e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 208/2014, conforme alterado pelo Regulamento 2015/138;

–        condenar o Conselho nas despesas.

32      O Conselho, apoiado pela Comissão, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        a título subsidiário, em caso de anulação parcial dos atos de março de 2014, ordenar a manutenção dos efeitos, relativamente ao recorrente, da Decisão 2014/119 até à produção de efeitos da anulação parcial do Regulamento n.° 208/2014 e, em caso de anulação parcial dos atos de março de 2015, ordenar a manutenção dos efeitos, relativamente ao recorrente, da Decisão 2014/119, conforme alterada, até à produção de efeitos da anulação parcial do Regulamento n.° 208/2014, conforme alterado pelo Regulamento de Execução 2015/357;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto aos pedidos de anulação dos atos de março de 2014, na sua formulação inicial, na medida em que respeitam ao recorrente

33      Em apoio do seu recurso destinado à anulação dos atos de março de 2014 na sua formulação inicial, o recorrente invoca seis fundamentos. O primeiro é relativo à falta de base legal. O segundo refere‑se a uma violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva. O terceiro é relativo à falta de fundamentação. O quarto é relativo à violação dos direitos de propriedade e ao bom nome. O quinto é relativo a um erro de facto e a um erro manifesto de apreciação. O sexto é relativo à falta de elementos de prova.

34      Através do quinto e sexto fundamentos, que há que analisar em primeiro lugar, o recorrente alega, em substância, que a decisão de lhe impor medidas restritivas não foi tomada com base num fundamento de facto suficientemente sólido e que o Conselho cometeu, portanto, um erro manifesto na sua apreciação.

35      O Conselho alega que a carta de 3 de março de 2014 indicava que estava em curso um inquérito sobre a participação do recorrente no desvio de avultados fundos públicos e sua posterior transferência ilegal para fora do território ucraniano, o que correspondia à fundamentação constante dos atos de março de 2014. Além disso, o documento de 8 de julho de 2014 (v. n.° 12, supra) confirma que tinha sido aberto na Ucrânia um inquérito preparatório relativamente ao recorrente, que era suspeito, nomeadamente, de desvio de fundos públicos de montantes avultados.

36      Importa recordar que, embora o Conselho disponha de um amplo poder de apreciação no que respeita aos critérios gerais a tomar em consideração na adoção de medidas restritivas, a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia exige que, ao abrigo da fiscalização da legalidade dos motivos em que se baseia a decisão de incluir o nome de uma determinada pessoa na lista das pessoas objeto de medidas restritivas, o juiz da União Europeia se assegure que esta decisão, que reveste um alcance individual para esta pessoa, assente numa base factual suficientemente sólida. Isso implica uma verificação dos factos alegados na exposição de motivos subjacentes à referida decisão, pelo que a fiscalização jurisdicional não se limita à apreciação da probabilidade abstrata dos motivos invocados, antes tendo por objeto a questão de saber se estes motivos, ou pelo menos um deles, considerado, por si só, suficiente para fundamentar esta mesma decisão, têm fundamento suficientemente preciso e concreto (v., neste sentido, acórdão de 21 de abril de 2015, Anbouba/Conselho, C‑605/13 P, EU:C:2015:248, n.os 41 e 45 e jurisprudência referida).

37      No caso em apreço, o critério previsto no artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119 dispõe que sejam adotadas medidas restritivas em relação às pessoas que tenham sido identificadas como sendo responsáveis por factos constitutivos de desvio de fundos públicos. Além disso, resulta do considerando 2 da referida decisão que o Conselho adotou essas medidas «tendo em vista consolidar e apoiar o Estado de direito [...] na Ucrânia».

38      O nome do recorrente foi incluído na lista por ser uma pessoa «sujeit[a] a ação penal na Ucrânia para investigação de crimes relacionados com a espoliação de fundos do Estado ucraniano e a sua transferência ilegal para fora do país».

39      Em apoio da justificação da inclusão do recorrente na lista, o Conselho invoca a carta de 3 de março de 2014. A primeira parte dessa carta precisa que os «serviços repressivos ucranianos» deram início a vários processos penais para investigar crimes cometidos por antigos altos funcionários, entre os quais figura o recorrente. A carta precisa posteriormente, de modo geral, que o inquérito em questão «permitiu apurar o desvio de fundos públicos de montantes avultados e a transferência ilegal posterior desses fundos para fora do território da Ucrânia».

40      Não é contestado que foi apenas nesta base que o recorrente foi identificado «como responsáve[l] por desvios de fundos públicos ucranianos» na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119. Com efeito, a carta de 3 de março de 2014 é, entre os elementos de prova apresentados pelo Conselho no decurso da presente instância, o único que é anterior aos atos de março de 2014 e, logo, a legalidade dos referidos atos deve ser apreciada apenas à luz deste elemento de prova.

41      Há que considerar que, embora provenha de uma alta autoridade judiciária de um país terceiro, a referida carta contém apenas uma afirmação geral e vaga que liga o nome do recorrente, entre os de outros antigos altos funcionários, a um inquérito que, em substância, terá demonstrado factos constitutivos de desvio de fundos públicos. A carta não fornece qualquer precisão sobre a demonstração dos factos que o inquérito conduzido pelas autoridades ucranianas estava a verificar e, ainda menos, sobre a responsabilidade individual, mesmo que presumida, do recorrente relativamente aos mesmos (v., neste sentido, acórdão de 28 de janeiro de 2016, Azarov/Conselho, T‑332/14, não publicado, EU:T:2016:48, n.° 46; v. também, por analogia, acórdão de 26 de outubro de 2015, Portnov/Conselho, T‑290/14, EU:T:2015:806, n.os 43 e 44).

42      Importa ainda salientar que, contrariamente ao processo que deu lugar ao acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho (T‑256/11, EU:T:2014:93, n.os 57 a 61), confirmado em sede de recurso pelo acórdão de 5 de março de 2015, Ezz e o./Conselho (C‑220/14 P, EU:C:2015:147), invocados pelo Conselho, no caso em apreço, por um lado, este não dispunha de informações relativas aos factos ou aos comportamentos especificamente imputados ao recorrente pelas autoridades ucranianas e, por outro, a carta de 3 de março de 2014, mesmo sendo analisada no contexto em que se insere, não pode constituir uma base factual suficientemente sólida, na aceção da jurisprudência citada no n.° 36, supra, para incluir o nome do recorrente na lista por ter sido identificado «como responsáve[l]» por desvios de fundos públicos (v., neste sentido, acórdão de 26 de outubro de 2015, Portnov/Conselho, T‑290/14, EU:T:2015:806, n.os 46 a 48).

43      Independentemente da fase em que se encontrava o processo do qual o recorrente era supostamente objeto, o Conselho não podia adotar medidas restritivas a seu respeito sem conhecer os factos constitutivos de desvio de fundos públicos que lhe eram especificamente imputados pelas autoridades ucranianas. Com efeito, só tendo conhecimento destes factos é que o Conselho poderia demonstrar que eram suscetíveis, por um lado, de ser qualificados de desvio de fundos públicos e, por outro, de pôr em causa o Estado de direito na Ucrânia, cuja consolidação e apoio constituem, como foi acima recordado no n.° 37, o objetivo prosseguido pela adoção das medidas restritivas em causa (acórdãos de 28 de janeiro de 2016, Klyuyev/Conselho, T‑341/14, EU:T:2016:47, n.° 50, e de 28 de janeiro de 2016, Azarov/Conselho, T‑331/14, EU:T:2016:49, n.° 55).

44      Além disso, é à autoridade competente da União que incumbe, em caso de contestação, demonstrar o mérito dos motivos invocados contra a pessoa em causa, e não a esta última apresentar a prova negativa de que os referidos motivos não têm fundamento (acórdãos de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.os 120 e 121, e de 28 de novembro de 2013, Conselho/Fulmen e Mahmoudian, C‑280/12 P, EU:C:2013:518, n.os 65 e 66).

45      Perante todo o exposto, há que concluir que a inclusão do nome do recorrente na lista não se apoia numa base factual suficiente para garantir o respeito dos critérios de designação das pessoas visadas pelas medidas restritivas em causa fixados pela Decisão 2014/119.

46      Além disso, importa observar que esta ilegalidade perdurou até à entrada em vigor dos atos de março de 2015, que substituíram a lista e alteraram a justificação da inclusão do recorrente.

47      À luz desta conclusão, não há que apreciar o argumento do recorrente destinado a que a inclusão do seu nome pelos atos de março de 2014 seja declarada ilegal relativamente ao período de 31 de janeiro a 6 de março de 2015, ou seja, a partir da entrada em vigor dos atos de janeiro de 2015 e até à entrada em vigor dos atos de março de 2015. Com efeito, dada a anulação dos atos de março de 2014, na parte em que se referem ao recorrente, este não é suposto ter estado sujeito às medidas restritivas durante esse período.

48      Por conseguinte, há que acolher o quinto e sexto fundamentos, conjuntamente, e anular a Decisão 2014/119 na sua formulação inicial, na medida em que se refira ao recorrente, sem que seja necessário apreciar os outros fundamentos.

49      Há também que anular, na medida em que diga respeito ao recorrente, o Regulamento n.° 208/2014, na sua formulação inicial, que, nos termos do artigo 215.°, n.° 2, TFUE, pressupõe uma decisão adotada em conformidade com o capítulo 2 do título V do Tratado UE, como consequência da anulação da Decisão 2014/119.

 Quanto aos pedidos de anulação dos atos de março de 2014, conforme alterados pelos atos de janeiro e março de 2015, na medida em que respeitam ao recorrente

50      Através do seu articulado de adaptação dos pedidos, o recorrente pediu para estender o alcance do seu recurso a fim de abranger a anulação dos atos de março de 2015, na medida em que lhe digam respeito.

51      Em apoio do seu pedido de anulação dos atos de março de 2014, conforme alterados pelos atos de janeiro e de março de 2015, o recorrente invoca sete fundamentos. O primeiro é relativo à falta de base legal. O segundo fundamento é relativo à violação dos critérios de inclusão. O terceiro é relativo à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva. O quarto é relativo à falta de fundamentação. O quinto é relativo à violação dos direitos de propriedade e ao bom nome. O sexto é relativo a um erro manifesto de apreciação e o sétimo à ilegalidade dos critérios de inclusão.

52      Importa analisar, antes de mais, o terceiro fundamento, depois, o quarto fundamento, a seguir, o primeiro e sétimo fundamentos, em conjunto, posteriormente, o segundo e sexto fundamentos, conjuntamente e, por último, o quinto fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

53      Com o terceiro fundamento, o recorrente afirma que os seus direitos de defesa e o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva foram violados, não tendo o Conselho, por um lado, fornecido elementos de prova e informações em apoio da sua designação nem, por outro, analisado, com diligência e imparcialidade, as alegações relativas à sua designação à luz das observações formuladas pelo recorrente na sua carta de 17 de fevereiro de 2015.

54      O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos do recorrente.

55      Antes de mais, há que recordar que o respeito dos direitos de defesa, que é consagrado no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais, a que o Tratado UE reconhece o mesmo valor jurídico dos Tratados, contém o direito a ser ouvido e o direito a ter acesso ao processo, enquanto o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, que é afirmado no artigo 47.° da referida Carta, exige que o interessado possa conhecer os fundamentos em que se baseia a decisão tomada a seu respeito (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.os 98 a 100).

56      De onde resulta que, no âmbito da adoção de uma decisão que mantém a inclusão do nome de uma pessoa, de uma entidade ou de um organismo numa lista de pessoas, entidades ou organismos objeto de medidas restritivas, o Conselho deve respeitar o direito dessa pessoa, dessa entidade ou desse organismo a ser previamente ouvido quando lhe imputa, na decisão que mantém a inclusão na lista, novos elementos, ou seja, elementos que não constavam na decisão inicial de inclusão nessa lista (acórdão de 4 de junho de 2014, Sina Bank/Conselho, T‑67/12, não publicado, EU:T:2014:348, n.° 68 e jurisprudência referida; v., neste sentido, acórdão de 21 de dezembro de 2011, França/People's Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.° 62).

57      No caso em apreço, há que salientar que a manutenção do nome do recorrente na lista na sequência dos atos de março de 2015 se baseia na carta de 30 de dezembro de 2014.

58      A este respeito, importa também recordar que, antes de adotar a decisão de manter o nome do recorrente na lista, o Conselho comunicou‑lhe a carta de 30 de dezembro de 2014 (v. n.° 16, supra). Além disso, por carta de 2 de fevereiro de 2015, o Conselho informou o recorrente da sua intenção de manter as medidas restritivas a seu respeito, informando‑o da possibilidade de apresentar observações (v. n.° 16, supra).

59      De onde resulta que o recorrente teve acesso às informações e aos elementos de prova que levaram o Conselho a manter as medidas restritivas a seu respeito e pôde formular, em tempo útil, observações (v. n.° 16, supra).

60      Por outro lado, o recorrente não demonstrou que as dificuldades alegadas relativas às informações recebidas e ao prazo para responder às alegações do Conselho o impediram de adaptar os seus pedidos em tempo útil ou de desenvolver argumentos para a sua defesa.

61      Resulta do exposto que a comunicação dos elementos de prova durante o decurso do processo foi suficiente para garantir o exercício dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva do recorrente.

62      Importa, portanto, julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

63      Com o seu quarto fundamento, o recorrente afirma, em primeiro lugar, que a fundamentação da manutenção do seu nome na lista não precisa a natureza ou o objeto desse processo penal, nem em que é que respeita a um desvio de fundos ou ativos públicos ou a um abuso de poder na qualidade de titular de um cargo público; em segundo lugar, que através da referida fundamentação o Conselho se limita a retomar a redação dos critérios de designação enunciados na decisão e no regulamento; em terceiro lugar, que nem a carta do Conselho de 2 de fevereiro de 2015, nem a carta de 30 de dezembro de 2014, nem a do Conselho de 6 de março de 2015 podem corrigir essa falta; e, em quarto lugar, que a falta de fundamentação é particularmente grave tendo em conta as acusações feitas pelo recorrente durante a instância, o prazo considerável de que dispunha o Conselho desde a inclusão inicial do nome do recorrente para formular justificações e a ausência total de urgência ou de risco de delapidação dos ativos, estando estes já congelados.

64      O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos do recorrente.

65      A título liminar, há que recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE e pelo artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais deve ser adaptada à natureza do ato impugnado e ao contexto em que o mesmo foi adotado. Deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir ao interessado conhecer as justificações da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço (v. acórdão de 14 de abril de 2016, Ben Ali/Conselho, T‑200/14, não publicado, EU:T:2016:216, n.° 94 e jurisprudência referida).

66      Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato respeita as exigências do artigo 296.° TFUE e do artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais deve ser apreciada à luz não apenas da sua redação, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Assim, por um lado, um ato lesivo está suficientemente fundamentado quando tenha ocorrido num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adotada a seu respeito. Por outro lado, o grau de precisão da fundamentação de um ato deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou temporais nas quais deve ser tomada (v. acórdão de 14 de abril de 2016, Ben Ali/Conselho, T‑200/14, não publicado, EU:T:2016:216, n.° 95 e jurisprudência referida).

67      Em particular, a fundamentação de uma medida de congelamento de fundos não pode, em princípio, consistir apenas numa formulação geral e estereotipada. Com as reservas enunciadas no n.° 66 supra, tal medida deve, pelo contrário, indicar as razões específicas e concretas pelas quais o Conselho considera que a regulamentação pertinente é aplicável ao interessado (v. acórdão de 14 de abril de 2016, Ben Ali/Conselho, T‑200/14, não publicado, EU:T:2016:216, n.° 96 e jurisprudência referida).

68      No caso em apreço, por um lado, há que salientar que, à semelhança da justificação da inclusão inicial, a justificação, conforme alterada pelos atos de março de 2015 (v. n.° 19, supra), enuncia os elementos que constituem o fundamento da inclusão do nome do recorrente, ou seja, em substância, a circunstância de ser objeto de um processo penal instaurado pelas autoridades ucranianas por desvio de fundos ou de ativos públicos.

69      Além disso, a manutenção das medidas relativas ao recorrente verificou‑se num contexto dele conhecido, uma vez que tinha tido conhecimento, aquando das trocas de correspondência verificadas no decurso da presente instância, da carta de 30 de dezembro de 2014, na qual o Conselho baseou a manutenção das medidas restritivas a seu respeito, e onde fornecia precisões relativas à inscrição do seu nome da lista (v., neste sentido, acórdãos de 15 de novembro de 2012, Conselho/Bamba, C‑417/11 P, EU:C:2012:718, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida, e de 6 de setembro de 2013, Bank Melli Iran/Conselho, T‑35/10 e T‑7/11, EU:T:2013:397, n.° 88), nomeadamente uma descrição circunstanciada dos factos que lhe eram imputados.

70      Por outro lado, quanto ao caráter alegadamente estereotipado da justificação da inclusão, há que observar que, embora as considerações constantes dessa justificação sejam as mesmas com base nas quais as outras pessoas singulares referidas na lista foram sujeitas a medidas restritivas, visam, todavia, descrever a situação concreta do recorrente que, ao mesmo título que as outras pessoas, foi, segundo o Conselho, objeto de ações judiciais relacionadas com investigações relativas aos desvios de fundos públicos na Ucrânia (v., neste sentido, acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho, T‑256/11, EU:T:2014:93, n.° 115).

71      À luz de todo o exposto, há que concluir que os atos de março de 2014, conforme alterados pelos atos de janeiro e de março de 2015, enunciam de forma juridicamente bastante os elementos de direito e de facto que constituem, segundo o seu autor, o seu fundamento.

72      Importa, portanto, julgar improcedente o quarto fundamento.

 Quanto ao primeiro e sétimo fundamentos, relativos à falta de base legal e a uma exceção de ilegalidade do critério de inclusão

73      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente afirma que o artigo 29.° TUE não era uma base jurídica adequada para a adoção da decisão, uma vez que o Conselho não demonstrou que tinha lesado o Estado de direito ou os direitos do homem na Ucrânia. Pelo contrário, o recorrente facilitou a pacificação entre as partes em conflito no decurso dos acontecimentos de fevereiro de 2014 em Kiev e assumiu a responsabilidade pelas negociações sobre o acordo de associação entre a Ucrânia e a União.

74      Além disso, as evoluções recentes na Ucrânia, no que respeita à falta de garantia ao recorrente de um processo equitativo e ao desrespeito dos direitos fundamentais de uma maneira mais geral, confirmam que o novo regime na Ucrânia lesa ele próprio a democracia e o Estado de direito, e viola de forma flagrante e sistemática os direitos do Homem.

75      Resulta, por fim, da ilegalidade da Decisão 2014/119 que não existe nenhum fundamento que permita adotar um regulamento a título do artigo 215.° TFUE.

76      Com o seu sétimo fundamento, formulado, em substância, em apoio do segundo pedido, o recorrente suscita uma exceção de ilegalidade e afirma que se o critério de inclusão devesse ser interpretado de forma ampla, para ter em conta todos os inquéritos das autoridades ucranianas, independentemente da questão de saber se são fundamentados, fiscalizados ou enquadrados por uma decisão ou um processo judicial, ou todos os abusos de poder na qualidade de titular de cargo público com a finalidade de obter um benefício injustificado, independentemente da questão se saber se existe um alegação de desvio de fundos públicos, tal critério seria arbitrário e desprovido de base jurídica adequada ou desproporcionado aos objetivos dos atos de março de 2014.

77      O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos do recorrente.

78      Há, portanto, que analisar a conformidade do critério de inclusão enunciado no artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119, conforme alterado pela Decisão 2015/143, com os objetivos da política externa e de segurança comum (PESC) e, mais precisamente, com a proporcionalidade do referido critério à luz dos referidos objetivos.

79      Antes de mais, importa lembrar que os objetivos do Tratado UE relativos à PESC são enunciados, nomeadamente, no artigo 21.°, n.° 2, alínea b), TUE, que prevê o seguinte:

«A União define e prossegue políticas comuns e ações e diligencia no sentido de assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais, a fim de: […] Consolidar e apoiar a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e os princípios do direito internacional;».

80      Em seguida, há que lembrar que o considerando 2 da Decisão 2014/119 dispõe o seguinte:

«Em 3 de março de 2014, o Conselho acordou em fazer incidir as medidas restritivas no congelamento e recuperação de ativos de pessoas identificadas como responsáveis pelo desvio de fundos públicos ucranianos e de pessoas responsáveis por violações de direitos humanos, tendo em vista consolidar e apoiar o Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos na Ucrânia.»

81      Nesta base, o critério de inclusão enunciado no artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Decisão 2014/119, conforme alterado pela Decisão 2015/143, é o seguinte:

«São congelados todos os fundos e recursos económicos pertencentes, na posse ou que se encontrem à disposição ou sob controlo de pessoas identificadas como responsáveis por desvios de fundos estatais ucranianos e de pessoas responsáveis por violações de direitos humanos na Ucrânia, e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados, enumerados no anexo.

Para efeitos da presente decisão, as pessoas identificadas como responsáveis por desvios de fundos estatais ucranianos incluem as pessoas sujeitas a inquérito pelas autoridades ucranianas:

a)      Por desvios de fundos ou ativos públicos ucranianos, ou por serem cúmplices nesses desvios […]»

82      Por fim, importa lembrar que a justificação da inclusão do nome do recorrente na lista, na sequência dos atos de março de 2015, é a seguinte:

«Sujeito a ação penal pelas autoridades ucranianas por desvio de fundos ou ativos públicos ucranianos em ligação com o desvio de poder por um titular de cargo público a fim de obter benefício ilegítimo para si ou para terceiros, lesando desse modo os fundos ou ativos públicos ucranianos.»

83      A título liminar, há que observar que, como reconhece o Conselho nos seus articulados, as medidas restritivas relativamente ao recorrente foram adotadas com a única finalidade de consolidar e apoiar o Estado de direito na Ucrânia. Assim sendo, os argumentos do recorrente relativos ao facto de o critério de inclusão enunciado pela Decisão 2014/119 não realizar outros objetivos da PESC são inoperantes.

84      Importa, portanto, verificar se o critério de inscrição previsto pela Decisão 2014/119, conforme alterado pela Decisão 2015/143, destinado a pessoas identificadas como responsáveis pelo desvio de fundos pertencentes ao Estado ucraniano corresponde ao objetivo, invocado pela mesma decisão, de consolidação e de apoio do Estado de direito na Ucrânia.

85      A este respeito, há que lembrar que a jurisprudência desenvolvida a propósito das medidas restritivas relativas à situação na Tunísia e no Egito estabeleceu que objetivos como os mencionados no artigo 21.°, n.° 2, alíneas b) e d), TUE podiam ser alcançados através de um congelamento de ativos cujo âmbito de aplicação era, como no caso em apreço, restringido às pessoas identificadas como responsáveis pelo desvio de fundos públicos e às pessoas, entidades ou organismos a elas associados, ou seja, a pessoas cujos comportamentos podem ter obstado ao bom funcionamento das instituições públicas e dos organismos a elas associados (v., neste sentido, acórdãos de 28 de maio de 2013, Trabelsi e o./Conselho, T‑187/11, EU:T:2013:273, n.° 92; de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho, T‑256/11, EU:T:2014:93, n.° 44; e de 14 de abril de 2016, Ben Ali/Conselho, T‑200/14, não publicado, EU:T:2016:216, n.° 68).

86      No caso em apreço, há que constatar, por um lado, que o critério de inclusão se apoia, no que respeita ao recorrente, em infrações de «desvio de fundos públicos» e, por outro, que o referido critério se inclui num quadro jurídico claramente delimitado pela Decisão 2014/119 e na prossecução do objetivo pertinente do Tratado UE que invoca, enunciado no seu considerando 2, ou seja, o de consolidar e apoiar o Estado de direito na Ucrânia.

87      A este propósito, importa recordar que o respeito pelo Estado de direito é um dos valores primeiros em que assenta a União, como resulta do artigo 2.° TUE e dos preâmbulos do Tratado UE e da Carta dos Direitos Fundamentais. O respeito pelo Estado de direito constitui, além disso, uma condição prévia à adesão à União, por força do artigo 49.° TUE. O conceito de Estado de direito é também consagrado, sob a formulação alternativa de «primado do direito», no preâmbulo da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.

88      A jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assim como os trabalhos do Conselho da Europa, através da Comissão Europeia para a Democracia através do Direito, fornecem uma lista não exaustiva dos princípios e das normas que se podem inscrever no conceito de Estado de direito. Entre eles figuram os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da proibição de arbitrariedade do poder executivo; órgãos jurisdicionais independentes e imparciais; uma fiscalização jurisdicional efetiva, incluindo o respeito pelos direitos fundamentais, e a igualdade perante a lei [v., a este respeito, a lista dos critérios do Estado de direito adotada pela Comissão Europeia para a Democracia através do Direito na sua 106.° Sessão Plenária (Veneza, 11‑12 de março de 2016)]. Além disso, no contexto da ação externa da União, alguns instrumentos jurídicos mencionam, nomeadamente, a luta contra a corrupção enquanto princípio inscrito no conceito de Estado de direito [v., por exemplo, o Regulamento (CE) n.° 1638/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 2006, que estabelece disposições gerais relativas à criação do Instrumento Europeu de Vizinhança e Parceria (JO 2006, L 310, p. 1)].

89      Ora, se não se pode excluir que alguns comportamentos relativos a factos constitutivos de desvio de fundos públicos possam lesar o Estado de direito, não se pode admitir que qualquer ato de desvio de fundos públicos, cometido num país terceiro, justifique uma intervenção da União com a finalidade de consolidar e apoiar o Estado de direito nesse país, no âmbito das suas competências em matéria de PESC. Para que se possa determinar que um desvio de fundos públicos é suscetível de justificar uma ação da União no âmbito da PESC, baseada no objetivo de consolidar e apoiar o Estado de direito, é, pelo menos, necessário que os factos contestados sejam suscetíveis de lesar os fundamentos institucionais e jurídicos do país em causa.

90      Neste contexto, o critério de inclusão só pode ser considerado conforme com a ordem jurídica da União na medida em que seja possível atribuir‑lhe um sentido compatível com as exigências das regras superiores a cujo respeito está sujeito, mais precisamente com o objetivo de consolidar e apoiar o Estado de direito na Ucrânia. Além disso, esta interpretação permite respeitar a ampla margem de apreciação de que o Conselho beneficia para definir os critérios gerais de inclusão, garantindo uma fiscalização, em princípio completa, da legalidade dos atos da União à luz dos direitos fundamentais (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2014, National Iranian Oil Company/Conselho, T‑578/12, não publicado, EU:T:2014:678, n.° 108 e jurisprudência referida, confirmado em sede de recurso pelo acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho, C‑440/14 P, EU:C:2016:128).

91      Assim sendo, o referido critério deve ser interpretado no sentido de que não se destina, de modo abstrato, a qualquer ato que constitua um desvio de fundos públicos, mas sobretudo aos atos de desvio de fundos ou ativos públicos que, tendo em conta o montante ou o tipo de fundos ou ativos desviados ou o contexto em que ocorreram, são, pelo menos, suscetíveis de lesar os fundamentos institucionais e jurídicos da Ucrânia, nomeadamente os princípio da legalidade, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da fiscalização jurisdicional efetiva e da igualdade perante a lei e, em última instância, de lesar o respeito pelo Estado de direito nesse país (v. n.° 89, supra). Assim interpretado, o critério da inclusão é conforme e proporcional aos objetivos pertinentes do Tratado UE.

92      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento do recorrente relativo às evoluções recentes na Ucrânia, no que respeita à falta de garantia ao recorrente de um processo equitativo e ao desrespeito dos seus direitos fundamentais.

93      A este propósito, há que lembrar que a Ucrânia é um Estado‑Membro do Conselho da Europa desde 1995, que ratificou a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e que o novo regime ucraniano foi reconhecido como legítimo pela União e pela comunidade internacional. O Conselho, portanto, não cometeu qualquer erro ao basear‑se em elementos de prova que lhe eram fornecidos por uma alta autoridade judiciária desse país quanto à existência de um processo penal relativo a alegações de desvio de fundos ou ativos públicos contra o recorrente, sem pôr em causa a legalidade e a legitimidade do regime e do sistema judiciais ucranianos.

94      Na verdade, não se pode excluir que, quando o recorrente apresenta elementos suscetíveis de demonstrar que as imputações que lhe são feitas são manifestamente falsas ou distorcidas, incumbe ao Conselho verificar as informações que lhe foram fornecidas e exigir, sendo caso disso, um complemento da informação ou da prova.

95      Todavia, no caso em apreço, o recorrente evoca a inexistência de um verdadeiro processo judicial e, de modo mais geral, suscita dúvidas sobre a legitimidade do novo regime ucraniano e sobre a imparcialidade do sistema judicial ucraniano.

96      Ora, estes elementos não podiam pôr em causa a probabilidade das acusações feitas contra o recorrente, o que é objeto da análise adiante efetuada no âmbito do segundo e sexto fundamentos, nem eram suficientes para demonstrar que a situação particular do recorrente tinha sido afetada pelos problemas que invoca relativos ao sistema judicial ucraniano, no decurso dos processos que lhe dizem respeito e que fundamentaram a adoção de medidas restritivas contra si. Assim sendo, nas circunstâncias do caso em apreço, o Conselho não tinha de proceder a uma verificação suplementar dos elementos de prova que lhe tinham sido fornecidos pelas autoridades ucranianas.

97      De resto, na medida em que a análise da argumentação do recorrente implica que o Tribunal Geral se pronuncie sobre a regularidade da transição do regime ucraniano e analise o mérito das apreciações feitas por diversas instâncias internacionais a este respeito, incluindo as apreciações políticas do Conselho, há que reconhecer que tal análise não é abrangida pelo alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral sobre os atos objeto do presente processo (v., neste sentido, acórdão de 25 de abril de 2013, Gbagbo/Conselho, T‑119/11, EU:T:2013:216, n.° 75).

98      A conclusão enunciada no n.° 91, supra, também não é posta em causa pelo argumento, suscitado sob a forma de exceção de ilegalidade, segundo o qual o critério de inclusão não pode ser interpretado de forma a tomar em conta os inquéritos que não são enquadrados por um processo judicial.

99      A este respeito, importa recordar que, ainda que o juiz da União tenha estabelecido que a identificação de uma pessoa como responsável por uma infração não implicava forçosamente uma condenação por essa infração (v., neste sentido, acórdão de 5 de março de 2015, Ezz e o./Conselho, C‑220/14 P, EU:C:2015:147, n.os 71 e 72), não é menos verdade que cabe à autoridade competente da União, em caso de contestação, demonstrar que os motivos invocados contra a pessoa em causa não têm fundamento, e não a esta última apresentar a prova negativa de que os referidos motivos não têm fundamento (acórdãos de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.os 120 e 121, e de 28 de novembro de 2013, Conselho/Fulmen e Mahmoudian, C‑280/12 P, EU:C:2013:775, n.os 65 e 66).

100    No caso em apreço, o critério de inclusão enunciado pelos atos de março de 2014, conforme alterado pelos atos de janeiro de 2015, permite simplesmente ao Conselho, em conformidade com o acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho (T‑256/11, EU:T:2014:93), ter em conta um inquérito por factos constitutivos de desvio de fundos públicos como elemento que pode justificar, sendo caso disso, a adoção das medidas restritivas, sem prejuízo da circunstância segundo a qual, à luz da jurisprudência referida no n.° 99, supra, e da interpretação do critério da inclusão nos n.os 78 a 91, supra, o simples facto de ser objeto de um inquérito relativo a infrações de desvio de fundos não pode, por si só, justificar a ação do Conselho a título dos artigos 21.° e 29.° TUE.

101    Perante todo o exposto, há que concluir que o critério de inclusão enunciado no artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119 é conforme aos objetivos da PESC, como enunciados no artigo 21.° TUE, na medida em que se destina às pessoas identificadas como responsáveis por um desvio de fundos públicos ucranianos que é suscetível de lesar o Estado de direito na Ucrânia.

102    A mesma conclusão impõe‑se no que respeita aos pedidos destinados à anulação do Regulamento n.° 208/2014. Este aplica uma medida de congelamento de fundos prevista por uma decisão adotada em conformidade com o capítulo 2 do título V do Tratado UE e é, portanto, conforme com o artigo 215.° TFUE, na medida em que existe uma decisão válida na aceção do referido artigo.

103    Devem, portanto, julgar‑se improcedentes o primeiro e o sétimo fundamento.

 Quanto ao segundo e sexto fundamentos, conjuntamente, relativos, respetivamente, ao desrespeito do critério de inclusão na lista e a um erro manifesto de apreciação

104    Com os seus segundo e sexto fundamentos, o recorrente suscita, em substância, dois argumentos.

105    Com o primeiro argumento, relativo ao facto de a inclusão do seu nome na lista não cumprir os critérios de inclusão, o recorrente afirma que, em conformidade com o acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho (T‑256/11, EU:T:2014:93), não podia ser «identificado como responsável» pelas infrações que lhe eram imputadas, porque não era objeto de um processo judicial ou de um inquérito ligado a tal processo judicial.

106    Com o segundo argumento, relativo ao facto de a inclusão do seu nome na lista não ter sido efetuada com um fundamento factual suficientemente sólido, o recorrente alega que o único elemento de prova invocado pelo Conselho em apoio dos atos de março de 2014, conforme alterados, ou seja, a carta de 30 de dezembro de 2014, não constitui uma base factual suficientemente sólida na aceção da jurisprudência pertinente.

107    O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos do recorrente.

108    A título liminar, há que salientar que, a partir de 7 de março de 2015, o recorrente foi objeto das novas medidas restritivas introduzidas pelos atos de março de 2015 com base no critério de inclusão enunciado no artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119 e como «precisado» pelos atos de janeiro de 2015. Com efeito, a Decisão 2015/364 não é um simples ato confirmativo, constituindo uma decisão autónoma, adotada pelo Conselho após uma reapreciação periódica prevista no artigo 5.°, terceiro parágrafo, da Decisão 2014/119.

109    Há, portanto, que analisar a legalidade da inclusão do nome do recorrente na lista, pelos atos de março de 2015, tendo em conta, antes de mais, o critério de inclusão, como precisado pelos atos de janeiro de 2015, em seguida, a justificação e, por fim, os elementos de prova em que se baseia a referida inclusão.

110    Quanto, antes de mais, ao critério de inclusão, há que lembrar que esse critério, conforme alterado pelos atos de janeiro de 2015, prevê que as medidas restritivas em questão se aplicam, nomeadamente, às pessoas «identificadas como responsáveis» de desvio de fundos pertencentes ao Estado ucraniano, o que inclui as pessoas «sujeitas a inquérito pelas autoridades ucranianas» por desvio de fundos ou ativos públicos ucranianos (v. n.° 14, supra). Por outro lado, como foi precisado no âmbito do primeiro fundamento, o referido critério deve ser interpretado no sentido de que não se destina, de forma genérica, a qualquer ato de desvio de fundos públicos, mas sobretudo a um desvio de fundos ou ativos públicos suscetível de lesar o respeito pelo Estado de direito na Ucrânia (v. n.° 91, supra).

111    Quanto, em seguida, à justificação da inclusão do nome do recorrente na lista, importa recordar que, a partir de 7 de março de 2015, o recorrente é incluído na lista com a justificação de estar sujeito a «ação penal pelas autoridades ucranianas por desvio de fundos ou ativos públicos ucranianos em ligação com o desvio de poder por um titular de cargo público a fim de obter benefício ilegítimo para si ou para terceiros, lesando desse modo os fundos ou ativos públicos ucranianos» (v. n.° 19, supra).

112    Quanto, por fim, aos elementos de prova em que se baseia a inclusão do nome do recorrente na lista, há que salientar, como reconhece o Conselho, que a legalidade da justificação da inclusão do nome do recorrente, conforme alterada, deve ser apreciada principalmente à luz da carta de 30 de dezembro de 2014 (v. n.° 16, supra), que dá conta das evoluções verificadas aquando dos diversos inquéritos relativos ao recorrente.

113    Esta carta dá conta, nomeadamente, de um inquérito preliminar no âmbito de um processo penal instaurado contra o recorrente e relativo aos factos constitutivos de desvio de fundos públicos. Este inquérito respeitava, mais particularmente, a um desvio de ações de uma sociedade pública e de fundos públicos.

114    Nestas circunstâncias, em primeiro lugar, há que salientar que esta carta, que constitui o elemento de prova em que o Conselho se baseou para adotar os atos de março de 2015, fornece uma prova suficiente do facto de, na data de adoção dos atos de março de 2015, o recorrente ter sido objeto de processos penais relativos a um desvio de fundos ou de ativos públicos.

115    Em segundo lugar, há portanto que verificar se a manutenção do nome do recorrente na lista na sequência dos atos de março de 2015 devido ao facto de ser objeto de um processo penal por tais infrações preenchia o critério de inclusão, como precisado pelos atos de janeiro de 2015 e como interpretado no âmbito do primeiro fundamento (v. n.° 110, supra).

116    Atendendo às infrações imputadas ao recorrente, de que a carta de 30 de dezembro de 2014 dá conta, por um lado, há que lembrar que a instauração de processos penais contra crimes económicos, como o desvio de fundos públicos, é um meio importante para lutar contra a corrupção e que a luta contra a corrupção constitui, no contexto da ação externa da União, um princípio inscrito no conceito de Estado de direito (v. n.° 88, supra).

117    Por outro lado, há que observar que as infrações imputadas ao recorrente se inserem num contexto mais amplo em que uma parte não despicienda da antiga classe dirigente ucraniana é suspeita de ter cometido graves infrações na gestão dos recursos públicos, ameaçando assim seriamente os fundamentos institucionais e jurídicos do país e lesando, nomeadamente, os princípios da legalidade, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da fiscalização jurisdicional efetiva e da igualdade perante a lei (v. n.os 89 a 91, supra). Isso é ainda mais evidente no caso em apreço, na medida em que se trata de factos alegadamente cometidos pelo antigo Chefe do Gabinete da Presidência da Ucrânia.

118    De onde resulta que, no seu conjunto e tendo em conta as funções exercidas pelo recorrente na antiga classe dirigente ucraniana, as medidas restritivas em questão contribuem, de modo eficaz, para facilitar a instauração de processos penais contra os crimes de desvio de fundos públicos cometidos em detrimento das instituições ucranianas e permitem que seja mais fácil às autoridades ucranianas obter a restituição do fruto desses desvios. Tal permite facilitar, na hipótese de os processos judiciais se afigurarem procedentes, a repressão, através dos meios judiciais, dos alegados atos de corrupção cometidos por membros do antigo regime, contribuindo assim para o apoio do Estado de direito nesse país (v., nesse sentido, a jurisprudência evocada no n.° 85, supra).

119    Além disso, incumbia ao Conselho demonstrar o mérito dos fundamentos invocados contra a pessoa em causa, apoiando‑se numa base factual suficiente, na aceção da jurisprudência referida no n.° 36, supra, independentemente do estado do processo, segundo o Código de Processo Penal ucraniano, e da eventual adoção de medidas cautelares pelas autoridades ucranianas.

120    Na verdade, a instauração de um processo judicial nos termos do Código de Processo Penal ucraniano e a eventual adoção de medidas cautelares a nível nacional podem constituir indícios importantes para efeitos de demonstração da existência dos factos que justificam a adoção das medidas restritivas a nível da União e para efeitos de apreciação da necessidade de adoção de tais medidas para garantir os resultados das ações conduzidas pelas autoridades nacionais. Não é menos certo que a adoção das medidas restritivas resulta da competência do Conselho, que decide de forma autónoma da necessidade e da oportunidade de adotar tais medidas, à luz dos objetivos da PESC, independentemente de uma petição nesse sentido das autoridades do país terceiro em causa e de qualquer outra disposição tomada por estas a nível nacional, desde que se apoie numa base factual sólida na aceção da jurisprudência pertinente (v. n.° 36, supra).

121    Além disso, os argumentos suscitados pelo recorrente não põem em causa a existência do inquérito conduzido pelas autoridades ucranianas, nem a probabilidade dos factos que dele são objeto e que levaram o Conselho a adotar as medidas restritivas em questão. Estes argumentos visam sobretudo contestar aspetos processuais, ou seja, o facto de o referido inquérito não estar enquadrado num verdadeiro «processo judicial», ou refutar as acusações feitas pelas referidas autoridades relativamente ao recorrente nos termos do direito penal ucraniano, invocando nomeadamente a falta de caráter fraudulento ou inadequado da atividade que é objeto das acusações, questões que respeitam ao mérito dessas alegações.

122    A este propósito, há que salientar que não cabe ao Conselho verificar o mérito do inquérito de que o recorrente é objeto, mas apenas verificar o mérito da decisão de congelamento dos fundos em relação aos elementos de prova que lhe foram apresentados (v., neste sentido, acórdão de 5 de março de 2015, Ezz e o./Conselho, C‑220/14 P, EU:C:2015:147, n.° 77).

123    Por fim, quanto, mais precisamente, ao argumento do recorrente relativo às incoerências entre a carta de 30 de dezembro de 2014 e a «notificação de suspeitas» enviada pelas autoridades ucranianas ao recorrente em 23 de dezembro de 2014, há que observar que a carta de 30 de dezembro de 2014 descreve escrupulosamente os factos visados pelos diferentes inquéritos abertos relativamente ao recorrente. Importa salientar que as diferenças constatadas pelo recorrente entre os dois documentos estão principalmente ligadas à apreciação jurídica dos factos expostos, como, nomeadamente, a utilização dos fundos desviados para fins pessoais, o que não põe em causa a probabilidade dos factos constitutivos de desvio de fundos públicos. O conhecimento desses factos, cuja existência não foi seriamente posta em causa, forneceu ao Conselho uma base suficiente para manter o nome do recorrente na lista.

124    Há, portanto, que concluir que a inclusão do nome do recorrente na lista, pelos atos de março de 2015, com base nos elementos de prova fornecidos na carta de 30 de dezembro de 2014, é conforme ao critério da inclusão, como alterado pelos atos de janeiro de 2015 e interpretado à luz do objetivo em que assenta, ou seja, consolidar e apoiar o Estado de direito na Ucrânia.

125    Assim, há que julgar improcedentes o segundo e terceiro fundamentos.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade e do direito ao bom nome

126    Com o quinto fundamento, o recorrente, por um lado, afirma que o seu nome foi incluído na lista sem respeitar as garantias adequadas que lhe teriam permitido defender‑se perante o Conselho e, por outro, invoca uma falta de proporcionalidade das medidas restritivas. A este respeito, salienta que a justificação da inclusão já não prevê a infração de transferência ilegal de fundos públicos ucranianos para fora da Ucrânia e que o Conselho não demonstrou que o congelamento total dos ativos, diferentemente de um congelamento parcial, era proporcionado no caso em apreço, uma vez que o congelamento de fundos não se justifica além do valor dos bens alegadamente desviados.

127    O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos do recorrente.

128    Importa observar, a título liminar, que o argumento do recorrente relativo aos seus direitos de defesa foi afastado no âmbito do terceiro fundamento (v. n.os 53 a 62, supra).

129    Há também que rejeitar o argumento do recorrente relativo ao facto de a justificação da inclusão já não prever a infração de transferência ilegal de fundos públicos ucranianos para fora da Ucrânia. Com efeito, embora a transferência ilegal de fundos públicos para fora da Ucrânia já não esteja prevista na justificação da inclusão, conforme alterada pelos atos de março de 2015, não é menos verdade que a referência ao desvio de fundos públicos, no caso de ser fundada, basta, por si só, para justificar as medidas restritivas relativamente ao recorrente.

130    No atinente à acusação relativa a uma falta de proporcionalidade das medidas restritivas, há que recordar que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos prosseguidos pela regulamentação em causa. Assim, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos restritiva e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (v. acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho, T‑256/11, EU:T:2014:93, n.° 205 e jurisprudência referida).

131    No caso em apreço é verdade que o direito de propriedade do recorrente é limitado, uma vez que não pode, nomeadamente, dispor dos seus fundos situados no território da União, salvo mediante autorizações especiais, e que nenhum fundo nem nenhum recurso económico pode ser posto, direta ou indiretamente, à sua disposição.

132    Todavia, importa, antes de mais, recordar, como foi estabelecido no âmbito do primeiro, segundo, sexto e sétimo fundamentos, que, por um lado, o critério de inclusão, enunciado no artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2014/119, como alterado pela Decisão 2015/143, é conforme aos objetivos da PESC e que, por outro, a inclusão do nome do recorrente na lista é conforme ao critério de inclusão (v. n.os 79 a 103 e 109 a 124, supra).

133    Em seguida, importa também observar, quanto ao argumento do recorrente segundo o qual um congelamento de fundos não se justifica para além do valor dos bens alegadamente desviados, como resulta das informações de que dispunha o Conselho, que, por um lado, os números referidos na carta de 30 de dezembro de 2014 dão apenas uma indicação do valor dos ativos que foram desviados e, por outro, qualquer tentativa destinada a delimitar o montante dos fundos congelados seria extremamente difícil, ou mesmo impossível, de pôr em prática.

134    Além disso, os inconvenientes ocasionados pelas medidas restritivas não são desproporcionados aos objetivos prosseguidos, tendo em conta, por um lado, o facto de essas medidas apresentarem, por natureza, um caráter temporário e reversível e, por conseguinte, não afetarem o «conteúdo essencial» do direito de propriedade e, por outro, poderem ser derrogadas para cobrir necessidades fundamentais, despesas judiciais ou ainda despesas extraordinárias das pessoas visadas (v., neste sentido, acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho, T‑256/11, EU:T:2014:93, n.° 209).

135    Por fim, quanto, mais particularmente, aos argumentos relativos à violação do direito ao bom nome, há que acrescentar que a adoção, pelo Conselho, das medidas restritivas relativamente ao recorrente não contém qualquer apreciação sobre a culpabilidade deste no que respeita aos factos que lhe são imputados. De qualquer modo, na medida em que a adoção dessas medidas é suscetível de suscitar o opróbrio e a desconfiança face ao recorrente e, logo, de afetar o seu bom nome, há que reconhecer que tais efeitos não se afiguram desproporcionados aos objetivos prosseguidos, como resulta do n.° 118, supra.

136    Há, portanto, que julgar improcedente o quinto fundamento e, por conseguinte negar provimento ao recurso na sua totalidade, na medida em que se destina à anulação da manutenção do nome do recorrente na lista pelos atos de março de 2015.

 Quanto à manutenção dos efeitos da Decisão 2014/119

137    A título subsidiário, o Conselho pede que, em caso de anulação parcial dos atos de março de 2014, por razões de segurança jurídica, o Tribunal Geral declare que os efeitos da Decisão 2014/119 sejam mantidos até a produção de efeitos da anulação parcial do Regulamento n.° 208/2014. Pede também que, em caso de anulação parcial dos atos de março de 2015, os efeitos da Decisão 2014/119, conforme alterada, sejam mantidos até à produção de efeitos da anulação parcial do Regulamento n.° 208/2014, conforme alterado pelo Regulamento de Execução 2015/357.

138    O recorrente opõe‑se ao pedido do Conselho.

139    Há que recordar que o Tribunal Geral, por um lado, anulou a Decisão 2014/119 e o Regulamento n.° 208/2014, nas suas versões iniciais, na medida em que visam o recorrente e, por outro, negou provimento ao recurso na medida em que se dirige aos atos de março de 2015, na parte em que respeitam ao recorrente.

140    A este propósito, importa salientar que, como foi recordado no n.° 108, supra, a Decisão 2015/364 não é um simples ato confirmativo, constituindo uma decisão autónoma, adotada pelo Conselho após uma reapreciação periódica prevista no artigo 5.°, terceiro parágrafo, da Decisão 2014/119. Nestas circunstâncias, embora a anulação dos atos de março de 2014, na medida em que respeitam ao recorrente, contenha a anulação da inclusão do nome do recorrente na lista no período anterior à entrada em vigor dos atos de março de 2015, não é, em contrapartida, suscetível de pôr em causa a legalidade dessa mesma inclusão no período posterior à referida entrada em vigor.

141    Por conseguinte, não é necessário apreciar o pedido do Conselho destinado à manutenção dos efeitos da Decisão 2014/119.

 Quanto às despesas

142    Nos termos do artigo 134.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se houver várias partes vencidas, o Tribunal Geral decide sobre a repartição das despesas.

143    No caso em apreço, tendo o Conselho sido vencido no que respeita ao pedido de anulação formulado na petição, há que condená‑lo nas despesas relativas a este pedido, em conformidade com os pedidos do recorrente. Tendo o recorrente sido vencido no que respeita ao pedido de anulação formulado no articulado de adaptação dos pedidos, há que condená‑lo nas despesas relativas a este pedido, em conformidade com os pedidos do Conselho.

144    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. A Comissão suportará, portanto, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão 2014/119/PESC do Conselho, de 5 de março de 2014, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia, e o Regulamento (UE) n.° 208/2014 do Conselho, de 5 de março de 2014, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia, nas suas versões iniciais, são anulados, na medida em que o nome de Andriy Klyuyev foi incluído na lista das pessoas, entidades e organismos a quem se aplicam essas medidas restritivas, até à entrada em vigor da Decisão (PESC) 2015/364 do Conselho, de 5 de março de 2015, que altera a Decisão 2014/119, e do Regulamento de Execução (UE) 2015/357 do Conselho, de 5 de março de 2015, que dá execução ao Regulamento (UE) n.° 208/2014.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O Conselho da União Europeia é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por A. Klyuyev, no que respeita ao pedido de anulação formulado na petição.

4)      A. Klyuyev é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho, no que respeita ao pedido de anulação formulado no articulado de adaptação de pedidos.

5)      A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas.

Berardis

Czúcz

Pelikánová

Popescu

 

      Buttigieg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de setembro de 2016.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto aos pedidos de anulação dos atos de março de 2014, na sua formulação inicial, na medida em que respeitam ao recorrente

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

Quanto ao primeiro e sétimo fundamentos, relativos à falta de base legal e a uma exceção de ilegalidade do critério de inclusão

Quanto ao segundo e sexto fundamentos, conjuntamente, relativos, respetivamente, ao desrespeito do critério de inclusão na lista e a um erro manifesto de apreciação

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade e do direito ao bom nome

Quanto à manutenção dos efeitos da Decisão 2014/119

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.