Language of document : ECLI:EU:C:2012:582

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 20 de setembro de 2012 (1)

Processos apensos C‑186/11 e C‑209/11

Stanleybet International Ltd (C‑186/11),

William Hill Organization Ltd,

William Hill plc

e

Sportingbet plc (C‑209/11)

contra

Ypourgos Oikonomias kai Oikonomikon,

Ypourgos Politismou,

Interveniente: Organismos Prognostikon Agonon Podosfairou AE (OPAP)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado) (Grécia)]

«Artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE — Atribuição de um direito exclusivo de realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, constituída sob a forma de uma sociedade anónima e cotada em bolsa — Aumento da oferta — Justificação — Objetivos de redução das oportunidades de apostas e de jogo e de luta contra a criminalidade mediante a sujeição dos operadores que operam nesse setor a um controlo e a canalização das apostas e do jogo para os circuitos assim controlados — Princípio da proporcionalidade — Exigência de que os objetivos definidos sejam prosseguidos de forma coerente e sistemática — Admissibilidade e eventuais condições de um período transitório durante o qual se pode manter em vigor a regulamentação nacional em causa, caso seja considerada incompatível com o direito da UE»





I —    Introdução

1.        O Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado, Grécia) submeteu ao Tribunal de Justiça, em dois despachos distintos de 21 de janeiro de 2011, pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, que têm por objeto uma interpretação dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE relativamente a uma regulamentação nacional que concede o direito exclusivo de realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa constituída sob a forma jurídica de uma sociedade anónima, cujas ações são cotadas em bolsa.

2.        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, por um lado, em primeiro lugar, no que diz respeito ao processo C‑186/11, a Stanleybet International Ltd (a seguir «Standleybet»), a William Hill Organisation Ltd e a William Hill plc (a seguir, conjuntamente, «William Hill») e, em segundo lugar, no que diz respeito ao processo C‑209/11, a Sportingbet plc (a seguir «Sportingbet») ao Ypourgos Politismou (Ministro da Cultura), ao Ypourgos Oikonomias kai Oikonomikon (Ministro da Economia e das Finanças) e à Organismos Prognostikon Agonon Podosfairou AE (a seguir «OPAP»), por outro, e que têm por objeto o indeferimento tácito pelas autoridades gregas dos pedidos apresentados pelas sociedades acima identificadas, recorrentes no processo principal, de concessão de licenças para a realização, organização e funcionamento na Grécia de jogos de fortuna e azar.

II — Quadro jurídico nacional

A —    Lei n.° 2433/1996 (A’ 180)

3.        Resulta da exposição de motivos da Lei n.° 2433/1996, que criou o monopólio do Estado no setor em questão no processo principal, que o objetivo principal dessa legislação é a repressão das apostas ilegais, que «nos últimos anos assumiu a forma de uma epidemia no nosso país», ao passo que a necessidade de aumentar as receitas para o desporto constitui um objetivo secundário. Além disso, a exposição de motivos refere que «mostra‑se necessário impor um boletim para todos os tipos de apostas […] a fim de aumentar a eficácia, no nosso país, da repressão das apostas ilegais, que têm o efeito direto, designadamente, de exportar divisas, porque as sociedades que atualmente organizam o jogo ilegal na Grécia colaboram com sociedades estrangeiras e também realizam esse tipo de apostas por conta dessas sociedades».

4.        Os artigos 2.° e 3.° da referida lei têm a seguinte redação:

«Artigo 2.°

1. Será autorizada […] por decreto presidencial a emissão de um boletim para apostas, «com prémio fixo ou variável» sobre competições desportivas individuais ou de equipa de qualquer natureza, bem como sobre eventos que se prestam pela sua natureza à realização de apostas […] A [OPAP] é designada gestora do boletim em causa [...]

2. É punido com pena de prisão [...] quem organizar apostas sem estar autorizado [...]

Artigo 3.°

1. Os custos anuais da publicidade dos jogos de fortuna ou azar [...] que a OPAP organiza ou organizará no futuro serão repartidos proporcionalmente entre a OPAP e as outras entidades que participam nos direitos decorrentes de cada jogo da OPAP […]

5. A OPAP terá direito a utilizar até 10% do espaço publicitário nos estádios e ginásios nacionais, municipais e comunitários para painéis publicitários dos seus produtos, sem estarem obrigados a efetuar qualquer pagamento […]»

B —    Decreto presidencial n.° 228/1999

5.        O Decreto presidencial n.° 228/1999 foi adotado com base no artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 2414/1996. Prevê nos artigos 1.° e 2.° a constituição de uma sociedade anónima denominada «Organismos Prognostikon Agonon Podosfairou AE» (a seguir «OPAP AE»), que opera no interesse público, segundo os princípios de gestão privada, e cujo objeto social consiste em organizar, gerir e realizar, diretamente ou em colaboração com terceiros, PRO‑PO [jogos de apostas de futebol], bem como qualquer outro jogo de fortuna e azar que o conselho de administração venha a decidir organizar futuramente, em todo o país e no estrangeiro, por conta do Estado grego. A gestão de tais jogos e daqueles que forem organizados futuramente é da competência exclusiva da sociedade OPAP AE, que opera por conta do Estado grego.

6.        Com vista à concretização dos seus objetivos, a OPAP AE providencia a constituição, em toda a Grécia, de agências que se ocupam, em geral, da venda dos jogos da sociedade em regime de exclusividade, bem como a concessão de licenças para gestão das agências a pessoas singulares ou coletivas, para um ou mais dos seus jogos, nos termos e nas condições que forem, caso a caso, estabelecidos pelo conselho de administração da sociedade.

C —    Lei n.° 2843/2000, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 2912/2001, e Estatuto da OPAP

7.        O artigo 27.° da Lei n.° 2843/2000, na redação que lhe foi dada pelo artigo 41.°, n.° 2, da Lei n.° 2912/2001, prevê:

«1. O Estado pode colocar à disposição dos investidores, através da Bolsa de Valores de Atenas, uma quota não superior a quarenta e nove por cento (49%) do capital social efetivo da sociedade anónima denominada «Organismos Prognostikon Agonon Podosfairou AE» (OPAP).

2. a) Por convenção concluída entre o Estado grego, representado pelos Ministros das Finanças e da Cultura, este último competente em matéria de desporto [...] e a OPAP, foi atribuído à OPAP o direito exclusivo relativo à realização, gestão, organização e funcionamento, por um período de vinte (20) anos, dos jogos que são atualmente geridos pela mesma, nos termos das disposições em vigor, bem como dos jogos BINGO LOTTO, KINO [...].

b) Por decisão do conselho de administração da OPAP, aprovada pelos Ministros das Finanças e da Cultura, competente em matéria de desporto, será adotada regulamentação relativa à realização de cada jogo da OPAP, a questões relativas ao objeto dos jogos, à sua organização e ao seu funcionamento em geral, às condições financeiras em que os jogos são realizados e, em particular, às quantias que são pagas como prémio aos jogadores, às quantias para cada categoria de vencedores, ao preço por coluna e à percentagem das comissões dos agentes.

c) Na convenção mencionada no n.° 2, alínea a), estão estabelecidas as condições do exercício, por parte da OPAP, do direito previsto no referido parágrafo, e da sua eventual renovação, a contrapartida pela atribuição de tal direito, as modalidades da sua cobrança, as obrigações específicas da OPAP e, especialmente, as que derivam dos princípios da transparência nos procedimentos seguidos na realização dos jogos e de proteção da ordem social e dos jogadores [...]

5.a) […]

b) Por decreto dos Ministros das Finanças e do Desporto [...] foi constituída uma Comissão de controlo para proclamação dos vencedores e apreciação das reclamações [...]. Os membros da comissão são selecionados entre funcionários do Estado e empregados públicos.

[...]

9.a) Nos casos em que a lei autorize a organização de qualquer novo jogo, salvo os previstos no n.° 2, alínea a), é constituída [...] uma comissão especial, com a função de definir os termos e as condições e de estabelecer a contrapartida pela atribuição da realização do jogo à OPAP [...]. Se a OPAP recusar assumir a realização do jogo [...] o próprio Estado pode assumi‑lo. Caso seja consentido que a realização de um determinado jogo seja atribuída a um terceiro, a contrapartida não pode ser inferior àquela proposta à OPAP. Em particular, qualquer jogo futuro relacionado com eventos desportivos só pode ser organizado exclusivamente pela OPAP. 

[…]»

8.        Nos termos do referido artigo, em 15 de dezembro de 2000 foi assinado um contrato entre o Estado grego e a OPAP, na qual foi atribuído a esta última, mediante o pagamento de uma contrapartida, o direito exclusivo relativo à realização, à gestão, à organização e ao funcionamento dos jogos por um período de vinte anos.

9.        No estatuto da OPAP está previsto que a sociedade opera no interesse público, segundo os princípios de gestão privada, que opera sob a supervisão do Ministro da Cultura, competente em matéria de desporto, e que o seu objeto social é, entre outros, a organização, o funcionamento e a realização de diversos jogos, a publicidade desses jogos e a sua organização também no estrangeiro, bem como a criação de agências. Por outro lado, nos termos das correspondentes normas de autorização, foram aprovados tanto o «regulamento geral para o funcionamento dos jogos de apostas com prémio fixo da OPAP», como também os regulamentos específicos para a realização dos jogos, cujo funcionamento é abrangido pelas disposições do regulamento geral.

D —    Lei n.° 3336/2005

10.      O artigo 14.°, n.° 1, da Lei n.° 3336/2005, substituiu o n.° 1 do artigo 27.° da Lei n.° 2843/2000 pela seguinte redação:

«O Estado pode colocar à disposição dos investidores, através da Bolsa de Atenas, uma quota não superior a sessenta e seis por cento (66%) do capital social da sociedade anónima denominada «Organismos Prognostikon Agonon Podosfairou AE» (OPAP). A quota de participação do Estado no respetivo capital social da OPAP não pode ser inferior a trinta e quatro por cento (34%)».

11.      O artigo 14.° da Lei n.° 3336/2005 estabelece, além disso, que o Estado nomeia metade mais um dos membros do conselho de administração da OPAP pelo período durante o qual está atribuído, por parte do Estado grego, o direito exclusivo relativo à realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos previstos na convenção de exclusividade de 15 de dezembro de 2000 ou nas suas eventuais renovações, e que tal nomeação tem lugar mediante despacho conjunto do Ministro da Economia e das Finanças e do Ministro da Cultura, competente em matéria de desporto.

E —    Lei n.° 3429/2005 (A’ 314)

12.      Conforme resulta do artigo 20.° da Lei n.° 3429/2005 (A’ 314), posteriormente aprovada, o direito de o Estado nomear a maioria dos membros do conselho de administração foi abolido na medida em que era contrário ao segundo parágrafo do artigo 34.°, n.° 1, da Lei Codificada n.° 2190/1920 relativa às sociedades por ações (A’ 37), que estabelece que os membros do conselho de administração das sociedades por ações devem ser exclusivamente eleitos pela assembleia geral.

III — Matéria de facto, tramitação no órgão jurisdicional de reenvio e questões prejudiciais

13.      As sociedades Stanleybet, William Hill e Sportingbet têm sede no Reino Unido, onde lhes foram concedidas, nos termos do direito inglês pertinente na matéria, licenças para a realização e organização dos jogos de fortuna e azar.

14.      A fim de alargarem a sua atividade empresarial na Grécia, a Stanleybet, por requerimento de 30 de junho de 2004, a William Hill, por requerimento de 12 de abril de 2007, e a Sportingbet, por requerimento de 4 de outubro de 2006, solicitaram às autoridades gregas competentes a concessão, nos termos das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, a autorização ou a concessão de uma licença para a prestação de serviços em matéria de jogos de fortuna e azar na Grécia, tais como serviços relativos à realização, gestão, organização e funcionamento de apostas, com prémio fixo ou variável, sobre eventos desportivos ou não desportivos, através de uma rede de agentes e via Internet.

15.      Tendo estes pedidos sido tacitamente indeferidos pelas autoridades gregas por ter decorrido, em cada um dos processos, o prazo de três meses sem resposta, a Stanleybet, a William Hill e a Sportingbet interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio recursos de anulação destes indeferimentos tácitos.

16.      Segundo a decisão de reenvio, os pedidos apresentados às autoridades gregas tinham sido indeferidos com o fundamento de que, por força das Leis n.° 2433/1996 e n.° 2843/2000, bem como da convenção de 15 de dezembro de 2000, concluída entre o Estado Grego e a OPAP, conforme acima descrito, tinha sido atribuído à OPAP, até 2020, um direito exclusivo de realização, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar na Grécia.

17.      A OPAP, interveniente no processo principal, iniciou a sua atividade comercial em 1999 sob a forma de uma sociedade anónima, com o Estado como único acionista. Foi posteriormente cotada na Bolsa de Valores de Atenas, nos termos do artigo 27.° da Lei n.° 2843/2000, que prevê que o Estado mantém a maioria absoluta (51%) das suas ações.

18.      Com a entrada em vigor da Lei n.° 3336/2005 em 2005, o Estado reduziu a sua participação para uma participação minoritária das ações (34%), mas continuou a nomear a maioria dos membros do conselho de administração da OPAP. Esse direito de nomeação da maioria dos membros do conselho de administração foi abolido pelo artigo 20.° da Lei n.° 3429/2005.

19.      Todavia, o Estado continua a exercer a supervisão da OPAP, em particular através da aprovação dos regulamentos relativos às suas atividades e da monitorização do processo de realização dos jogos.

20.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a OPAP alargou a sua atividade comercial ao estrangeiro. De facto, como foi referido no parecer fundamentado da Comissão das Comunidades Europeias de 28 de fevereiro de 2008, enviado à República Helénica, à data de 31 de março de 2005, a OPAP tinha já criado 206 agências em Chipre, com base num acordo concluído entre a Grécia e Chipre. Em 2003, a OPAP criou a sociedade OPAP Kyprou Ltd e, em 2004, a sociedade OPAP International Ltd; desde 2003, possui 90% do capital social da sociedade OPAP Glory Ltd e 20% da sociedade Glory Technology Ltd, e, em 2004, criou, na Grécia, a sociedade OPAP Parochis Ypiresion AE.

21.      Relativamente à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, são dois os objetivos que podem justificar medidas nacionais que introduzam restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços no setor dos jogos de fortuna e azar, a saber i) a redução da oferta de jogos de fortuna e azar, ou; ii) a luta contra a criminalidade com eles conexa, através do exercício de um controlo sobre as empresas que operam no setor em questão, de maneira a garantir que tais atividades se desenvolvam exclusivamente dentro de circuitos controlados.

22.      Quanto ao primeiro objetivo, declara que a atribuição a uma sociedade anónima, como a OPAP, do direito exclusivo de organizar jogos de fortuna e azar não se pode considerar uma medida adequada para reduzir a oferta desses jogos de forma coerente e sistemática.

23.      Apesar de a OPAP ser uma empresa pública e de as suas receitas, depois de deduzidas as despesas de gestão e os lucros distribuíveis, reverterem para o Estado, opera segundo os princípios da gestão privada, goza de isenções no que respeita à publicidade televisiva das suas apostas, pode utilizar gratuitamente 10% dos espaços publicitários dos estádios estatais e municipais e foi admitida à cotação na Bolsa de Atenas, estando previsto que 66% do seu capital social pode ser colocado à disposição dos investidores. Por outro lado, a participação nessas apostas é livre, pois o único limite previsto é por boletim de participação e não por jogador.

24.      Face ao exposto, a maioria dos membros do órgão jurisdicional de reenvio concluiu que não é prosseguida de forma coerente e sistemática a redução efetiva da oferta e a limitação das atividades relevantes e que, em consequência, as disposições nacionais não podem ser consideradas adequadas para a prossecução desse objetivo.

25.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma minoria dos seus membros consideraram (embora isso não afete a posição maioritária) que a limitação das atividades relevantes não constitui o objetivo prosseguido pela legislação controvertida. Pelo contrário, a sua legalidade face ao direito da UE deve ser apreciada à luz do único objetivo que a mesma prossegue de controlo das atividades criminosas com base numa política de expansão controlada da prestação de serviços em matéria de jogos de fortuna e azar.

26.      Quanto ao objetivo da luta contra a criminalidade associada aos jogos de fortuna e azar e a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que caso a atribuição de um direito exclusivo não conduza a uma redução mas, pelo contrário, a um aumento da oferta de jogos de fortuna e azar, é necessário que este aumento não exceda o necessário à realização do referido objetivo. Observa que a maioria dos seus membros considera que a atribuição desse direito exclusivo a uma entidade com as características e o modo de funcionamento da OPAP não pode ser considerada uma expansão controlada, enquanto a opinião minoritária expressa foi a de que a atividade da OPAP está, em particular com base na regulamentação dos jogos de fortuna e azar, controlada tendo em vista a eliminação das apostas ilegais.

27.      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera, por unanimidade, que se, contrariamente à opinião da maioria dos seus membros, se admitisse que a atribuição do referido direito exclusivo à OPAP constitui uma forma de expansão controlada, deveria admitir‑se que essa atribuição não exceda o necessário à realização do objetivo de luta contra a criminalidade.

28.      A terceira questão prejudicial refere‑se ao problema do vazio jurídico que resultaria da constatação de que a legislação grega em questão é incompatível com o direito da UE.

29.      Neste contexto, tendo dúvidas razoáveis quanto à compatibilidade da legislação grega em questão com as exigências do direito da UE, o Simvoulio tis Epikratias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, idênticas nos dois processos:

«1) É compatível com as disposições dos artigos 43.° e 49.° do Tratado CE [atuais artigos 40.° e 56.° TFUE] uma legislação nacional que, com a finalidade de limitar a oferta de jogos de fortuna e azar, atribui o direito exclusivo para a realização, a gestão, a organização e o funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, constituída sob a forma de uma sociedade anónima e cotada em bolsa, sobretudo quando essa empresa publicita os jogos de fortuna e azar que organiza, alarga a sua atividade a outros Estados, os jogadores participam livremente e o montante máximo da aposta e do prémio é determinado por boletim e não por jogador?

2) Em caso de resposta negativa à primeira questão, é compatível com os artigos 43.° e 49.° do Tratado CE uma legislação nacional que, prosseguindo em si mesma a luta contra a criminalidade através do exercício de um controlo sobre as empresas que operam no setor em causa, de modo a assegurar que essas atividades se desenvolvam exclusivamente dentro de circuitos controlados, atribui o direito exclusivo relativo à realização, à gestão, à organização e ao funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, mesmo quando essa atribuição tenha o efeito paralelo de desenvolver ilimitadamente essa oferta? Ou ocorre, em qualquer caso, e para considerar que tal restrição é adequada à realização do objetivo da luta contra a criminalidade, que a expansão da oferta seja sempre controlada, isto é se mantenha dentro da medida necessária à prossecução desse objetivo e não a exceda. No caso de a referida expansão dever ser sempre controlada, nessa perspetiva, pode ser considerada controlada quando nesse setor seja atribuído um direito exclusivo a uma entidade dotada das características expostas na primeira questão prejudicial? Finalmente, no caso de se considerar que a atribuição do direito exclusivo em discussão conduz a uma expansão controlada da oferta de jogos de fortuna e azar, a atribuição a uma única empresa vai além do que é necessário, no sentido de que o mesmo objetivo pode ser utilmente prosseguido também com a atribuição desse direito a mais de uma empresa?

3) No caso de, em relação às duas questões prejudiciais precedentes, se considerar que a atribuição, pelas disposições nacionais em questão, de um direito exclusivo relativo à realização, à gestão, à organização e ao funcionamento dos jogos de fortuna e azar não é compatível com os artigos 43.° e 49.° do Tratado CE: a) é admissível, nos termos das referidas disposições do Tratado, que as autoridades nacionais não examinem, no decurso de um período transitório, necessário à adoção de disposições compatíveis com o Tratado CE, os pedidos relativos ao início de tais atividades apresentados por pessoas estabelecidas noutros Estados‑Membros? b) em caso de resposta afirmativa, com base em que critérios se determina a duração desse período transitório? c) se não é autorizado um período transitório, com base em que critérios devem as autoridades nacionais apreciar esses pedidos?»

IV — Apensação dos processos

30.      Dada a estreita relação entre os processos C‑186/11 e C‑209/11, estes foram apensos por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2011 para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

V —    Apreciação jurídica

A —    Primeira e segunda questões prejudiciais relativas à conformidade do monopólio atribuído à OPAP com os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE

31.      Com as suas primeira e segunda questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE devem ser interpretados no sentido de se oporem a uma legislação nacional que atribui o direito exclusivo para a realização, a gestão, a organização e o funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, como a OPAP, constituída sob a forma de uma sociedade anónima e cotada em bolsa, e que publicita e desenvolve os jogos de fortuna e azar que organiza. Mais especificamente, pretende saber em que medida as restrições impostas por esse monopólio à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento podem ser justificadas pelo objetivo da redução da oferta de jogos de fortuna e azar (como foi referido na primeira questão prejudicial) ou pelo objetivo da luta contra a criminalidade conexa com os jogos de fortuna e azar (como foi referido na segunda questão prejudicial).

1.      Principais argumentos das partes

32.      No que diz respeito aos presentes reenvios prejudiciais, a OPAP, a Stanleybet, a William Hill, os Governos grego, belga e polaco e a Comissão apresentaram observações escritas. Além destas partes, a Sportingbet e o Governo português estiveram representados na audiência de 13 de junho de 2012.

33.      A Stanleybet, a William Hill, a Sportingbet e a Comissão consideram, essencialmente, que um monopólio como o que foi atribuído à OPAP na Grécia e com as características descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é contrário aos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE.

34.      Em contrapartida, na opinião da OPAP e dos Governos belga, grego e português, uma legislação como a que está em causa no processo principal pode ser considerada conforme com esses artigos. No entender destes, as restrições à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento que a atribuição à OPAP de direitos exclusivos no setor dos jogos de fortuna e azar pode implicar são justificadas à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos jogos de fortuna e azar.

2.      Análise

35.      A título preliminar, há que lembrar que, em conformidade com a clara separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE, é da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional a apreciação dos factos do processo principal e, em última análise, a aplicação das regras de direito da UE, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça, ao caso concreto (2). Portanto, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio parece ter dúvidas quanto aos objetivos efetivamente prosseguidos pela legislação nacional controvertida ou quanto ao grau de controlo exercido pelo Estado sobre as atividades da OPAP e a sua expansão, o Tribunal de Justiça, não obstante a existência de opiniões divergentes nessas matérias por parte dos membros do órgão jurisdicional de reenvio, não pode substituir a apreciação a esse respeito do órgão jurisdicional de reenvio pela sua própria (3).

36.      Dito isto, existe atualmente uma vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos jogos de fortuna e azar que fornece os critérios à luz dos quais devem ser examinadas as questões prejudiciais apresentadas nos presentes processos.

37.      Em primeiro lugar, refira‑se, a esse respeito, que é pacífico, nos presentes processos, que a atribuição à OPAP, com fundamento na legislação nacional controvertida, do direito exclusivo relativo à realização, à gestão e ao funcionamento dos jogos de fortuna e azar impõe restrições à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, conforme garantidas pelos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE, respetivamente, na medida em que proíbe aos operadores como a Stanleybet, a William Hill e a Sportingbet, estabelecidos num Estado‑Membro, a oferta de jogos de fortuna e azar no território da Grécia e a constituição de agências, sucursais ou filiais para esse efeito.

38.      Por conseguinte, importa verificar se essas restrições podem ser justificadas, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, com base nas derrogações expressamente previstas no TFUE ou por razões imperiosas de interesse geral (4).

39.      Quanto às possíveis justificações, o Tribunal de Justiça observou que os objetivos prosseguidos pelas legislações nacionais adotadas no domínio dos jogos e das apostas, no seu conjunto, estão mais frequentemente ligados à proteção dos destinatários dos serviços em causa e, em termos mais gerais, dos consumidores e à proteção da ordem social. Considerou igualmente que esses objetivos fazem parte das razões imperiosas de interesse geral que podem justificar restrições à liberdade de prestação de serviços (5).

40.      Além disso, o Tribunal de Justiça tem repetidamente sublinhado que as particularidades de ordem moral, religiosa ou cultural e as consequências moral e financeiramente prejudiciais ao indivíduo e à sociedade que envolvem os jogos e as apostas podem ser suscetíveis de justificar a existência de um poder suficiente de apreciação das autoridades nacionais para determinarem, segundo a sua própria escala de valores, as exigências da proteção do consumidor e da ordem social (6).

41.      Por conseguinte, os Estados‑Membros têm, em princípio, a faculdade de fixar os objetivos da sua política em matéria de jogos de fortuna ou azar e, sempre que necessário, de definir com precisão o nível de proteção pretendido (7).

42.      A esse propósito, o Tribunal de Justiça admitiu nas suas decisões que um Estado‑Membro pode legitimamente considerar que só a instituição de um monopólio é suscetível de lhe permitir prosseguir eficazmente o objetivo da proteção dos riscos ligados ao setor dos jogos por si definidos (8).

43.      Quanto aos objetivos que podem, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, justificar, no presente processo, as restrições em questão — mais especificamente, a atribuição de um monopólio em matéria de jogos de fortuna e azar à OPAP —, a saber, em primeiro lugar, a redução das oportunidades de apostas e de jogo e, em segundo lugar, a luta contra a criminalidade, sujeitando os operadores que exercem uma atividade nesse setor a um controlo e canalizando as atividades de jogos de fortuna e azar para esses circuitos controlados, é certo que esses objetivos estão entre os reconhecidos pela jurisprudência como capazes de justificar restrições às liberdades fundamentais no setor dos jogos de fortuna e azar (9).

44.      Tendo em conta o facto de o despacho de reenvio ser ambivalente a esse respeito, importa observar que a questão de saber quais os objetivos efetivamente prosseguidos pela legislação grega controvertida deve ser determinada pelo órgão jurisdicional de reenvio (10).

45.      De qualquer modo, não obstante a referida margem de apreciação atribuída aos Estados‑Membros no setor dos jogos de fortuna e azar, as medidas restritivas impostas devem, no entanto, preencher as condições que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito da sua proporcionalidade, o que está ainda sujeito à verificação final do órgão jurisdicional nacional (11).

46.      Assim, cabe a este órgão jurisdicional verificar se a restrição em causa é adequada a garantir a realização do objetivo ou objetivos prosseguidos pela legislação controvertida, ao nível da proteção por ele pretendida, e se não vai além do necessário para os atingir (12).

47.      Neste contexto, recorde‑se, em especial, que uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de forma coerente e sistemática (13).

48.      Assim, em primeiro lugar, em relação ao objetivo da redução das oportunidades de apostas e de jogo, o órgão jurisdicional de reenvio deve assegurar‑se, à luz, nomeadamente, das regras concretas de aplicação da legislação restritiva em causa, que esta responde verdadeiramente à intenção de reduzir as ocasiões de jogo e de limitar as atividades nesse domínio de forma coerente e sistemática (14).

49.      O órgão jurisdicional de reenvio referiu, no entanto, que a maioria da sua composição é da opinião de que não se pode considerar que o monopólio instituído na Grécia a favor da OPAP e o modo como este funciona na prática respondam a essa intenção.

50.      Pelo contrário, como parece resultar em particular da segunda questão prejudicial e das observações submetidas ao Tribunal de Justiça, a OPAP prossegue uma política comercial expansionista e o direito exclusivo que lhe foi atribuído traduz‑se num aumento da oferta de jogos de fortuna e azar.

51.      Estas circunstâncias, que deverão ser verificadas pelo órgão jurisdicional nacional, são, a meu ver, manifestamente incoerentes com o objetivo prosseguido da redução das oportunidades apostas e de jogo na Grécia.

52.      Neste contexto, no que diz respeito aos diversos elementos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que caracterizam o quadro regulamentar da OPAP e o modo como esta funciona na prática — ou seja, o facto de ter sido constituída sob a forma de uma sociedade anónima e de estar cotada em bolsa, de gozar de determinados direitos e privilégios em matéria de publicidade dos seus jogos de fortuna e azar, de alargar a sua atividade ao estrangeiro e de o montante máximo da aposta e do prémio ser determinado por boletim e não por jogador —, embora nenhum destes elementos considerados individualmente seja suscetível, em princípio, de excluir automaticamente a possibilidade de a regulamentação nacional em causa visar, com a instituição de um monopólio, a redução das oportunidades de jogo e a limitação das atividades nesse domínio, tais elementos devem ser analisados e apreciados conjuntamente para se poder determinar se a legislação restritiva é verdadeiramente coerente com o objetivo acima referido.

53.      Na minha opinião, tendo em conta esses elementos, o órgão jurisdicional de reenvio pode validamente concluir que a legislação grega em questão não responde verdadeiramente à intenção de alcançar de forma coerente e sistemática a redução das oportunidades de jogo e a limitação das atividades nesse domínio de forma coerente e sistemática.

54.      Em segundo lugar, no que diz respeito ao objetivo de evitar a exploração das atividades de jogos de fortuna e azar para fins criminosos ou fraudulentos, canalizando‑as para um sistema controlado, o Tribunal de Justiça já decidiu, de facto, em diversos acórdãos que, considerada nessa perspetiva, uma política de expansão controlada das atividades de jogos de fortuna e azar pode ser coerente com o objetivo de as canalizar para circuitos controlados, atraindo jogadores que levam a cabo atividades de jogos e de apostas clandestinas proibidas para atividades autorizadas e regulamentadas (15).

55.      Para atingir esse objetivo de canalização para circuitos controlados, os operadores autorizados ou, se for o caso, o titular do monopólio público, devem constituir uma alternativa fiável, mas simultaneamente atrativa, a atividades não regulamentadas, o que pode em si mesmo implicar a oferta de uma vasta gama de jogos, uma publicidade de certa envergadura e o recurso a novas técnicas de distribuição (16).

56.      A esse respeito, segundo jurisprudência constante, também incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, à luz dos factos do litígio que lhe foi submetido, se se pode considerar que a política dinâmica ou de expansão do titular do monopólio, tendo em conta, em especial, o nível da amplitude da publicidade efetuada, e a criação de novos jogos, se inscreve no âmbito dessa política de expansão controlada no setor dos jogos de fortuna e azar, que se destina efetivamente a canalizar a vontade de jogar para as atividades controladas (17).

57.      Neste contexto, em relação às dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa observar, em primeiro lugar, que uma política de expansão dos jogos de fortuna e azar só pode ser considerada coerente na medida em que exista efetivamente um problema de atividades criminosas e fraudulentas, de dimensão considerável, relacionadas com o jogo na Grécia, que se possa resolver com a expansão das atividades autorizadas e regulamentadas (18).

58.      Em segundo lugar, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a instituição de uma medida tão restritiva como um monopólio, como o que foi atribuído à OPAP, deve ser acompanhada da criação de um quadro normativo adequado a garantir que o titular desse monopólio poderá prosseguir, de forma coerente e sistemática, o objetivo fixado por meio de uma oferta quantitativamente comedida e qualitativamente adequada à prossecução desse objetivo e sujeita a um controlo rigoroso das autoridades públicas (19).

59.      Resulta claramente das exigências estritas relacionadas com a proporcionalidade do monopólio em questão que a política de expansão prosseguida pelo titular de um monopólio, caracterizada, designadamente, pelo aumento da oferta dos jogos de fortuna e azar e pela publicidade desses jogos, deve, em primeiro lugar, continuar a ser medida e estar estritamente limitada ao que é necessário para canalizar os consumidores para as redes de jogos controlados e, em segundo lugar, que a oferta de jogos deve estar sujeita a um controlo estrito.

60.      Na minha opinião, resulta claramente da informação fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio e das observações das partes que, não obstante a apreciação final do órgão jurisdicional de reenvio a esse respeito, as atividades da OPAP não estão sujeitas a um controlo estrito das autoridades públicas, nem estão efetivamente limitadas pelo enquadramento legislativo que lhes é aplicável.

61.      Mais especificamente, na medida em que a atribuição à OPAP dos direitos exclusivos no setor dos jogos de fortuna e azar implica um aumento da oferta de jogos de fortuna e azar que excede o necessário à realização do objetivo da luta contra a criminalidade mediante a canalização da procura ou resulta mesmo num aumento ilimitado dessa oferta, o órgão jurisdicional de reenvio pode legitimamente concluir, como o fez na opinião expressa da maioria no seu despacho de reenvio, que não se pode considerar que o monopólio em questão vise uma expansão controlada na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima descrita.

62.      À luz das considerações anteriores, proponho que se responda à primeira e à segunda questões prejudiciais que os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional que atribui o direito exclusivo para a realização, a gestão, a organização e o funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, constituída sob a forma de uma sociedade anónima e cotada em bolsa, pode ser justificada na medida em que essa legislação prossiga efetivamente o objetivo da redução da oferta de jogos de fortuna e azar ou o objetivo da luta contra a criminalidade relacionada com os jogos de fortuna e azar mediante a canalização dos jogadores para circuitos controlados e responda verdadeiramente à intenção de alcançar estes objetivos de forma coerente e sistemática. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar qual desses objetivos é efetivamente prosseguido pela legislação nacional em questão e se essa legislação responde verdadeiramente à intenção de realizar esse objetivo de forma coerente e sistemática. Mais especificamente, na medida em que o órgão jurisdicional nacional decidir que o objetivo relevante da legislação nacional em questão é a redução da oferta de jogos de fortuna e azar na Grécia, esse tribunal não poderá concluir que essa legislação responde verdadeiramente à intenção de alcançar esse objetivo de forma coerente e sistemática se considerar que o titular do monopólio prossegue efetivamente uma política expansionista e que o direito exclusivo que lhe foi atribuído se traduz num aumento e não numa redução da oferta de jogos de fortuna e azar. Em contrapartida, se o órgão jurisdicional nacional identificar a luta contra a criminalidade relacionada com os jogos de fortuna e azar mediante a canalização dos jogadores para circuitos autorizados e regulamentados como sendo o único objetivo prosseguido pela legislação nacional em questão, uma política de expansão prosseguida pelo titular do monopólio, caracterizada, designadamente, pelo aumento da oferta dos jogos de fortuna e azar e pela publicidade desses jogos, só poderá ser considerada coerente na medida em que exista efetivamente um problema de atividades criminosas e fraudulentas na Grécia, de dimensão considerável, relacionadas com o jogo, que se possa resolver com a expansão das atividades autorizadas e regulamentadas. Além disso, o aumento da oferta de jogos de fortuna e azar e a publicidade desses jogos deve, em primeiro lugar, ser moderada e manter‑se nos limites do estritamente necessário para canalizar os consumidores para as redes de jogos controladas e, em segundo lugar, a oferta de jogos pelo titular do monopólio deve estar sujeita a um controlo estrito pelas autoridades públicas.

B —    Terceira questão prejudicial relativa às consequências que as autoridades nacionais devem tirar de uma decisão que declare que as disposições nacionais controvertidas são incompatíveis com os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE

63.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ser, no essencial, esclarecido sobre as consequências a tirar de uma decisão que declare que a legislação grega controvertida é incompatível com as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento. A esse respeito, pretende saber, em especial, se, durante um período transitório, as autoridades nacionais se podem abster de se pronunciar sobre os pedidos relativos à atribuição de licenças no setor dos jogos de fortuna e azar.

1.      Principais argumentos das partes

64.      Apesar de as suas respostas à terceira questão prejudicial divergirem quanto às especificidades, a OPAP e os Governos grego, polaco e belga coincidem, no essencial, na consideração de que, se a legislação grega em questão for incompatível com o direito da UE, deverá ser concedido um período transitório com vista à adoção de nova legislação que satisfaça as exigências da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Segundo estas partes, enquanto não for adotada uma nova legislação adequada, não existe ou não existe uma base jurídica suficiente no direito da UE ou no direito nacional para decidir sobre os pedidos em questão.

65.      Em contrapartida, a Stanleybet, a William Hill, a Sportingbet e a Comissão alegam que, à luz do efeito direto e do primado das disposições relativas às liberdades fundamentais e, em especial, do acórdão Winner Wetten (20) do Tribunal de Justiça, não pode ser concedido um período transitório como o referido na terceira questão, durante o qual a regulamentação nacional em causa continuaria a ser aplicada. Essas partes sugerem, fundamentalmente, que os pedidos de autorização para a realização de atividades no domínio dos jogos de fortuna ou azar deveriam ser apreciados pelas autoridades nacionais caso a caso e/ou à luz das exigências que decorrem do direito da UE ou, por analogia, do restante quadro regulamentar nacional.

2.      Análise

66.      Importa recordar que, no seu acórdão Winner Wetten (21), baseando‑se na análise da sua jurisprudência sobre o primado e a aplicabilidade direta do direito da UE (22) (em especial, acórdãos Simmenthal (23) e Factortame e o. (24)), a Grande Secção do Tribunal de Justiça já decidiu que uma regulamentação nacional relativa a um monopólio público sobre as apostas em competições desportivas que, segundo o que apurou um órgão jurisdicional nacional, contém restrições incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e com a livre prestação de serviços, pelo facto de essas restrições não contribuírem para limitar as atividades de apostas de forma coerente e sistemática, não pode continuar a ser aplicada durante um período transitório (25).

67.      A esse respeito, o Tribunal de Justiça indicou que a sua jurisprudência sobre a manutenção dos efeitos de um ato da UE anulado ou declarado inválido, que tem por objeto impedir a constituição de um vazio jurídico pode ser aplicada por analogia e conduzir, a título excecional, a uma suspensão provisória do efeito de exclusão exercido por uma norma de direito da UE diretamente aplicável em face do direito nacional a ela contrário. Excluiu, no entanto, a possibilidade dessa suspensão no processo em causa, com o fundamento da falta de considerações imperiosas de segurança jurídica que pudessem justificar a suspensão, na aceção dessa jurisprudência (26).

68.      Neste contexto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio nesse processo, a regulamentação restritiva em causa não contribuía efetivamente para limitar as atividades de apostas de forma coerente e sistemática, de modo que decorria da jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça que essa regulamentação viola os artigos 43.° CE e 49.° CE (atuais artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE).

69.      Como as circunstâncias do presente processo não parecem ser substancialmente diferentes das circunstâncias do processo Winner Wetten, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio considere que a regulamentação restritiva em causa é contrária aos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE, segundo os critérios fornecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativos à natureza coerente e sistemática da medida restritiva, não se pode concluir que a legislação nacional em questão deva continuar a ser aplicável durante um período transitório.

70.      Esta conclusão não é posta em causa pelo acórdão mais recente do Tribunal de Justiça no processo Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (27). Nesse processo, que tinha por objeto um despacho adotado em violação da obrigação de proceder a uma avaliação ambiental, nos termos previstos na Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (28), o Tribunal de Justiça decidiu que o órgão jurisdicional de reenvio poderá, tendo em conta a existência de uma consideração imperiosa ligada à proteção do ambiente, ser excecionalmente autorizado a fazer uso da sua disposição nacional que lhe permita manter certos efeitos de um ato nacional anulado, desde que sejam respeitadas determinadas condições (29).

71.      Porém, resulta claramente da fundamentação do Tribunal de Justiça nesse acórdão que a autorização para manter a medida em violação do direito da UE deve ser estritamente excecional e sujeita às condições específicas formuladas nesse acórdão, que manifestamente não se aplicam às circunstâncias do presente processo (30).

72.      Principalmente, a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne baseia‑se na existência de uma consideração imperiosa ligada à proteção do ambiente (31). No presente processo, não existe aparentemente nenhuma consideração imperiosa semelhante a essa consideração que possa justificar a suspensão.

73.      À luz das considerações anteriores, deve responder‑se à terceira questão prejudicial que, caso o órgão jurisdicional nacional conclua que a legislação nacional controvertida que atribui o direito exclusivo de realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar é incompatível com os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE por não contribuir para limitar as atividades de apostas ou para canalizar os jogadores para circuitos controlados de forma coerente e sistemática, essa legislação não pode continuar a aplicar‑se durante um período transitório.

VI — Conclusão

74.      Pelos motivos expostos, proponho que se responda às questões submetidas pelo Simvoulio tis Epikratias da seguinte forma:

¾        Os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional que atribui o direito exclusivo para a realização, a gestão, a organização e o funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, constituída sob a forma de uma sociedade anónima e cotada em bolsa, pode ser justificada na medida em que essa legislação prossiga efetivamente o objetivo da redução da oferta de jogos de fortuna e azar ou o objetivo da luta contra a criminalidade relacionada com os jogos de fortuna e azar mediante a canalização dos jogadores para circuitos controlados e responda verdadeiramente à intenção de alcançar estes objetivos de forma coerente e sistemática. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar qual desses objetivos é efetivamente prosseguido pela legislação nacional em questão e se essa legislação responde verdadeiramente à intenção de realizar esse objetivo de forma coerente e sistemática. Mais especificamente, na medida em que o órgão jurisdicional nacional decidir que o objetivo relevante da legislação nacional em questão é a redução da oferta de jogos de fortuna e azar na Grécia, esse tribunal não poderá concluir que essa legislação responde verdadeiramente à intenção de alcançar esse objetivo de forma coerente e sistemática se considerar que o titular do monopólio prossegue efetivamente uma política expansionista e que o direito exclusivo que lhe foi atribuído se traduz num aumento e não numa redução da oferta de jogos de fortuna e azar. Em contrapartida, se o órgão jurisdicional nacional identificar a luta contra a criminalidade relacionada com os jogos de fortuna e azar mediante a canalização dos jogadores para circuitos autorizados e regulamentados como sendo o único objetivo prosseguido pela legislação nacional em questão, uma política de expansão prosseguida pelo titular do monopólio, caracterizada, designadamente, pelo aumento da oferta dos jogos de fortuna e azar e pela publicidade desses jogos, só pode ser considerada coerente na medida em que exista efetivamente um problema de atividades criminosas e fraudulentas na Grécia, de dimensão considerável, relacionadas com o jogo, que se possa resolver com a expansão das atividades autorizadas e regulamentadas. Além disso, o aumento da oferta de jogos de fortuna e azar e a publicidade desses jogos deve, em primeiro lugar, ser moderada e manter‑se nos limites do estritamente necessário para canalizar os consumidores para as redes de jogos controladas e, em segundo lugar, a oferta de jogos pelo titular do monopólio deve estar sujeita a um controlo estrito pelas autoridades públicas;

¾        Caso o órgão jurisdicional nacional conclua que a legislação nacional controvertida que atribui o direito exclusivo de realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar é incompatível com os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE por não contribuir para limitar as atividades de apostas ou para canalizar os jogadores para circuitos controlados de forma coerente e sistemática, essa legislação não pode continuar a aplicar‑se durante um período transitório.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      V., nesse sentido, por exemplo, acórdãos de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, Colet., p. I‑8015, n.° 49); de 25 de fevereiro de 2003, IKA (C‑326/00, Colet., p. I‑1703, n.° 27); de 15 de novembro de 2007, International Mail Spain (C‑162/06, Colet., p. I‑9911, n.° 24); e de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, Colet., p. I‑4233, n.os 22 e 23).


3 —      V., nesse sentido, por exemplo, acórdão de 15 de setembro de 2011, Dickinger e Ömer (C‑347/09, Colet., p. I‑8185, n.os 50 e 51), e de 3 de junho de 2010, Sporting Exchange (C‑203/08, Colet., p. I‑4695, n.° 29).


4 —      V., inter alia, acórdão de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International (C‑42/07, Colet., p. I‑7633, n.° 55).


5 —      Acórdão de 8 de setembro de 2010, Stoß e o. (C‑316/07, C‑358/07 a C‑360/07, C‑409/07 e C‑410/07, Colet., p. I‑8069, n.° 74 e jurisprudência referida).


6 —      V., inter alia, acórdão Dickinger e Ömer, já referido na nota 3 (n.° 45), e Stoß e o., já referido na nota 5 (n.° 76).


7 —      V., nesse sentido, acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido na nota 4 (n.° 59).


8 —      V., nesse sentido, acórdão de 30 de junho de 2011, Zeturf (C‑212/08, Colet., p. I‑5633, n.° 41), e acórdão Stoß e o., já referido na nota 5 (n.os 81 e 83).


9 —      V. acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa (C‑72/10 e C‑77/10, n.° 61), e de 6 de março de 2007, Placanica e o. (C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, Colet., p. I‑1891, n.os 46 e 52).


10 —      V., nesse sentido, acórdãos Dickinger e Ömer, já referido na nota 3 (n.° 51), e Sporting Exchange, já referido na nota 3 (n.° 29).


11 —      V. acórdãos Zeturf, já referido na nota 8 (n.° 43), e Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido na nota 4 (n.os 59 e 60).


12 —      V., nesse sentido, por exemplo, o acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido na nota 4 (n.° 60).


13 —      V., nesse sentido, em especial, acórdãos Costa, já referido na nota 9 (n.° 63), e Placanica e o., já referido na nota 9 (n.os 48 e 53).


14 —      V., em especial, acórdãos Dickinger e Ömer, já referido na nota 3 (n.° 56), e Stoß e o., já referido na nota 5 (n.° 98).


15 —      V. acórdãos Dickinger e Ömer, já referido na nota 3 (n.° 63); Stoß e o., já referido na nota 5 (n.os 101 e 102); e Placanica e o., já referido na nota 9 (n.° 55).


16 —      V. acórdãos Dickinger e Ömer, já referido na nota 3 (n.° 64), e Placanica e o., já referido na nota 9 (n.° 55).


17 —      V., por exemplo, acórdão Zeturf, já referido na nota 8 (n.° 69), e de 3 de junho de 2010, Ladbrokes Betting & Gaming e Ladbrokes International (C‑258/08, Colet., p. I‑4757, n.° 37).


18 —      V., nesse sentido, Dickinger e Ömer, já referido na nota 3 (n.os 66 e 67), e Ladbrokes Betting & Gaming e Ladbrokes International, já referido na nota 17 (n.os 29 e 30).


19 —      V. acórdãos Zeturf, já referido na nota 8 (n.° 58), e Stoß e o., já referido na nota 5 (n.° 83).


20 —      Já referido na nota 2.


21 —      Já referido na nota 2.


22 —      V. acórdão Winner Wetten, já referido na nota 2 (em especial os n.os 53 a 61).


23 —      Acórdão de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, Colet., p. 243).


24 —      Acórdão de 19 de junho de 1990, Factortame e o. (C‑213/89, Colet., p. I‑2433).


25 —      V. acórdão Winner Wetten, já referido na nota 2 (n.° 69) e a parte dispositiva do acórdão.


26 —      V. acórdão Winner Wetten, já referido na nota 2 (n.os 66 e 67).


27 —      Acórdão de 28 de fevereiro de 2012 (C‑41/11).


28 —      JO L 197, p. 30.


29 —      V. acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, já referido na nota 27 (n.os 57 a 62).


30 —      V. acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, já referido na nota 27 (em especial n.° 63).


31 —      V. acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, já referido na nota 27 (n.os 57 e 58).