Language of document : ECLI:EU:C:2016:140

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 3 de março de 2016 (1)

Processos C‑404/15 e C‑659/15 PPU

Pál Aranyosi (C‑404/15)

e

Robert Căldăraru (C‑659/15 PPU)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandados de detenção europeus emitidos para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade — Entrega das pessoas procuradas às autoridades judiciárias de emissão — Artigo 1.°, n.° 3 — Direitos fundamentais — Condições de detenção no Estado‑Membro de emissão — Risco de tratos desumanos ou degradantes — Necessidade de um controlo de proporcionalidade na emissão dos mandados de detenção europeus»





I –    Introdução

1.        A execução de um mandado de detenção europeu conduz à detenção da pessoa procurada. O caráter, mesmo potencial ou previsivelmente, degradante das condições de detenção resultante de uma deficiência sistémica de funcionamento dos estabelecimentos penitenciários do Estado‑Membro de emissão autoriza as autoridades judiciárias a recusar a entrega da pessoa em causa?

2.        Com efeito, resulta do artigo 1.°, n.° 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (2), que «[a mesma] não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° [UE]».

3.        A questão subjacente é saber se a força do princípio do reconhecimento pode ser limitada pela quebra da confiança entre os Estados‑Membros em razão de uma potencial violação dos direitos fundamentais que devem respeitar.

4.        Ora, o reconhecimento mútuo, de que o próprio mandado de detenção europeu constitui a concretização, é, segundo a fórmula consagrada, a «pedra angular» (3) do espaço de liberdade, segurança e justiça que constitui um objetivo da União Europeia, conforme consagrado nos Tratados.

5.        Por conseguinte, cabe neste caso ao Tribunal de Justiça efetuar uma ponderação entre o respeito dos direitos fundamentais da pessoa entregue e a necessidade absoluta de realizar esse espaço comum, nomeadamente protegendo os direitos e as liberdades de outrem. Assim, o Tribunal de Justiça deverá questionar‑se sobre se os princípios que desenvolveu noutros domínios do direito da União, como os contidos no acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) relativo ao regime de asilo europeu comum, são transponíveis para o mecanismo específico do mandado de detenção, com o risco de bloquear o mecanismo desse mandado, deixar de punir uma infração e provocar consequências extremamente gravosas para as autoridades judiciárias de execução.

6.        Na realidade, pensamos que a solução está no próprio equilíbrio do sistema instaurado pelo mecanismo de detenção europeu e de que importa hoje retirar as consequências. Embora conservando a força que lhe confere o princípio do reconhecimento mútuo, a solução decorre da referência implícita ou explícita feita pela decisão‑quadro a determinados princípios essenciais e, em especial, ao princípio da proporcionalidade, que é um princípio geral do direito da União.

7.        Explicaremos por que razão as autoridades judiciárias de emissão, quando confrontadas com uma sobrelotação prisional generalizada que tem como consequência condições materiais de detenção contrárias aos direitos fundamentais, devem proceder a um controlo de proporcionalidade a fim de ajustar a necessidade de emitir um mandado de detenção europeu, à luz tanto da natureza da infração como das modalidades concretas de cumprimento da pena.

8.        Sendo o mandado de detenção europeu um instrumento criado e regulamentado pelo direito da União, designadamente quanto às suas condições de emissão, as autoridades judiciárias que pretendam emitir um mandado desse tipo devem assegurar não só que este preenche as condições de fundo e de forma da decisão‑quadro, mas também que é emitido em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Tal controlo, na medida em que permitiria conhecer melhor as condições e, em especial, as consequências da entrega da pessoa procurada, deve ser interpretado como fazendo parte, em sentido mais amplo, das obrigações que incumbem ao Estado‑Membro de emissão de garantir o respeito dos direitos fundamentais da pessoa entregue ao abrigo de um mandado de detenção europeu e, consequentemente, como uma garantia da confiança que as autoridades judiciárias de execução lhe devem prestar a montante.

9.        Por último, precisaremos que esse controlo não deve eludir as responsabilidades que incumbem ao Estado‑Membro de emissão quanto ao respeito dos direitos fundamentais dos indivíduos colocados em detenção, por força não só do artigo 6.° TUE mas também do princípio do primado do direito da União e da sua obrigação de cooperação leal, bem como as ações que o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia devem necessariamente empreender a fim de reforçar a eficácia do sistema.

II – Quadro jurídico

10.      Antes de analisar os problemas que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça suscitam, importa recordar primeiro os princípios fundamentais em que assentará a nossa análise. Estes princípios encontram‑se nos Tratados.

A –    Tratados

11.      Nos termos dos artigos 3.°, n.° 2, TUE e 67.°, n.° 1, TFUE, a União tem como objetivo manter‑se e desenvolver‑se enquanto espaço de liberdade, segurança e justiça, no qual é assegurado, no respeito dos direitos fundamentais, a livre circulação de pessoas pela adoção de medidas adequadas em matéria de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno.

12.      Para o efeito, o artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, dispõe que «[a] União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’]».

13.      Resulta também do artigo 6.°, n.° 3, TUE que «[d]o direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, a seguir ‘CEDH’,] e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros».

14.      No título V da parte III do Tratado FUE, com a epígrafe «O espaço de liberdade, segurança e justiça», o artigo 82.° TFUE dispõe que «[a] cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo». Este princípio, já o dissemos, constitui a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros.

B –    Decisão‑quadro

15.      O mandado de detenção europeu instituído pela decisão‑quadro foi concebido para substituir o mecanismo clássico da extradição, que implica uma decisão do poder executivo, um instrumento de cooperação entre as autoridades judiciárias nacionais que assenta nos princípios do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e da confiança recíproca entre os Estados‑Membros (4).

16.      A decisão‑quadro instaura um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal (5), limitando de forma muito estrita os motivos de não‑execução e fixando prazos de adoção das decisões relativas ao mandado de detenção europeu (6).

17.      Ao instaurar um procedimento concebido para ser mais eficaz e eficiente que o procedimento anterior, o mecanismo do mandado de detenção europeu constitui, em primeiro lugar e sobretudo, uma contribuição essencial para a repressão das atividades criminais na União. Na medida em que permite assegurar a acusação, o julgamento e a condenação dos autores de uma infração penal cometida num Estado‑Membro, constitui atualmente uma garantia essencial para a abolição das fronteiras internas na União e contribui igualmente para reforçar a proteção das vítimas de infrações penais assegurando, por um lado, que os seus autores possam ser julgados e condenados pelas infrações cometidas e, por outro, que sejam presentes de maneira mais rápida e eficaz à justiça.

18.      Os considerandos 10 a 13 da decisão‑quadro têm a seguinte redação:

«(10) O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.° 1 do artigo 6.° [UE], verificada pelo Conselho nos termos do n.° 1 do artigo 7.° [UE] e com as consequências previstas no n.° 2 do mesmo artigo (7).

(11)      O mandado de detenção europeu deverá substituir, nas relações entre os Estados‑Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen.

(12)      A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.° [UE] e consignados na Carta […], nomeadamente o seu capítulo VI. […]

(13)      Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

19.      O artigo 1.° da decisão‑quadro, com a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° [UE].»

20.      Os artigos 3.° a 4.°‑A da decisão‑quadro são consagrados aos motivos de não‑execução obrigatória e aos motivos de não‑execução facultativa do mandado de detenção europeu.

III – Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

21.      Os presentes reenvios prejudiciais inscrevem‑se no quadro da análise, pelo Generalstaatsanwaltschaft Bremen (Ministério Público de Bremen), da licitude da entrega de P. Aranyosi e R. Căldăraru às autoridades judiciárias do seu Estado‑Membro de origem (8).

22.      No âmbito do processo Aranyosi (C‑404/15), as autoridades judiciárias alemãs conhecem de um pedido de entrega da pessoa em causa por força de dois mandados de detenção europeus emitidos, respetivamente, em 4 de novembro e 31 de dezembro de 2014, pelo Miskolci járásbíróság (Tribunal de Comarca de Miskolc, Hungria), para efeitos de procedimento penal. P. Aranyosi é um cidadão húngaro, que reside atualmente em Bremerhaven (Alemanha) com a mãe e que tem uma companheira e um filho de tenra idade.

23.      É acusado, por um lado, de ter furtado, após ter arrombado uma casa em Sajohidveg (Hungria), 2 500 euros e 100 000 florins húngaros (HUF) (cerca de 313 euros) em dinheiro, bem como diversos objetos de valor e, por outro, de se ter introduzido numa escola em Sajohidveg, tendo danificado material e furtado dispositivos técnicos, bem como dinheiro num valor total calculado em 244 000 HUF (cerca de 760 euros).

24.      No âmbito do processo Căldăraru (C‑659/15 PPU), as autoridades judiciárias alemãs conhecem, desta vez, de um pedido de entrega da pessoa em causa por força de um mandado de detenção europeu emitido em 29 de outubro de 2015 pelo Judecătoria Făgăraş (Tribunal de Primeira Instância de Fagaras, Roménia), para efeitos de cumprimento de uma pena de prisão de um ano e oito meses, decretada por sentença transitada em julgado. R. Căldăraru é um cidadão romeno.

25.      Condenado, em 17 de dezembro de 2013, numa pena de prisão suspensa pela condução de um veículo sem carta de condução, reincidiu, em 5 de agosto de 2014, para se deslocar ao domicílio do seu pai.

26.      R. Căldăraru foi detido em Bremen (Alemanha) em 8 de novembro de 2015 e colocado em prisão preventiva tendo em vista a extradição.

27.      Nas respetivas audições, tanto P. Aranyosi como R. Căldăraru opuseram‑se à entrega às autoridades judiciárias de emissão, declarando assim que não davam o seu acordo ao procedimento de entrega simplificado.

28.      Em ambos os processos, o Ministério Público de Bremen pediu às autoridades judiciárias de emissão a indicação do nome dos estabelecimentos em que as pessoas em causa seriam detidas em caso de entrega, e isso por referência às condições de detenção que não cumprem as normas mínimas europeias. Nenhuma dessas autoridades se pôde comprometer quanto a este aspeto e, consequentemente, o Ministério Público de Bremen interroga‑se, tendo em conta os termos do artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro e as disposições previstas no § 73 da IRG (9), sobre a licitude dessas entregas.

29.      Por conseguinte, os presentes reenvios prejudiciais inscrevem‑se num contexto muito particular, caracterizado pela constatação efetuada não pelo Conselho Europeu em aplicação do mecanismo de sanção previsto no artigo 7.° TUE e expressamente referido no considerando 10 da decisão‑quadro, mas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

30.      Com efeito, no seu acórdão Iavoc Stanciu c. Roménia (10) e no seu acórdão‑piloto (11) Varga e outros c. Hungria (12), esse Tribunal declarou a existência de um funcionamento deficiente e generalizado dos sistemas penitenciários romeno e húngaro, resultante, nomeadamente, de uma sobrelotação prisional generalizada, em consequência da qual os indivíduos presos são ou correm o risco de serem sujeitos a tratos desumanos ou degradantes durante a sua detenção, contrários aos artigos 2.°, 3.° e 5.° da CEDH.

31.      A ser verdade que, na Roménia, chegam a estar confinados dez detidos em 9 m2, dispondo, por conseguinte, de um espaço de vida inferior a 2 m2, e que estão pendentes no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem várias centenas de recursos individuais a este respeito, não podemos deixar de nos questionar sobre a legalidade da execução de um mandado de detenção europeu, quer seja emitido para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena privativa de liberdade, à luz da proteção dos direitos fundamentais da pessoa entregue.

32.      Esta constatação já foi formulada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em três acórdãos‑piloto relativos, respetivamente, à República Italiana, à República da Bulgária e à Hungria (13).

33.      No entanto, a sua jurisprudência testemunha a existência de problemas recorrentes no universo penitenciário dos 47 Estados‑Membros do Conselho da Europa, incluindo os Estados‑Membros da União.

34.      Em processos que implicavam a República da Lituânia, a República da Polónia e a República da Eslovénia (14), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que a sobrelotação prisional tinha atingido um nível tal que este fator podia, por si só, bastar para concluir pela violação do artigo 3.° da CEDH. Além disso, embora não tenha dado lugar à prolação de um acórdão‑piloto, esse Tribunal declarou que os problemas decorrentes da sobrelotação prisional na Bélgica revestiam caráter estrutural, ultrapassando a situação particular do demandante no caso concreto (15).

35.      Em 2011, o Parlamento Europeu e a Comissão manifestaram a sua preocupação pela forma como as condições de detenção nesses Estados‑Membros são suscetíveis de afetar a confiança mútua e o bom funcionamento dos instrumentos de reconhecimento mútuo no espaço de liberdade, segurança e justiça (16).

36.      Cinco anos depois dessa constatação, o problema é agora submetido ao Tribunal de Justiça pelos presentes pedidos de decisão prejudicial.

37.      Com efeito, considerando necessário pedir ao Tribunal de Justiça a interpretação do artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 1.°, n.° 3, da [decisão‑quadro] ser interpretado no sentido de que a extradição para efeitos de procedimento penal [(processo C‑404/15) ou que a extradição para efeitos de execução penal (processo C‑659/15 PPU)] é ilícita quando existirem indícios importantes no sentido de que as condições de detenção no Estado‑Membro de emissão violam os direitos fundamentais da pessoa em causa e os princípios gerais de direito previstos no artigo 6.° [TUE], ou deve ser interpretado no sentido de que o Estado de execução pode ou deve, nestes casos, fazer depender a decisão sobre a admissibilidade da extradição de uma garantia do cumprimento das condições de detenção? Pode ou deve o Estado de execução para este efeito formular em concreto os requisitos mínimos das condições de detenção a garantir?

2)      Devem os artigos 5.° e 6.°, n.° 1, da [decisão‑quadro] ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de emissão também tem competência para [fornecer] garantias do cumprimento das condições de detenção ou deve aplicar‑se a este respeito o sistema de competências interno do Estado‑Membro que emite a garantia?»

38.      Embora as questões submetidas no âmbito do processo C‑404/15 sejam relativas à execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal e as submetidas no âmbito do processo C‑659/15 PPU sejam, pelo contrário, relativas à execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade, estas questões prestam‑se a um exame conjunto porquanto assentam numa problemática idêntica. Além disso, examinaremos em conjunto as duas questões submetidas, em razão da conexidade que lhes confere a sua complementaridade.

IV – Observações preliminares relativas às dificuldades suscitadas por uma transposição dos princípios desenvolvidos no acórdão N. S. e o.

39.      Vários Estados‑Membros propõem a transposição do princípio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) (17). É verdade que a ideia ocorre muito espontaneamente em razão de uma analogia factual que, à semelhança da árvore que esconde a floresta, capta a atenção e o raciocínio.

40.      Esta analogia resulta do facto de que, no processo que deu origem ao referido acórdão, como nos presentes processos principais, existia uma deficiência sistémica de funcionamento no Estado‑Membro em que se devia efetuar a detenção em caso de afastamento do requerente de asilo, deficiência essa constatada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na sequência de ações individuais intentadas nesse Tribunal.

41.      No acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865), o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não devem transferir um requerente de asilo para o «Estado‑Membro responsável», na aceção do Regulamento n.° 343/2003, quando não possam ignorar, em razão dos instrumentos de que dispõem, que as deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado‑Membro constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta (18).

42.      O raciocínio adotado no referido acórdão equivale a impor ao Estado‑Membro em cujo território se encontra o requerente de asilo que proceda ele próprio à análise do pedido de asilo, se o Estado‑Membro «responsável», na aceção do Regulamento n.° 343/2003, não oferecer garantias suficientes em relação às condições de detenção.

43.      Por muito atrativa que seja, designadamente em razão da sua simplicidade, esta jurisprudência não se nos afigura aplicável por analogia à interpretação das disposições da decisão‑quadro.

44.      Com efeito, diferentes razões parecem opor‑se a essa aplicação.

45.      Em primeiro lugar, o princípio que o Tribunal de Justiça desenvolveu no seu acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) é uma transposição, à escala da União, do princípio essencial que rege as regras do afastamento e da expulsão no quadro do direito de asilo. Este princípio, segundo o qual ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes, está consagrado no artigo 19.°, n.° 2, da Carta e no artigo 3.° da CEDH.

46.      Ora, há que constatar que, no âmbito do mecanismo do mandado de detenção europeu, a transposição do referido princípio é rigorosamente excluída pelo legislador da União, atendendo aos termos que emprega no considerando 13 da decisão‑quadro.

47.      Este considerando enuncia que «[n]inguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes».

48.      Não é feita nenhuma referência à pessoa «entregue». Ora, na medida em que este termo designa o mecanismo essencial e recém‑criado do mandado de detenção europeu, não é verosímil que o legislador da União não o tivesse incluído se tivesse a intenção de sujeitar o procedimento de entrega de uma pessoa visada por um mandado de detenção europeu aos princípios enunciados no referido considerando. Deste modo, o legislador da União distinguiu claramente as regras que regem o mandado de detenção europeu das que regulam o regime de asilo europeu comum. Também mostrou claramente a sua vontade de romper com as regras tradicionais que regem a extradição, o que é perfeitamente justificado quando se pretende substituir este sistema por uma cooperação judiciária baseada no reconhecimento e na confiança mútuos (19).

49.      Em segundo lugar, o regime de asilo europeu comum e o mecanismo do mandado de detenção europeu, embora contribuam ambos para a realização do espaço de liberdade, segurança e justiça, respondem a objetivos distintos e apresentam, cada um, características particulares, estruturadas em torno de regras e de princípios específicos.

50.      Primeiro, o regime de asilo europeu comum assenta num conjunto completo de regras harmonizadas ao nível da União. Por seu turno, o direito penal, substantivo e processual, não foi objeto de harmonização à escala da União e continua, apesar de tudo, a reger‑se pela territorialidade da lei penal.

51.      Segundo, o regime de asilo europeu comum destina‑se a oferecer um espaço de proteção e de solidariedade a favor dos indivíduos que fogem de perseguições ou de ameaças graves à sua pessoa e que pedem uma proteção internacional. Por sua vez, o mandado de detenção europeu destina‑se a garantir a repressão das atividades criminais na União, permitindo a acusação, o julgamento e a condenação dos autores de infrações penais.

52.      Terceiro, o regime de asilo europeu comum assenta num procedimento de análise de natureza puramente administrativa cuja finalidade é apurar se a pessoa em causa tem ou não direito ao estatuto de refugiado e, na negativa, afastá‑la do território da União. Quanto ao mandado de detenção europeu, inscreve‑se num mecanismo puramente interno à União e, além disso, assenta num procedimento de natureza exclusivamente judiciário. Quem reclama a detenção de uma pessoa não é um Estado‑Membro, mas efetivamente um órgão jurisdicional nacional e a decisão‑quadro impõe, sob determinadas condições, isto é, sob determinadas reservas, que os demais Estados‑Membros acedam a essa solicitação.

53.      Quarto, no âmbito do regime de asilo europeu comum, a decisão de detenção constitui, para o Estado‑Membro responsável, a medida de último recurso, absolutamente subsidiária, ligada à necessidade de garantir o afastamento forçado. Por seu turno, a detenção que decorre do mandado de detenção europeu é a regra e resulta de uma decisão judicial condenatória do autor de uma infração penal ou pela qual se exige que este compareça, através de meios de coerção, perante um órgão jurisdicional para aí ser julgado.

54.      Por último, devemos ter em consideração as implicações e as consequências muito concretas resultantes da aplicação da jurisprudência N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) ao mecanismo do mandado de detenção europeu e os limites de tal aplicação tendo em conta o papel e as competências do Estado‑Membro no quadro da execução de um mandado de detenção europeu.

55.      No âmbito do processo que deu origem ao acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865), estava em causa saber qual dos Estados‑Membros era responsável pela análise de um pedido de asilo nos termos do Regulamento n.° 343/2003. Muito concretamente, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça não tinha outras consequências além de exigir às autoridades competentes do Reino Unido e da Irlanda que identificassem, em conformidade com os critérios previstos nesse regulamento, outro «Estado‑Membro responsável» ou que tratassem elas próprias o pedido de asilo, sendo caso disso, exigindo o afastamento das pessoas em causa do seu território. Por conseguinte, tratava‑se de introduzir uma exceção a uma regra de competência territorial estabelecida a fim de repartir o ónus dos processos administrativos sujeitos a critérios substantivos comuns a todos os Estados‑Membros.

56.      No âmbito dos presentes processos principais, o que está em causa é totalmente diferente, uma vez que se trata de garantir a ordem e a segurança públicas, permitindo o exercício de procedimentos penais contra P. Aranyosi e assegurando o cumprimento de uma pena privativa de liberdade contra R. Căldăraru.

57.      As consequências práticas são também de uma dimensão totalmente diferente, uma vez que, com base nos princípios afirmados pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865), as autoridades judiciárias de execução estavam obrigadas a recusar a entrega da pessoa procurada.

58.      Ora, contrariamente ao regime de asilo europeu comum que é, já o dissemos, largamente harmonizado, o direito penal, substantivo e processual, não foi objeto de harmonização à escala da União e continua, apesar de tudo, a reger‑se pela territorialidade da lei penal.

59.      Isto significa que, no quadro da execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, a transposição do princípio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) implica que as autoridades judiciárias de execução deixam de poder entregar a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal e também deixam de dispor, em princípio, de competência para a julgarem elas próprias, em vez das autoridades judiciárias de emissão. Como resulta da decisão de reenvio no processo C‑404/15, designadamente das propostas do procurador do distrito de Miskolc, a determinação da infração e a escolha das sanções a aplicar entram no âmbito das competências inalienáveis das autoridades judiciárias húngaras.

60.      Por conseguinte, existe um risco claro e evidente de que a infração fique impune e o seu autor reincida, infringindo‑se assim os direitos e as liberdades dos outros cidadãos da União.

61.      No âmbito da execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos do cumprimento de uma pena privativa de liberdade, o problema pode parecer menos delicado na medida em que, se o indivíduo procurado residir no território do Estado‑Membro de execução, as autoridades judiciárias desse Estado podem eventualmente comprometer‑se a executar essa pena, com base no disposto no artigo 4.°, ponto 6, da decisão‑quadro. As autoridades judiciárias de emissão podem também, por seu lado, invocar os termos da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (20), a fim de que esse indivíduo possa cumprir a sua pena no Estado‑Membro de execução.

62.      Embora esta solução seja possível, a verdade é que a aplicação ao mecanismo do mandado de detenção europeu do princípio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) conduziria a uma diferença de tratamento e, por conseguinte, a uma violação do princípio da igualdade, consoante a pessoa procurada tivesse a qualidade de arguido ou já tivesse sido condenada.

63.      Acresce que não podemos excluir que, em última análise, tal situação incentivasse as pessoas procuradas para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena privativa de liberdade a deslocarem‑se para outros Estados‑Membros a fim de escaparem e esses procedimentos ou de poderem aí cumprir a sua pena. Consequentemente, esses Estados tornar‑se‑iam Estados de refúgio como, aliás, sublinhou expressamente o Procurador‑Geral de Bremen na audiência realizada no Tribunal de Justiça. Como evitar que estes últimos, por sua vez, tenham dificuldades e conheçam deficiências de funcionamento? Poderão sem dúvida evitar essa situação não executando as penas relativamente às quais recusaram executar o mandado de detenção europeu. Tais consequências devem ser seriamente consideradas.

64.      De resto, a julgar pelo número de Estados‑Membros que, tendo em conta as constatações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ou da Comissão, se pode considerar que têm deficiências de funcionamento relativamente às condições de detenção, estes parecem ser refúgios idóneos. Já sobrecarregados, não é de esperar que aumentem ainda mais a taxa de ocupação dos seus estabelecimentos penitenciários, acolhendo indivíduos condenados pelas autoridades judiciárias de outros Estados‑Membros.

65.      Atendendo ao conjunto destas considerações, há que reconhecer que uma transposição do princípio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865) enfrentaria grandes obstáculos, atendendo à natureza e aos objetivos do mandado de detenção europeu e implicaria, além disso, não só uma paralisia do mecanismo instituído pela decisão‑quadro mas também consequências extremamente gravosas e prejudiciais para as autoridades judiciárias de execução, elementos que voltaremos a abordar.

V –    Análise

66.      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se, atendendo ao teor do artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de execução de um mandado de detenção europeu está obrigada a entregar a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, quando essa pessoa possa ser detida, no Estado‑Membro de emissão, em condições materiais contrárias aos seus direitos fundamentais e, sendo caso disso, em que condições e segundo que formalidades.

67.      O problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio não respeita a um vício que afete a validade intrínseca do mandado de detenção europeu ou a um vício do processo de inquérito, de julgamento ou das vias de recurso aplicáveis no Estado‑Membro de emissão. O vício diz respeito às condições de detenção nesse Estado, ou seja, a uma fase posterior à execução do mandado de detenção europeu. Este vício acarreta um risco, o de sujeitar a pessoa entregue a condições materiais de detenção contrárias às garantias previstas no artigo 4.° da Carta.

68.      Por conseguinte, o problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio respeita a uma problemática clássica de equilíbrio entre diferentes objetivos fundamentais, à necessidade de os alcançar e à possibilidade de o fazer sem renegar nem mesmo apenas diminuir as garantias que fazem da União um espaço de direito e de liberdade.

69.      Num primeiro momento, procederemos a uma análise clássica do teor do artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro, da economia desta e dos princípios que a norteiam. Em resultado desta análise, concluiremos que o artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro não pode ser interpretado no sentido de que constitui um motivo de não‑execução do mandado de detenção europeu.

70.      No entanto, não concluiremos sem mais por uma obrigação de entrega quando a execução do mandado de detenção europeu possa conduzir a resultados como os descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio.

71.      Com efeito, num segundo momento, explicaremos as razões pelas quais se impõe um controlo de proporcionalidade quando a autoridade judiciária decide, apesar da falta de espaço nos estabelecimentos penitenciários do Estado e das numerosas condenações de que este foi objeto em razão de condições materiais contrárias aos direitos fundamentais, emitir um mandado de detenção europeu por infrações menores.

A –    Teor do artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro

72.      O artigo 1.° da decisão‑quadro tem como epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar».

73.      Assim, o legislador da União define, no n.° 1 deste artigo, o objeto do mandado de detenção europeu e enuncia, no n.° 2 do referido artigo, o princípio segundo o qual os Estados‑Membros devem executar esse mandado com base no princípio do reconhecimento mútuo.

74.      Quando enuncia, no n.° 3 do mesmo artigo, que a «decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° [UE]», o legislador da União mais não faz do que chamar a atenção de cada um dos Estados‑Membros de que estão obrigados, em conformidade com esta última disposição, a respeitar os direitos fundamentais.

75.      Esta obrigação constitui, como veremos, uma expressão do princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros, conforme recordada pelo Tribunal de Justiça no seu parecer 2/13 (EU:C:2014:2454).

76.      Consequentemente, o legislador enuncia, no artigo 1.°, n.os 2 e 3, da decisão‑quadro, os princípios em que assenta a execução do mandado de detenção europeu, a saber, respetivamente, o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e o princípio da confiança recíproca entre os Estados‑Membros.

77.      Estes n.os 2 e 3 completam‑se, estando os princípios que consagram indissociavelmente ligados, na medida em que o princípio do reconhecimento mútuo se baseia na confiança que os Estados‑Membros têm quanto ao respeito por cada um deles do direito da União, e em especial, dos direitos fundamentais.

78.      Por conseguinte, atendendo a estes elementos, o artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro não pode ser interpretado no sentido de que tem por objeto introduzir uma exceção ao princípio da execução do mandado de detenção europeu.

B –    Quanto à economia do sistema

79.      Se o artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro fosse de interpretar como uma disposição que permite à autoridade judiciária de execução recusar a execução do mandado de detenção europeu pelo facto de a pessoa procurada poder ser exposta a condições materiais de detenção contrárias aos seus direitos fundamentais, tal interpretação seria, além disso, manifestamente contrária à economia do sistema.

80.      Por um lado, teria como efeito introduzir um motivo de não‑execução que não foi manifestamente previsto pelo legislador da União.

81.      Consequentemente, isso seria contrário não só à vontade claramente afirmada pelo legislador da União de prever de forma exaustiva, por razões de segurança jurídica, os casos em que o mandado de detenção europeu não pode ser executado, mas também à jurisprudência do Tribunal de Justiça que adota uma interpretação muito estrita da decisão‑quadro, designadamente dos motivos de não‑execução previstos nos artigos 3.° a 4.°‑A desta última.

82.      Por outro lado, esta interpretação teria como efeito introduzir um motivo de não‑execução sistemático dos mandados de detenção europeus emitidos pelos Estados‑Membros que enfrentam grandes dificuldades de funcionamento dos seus estabelecimentos penitenciários, além do expressamente previsto no âmbito do considerando 10 da decisão‑quadro.

83.      Neste considerando, o legislador da União prevê expressamente a possibilidade de suspender o mecanismo do mandado de detenção europeu em relação a um Estado‑Membro em caso de violação grave e persistente, por parte desse Estado, dos princípios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, UE.

84.      A Comissão define violação «persistente» por referência à «repetição sistemática de casos individuais de violação» (21), tendo o cuidado de realçar que deve atender‑se ao facto de «um Estado ter sido repetidamente condenado pelo mesmo tipo de violação durante um certo lapso de tempo por uma jurisdição internacional, como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem […], sem ter manifestado a intenção de extrair as respetivas ilações práticas» (22).

85.      Na nossa opinião, não há dúvida de que estamos perante um caso deste tipo.

86.      Ora, no considerando 10 da decisão‑quadro, o legislador da União não deixa de apelar à intervenção dos responsáveis políticos para suspender o mecanismo do mandado de detenção europeu, uma vez que só o Conselho Europeu, em aplicação do procedimento previsto no artigo 7.°, n.° 2, UE, pode iniciar o procedimento de suspensão dos direitos do Estado‑Membro em causa. Ora, o procedimento é moroso e complexo, uma vez que o Conselho delibera por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados‑Membros ou da Comissão, e após aprovação do Parlamento, e necessita evidentemente de uma forte vontade política.

87.      Ao reservar exclusivamente ao Conselho Europeu a possibilidade de suspender o mecanismo do mandado de detenção europeu através do mecanismo de sanção previsto no artigo 7.°, n.° 2, UE, o legislador da União pretendeu delimitar muito estritamente esse caso e não quis manifestamente deixar às autoridades judiciárias de execução a possibilidade de recusarem executar um mandado de detenção europeu em tais circunstâncias.

88.      Acresce que, se tivesse querido oferecer tal possibilidade, as ocasiões para o fazer teriam sido múltiplas.

89.      Antes de mais, o legislador da União poderia tê‑la afirmado no âmbito do considerando 10 da decisão‑quadro.

90.      Em seguida, poderia ter aplicado, por analogia, o princípio essencial que rege as regras de afastamento, de expulsão e de extradição, previsto no considerando 13 da decisão‑quadro e segundo o qual, recorde‑se, «[n]inguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes».

91.      Ora, os termos deste considerando foram cuidadosamente escolhidos, uma vez que não é feita nenhuma referência à pessoa «entregue» ao abrigo de um mandado de detenção europeu. Vemos aqui uma manifestação da vontade de distinguir as regras que regem o mandado de detenção europeu das que regulam o regime de asilo europeu comum e, igualmente, da vontade de romper com as regras tradicionais que regem a extradição, perfeitamente justificada quando se pretende substituir este sistema por uma cooperação judiciária baseada no reconhecimento e na confiança mútuos.

92.      Por último, o legislador da União poderia ter incluído explicitamente esse motivo nos motivos de não‑execução, obrigatórios ou facultativos, previstos nos artigos 3.° a 4.°‑A da decisão‑quadro, mas não o fez.

93.      Atendendo a estes elementos, não podemos deixar de constatar que, ao consagrar o princípio enunciado no artigo 1.°, n.° 3, da decisão‑quadro, não foi intenção do legislador da União permitir às autoridades judiciárias de execução recusarem entregar a pessoa procurada em circunstâncias como as que estão em causa nos presentes processos.

C –    Quanto aos princípios que norteiam a decisão‑quadro

94.      A decisão‑quadro assenta, sabemo‑lo, nos princípios do reconhecimento e da confiança mútuos, os quais obrigam as autoridades judiciárias de execução a considerarem que, na aplicação do mandado de detenção europeu, as autoridades judiciárias de emissão assegurarão o respeito dos direitos fundamentais da pessoa entregue.

1.      Princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais

95.      O recurso ao princípio do reconhecimento mútuo impôs‑se para realizar o espaço de liberdade, segurança e justiça, objetivo que a União se fixou nos termos dos artigos 3.°, n.° 2, TUE e 82.° TFUE.

96.      Ao consagrarem este princípio como a «pedra angular» deste espaço, é claro que os Estados‑Membros quiseram realizá‑lo sem ter necessariamente procedido à harmonização prévia das legislações penais nacionais. As experiências passadas tinham demonstrado suficientemente que esta iniciativa, embora se impusesse pela sua lógica, era afinal o meio mais certo para chegar a um bloqueio. Por conseguinte, os Estados‑Membros quiseram forçar esse bloqueio, mantendo não obstante a ideia de que uma harmonização pudesse continuar a ser necessária, tendo esta, no entanto, atualmente um papel apenas acessório.

97.      Esta afirmação, longe de ser uma opinião de doutrina, decorre muito claramente do teor do artigo 82.°, n.os 1 e 2, TFUE.

98.      Esta lógica foi claramente tida em conta pelo Tribunal de Justiça, antes mesmo da redação do Tratado de Lisboa, quando definiu o princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito de uma aplicação do princípio ne bis in idem, no seu acórdão Gözütok e Brügge (23). Este último princípio só pode ser aplicado de maneira transfronteiriça se, a priori, as decisões judiciais dos diferentes Estados‑Membros não forem ignoradas e forem reconhecidas nas condições e com os efeitos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça. Assim, o reconhecimento mútuo, independentemente das modalidades segundo as quais é aplicada uma pena, implica necessariamente que exista uma confiança mútua dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas de justiça penal e que cada um aceite a aplicação do direito penal em vigor nos outros Estados‑Membros, ainda que a aplicação do seu direito nacional pudesse levar a uma solução diferente (24).

99.      Daqui resulta que, nas relações «reconhecimento mútuo/confiança mútua», o primeiro impõe a segunda aos Estados‑Membros. A partir do momento em que o princípio do reconhecimento mútuo se aplica e constitui a «regra essencial» em que assenta a cooperação judiciária (25), os Estados‑Membros devem manter entre si uma confiança mútua.

100. No nosso entendimento, não há a mínima dúvida de que os termos do artigo 82.° TFUE constituem uma confirmação implícita da jurisprudência do Tribunal de Justiça que teria sido muito fácil inverter quando da redação do Tratado de Lisboa. Recorde‑se que este artigo, no seu n.° 2, estabelece uma base jurídica para uma aproximação das legislações nacionais a fim de facilitar o funcionamento do princípio do reconhecimento mútuo.

101. As questões prejudiciais submetidas no âmbito da aplicação do mandado de detenção europeu permitiram ao Tribunal de Justiça fixar as regras suscetíveis de conduzir à edificação e à manutenção do espaço judiciário penal europeu e de conferir toda a sua força e significado ao princípio do reconhecimento mútuo.

102. Desde o seu acórdão Gözütok e Brügge (26), o Tribunal de Justiça manteve sempre uma interpretação muito estrita deste princípio, designadamente quanto ao caráter automático da entrega da pessoa procurada quando nenhuma exceção a essa entrega possa ser invocável com base numa aplicação extremamente rigorosa dos princípios do reconhecimento mútuo e da confiança mútua e na promoção do funcionamento rápido e eficaz do mecanismo de entrega previsto na decisão‑quadro.

103. Daqui se conclui que, quando a autoridade judiciária de um Estado‑Membro pede a entrega de uma pessoa, seja em razão de uma condenação definitiva seja porque essa pessoa é objeto de um procedimento penal, a sua decisão deve ser reconhecida automaticamente pelo Estado‑Membro de execução e este fica obrigado, em conformidade com o disposto no artigo 1.°, n.° 2, da decisão‑quadro, a dar seguimento a esse mandado, sem outro motivo de não‑execução possível além dos previstos taxativamente nos artigos 3.° a 4.°‑A da mesma decisão‑quadro (27). Além disso, o Estado‑Membro de execução apenas pode subordinar a execução do referido mandado às condições definidas no artigo 5.° da decisão‑quadro.

104. Assim, segundo uma expressão consagrada, foi para «facilitar a entrega das pessoas procuradas, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo» (28), e para «reforçar o sistema de entrega instituído pela decisão‑quadro a favor de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça» (29) que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616), encorajou os Estados‑Membro a limitar, tanto quanto possível, as situações em que podem recusar executar um mandado de detenção europeu, convidando estes últimos a não aproveitarem necessariamente as possibilidades que lhes confere o artigo 4.° da decisão‑quadro relativo aos motivos de não execução facultativa, e isso por mais importantes que sejam os objetivos referidos nesse artigo (30). O Tribunal de Justiça admitiu assim que, por mais importante que seja o objetivo de reinserção social da pessoa procurada (31), previsto no artigo 4.°, n.° 6, da decisão‑quadro (32), os Estados‑Membros devem poder limitar, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo, as situações em que deve ser possível recusar a entrega dessa pessoa.

105. No seu acórdão West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404), foi, mais uma vez, para facilitar a entrega e para reforçar o sistema do mandado de detenção europeu que o Tribunal de Justiça, no contexto das entregas sucessivas de uma mesma pessoa, limitou o conceito de «Estado‑Membro de execução» ao Estado‑Membro que procedeu à última entrega, de forma a limitar as situações em que as autoridades judiciárias nacionais podem recusar dar o seu consentimento à execução de um mandado de detenção europeu (33).

2.      Princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros

106. O princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros figura atualmente entre os princípios fundamentais do direito da União, à semelhança dos princípios do primado e do efeito direto.

107. No seu parecer 2/13 (EU:C:2014:2454), o Tribunal de Justiça, reunido em Tribunal Pleno, reafirmou a «importância fundamental» desse princípio que «o direito da União imp[õe] […] entre [os] Estados‑Membros» na medida em que «permite a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas» e cujo respeito é essencial ao «equilíbrio em que a União se funda» (34).

108. Quanto ao espaço de liberdade, segurança e justiça, o Tribunal de Justiça definiu esse princípio no sentido de que obriga cada um dos Estados‑Membros a considerar, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União, em especial os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (35).

109. Por conseguinte, segundo o Tribunal de Justiça, o princípio da confiança mútua opõe‑se a que um Estado‑Membro verifique se outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União, uma vez que isso «comprometer[ia] o equilíbrio em que a União se funda» (36).

110. A confiança mútua entre os Estados‑Membros assenta em vários fatores.

111. Em primeiro lugar, a confiança que cada Estado‑Membro deve ter nos sistemas respetivos de justiça penal dos outros Estados‑Membros surge como o resultado lógico e absolutamente inevitável do desaparecimento das fronteiras internas e da criação de um espaço único de liberdade, segurança e justiça.

112. Em segundo lugar, como salienta o Tribunal de Justiça no seu parecer 2/13 (EU:C:2014:2454), esta confiança assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns em que a União se funda, como o respeito pela dignidade humana, pela liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito e o respeito pelos direitos do Homem, conforme precisado no artigo 2.° TUE (37). Assim, todos os Estados‑Membros demonstraram, quando criaram as Comunidades Europeias ou a elas aderiram, que eram Estados de Direito, respeitadores dos direitos fundamentais.

113. Em terceiro lugar, a referida confiança assenta no facto de que cada um dos Estados‑Membros continua sujeito à obrigação de respeitar os direitos fundamentais conforme consagrados na CEDH, na Carta ou no seu direito nacional, mesmo no quadro do direito penal, substantivo ou processual, que não é abrangido pelo âmbito de aplicação da decisão‑quadro nem do direito da União (38).

114. Por conseguinte, apesar de, até à data, ainda não haver uma harmonização alargada do direito penal substantivo ou processual no âmbito da União, os Estados‑Membros puderam adquirir a convicção de que as condições em que as pessoas procuradas seriam acusadas, julgadas e, sendo caso disso, detidas nos outros Estados‑Membros seriam respeitadoras dos direitos fundamentais dessas pessoas e lhes permitiriam defender‑se corretamente.

115. É esta obrigação que incumbe a cada Estado‑Membro de respeitar os direitos fundamentais que, segundo o Tribunal de Justiça, deve permitir aos Estados‑Membros ter confiança «em que as respetivas ordens jurídicas nacionais estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais, reconhecidos ao nível da União, em particular, na Carta» (39).

116. Deste modo, em aplicação destes princípios, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358) (40), declarou que «é assim na ordem jurídica do Estado‑Membro de emissão que as pessoas que são objeto de um mandado de detenção europeu poderão explorar as eventuais vias de recurso que permitem contestar a legalidade do procedimento penal ou do processo de execução da pena ou da medida de segurança privativas de liberdade, ou ainda do procedimento penal de mérito que conduziu a essa pena ou a essa medida» (41).

117. Aplicando novamente os referidos princípios, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107) (42), declarou que a entrega deve operar automaticamente, mesmo quando a ordem constitucional do Estado‑Membro de execução desenvolva uma conceção mais exigente do direito a um processo equitativo.

118. Assim, a partir do momento em que a autoridade judiciária de execução não pode invocar um dos motivos de não execução taxativamente enumerados nos artigos 3.° a 4.°‑ A da decisão‑quadro, está obrigada a entregar a pessoa procurada às autoridades judiciárias de emissão, mesmo quando as disposições do seu direito nacional, ainda que de ordem constitucional, confiram um nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais do que o decorrente das disposições da decisão‑quadro.

119. Assim, no processo que deu origem ao referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que permitir a um Estado‑Membro invocar um padrão de proteção mais elevado dos direitos fundamentais na sua ordem constitucional para subordinar a entrega de uma pessoa condenada à revelia levaria a pôr em causa os princípios do reconhecimento mútuo e da confiança mútua em que assenta a decisão‑quadro e, consequentemente, a comprometer a efetividade desta última.

120. Por último, segundo o Tribunal de Justiça, é esta obrigação relativa ao respeito dos direitos fundamentais que justifica os termos do considerando 10 da decisão‑quadro, segundo os quais a execução do mandado de detenção europeu só pode ser suspensa em caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, UE, constatada pelo Conselho Europeu nos termos do artigo 7.°, n.° 1, UE, com as consequências previstas no n.° 3 deste último artigo (43).

121. Mais uma vez segundo o Tribunal de Justiça, é a referida obrigação que reforça o princípio do reconhecimento mútuo em que assenta o mecanismo do mandado de detenção europeu em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, da decisão‑quadro.

122. É assim evidente, em conclusão desta análise, que um motivo de não‑execução baseado no risco de violação, no Estado‑Membro de emissão, dos direitos fundamentais da pessoa entregue prejudicaria seriamente a relação de confiança em que deve assentar a cooperação entre juízes visada pela decisão‑quadro, frustrando o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais.

123. Tendo em conta o número de Estados‑Membros confrontados com um funcionamento deficiente do seu sistema penitenciário, em especial com um problema de sobrelotação prisional generalizada, tal interpretação teria como efeito, como vimos, introduzir uma exceção sistemática à execução dos mandados de detenção europeus emitidos por esses Estados, o que conduziria à paralisação do mecanismo do mandado de detenção europeu.

124. Além disso, é um facto que as autoridades judiciárias de execução deixariam de poder entregar a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena privativa de liberdade.

125. A paralisação do mecanismo da decisão‑quadro equivaleria, na realidade, a pôr em causa um dos objetivos do espaço de liberdade, segurança e justiça, a saber, assegurar a repressão das atividades criminosas não só no interesse de todos os Estados‑Membros mas também no das vítimas, uma vez que, na hipótese de o mandado de detenção europeu ser emitido para efeitos de procedimento penal, as autoridades judiciárias de emissão não disporiam, em princípio, de nenhuma competência para julgar a pessoa em causa em vez das autoridades judiciárias de emissão, tendo em conta o princípio da territorialidade da lei penal. Na hipótese de, como parece ser o caso em apreço, essas autoridades disporem, pelo contrário, desta competência, o Ministério Público de Bremen sublinhou as dificuldades e os meios desproporcionados que isso exigiria.

126. Ora, por um lado, não incumbe ao Estado‑Membro de execução, mesmo no quadro do seu dever de solidariedade enunciado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, assegurar, em razão das deficiências de funcionamento do sistema penitenciário do Estado‑Membro de emissão, o cumprimento da pena da pessoa procurada com os encargos que isso implica, a menos, evidentemente, que a reinserção social dessa pessoa exija que o Estado‑Membro de execução o faça, possibilidade prevista nas disposições da decisão‑quadro. Fora destas hipóteses, reduzir a sobrelotação prisional num Estado‑Membro para a agravar noutro não é solução.

127. Por outro lado, não podemos esquecer que estamos no contexto da prevenção de um risco e não da declaração e da punição de uma violação. Embora a existência de uma deficiência de funcionamento sistémica constitua um motivo legítimo para se questionar sobre as condições de detenção das pessoas entregues, esta constatação relativamente a um determinado momento não permite suspeitar a priori da violação dos direitos fundamentais das pessoas entregues e bloquear a aplicação do reconhecimento mútuo, através da instituição de um motivo de não‑execução «sistemático».

128. Por fim, último aspeto, se o Tribunal de Justiça viesse a considerar que a existência de uma deficiência sistémica das condições de detenção constitui um motivo de não‑execução do mandado de detenção europeu, isso constituiria também um motivo de não transferência a título da Decisão‑Quadro 2008/909.

129. Por conseguinte, tendo em conta os desafios contidos no princípio do reconhecimento mútuo e dele decorrentes, as autoridades judiciárias de execução não têm outra possibilidade que não seja invocar os motivos de não‑execução obrigatória ou facultativa previstos nos artigos 3.° a 4.°‑A da decisão‑quadro e, se nenhum destes motivos puder ser invocado, entregar as pessoas procuradas ao abrigo da confiança mútua que lhes devem merecer as autoridades judiciárias de emissão.

130. Consequentemente, a lógica do sistema assim considerada implica que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio que está, em princípio, obrigado a executar os mandados de detenção europeus que lhe são submetidos.

131. É, no entanto, possível concluir sem mais pela obrigação de execução de mandados de detenção europeus cuja execução pudesse conduzir a resultados desproporcionados como os descritos nas decisões de reenvio?

132. Respondemos pela negativa.

133. Em circunstâncias excecionais (44) como as que estão em causa nos litígios nos processos principais, caracterizadas por uma deficiência sistémica das condições de detenção no Estado‑Membro de emissão, constatada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, é legítimo que a autoridade judiciária de execução se possa interrogar sobre a questão de saber se a pessoa entregue «corre o risco» efetivamente de ser detida nas condições apontadas por esse Tribunal.

134. Por conseguinte, é através de uma troca de informações baseada na cooperação entre juízes que a autoridade judiciária de execução deve apreciar se, à luz das informações fornecidas pela autoridade judiciária de emissão, a pessoa entregue será efetivamente detida em condições que não são desproporcionadas.

D –    Quanto à aplicação do princípio da proporcionalidade à emissão dos mandados de detenção europeus

135. É evidente que, em circunstâncias como as que estão em causa nos litígios dos processos principais, é necessário ponderar os direitos da pessoa entregue com as necessidades que impõe a proteção dos direitos e das liberdades de outrem. Como o Tribunal de Justiça recordou no seu acórdão N.(C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84), o artigo 6.° da Carta enuncia o direito de qualquer pessoa não só à liberdade mas também á segurança (45). Este direito, à semelhança do garantido no artigo 4.° da Carta, é um direito absoluto e inderrogável. Quando a pessoa contra a qual é emitido um mandado de detenção europeu é procurada em razão de atos de terrorismo ou de violação de menores, é evidente que a não‑execução desse mandado coloca a questão da necessidade de preservação da segurança nacional e da ordem pública.

136. Por conseguinte, esta ponderação é indispensável e enquadra‑se plenamente na missão do tribunal judicial, guardião das liberdades individuais e que se encontra aqui verdadeiramente numa situação em que necessita imperiosamente de fazer uma escolha, sendo através da aplicação do princípio da proporcionalidade que, na nossa opinião, esta ponderação pode ser assegurada.

1.      Alcance do princípio de proporcionalidade

137. O princípio da proporcionalidade conhece uma aplicação especialmente importante no domínio judiciário sob a denominação de «individualização» da pena.

138. A individualização da pena reveste duas dimensões: na fase da pronúncia da pena, por um lado, e na fase do seu cumprimento, por outro.

139. Na fase da pronúncia da pena, o princípio da individualização da pena exclui o princípio da pena automática e inteiramente predeterminada. Cabe assim ao juiz determinar a pena em função da personalidade do delinquente, conforme resulta designadamente da natureza da infração cometida, das circunstâncias em que foi cometida, de uma análise de personalidade, de testemunhos, dos exames psicológicos e psiquiátricos, e das possibilidades de reinserção permitidas tendo em conta a personalidade desse indivíduo.

140. Quanto o juiz decreta uma pena privativa de liberdade, deve necessariamente ter em conta, para efeitos da fixação da sua duração, as condições de execução dessa pena, em especial a sua eventual dureza. Com efeito, o objetivo é evitar que a detenção da pessoa entregue acarrete para essa pessoa consequências desproporcionadas.

141. Neste contexto, deve evidentemente ter em conta as capacidades de acolhimento dos estabelecimentos penitenciários e a eventual incapacidade do sistema para garantir condições de detenção corretas em razão de um problema de sobrelotação prisional.

142. Este princípio da individualização aplica‑se também, e com a mesma força, na fase do cumprimento da pena. Fala‑se então da aplicação das penas. A tomada em consideração das condições materiais de detenção entra aqui em linha de conta, por duas razões principais, independentes dos aspetos relativos à dignidade humana.

143. Antes de mais, a criminologia moderna é unânime em sublinhar o efeito perverso que tem uma promiscuidade exagerada, uma vez que se trata de um fator de corrupção do espírito. O sentimento de injustiça que resulta do tratamento degradante sofrido mais não faz do que reforçar a marginalização social da pessoa detida e, por conseguinte, aumentar exponencialmente o risco de reincidência. O objetivo da pena, que é, em última análise, assegurar a reabilitação e a reinserção da pessoa condenada na sociedade fica assim manifestamente comprometido.

144. Em seguida, a sanção não se pode transformar numa humilhação. Condições de detenção excessivamente duras dão à pena um aspeto de severidade acrescida que não é pretendido pelo juiz e que reforça o sentimento de injustiça acima descrito.

145. Deve ser observada a mesma proporcionalidade quando da emissão de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal.

146. Com efeito, nessa situação, a presunção de inocência de que beneficia a pessoa acusada já constitui um motivo que, em si, incita à moderação. Além disso, a detenção que resulta da execução do mandado de detenção europeu é, na realidade, equiparável a uma detenção preventiva antes do julgamento, uma vez que a duração dessa detenção será deduzida da pena a decretar no termo do processo. Por conseguinte, é legítimo emitir o mandado de detenção europeu apenas nas situações em que seja provável a aplicação de uma pena, em razão da natureza objetiva dos factos cometidos.

147. É verdade que nenhuma disposição da decisão‑quadro exige expressamente que se proceda a um controlo de proporcionalidade. No entanto, na medida em que o princípio da proporcionalidade constitui um princípio geral do direito da União, é oponível, enquanto tal, à ação dos Estados‑Membros quando aplicam o direito da União, do qual faz parte a decisão‑quadro.

148. Além disso, a liberdade de apreciação deixada às autoridades judiciárias de execução pelos artigos 4.° e 5.° da decisão‑quadro mais não é do que uma aplicação do princípio da proporcionalidade. Esta liberdade de que dispõe o juiz chamado a executar o mandado de detenção europeu destina‑se, de facto, a permitir uma adaptação da medida coerciva, quer esta vise o exercício de um procedimento penal ou o cumprimento de uma pena privativa de liberdade, a fim de evitar uma situação que leve à marginalização social da pessoa em causa, em razão de uma execução automática e cega.

149. Atendendo a estes elementos, somos da opinião que se deve aplicar um controlo de proporcionalidade.

150. Outras entidades parecem partilhar desta opinião, embora a fundamentem em motivos diferentes, como os relativos, designadamente, à liberdade de circulação, mas que são, na realidade, complementares.

151. Assim, o Manual europeu relativo à emissão do mandado de detenção europeu (46) convida muito claramente as autoridades judiciárias de emissão a procederem a um controlo desse tipo. Tendo em conta as consequências graves que tem a execução de tal mandado no que respeita às restrições impostas à liberdade de circulação da pessoa procurada, este manual insiste no facto de que o mandado de detenção europeu deve ser utilizado «de forma eficaz e proporcionada» para assegurar o julgamento das infrações «mais graves ou mais prejudiciais».

152. Na sua Resolução de 27 de fevereiro de 2014, que contém recomendações à Comissão sobre a revisão do mandado de detenção europeu (47), o Parlamento também recomendou que, quando da emissão de um mandado deste tipo, a autoridade judiciária «avalie cuidadosamente a necessidade da medida requerida com base em todos os fatores e circunstâncias pertinentes, tendo em conta os direitos da pessoa suspeita ou acusada e a disponibilidade de medidas alternativas menos intrusivas para atingir os objetivos pretendidos» (48).

153. Num número significativo de Estados‑Membros, as autoridades judiciárias de emissão já integraram esse controlo prévio à emissão do mandado de detenção europeu (49), quer através do ato de transposição da decisão‑quadro (50) quer da sua própria prática (51).

154. Partilhamos da opinião do Parlamento, do Conselho e da Comissão na parte em que sublinham que é no momento da emissão do mandado de detenção europeu que o controlo de proporcionalidade deve ser efetuado.

155. Com efeito, o próprio espírito do sistema impõe que esse controlo assente na autoridade judiciária de emissão, visto que o mandado de detenção europeu deve preencher esta condição antes mesmo de sair das fronteiras do território nacional.

156. Ora, nem sempre é assim, por diferentes razões.

157. Algumas legislações nacionais proíbem designadamente tal controlo em aplicação do princípio da legalidade da ação penal. É o caso da Hungria e da Roménia (52), que foram obrigadas a proceder a uma aplicação estrita desse princípio quando da respetiva adesão à União.

158. O referido princípio proíbe qualquer apreciação de proporcionalidade na fase da decisão de instauração da ação penal ou de execução de uma decisão judicial, a fim de assegurar a total independência da autoridade judiciária. A sua finalidade, muito louvável, que vincula igualmente as autoridades judiciárias não jurisdicionais, é garantir, pelo seu automatismo, que nenhuma influência exterior, designadamente de origem política, interfira no curso da justiça.

159. Daqui resulta um automatismo que pode ter como consequência uma verdadeira brutalidade na aplicação das decisões, ao ponto de desacreditar mecanismos como o do mandado de detenção europeu. Com efeito, isso conduz a uma emissão sistemática e por vezes injustificada do mandado de detenção europeu com vista à entrega de pessoas procuradas por infrações muitas vezes menores (53), como o furto de 2 m2 de mosaico ou da roda de uma bicicleta, prática denunciada pela própria Comissão no seu relatório referido na nota de rodapé 16 das presentes conclusões.

160. Por estas razões, afigura‑se‑nos legítimo que a questão da proporcionalidade do mandado de detenção europeu possa ser evocada perante a autoridade judiciária de emissão.

161. Não se trata aqui de pôr em causa o princípio da autonomia processual.

162. No entanto, quando a decisão da autoridade judiciária de emissão sai do território nacional, onde tem força executória, para se aplicar no espaço de liberdade, segurança e justiça, deve conformar‑se com as regras e os princípios que regem este espaço judiciário único e permitem a aplicação uniforme do princípio do reconhecimento mútuo.

163. A obrigação imposta ao Estado‑Membro de execução de dar à decisão «estrangeira» a mesma força que daria à sua própria decisão, mesmo que o seu direito natural tivesse conduzido a uma solução diferente, não pode obrigá‑lo a executar um mandado de detenção europeu que não preenchesse as condições exigidas explicita e implicitamente pela decisão‑quadro que rege um aspeto particular do reconhecimento mútuo.

164. Segundo a nossa análise, esta situação deve distinguir‑se da situação em que a autoridade judiciária de execução tenta apreciar a legalidade do mandado de detenção europeu à luz do seu próprio padrão de proteção dos direitos fundamentais, hipótese tratada designadamente no acórdão Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107). Com efeito, trata‑se de determinar se, no domínio específico do direito penal e no âmbito do diálogo horizontal entre os órgãos judiciais soberanos, se deve suscitar a questão da proporcionalidade.

165. Antes de mais, importa precisar que, no nosso entendimento, sendo o princípio da proporcionalidade um princípio geral do direito da União, é ao Tribunal de Justiça e só a ele que incumbe definir o alcance e os contornos, se necessário, do referido princípio. Por conseguinte, caberá à autoridade judiciária de execução, se for caso disso, recorrer ao Tribunal de Justiça através de um pedido de decisão prejudicial.

166. Resta determinar segundo que modalidades pode ter lugar a apreciação desse princípio.

2.      Modalidades concretas de aplicação do princípio da proporcionalidade à emissão do mandado de detenção europeu

167. Quando, com base em dados factuais fiáveis, a autoridade judiciária de execução constata a existência de uma deficiência sistémica das condições de detenção no Estado‑Membro de emissão, deve poder apreciar, à luz das circunstâncias concretas de cada caso, se a entrega da pessoa procurada é suscetível de a expor a condições de detenção desproporcionadas.

168. Para o efeito, a autoridade judiciária de execução deve poder pedir à autoridade judiciária de emissão todas as informações que considere úteis. Em razão do princípio da separação de poderes, a autoridade judiciária de execução deveria, na nossa opinião, dirigir‑se à sua autoridade nacional competente para que esta contactasse diretamente a autoridade nacional competente do Estado‑Membro de emissão e as respostas deveriam ser‑lhe comunicadas pela mesma via.

169. Tratando‑se de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade, este deveria ser considerado proporcionado quando as condições de execução não acarretassem consequências punitivas sem comparação com as que resultariam da pena pronunciada se esta fosse cumprida em condições normais.

170. Tratando‑se de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, este é proporcionado se as suas condições de execução forem compatíveis com a simples necessidade de manter a pessoa procurada à disposição da justiça. Aliás, no seu acórdão Ladent c. Polónia (54), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que a emissão de um mandado de detenção europeu pela prática de uma infração relativamente à qual a prisão preventiva seria normalmente considerada inapropriada pode acarretar consequências desproporcionadas para a liberdade da pessoa procurada, suscetíveis de ser enquadradas no âmbito das garantias previstas no artigo 5.° da CEDH (55).

171. Por último, é claro que as possibilidades oferecidas pelos artigos 4.° e 5.° da decisão‑quadro devem ser examinadas de forma sistemática.

172. Se, no âmbito do controlo de proporcionalidade, a autoridade judiciária de execução se visse confrontada com uma dificuldade específica de apreciação, deveria então recorrer ao Tribunal de Justiça, que é a única entidade competente para se pronunciar sobre essa questão do direito da União.

173. Em todo o caso, não se pode perder de vista que o controlo de proporcionalidade incumbe, em primeiro lugar, à autoridade judiciária de emissão. Tratando‑se aqui da aplicação do direito da União, incumbe‑lhe proceder a esse controlo, mesmo que, para isso, deva deixar de aplicar a sua legislação nacional que impõe o princípio da legalidade da ação penal, uma vez que se trata aqui de decidir em conformidade com o direito da União, cujo primado se aplica também no caso das disposições da decisão‑quadro.

174. De resto, acresce que, se esse controlo fosse efetuado, as questões como as submetidas nos presentes reenvios seriam incontestavelmente raras.

175. Estamos conscientes de que a posição que propomos ao Tribunal de Justiça que adote equivale, por um lado, a pedir‑lhe que atue como faria um tribunal de direitos humanos. No domínio do direito penal, afigura‑se‑nos que esta abordagem deverá mais tarde ou mais cedo ser considerada.

176. No entanto, não podemos deixar de referir o facto de que a situação que ocorre atualmente é também a consequência de uma inação prejudicial, tanto por parte dos Estados‑Membros como das instituições da União.

177. Deveria ser inútil repetir que cada um dos Estados‑Membros está obrigado a garantir o respeito dos direitos fundamentais nos termos do artigo 6.° TUE. Como já referimos, esta obrigação impõe‑se, a título não só da confiança mútua mas também do princípio da cooperação leal (56). Um não poderá ser posto em prática sem o outro. Além disso, recorde‑se que, no seu acórdão Pupino (C‑105/03, EU:C:2005:386), o Tribunal de Justiça salientou expressamente que «[s]eria difícil para a União cumprir eficazmente a sua missão se o princípio da cooperação leal, que implica nomeadamente que os Estados‑Membros adotem todas as medidas gerais ou especiais, adequadas a assegurar a execução das suas obrigações derivadas do direito [da União], não se impusesse igualmente no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, integralmente fundada na cooperação entre os Estados‑Membros e as instituições» (57).

178. Se exigimos às autoridades judiciárias de execução que entreguem, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, a pessoa procurada, o princípio da confiança mútua implica, em contrapartida, que as autoridades judiciárias de emissão em que recai essa confiança e, em especial, o Estado‑Membro a que a pessoa procurada será entregue tomem todas as medidas necessárias, incluindo as reformas que se impõem em termos de política penal, para garantir que essa pessoa cumprirá a sua pena em condições que permitam o respeito dos seus direitos fundamentais e poderá usar todas as vias de recurso disponíveis para defender as suas liberdades individuais.

179. A este respeito, não podemos deixar de nos congratular com os compromissos assumidos neste sentido pela Hungria e pela Roménia.

180. Constatamos também, tendo em conta o número extremamente importante de inquéritos individuais instaurados no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que as vias de recurso previstas na Hungria e na Roménia permitem aos indivíduos expostos a condições materiais de detenção contrárias às garantias previstas no artigo 3.° da CEDH assegurar a proteção dos seus direitos fundamentais.

181. Por último, não vemos outra solução que não seja reforçar o mecanismo do mandado de detenção europeu pela ação das instituições da União. Embora a Comissão tenha, em 2011, procedido à constatação desoladora das condições de detenção nalguns Estados‑Membros e das respetivas consequências para a aplicação da decisão‑quadro, salientamos que nem o Conselho nem ela própria empreenderam quaisquer ações para garantir que os Estados‑Membros cumpram todas as suas obrigações ou, pelo menos, tomem as medidas necessárias.

182. No entanto, o artigo 82.° TFUE oferece uma base jurídica para o fazer.

VI – Conclusão

183. Atendendo às considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen:

O artigo 1.°, n.° 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI, deve ser interpretado no sentido de que não constitui um motivo de não‑execução do mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, fundado no risco de violação, pelo Estado‑Membro de emissão, dos direitos fundamentais da pessoa entregue.

Incumbe às autoridades judiciárias de emissão proceder a um controlo de proporcionalidade a fim de ajustar a necessidade de emitir um mandado de detenção europeu, à luz tanto da natureza da infração como das modalidades concretas de cumprimento da pena.

Em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, caracterizadas por uma deficiência sistémica das condições de detenção no Estado‑Membro de execução, a autoridade judiciária de execução pode validamente solicitar à autoridade judiciária de emissão, por intermédio, se for caso disso, das autoridades nacionais competentes, todas as informações úteis que lhe permitam apreciar, à luz das circunstâncias concretas de cada caso, se a entrega da pessoa procurada é suscetível de a expor a condições de detenção desproporcionadas.

Além disso, cabe ao Estado‑Membro de emissão, em conformidade com as obrigações decorrentes do artigo 6.° TUE e dos deveres que lhe incumbem por força dos princípios da confiança mútua e da cooperação leal, tomar todas as medidas necessárias, incluindo as reformas que se impõem em termos de política penal, para garantir que a pessoa entregue cumprirá a sua pena em condições que permitam o respeito dos seus direitos fundamentais e poderá usar todas as vias de recurso disponíveis para defender as suas liberdades individuais.


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 190, p. 1. Decisão‑quadro conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO L 81, p. 24, a seguir «decisão‑quadro»).


3 —      Segundo a expressão utilizada no considerando 6 da decisão‑quadro.


4 —      Artigo 82.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TFUE e considerandos 5, 6, 10 e 11 da decisão‑quadro.


5 —      Acórdãos Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.° 34) e Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.° 37).


6 —      Acórdão F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.os 57 e 58).


7 —      Embora este considerado 10 refira expressamente o artigo 7.°, n.° 1, EU e o artigo 7.°, n.° 2, EU, afigura‑se‑nos que o legislador quis referir, respetivamente, o artigo 7.°, n.° 2, EU e o artigo 7.°, n.° 3, EU.


8 —      Por força do §29, n.° 1, da Lei sobre a cooperação judiciária internacional em matéria penal (Gesetz über die internationale Rechtshilfe in Strafsachen), de 23 de dezembro de 1982, conforme alterada pela Lei relativa ao mandado de detenção europeu (Europäisches Haftbefehlsgesetz), de 20 de julho de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1721, a seguir «IRG»), o Oberlandesgericht (Tribunal Regional Superior, Alemanha) decide, a pedido do Ministério Público, sobre a licitude da extradição quando o arguido não deu o seu acordo à extradição. A decisão é proferida por despacho, de acordo com o § 32 da IRG.


9 —      O § 73 da IRG enuncia que, «[n]a falta de um pedido nesse sentido, o auxílio judiciário mútuo e a transmissão de informações são ilícitos se infringirem princípios essenciais da ordem jurídica alemã. Em caso de pedido nos termos das partes oito, nove e dez, o auxílio judiciário mútuo é ilícito se infringir os princípios enunciados no artigo 6.° [TUE]».


10 —      N.° 35972/05, 24 de julho de 2012. Nesse acórdão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que, apesar dos esforços das autoridades romenas para melhorar a situação, existe um problema estrutural neste domínio.


11 —      O procedimento do acórdão‑piloto permite ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem constatar a existência de uma violação da CEDH em razão de problemas sistemáticos, recorrentes e persistentes relativamente às condições de detenção que afetem ou sejam suscetíveis de afetar um grande número de pessoas.


12 —      N.os 14097/12, 45135/12, 73712/12, 34001/13, 44055/13 e 64586/13, 10 de março de 2015. Nesse acórdão o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sublinha o disfuncionamento generalizado do sistema penitenciário húngaro, na origem de múltiplas condenações já incorridas pela Hungria por força do artigo 3.° da CEDH e na origem de 450 inquéritos atualmente pendentes contra este Estado (v., nomeadamente, §§ 99 e 100)


13 —      V., respetivamente, TEDH Torreggiani e outros c. Itália, n.os 43517/09, 46882/09, 55400/09, 57875/09, 61535/09, 35315/10 e 37818/10, 8 de janeiro de 2013; Neshkov e outros c. Bulgária, n.os 36925/10, 21487/12, 72893/12, 73196/12, 77718/12 e 9717/13, 27 de janeiro de 2015; e Varga e outros c. Hungria, já referido.


14 —      V., respectivamente, TEDH Karalevičius c. Lituânia, n.° 53254/99, 7 de abril de 2005; Norbert Sikorski c. Polónia, n.° 17599/05, 22 de outubro de 2009; e Mandic e Jovic c. Eslovénia, n.os 5774/10 e 5985/10, 20 de outubro de 2014.


15 —      V. TEDH Vasilescu c. Bélgica, n.° 64682/12, 25 de novembro de 2014.


16 —      V. Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de dezembro de 2011, sobre as condições de detenção na EU (JO 2013, C 168 E, p. 82), e n.° 4 do Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação desde 2007 da Decisão‑Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros [COM(2011) 175 final].


17 —      No processo que deu origem a esse acórdão, requerentes de asilo originários do Afeganistão, do Irão e da Argélia opunham‑se à sua transferência do Reino Unido e da Irlanda para a Grécia, Estado‑Membro competente para examinar o seu pedido por força do Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO L 50, p. 1), na medida em que corriam o risco de serem sujeitos, na Grécia, a tratos desumanos e degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta, em razão das condições da sua detenção.


18 —      V., designadamente, n.os 86, 94 e 106 desse acórdão.


19 —      O considerando 13 da decisão‑quadro deve ser interpretado à luz das disposições previstas no artigo 28.° da mesma, na medida em que o princípio que estabelece se aplica quando, uma vez executado o mandado de detenção europeu, a questão de um afastamento, de uma expulsão ou de uma extradição se coloca no Estado‑Membro de emissão.


20 —      JO L 327, p. 27.


21 —      V. ponto 1.4.4 da Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre o artigo 7.° do Tratado da União Europeia — Respeito e promoção dos valores em que a União assenta [COM(2003) 606 final].


22 —      Idem.


23 —       C‑187/01 e C‑385/01, EU:C:2003:87.


24 —      N.° 33 desse acórdão.


25 —      Acórdão West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404, n.° 62 e jurisprudência referida).


26 —       C‑187/01 e C‑385/01, EU:C:2003:87.


27 —      V. acórdãos Leymann e Pustovarov (C‑388/08 PPU, EU:C:2008:669, n.° 51); Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616, n.° 57); Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.os 35 e 36); e Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.° 38).


28 —      Acórdãos Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616, n.° 59) e West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404, n.° 62).


29 —      Acórdão Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616, n.° 58).


30 —      Acórdão Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616, n.° 62 e jurisprudência referida).


31 —      V. acórdao Kozłowski (C‑66/08, EU:C:2008:437, n.° 45).


32 —      Segundo esta disposição, a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade quando a pessoa procurada «se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente» e este Estado «se comprometa a executar essa pena».


33 —      N.° 62 desse acórdão.


34 —      N.os 191 e 194 desse parecer.


35 —      N.° 191 do referido parecer.


36 —      Parecer 2/13 (EU:C:2014:2454, n.° 194).


37 —      N.° 168.


38 —      Acórdão F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 48).


39 —      Acórdão F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 50).


40 —      Esse acórdão é relativo á possibilidade de interpor recurso suspensivo da execução da decisão da autoridade judiciária de execução.


41 —      Acórdão F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 50).


42 —      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre o alcance do artigo 4.°‑A, n.° 1, da decisão‑quadro, que prevê um motivo de não‑execução facultativa de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à sua condenação.


43 —      Acórdão F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 49).


44 —      Fazemos aqui referência às circunstâncias excecionais a que se refere o Tribunal de Justiça no n.° 191 do seu parecer 2/13 (EU:C:2014:2454).


45 —      N.° 53 e jurisprudência referida.


46 —      Documento 17195/1/10 REV 1 — COPEN 275 EJN 72 Eurojust 139.


47 —      Documento T7‑0174/2014.


48 —      V. anexo desta resolução. É interessante observar que a exigência de proporcionalidade já está consagrada no âmbito do estabelecimento, funcionamento e utilização do Sistema de Informação Schengen de segunda geração (SIS II), instituído pela Decisão 2007/533/JAI de Conselho, de 12 de junho de 2007 (JO L 205, p. 63). Com efeito, o artigo 21.° desta decisão dispõe que, antes de inserir uma indicação, o Estado‑Membro verifica se o caso é «adequado, pertinente e suficientemente importante para justificar a sua inserção no SIS II».


49 —      V., designadamente, relatório final da quarta série de avaliações mútuas, intitulado «Aplicação prática do mandado de detenção europeu dos procedimentos correspondentes de entrega», adotado pelo Conselho em 4 e 5 de junho de 2009 (documento 8302/4/09 REV 4 — Crimorg 55 COPEN 68 EJN 24 Eurojust 20), que faz um balanço por Estado‑Membro da aplicação do mandado de detenção europeu.


50 —      Designadamente na República Checa, na Letónia, na Lituânia e na Eslováquia.


51 —      Designadamente na Bélgica, na Dinamarca, na Alemanha, na Estónia, na Irlanda (pelas forças de polícia e pelo procurador), em Espanha, em França, em Chipre, no Luxemburgo, nos Países‑Baixos, em Portugal, na Eslovénia, na Finlândia, na Suécia (pelo procurador) ou ainda no Reino Unido.


52 —      Isso resulta expressamente das respostas dadas por estes Estados‑Membros no âmbito do relatório da Comissão referido na nota de rodapé 16 das presentes conclusões.


53 —      O que foi amplamente sublinhado pelos últimos documentos institucionais relativos à aplicação da decisão‑quadro. V., designadamente, ponto 4 do relatório da Comissão referido na nota de rodapé 16 das presentes conclusões.


54 —      N.° 11036/03, 18 de março de 2008.


55 —      § 55 e 56.


56 —      Este dever de lealdade decorre do artigo 4.°, n.° 3, TUE, entendendo‑se que, por força desta disposição, esta obrigação também é aplicável nas relações recíprocas entre os Estados‑Membros e a União (v. parecer 2/13, EU:C:2014:2454, n.° 202).


57 —      N.° 42.