Language of document : ECLI:EU:C:2019:433

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 21 de maio de 2019 (1)

Processo C94/18

Nalini Chenchooliah

contra

Minister for Justice and Equality

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Diretiva 2004/38/CE — Direito dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias de circular e residir livremente no território de um Estado‑Membro — Titulares — Nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União que exerceu a sua liberdade de circulação tendo depois regressado ao Estado‑Membro de que é nacional onde cumpre uma pena de prisão — Aplicabilidade da Diretiva 2004/38 ao afastamento deste nacional de um Estado terceiro — Âmbito de aplicação do artigo 15.o e do capítulo VI»






Índice


I. Introdução

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

B. Direito irlandês

III. Factos na origem do litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

IV. Análise

A. Delimitação da problemática suscitada pelas questões prejudiciais

B. Análise das questões prejudiciais

1. Quanto à aplicabilidade da Diretiva 2004/38 à situação de N. Chenchooliah e do seu cônjuge cidadão da União

a) Observações preliminares

b) O conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 é estático ou dinâmico?

1) Acórdão Metock e o.

2) Acórdão Lounes

3) Caráter evolutivo do conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38: ensinamentos a retirar dos Acórdãos Metock e o. e Lounes

c) «Ciclo de vida» do exercício da liberdade de circulação de um cidadão da União e dos membros da sua família ao abrigo da Diretiva 2004/38

1) Aplicação diferencial da Diretiva 2004/38

2) Diferença essencial existente entre o presente processo e o processo que deu origem ao Acórdão Lounes

3) O afastamento de um nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União, continua a ser abrangido pela Diretiva 2004/38, quando esse cidadão tiver deixado de exercer a sua liberdade de circulação no EstadoMembro de acolhimento em razão do seu regresso ao EstadoMembro de que é nacional

2. Quanto às limitações e às garantias processuais aplicáveis ao afastamento de cidadãos da União e dos membros das suas famílias nacionais de um Estado terceiro, pela razão da caducidade do seu direito de residência

a) Âmbito de aplicação do capítulo VI da Diretiva 2004/38

b) Interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2004/38

V. Conclusão



I.      Introdução

1.        Uma nacional de um Estado terceiro, esposa de um cidadão da União Europeia que deixou de exercer o seu direito de livre circulação num Estado‑Membro em razão do seu regresso ao Estado‑Membro de que é nacional, é abrangida pela Diretiva 2004/38/CE (2) para efeitos do seu afastamento do território do Estado‑Membro de acolhimento? Se for caso disso, quais as disposições desta diretiva aplicáveis ao seu afastamento? Esta nacional está abrangida pelas disposições do capítulo VI ou pelas do artigo 15.o da referida diretiva relativo às garantias processuais aplicáveis às decisões de afastamento tomadas por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública?

2.        Estas são as questões no cerne do presente processo que levarão o Tribunal de Justiça a interpretar, pela primeira vez, o artigo 15.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2004/38, relativo às garantias processuais.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

3.        O artigo 3.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Titulares», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

4.        Nos termos do artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência até três meses»:

«1.      Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.

2.      O disposto no n.o 1 é igualmente aplicável aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que, munidos de um passaporte válido, acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União.»

5.        O artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência», enuncia, nos seus n.os 1, 2 e 4:

«1.      Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.o, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

2.      Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

[…]

4.      Em derrogação dos n.os 1 e 2 e sem prejuízo do disposto no capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União ou membros das suas famílias se:

a)      Os cidadãos da União forem trabalhadores assalariados ou não assalariados; ou

b)      Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União e os membros das suas famílias não podem ser afastados enquanto os cidadãos da União comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados.»

6.        O artigo 15.o da desta mesma diretiva, sob a epígrafe «Garantias processuais», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      Os procedimentos previstos nos artigos 30.o e 31.o aplicam‑se, por analogia, a todas as decisões de restrição da livre circulação dos cidadãos da União e membros das suas famílias, por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

[…]

3.      O Estado‑Membro de acolhimento não pode impor uma proibição de entrada no território no contexto de uma decisão de afastamento a que se aplica o n.o 1.»

7.        Nos termos do artigo 27.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Princípios gerais»:

«1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.

[…]»

8.        Nos termos do artigo 30.o desta diretiva, sob a epígrafe «Notificação das decisões»:

«1.      Qualquer decisão nos termos do n.o 1 do artigo 27.o deve ser notificada por escrito às pessoas em questão, de uma forma que lhe permita compreender o conteúdo e os efeitos que têm para si.

2.      As pessoas em questão são informadas, de forma clara e completa, das razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública em que se baseia a decisão, a menos que isso seja contrário aos interesses de segurança do Estado.

3.      A notificação deve especificar o tribunal ou autoridade administrativa perante o qual a pessoa em questão pode impugnar a decisão, o prazo de que dispõe para o efeito e, se for caso disso, o prazo concedido para abandonar o território do Estado‑Membro. Salvo motivo de urgência devidamente justificado, o prazo para abandonar o território não pode ser inferior a um mês a contar da data da notificação.»

9.        O artigo 31.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Garantias processuais», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      As pessoas em questão devem ter acesso às vias judicial e, quando for caso disso, administrativa no Estado‑Membro de acolhimento para impugnar qualquer decisão a seu respeito por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

[…]

3.      A impugnação deve permitir o exame da legalidade da decisão, bem como dos factos e circunstâncias que fundamentam a medida prevista. Deve certificar que a decisão não é desproporcionada, em especial no que respeita às condições estabelecidas no artigo 28.o»

B.      Direito irlandês

10.      Atualmente, a regulamentação irlandesa que transpõe a Diretiva 2004/38 está contida no European Communities (Free Movement of Persons) Regulations 2015 [Regulamento Relativo às Comunidades Europeias (livre circulação de pessoas) de 2015] (a seguir «Regulamento de 2015»).

11.      O Regulamento de 2015 substituiu o European Communities (Free Movement of Persons) (n.o 2) Regulations 2006 [Regulamento Relativo às Comunidades Europeias (livre circulação de pessoas) (n.o 2) de 2006] (a seguir «Regulamento de 2006») e entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2016.

12.      O artigo 3.o do Immigration Act 1999 (Lei de 1999 Relativa à Imigração) regula o poder do Minister for Justice and Equality (Ministro da Justiça e da Igualdade, Irlanda, a seguir «Ministro») para tomar decisões ditas de «expulsão» (deportation orders).

13.      Segundo o artigo 3.o, n.o 1, da Lei de 1999 Relativa à Imigração, o Ministro pode adotar uma decisão de expulsão «a fim de ordenar a qualquer estrangeiro abrangido pela decisão de abandonar o território no prazo indicado por esta última e de se manter fora do território no futuro».

14.      Por força do artigo 3.o, n.o 2, alíneas h) e i), desta lei, uma decisão de expulsão pode ser tomada contra pessoas que, respetivamente, «segundo o Ministro, tenham violado uma restrição ou uma condição imposta a seu respeito no que se refere ao desembarque no território ou à chegada ao território ou à autorização de permanecer no território» ou «cuja expulsão seja, no entender do Ministro, idónea para garantir o bem comum».

15.      Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 3, alínea a), da referida lei, quando o Ministro adota um projeto de decisão de expulsão, deve notificar por escrito a pessoa em causa, com a respetiva fundamentação.

16.      O artigo 3.o, n.o 4, da Lei de 1999 Relativa à Imigração estabelece que a notificação do referido projeto deve incluir, entre outras, as seguintes menções:

–        a menção de que a pessoa pode apresentar observações no prazo de quinze dias úteis;

–        a menção de que a pessoa tem o direito de abandonar voluntariamente o território, antes de o Ministro se pronunciar sobre o processo, bem como a menção de que a pessoa deve informar o Ministro das medidas tomadas para abandonar o território;

–        a menção de que a pessoa pode consentir a adoção de uma decisão de expulsão no prazo de quinze dias úteis, findo o qual o Ministro deve organizar o afastamento da pessoa do território logo que possível.

17.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), i), desta lei, quando uma pessoa apresenta observações, o Ministro deve, antes de se pronunciar, tê‑las em consideração.

18.      Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 6, da referida lei, o Ministro deve, para apreciar se deve ser adotada uma decisão de expulsão, ter em conta um conjunto de elementos, tais como o período durante o qual a pessoa residiu no território nacional e os seus vínculos ao referido território, o seu percurso profissional e as suas perspetivas de emprego (incluindo no que respeita ao trabalho independente), a sua moralidade e o seu comportamento tanto no território nacional como, na medida em que sejam pertinentes e possam ser determinadas, fora deste, considerações humanitárias, o bem comum e considerações relativas à segurança nacional e à ordem pública.

19.      Tendo em vista a adoção de uma decisão de expulsão, o Ministro deve tomar igualmente em consideração qualquer risco de repulsão, bem como os direitos, como os direitos da pessoa, suscetíveis de resultar da Constituição irlandesa e/ou da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950.

20.      Uma vez adotada, uma decisão de expulsão mantém‑se em vigor por um período indeterminado. No entanto, a pessoa em causa pode requerer a alteração ou revogação de tal decisão nos termos do artigo 3.o, n.o 11, da Lei de 1999 Relativa à Imigração. Ao analisar um pedido de revogação de uma decisão de expulsão, o Ministro deve determinar se o requerente identificou uma alteração das circunstâncias que se tenha verificado depois da adoção da referida decisão que justifique a sua revogação. Essas circunstâncias podem produzir‑se, especialmente, quando a pessoa seja membro da família de um cidadão da União que exerça, na Irlanda, direitos de livre circulação que lhe são conferidos pelo direito da União.

III. Factos na origem do litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

21.      Nalini Chenchooliah, de nacionalidade mauriciana, chegou à Irlanda no decurso do mês de fevereiro de 2005, munida de um visto de estudante, e aí residiu até 7 de fevereiro de 2012 com base em autorizações de residência sucessivas. Em 13 de setembro de 2011, casou‑se com um nacional português. Em 2 de fevereiro de 2012, apresentou um pedido de cartão de residência invocando a sua qualidade de cônjuge de um cidadão da União. Na sequência deste pedido, o Ministro, por diversas vezes, solicitou informações suplementares a N. Chenchooliah, que esta forneceu parcialmente, por carta de 25 de maio de 2012. Por carta de 27 de agosto de 2012, N. Chenchooliah pediu um prazo suplementar para apresentar um contrato de trabalho alegando que o seu marido tinha acabado de começar a trabalhar.

22.      Por Decisão de 11 de setembro de 2012, o Ministro indeferiu o pedido de concessão de um cartão de residência de N. Chenchooliah pelas seguintes razões:

«Não demonstrou que o cidadão da União exerce uma atividade económica na Irlanda, pelo que o Ministro não está convencido de que este exerce [os seus] direitos através de um emprego ou uma atividade independente, que prossegue estudos, devido a desemprego involuntário ou devido à disposição de recursos suficientes, em conformidade com as exigências do artigo 6.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento [de 2006]. Por conseguinte, não dispõe do direito de residência [na Irlanda], em aplicação do artigo 6.o, n.o 2, alíneas a), do Regulamento [de 2006].»

23.      Por carta de 15 de outubro de 2012, N. Chenchooliah forneceu provas de que o seu marido tinha trabalhado num restaurante durante duas semanas e solicitou uma prorrogação do prazo fixado para apresentar um pedido de reexame da Decisão de 11 de setembro de 2012. Por carta de 31 de outubro de 2012, o Ministro aceitou prorrogar o referido prazo. No âmbito do reexame, o Ministro solicitou informações suplementares e indicou que, se estas não fossem fornecidas no prazo de dez dias úteis, o processo seria transferido para a unidade responsável pelas medidas de afastamento. N. Chenchooliah não comunicou nenhuma nova informação durante um período de cerca de dois anos, tendo‑se a Decisão de 11 de setembro de 2012 tornado definitiva.

24.      Por carta de 17 de julho de 2014, dirigida diretamente ao Ministro, N. Chenchooliah indicou que, na sequência de uma condenação penal, o seu marido estava preso em Portugal desde 16 de junho de 2014 e pediu autorização para permanecer no território irlandês, invocando a sua situação pessoal. O secretário pessoal do Ministro recebeu esta carta tendo acusado a sua receção em 18 de julho de 2014. No entanto, a referida carta parece não ter sido recebida antes de 15 de setembro de 2014 pela secção competente da unidade do departamento do Ministro.

25.      Entretanto, por carta de 3 de setembro de 2014, o Ministro informou N. Chenchooliah de que uma decisão de afastamento estava prevista contra esta, devido ao facto de o seu marido, cidadão da União, ter residido na Irlanda por um período de mais de três meses sem satisfazer as exigências do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento de 2006, disposição destinada a transpor para o direito irlandês o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, pelo que esta já não tinha o direito de permanecer na Irlanda.

26.      Por carta de 26 de novembro de 2015, os advogados que representam N. Chenchooliah pediram, em aplicação do poder discricionário que lhe é conferido por força do direito irlandês, que o Ministro concedesse a N. Chenchooliah uma autorização de residência invocando, nomeadamente, o longo período durante o qual aquela residiu na Irlanda, o seu percurso profissional e as suas perspetivas de emprego.

27.      Por carta de 15 de novembro de 2016, o Ministro informou N. Chenchooliah de que tinha decidido não dar execução à decisão de afastamento, mas de dar início a um processo de expulsão nos termos do artigo 3.o da Lei de 1999 relativa à imigração. A essa carta foi junto um projeto de decisão de expulsão sobre o qual N. Chenchooliah foi convidada a apresentar as suas observações. Esse projeto baseava‑se no caráter ilegal da residência de N. Chenchooliah na Irlanda desde 7 de fevereiro de 2012 (3) e na opinião do Ministro, segundo a qual a sua expulsão permitiria garantir o bem comum. Foi anexada a essa carta uma Decisão anterior, datada de 21 de outubro de 2016, na qual confirmava que tinha decidido não adotar uma decisão de afastamento e de proibição de entrada no território em relação a N. Chenchooliah por força do Regulamento de 2006 e das disposições transitórias do Regulamento de 2015.

28.      Em 12 de dezembro de 2016, o órgão jurisdicional de reenvio autorizou N. Chenchooliah a interpor recurso de fiscalização jurisdicional da Decisão de 21 de outubro de 2016, bem como um pedido de injunção proibindo ao Ministro a adoção de uma decisão de expulsão. Este órgão jurisdicional também adotou medidas provisórias destinadas a impedir que prosseguisse o processo de expulsão de N. Chenchooliah antes que o seu recurso jurisdicional fosse decidido.

29.      Resulta da decisão de reenvio que as razões pelas quais foi autorizada a apresentar ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de fiscalização jurisdicional se reportam ao facto de N. Chenchooliah, na qualidade de esposa de um cidadão da União, cujo pedido de cartão de residência para um membro da família de um cidadão da União foi tratado pelo Ministro, ser uma pessoa a quem a Diretiva 2004/38 e o Regulamento de 2006, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento de 2015, eram e continuam a ser aplicáveis.

30.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, até à data, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a questão de saber se um nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União, continua a estar abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38, na sua qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, e que, consequentemente, numa situação como a do processo principal, em que o cidadão da União regressou ao Estado‑Membro de que é nacional para aí cumprir uma pena de prisão e, por conseguinte, não exerce, no Estado‑Membro de acolhimento, o seu direito de livre circulação conferido pelo direito da União, o afastamento desse nacional do Estado‑Membro de acolhimento em que este reside se rege, designadamente, pelos artigos 27.o, 28.o e 31.o da Diretiva 2004/38.

31.      O órgão jurisdicional de reenvio faz, a este respeito, referência ao seu Acórdão Igunma v. Governor of Wheatfield Prison e o., de 29 de abril de 2014 [(2014) IEHC 218], no qual considerou que esta questão merecia uma resposta afirmativa pela razão fundamental de que, numa situação em que um nacional de um Estado terceiro contrai legalmente matrimónio com um cidadão da União num momento em que este último exerce o seu direito, decorrente do direito da União, de circular e/ou residir no Estado‑Membro de acolhimento, esse nacional continua a estar abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38, na sua qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, mesmo que, posteriormente, lhe seja recusado um direito de residência ao abrigo do artigo 7.o da referida diretiva com o fundamento de que o cidadão da União não estava ou já não estava a exercer o seu direito de livre circulação. Dado que, em tal situação, a Diretiva 2004/38 continua a ser aplicável, esse nacional só poderia ser afastado em conformidade com as disposições do capítulo VI da referida diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio salienta que os eventuais ensinamentos que podem ser retirados desta decisão e serem aplicados ao presente processo foram perante ele debatidos.

32.      No que respeita a esta decisão, o Ministro criticou o mérito desta, alegando, nomeadamente, que este ignora um elemento essencial do processo, a saber, que um membro da família de um cidadão da União não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38 se o cidadão não exercer efetivamente o seu direito de livre circulação. Num tal caso, uma decisão de afastamento deste membro da família seria regida, não pelas disposições do capítulo VI desta diretiva, mas pelo direito nacional dos estrangeiros. Por outro lado, uma interpretação contrária implicaria demonstrar um perigo para a ordem pública ou para a segurança pública, o que tornaria extremamente difícil ou mesmo, na prática, impossível o afastamento de nacionais de Estados terceiros cônjuges de cidadãos da União que tenham beneficiado apenas, numa dada época, de um direito de residência temporária em razão das atividades dos seus cônjuges no Estado‑Membro de acolhimento, independentemente da atividade atual ou do lugar onde residam agora esses cidadãos da União, que poderia mesmo ser fora da União.

33.      Em contrapartida, N. Chenchooliah sustentou que a decisão em causa corrobora a sua posição segundo a qual, enquanto pessoa que beneficiou num determinado momento, em razão do seu casamento, de um direito de residência pelo menos temporário de três meses ao abrigo do artigo 6.o da Diretiva 2004/38, ela continua posteriormente abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva e, por conseguinte, só pode ser afastada do território do Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com as regras e garantias previstas na referida diretiva.

34.      Foi nestas condições que a High Court (Tribunal Superior, Irlanda), por Decisão de 16 de janeiro de 2018, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de fevereiro de 2018, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)      Quando tiver sido recusada ao cônjuge de um cidadão da União que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao abrigo do artigo 6.o da Diretiva [2004/38] a concessão de um direito de residência nos termos do artigo 7.o [desta diretiva], pelo facto de o cidadão da União em causa não estar […] ou já não estar a exercer os direitos decorrentes do[s] Tratado[s da União] […] no Estado‑Membro de acolhimento em causa, e no caso de se propor o afastamento do seu cônjuge desse Estado‑Membro, deve esse afastamento ser efetuado em conformidade com as disposições da [Diretiva 2004/38] ou trata‑se de uma situação abrangida pelo âmbito de aplicação da legislação nacional do Estado‑Membro?

2)      Se a resposta à questão anterior for no sentido de que o afastamento deve ser efetuado em conformidade com as disposições da [Diretiva 2004/38], deve ser feito em conformidade com os requisitos do capítulo VI [desta] diretiva […], em especial dos seus artigos 27.o e 28.o, ou pode o Estado‑Membro, em tais circunstâncias, invocar outras disposições da [Diretiva 2004/38], em especial os seus artigos 14.o e 15.o

35.      Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelos Governos dinamarquês, neerlandês, austríaco e pela Comissão Europeia.

36.      Na audiência realizada em 15 de janeiro de 2019, foram apresentadas observações orais em nome do recorrente no processo principal, dos Governos dinamarquês e neerlandês assim como da Comissão.

IV.    Análise

A.      Delimitação da problemática suscitada pelas questões prejudiciais

37.      Antes de iniciar o exame das questões prejudiciais à luz do direito da União há que delimitar a problemática suscitada pelo presente processo.

38.      Antes de mais, importa sublinhar que, na situação em causa no processo principal, N. Chenchooliah, de nacionalidade mauriciana, foi autorizada pelas autoridades competentes a residir na Irlanda na sua qualidade de estudante durante o período compreendido entre o ano de 2005 e o ano de 2012. Após ter residido legalmente no território irlandês durante esse período de cerca de sete anos, N. Chenchooliah casou‑se com um nacional português e pediu um cartão de residência enquanto cônjuge de um cidadão da União.

39.      A este respeito, resulta dos elementos fornecidos na decisão de reenvio que o cônjuge de N. Chenchooliah, cidadão da União, exerceu o seu direito de livre circulação ao se deslocar e ao residir num Estado‑Membro que não aquele de que é nacional, quando deixou Portugal para entrar na Irlanda, onde trabalhou durante pelo menos quinze dias. No entanto, este regressou a Portugal onde, desde 16 de junho de 2014, cumpre uma pena de prisão, ao passo que N. Chenchooliah ficou na Irlanda.

40.      Em seguida, há que salientar que, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, N. Chenchooliah, por efeito do seu casamento com este cidadão da União durante o período em que exercia a sua liberdade de circulação na Irlanda, tinha, pelo menos nesse período, a qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. O seu pedido no sentido de beneficiar de um direito de residência derivado do direito de residência do seu cônjuge cidadão da União, ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, foi, no entanto, indeferido por Decisão do Ministro de 11 de setembro de 2012, que se tornou definitiva, com fundamento no facto de N. Chenchooliah não dispor do direito de residir na Irlanda, em aplicação do artigo 6.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento de 2006, disposição que visa transpor para o direito irlandês o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 (4).

41.      Por último, como resulta das suas observações escritas e foi também confirmado na audiência, N. Chenchooliah não contesta a referida decisão do Ministro e, por conseguinte, não reclama um direito de residência derivado do direito de residência do seu cônjuge, cidadão da União, ao abrigo da Diretiva 2004/38. Em contrapartida, sustenta que, na medida em que residiu na Irlanda em conformidade com as disposições da Diretiva 2004/38, ela pode ser objeto unicamente de uma decisão de afastamento tomada no respeito das disposições aplicáveis que transpõem a diretiva e, particularmente, os artigos 27.o e 28.o da mesma, e não de uma decisão de expulsão tomada por força do artigo 3.o da Lei de 1999 Relativa à Imigração, que é oficiosamente acompanhada de uma proibição de entrada no território irlandês por tempo indeterminado.

B.      Análise das questões prejudiciais

42.      Com as suas duas questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2004/38 e, particularmente, as disposições do capítulo VI ou do artigo 15.o desta devem ser interpretadas no sentido de que se aplicam a uma decisão de afastamento de um nacional de um Estado terceiro por este não dispor de um direito de residência ao abrigo desta diretiva, numa situação em que o nacional se casou com um cidadão da União, quando este cidadão fez uso da sua liberdade de circulação ao se deslocar e ao residir num Estado‑Membro que não aquele de que é nacional, por força do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, cidadão esse que, posteriormente, regressou ao Estado‑Membro de que é nacional.

43.      Importa desde já salientar que as posições da recorrente, da Comissão, do Ministro e dos governos que participaram no presente processo divergem neste ponto. Enquanto N. Chenchooliah e a Comissão sustentam que a situação em causa no processo principal, a saber, o afastamento de um membro da família de um cidadão da União por parte de um Estado‑Membro, pelo facto de esse cidadão ter deixado de aí exercer o seu direito de livre circulação, é abrangida pela Diretiva 2004/38 (5), o Ministro, apoiado pela Irlanda, e os Governos dinamarquês, neerlandês e austríaco são de opinião contrária. No que se refere ao órgão jurisdicional de reenvio, como resulta do n.o 31 das presentes conclusões, esse órgão jurisdicional faz referência à decisão da High Court (Tribunal Superior) de 29 de abril de 2014, Igunma v. Governor of Wheatfield Prison e o. [(2014) IEHC 218], na qual considerou que a Diretiva 2004/38 era aplicável numa situação análoga à que está em causa no processo principal (6).

44.      Por conseguinte, parece‑me necessário, para responder às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, determinar previamente se e em que medida a Diretiva 2004/38 é aplicável no caso em apreço. Com este objetivo em vista, analisarei a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, que, na minha opinião, fornece alguns elementos para esclarecer de forma útil o órgão jurisdicional de reenvio.

1.      Quanto à aplicabilidade da Diretiva 2004/38 à situação de NChenchooliah e do seu cônjuge cidadão da União

a)      Observações preliminares

45.      Na sequência da instauração da cidadania da União e três anos após a prolação do Acórdão Grzelczyk (7), no qual o Tribunal de Justiça precisou, pela primeira vez, que o estatuto de cidadão da União está vocacionado para ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros (8), a Diretiva 2004/38 foi adotada para responder à necessidade de adaptar a este novo estatuto a regulamentação relativa às liberdades de circulação e de residência em vigor desde o início dos anos 2000 (9).

46.      Resulta dos considerandos 1 a 4 e 11 da Diretiva 2004/38 que esta visa, em primeiro lugar, «facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE confere diretamente aos cidadãos da União, e reforçar o referido direito» (10). Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que o objeto da diretiva diz respeito, como resulta do seu artigo 1.o, alínea a), às condições de exercício do direito dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros (11).

b)      O conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 é estático ou dinâmico?

47.      O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, que define o âmbito de aplicação desta, dispõe que esta diretiva se aplica a todos os cidadãos da União que «se desloquem ou residam» num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva, que «os acompanhem ou que a eles se reúnam» (12).

48.      Resulta desta disposição, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça, que só um titular na aceção do artigo 3.o da Diretiva 2004/38 se pode prevalecer dos direitos de livre circulação e residência desta diretiva. Esse titular pode ser um cidadão da União (que se desloque ou que resida num Estado‑Membro que não seja aquele de que é nacional) ou um membro da sua família (que o acompanhe ou a ele se reúna), tal como definido no artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38 (13). A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a Diretiva 2004/38 não confere nenhum direito autónomo aos membros da família de um cidadão da União que são nacionais de um Estado terceiro. Assim, os eventuais direitos conferidos a esses nacionais por força desta diretiva derivam dos direitos que o cidadão da União em causa goza devido ao exercício da sua liberdade de circulação (14).

49.      No caso vertente, é manifesto que o marido de N. Chenchooliah, que exerceu a sua liberdade de circulação ao deixar o Estado‑Membro de que é nacional, neste caso, Portugal, para se deslocar para a Irlanda a fim de aí residir, estava abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. Por conseguinte, como indicou o órgão jurisdicional de reenvio, N. Chenchooliah tinha igualmente, pelo menos durante o período em que o seu cônjuge português exerceu a sua liberdade de circulação na Irlanda, a qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva (15). Contudo, dado que o marido de N. Chenchooliah regressou a Portugal e que a Diretiva 2004/38 não abrange a situação do regresso de um cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional (16), há que considerar que este já não corresponde à definição do conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o da Diretiva 2004/38.

50.      Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se N. Chenchooliah, cônjuge de um cidadão da União que tenha deixado de exercer a sua liberdade de circulação, pode perder a qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, uma vez que, em princípio, devido ao regresso do seu marido ao Estado‑Membro de que é nacional, deixaria de satisfazer a condição imposta por esta disposição, a saber, a de acompanhar ou de se reunir ao cidadão da União (17).

51.      Entendo que a resposta é afirmativa.

52.      A este respeito, os Acórdãos Metock e o. (18) e Lounes (19), dos quais resulta que o conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 tem um caráter dinâmico e evolutivo, têm, em meu entender, particular importância.

1)      Acórdão Metock e o.

53.      No Acórdão Metock e o. (20), o Tribunal de Justiça respondeu a duas questões prejudiciais submetidas pela High Court (Tribunal Superior) no âmbito de um litígio que opôs cinco cidadãos da União e os respetivos cônjuges nacionais de países terceiros ao Ministro. Este indeferiu os seus pedidos de autorização de residência na qualidade de cônjuges de um cidadão da União que trabalha e/ou reside na Irlanda com fundamento no facto de não satisfazerem o requisito de residência legal prévia noutro Estado‑Membro, exigida pela regulamentação irlandesa na época.

54.      No que respeita, em primeiro lugar, à exigência relativa à residência legal anterior noutro Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça declarou que nem todos os nacionais de países terceiros retiram da Diretiva 2004/38 direitos de entrada e de residência num Estado‑Membro, mas apenas os que são membros da família, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, dessa diretiva, de um cidadão da União que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao estabelecerse num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional (21). O Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2004/38 se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que exige que o nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União que resida nesse Estado‑Membro de que não é nacional, tenha previamente residido legalmente num Estado‑Membro antes da sua chegada ao Estado‑Membro de acolhimento para beneficiar das disposições dessa diretiva (22).

55.      No que respeita, em segundo lugar, ao artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça declarou que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que o nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União que reside num Estado‑Membro de que não possui a nacionalidade, que acompanha ou se reúne a esse cidadão da União beneficia das disposições desta diretiva, independentemente do local ou da data do seu casamento e das circunstâncias em que esse nacional de um país terceiro entrou no Estado‑Membro de acolhimento (23).

2)      Acórdão Lounes

56.      O processo que deu origem ao Acórdão Lounes (24) dizia respeito a uma nacional espanhola, P. G. Ormazabal, que, depois de ter residido no Reino Unido desde 1996, adquirira a cidadania britânica, por naturalização durante o ano de 2009, tendo, no entanto, conservado a sua nacionalidade espanhola. Em 2014, P. G. Ormazabal casou‑se com um nacional argelino, Toufik Lounes. Este último tinha apresentado um pedido de cartão de residência na qualidade de cônjuge de um cidadão da União, que foi indeferido pelo Secretary of State for the Home Department (Ministro do Interior, Reino Unido), com o fundamento de que T. Lounes excedera o tempo de residência autorizado no Reino Unido em violação dos controlos em matéria de imigração.

57.      Ainda que o Tribunal de Justiça tenha constatado que P. G. Ormazabal tinha nacionalidade espanhola e que tinha exercido a sua liberdade de circulação ao se deslocar e ao residir num Estado‑Membro que não aquele de que é nacional, quando deixou Espanha para ir para o Reino Unido em 1996, as circunstâncias do caso em apreço levaram o Tribunal de Justiça a considerar que a Diretiva 2004/38 não era aplicável ao presente caso (25). Em conformidade com as Conclusões do advogado‑geral Y. Bot (26), o Tribunal de Justiça considerou que a aquisição da cidadania britânica por P. G. Ormazabal tinha implicado uma alteração de regime jurídico à luz, tanto do direito nacional como da Diretiva 2004/38 (27). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, por um lado, P. G. Ormazabal já não correspondia à definição de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e, por outro, que esta diretiva já não era aplicável para regular a sua residência no Reino Unido, uma vez que esta era, por natureza, incondicional. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que T. Lounes não beneficiava de um direito de residência derivado no Estado‑Membro em questão, com base nas disposições da Diretiva 2004/38 (28).

58.      O Tribunal de Justiça orientou, assim, as suas reflexões sobre a cidadania da União (29). A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou que os direitos conferidos a um cidadão da União pelo artigo 21.o, n.o 1, TFUE, incluindo os direitos derivados de que gozam os membros da sua família, tendem, designadamente, a favorecer a integração progressiva do cidadão da União em causa na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento (30). Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que o efeito útil destes direitos exige que um cidadão numa situação como a de P. G. Ormazabal possa continuar a gozar, no Estado‑Membro de acolhimento, dos direitos decorrentes da referida disposição, depois de ter adquirido a nacionalidade desse Estado‑Membro além da sua nacionalidade de origem, e, em especial, possa construir uma vida familiar com o seu cônjuge nacional de um Estado terceiro, através da concessão a este de um direito de residência derivado (31). Mais concretamente, o Tribunal de Justiça declarou que T. Lounes podia beneficiar desse direito de residência ao abrigo do artigo 21.o, n.o 1, TFUE, em condições que não deviam ser mais estritas do que as previstas pela Diretiva 2004/38 para a concessão desse direito a um nacional de um Estado terceiro, que é membro da família de um cidadão da União que exerceu o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro que não aquele de que é nacional (32).

3)      Caráter evolutivo do conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38: ensinamentos a retirar dos Acórdãos Metock e o. e Lounes

59.      Estou ciente das diferenças de ordem factual entre o presente processo e os que deram origem aos Acórdãos Metock e o. (33) e Lounes (34). No entanto, como referi no n.o 52 das presentes conclusões, estes dois processos afiguram‑se‑me pertinentes, nomeadamente, para efeitos da apreciação do caráter dinâmico e evolutivo do conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38.

60.      No que respeita ao Acórdão Metock e o. (35), parece‑me interessante observar desde já que os quatro recorrentes no processo principal, nacionais de um Estado terceiro, invocavam, ao abrigo da Diretiva 2004/38, o direito de se instalar com os seus cônjuges cidadãos da União no EstadoMembro de acolhimento (36). Com efeito, a apresentação, à época, dos pedidos de autorização de residência desses nacionais no Estado‑Membro de acolhimento ocorreu no momento em que os respetivos cônjuges cidadãos da União aí residiam há já alguns anos. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça proferiu esse acórdão no âmbito do reconhecimento de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento em que o cônjuge cidadão da União fez uso da sua liberdade de circulação, nele se estabelecendo (37). Recorde‑se que o Tribunal de Justiça declarou que a exigência de acompanhar ou de se reunir ao cidadão da União responde, por outro lado, à finalidade dos direitos derivados de entrada e de residência que a Diretiva 2004/38 prevê para os membros da família dos cidadãos da União, dado que, caso contrário, «a impossibilidade de o cidadão [da União] se fazer acompanhar da sua família ou de esta a ele se reunir no Estado‑Membro de acolhimento [pode] pôr em causa a sua liberdade de circulação, dissuadindo‑o de exercer os seus direitos de entrada e residência nesse Estado‑Membro» (38).

61.      Pode considerar‑se, à luz destes ensinamentos, que a qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, na medida em que foi obtida por via do casamento de um cidadão de um Estado terceiro com um cidadão da União que exerce a sua liberdade de circulação no Estado‑Membro de acolhimento em que residem juntos, se mantém adquirida e não pode ser perdida?

62.      Penso que não (39).

63.      Uma vez que esse acórdão foi proferido no âmbito de pedidos de nacionais de um Estado terceiro, cônjuges de cidadãos da União, sobre o direito destes nacionais de se instalarem com os seus cônjuges cidadãos da União no EstadoMembro de acolhimento, não se pode deduzir do raciocínio do Tribunal de Justiça, contrariamente ao que sustenta N. Chenchooliah, que a qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 se mantém adquirida e não pode ser perdida numa situação como a que está em causa no processo principal.

64.      Por outro lado, o caráter dinâmico ou evolutivo da qualidade de «titular» na aceção desta disposição foi posta recentemente em evidência pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Lounes (40). Com efeito, as circunstâncias do processo que deram origem a este acórdão, recordadas no n.o 56 das presentes conclusões, conduziram o Tribunal de Justiça a declarar que, desde que P. G. Ormazabal, cidadã da União, adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento já não integrava a definição de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, não obstante o facto de ter exercido, quase durante vinte anos, o seu direito de livre circulação no Estado‑Membro de acolhimento e ter mesmo adquirido um direito de residência permanente na aceção desta diretiva (41).

65.      Aplicando os ensinamentos retirados destes dois acórdãos ao caso em apreço para efeitos do exame do caráter evolutivo do conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, isso significa que, num primeiro momento, N. Chenchooliah, enquanto esposa de um cidadão português, obteve um direito de residência derivado de menos de três meses com base no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva. Ela era, nesse momento, «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, na medida em que residia com o seu cônjuge cidadão da União num Estado‑Membro diferente daquele de que era nacional. Contudo, num segundo momento, N. Chenchooliah perdeu a sua qualidade de «titular» na aceção desta disposição, em razão do regresso do seu marido a Portugal, dado que este último já não preenchia a condição de residência no Estado‑Membro de acolhimento e que ela própria já não preenchia a de o acompanhar ou de com ele se reunir nesse Estado‑Membro (42). Daqui resulta que, após o regresso do seu marido a Portugal e na medida em que permaneceu na Irlanda, onde já não residia com ele, N. Chenchooliah já não preenche o conceito de «titular», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38.

66.      Dito isto, o cerne da questão do presente processo continua em aberto: pode considerar‑se que, não obstante o facto de N. Chenchooliah ter deixado de ser «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, o seu afastamento do Estado‑Membro de acolhimento deve continuar a ser regido por essa diretiva?

67.      Como vou demonstrar nas considerações que se seguem, estou convencido de que sim.

c)      «Ciclo de vida» do exercício da liberdade de circulação de um cidadão da União e dos membros da sua família ao abrigo da Diretiva 2004/38

68.      Importa salientar, antes de mais, que embora N. Chenchooliah já não tenha a qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e que, consequentemente, perdera o seu direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, tal não implica de forma nenhuma que outras disposições desta diretiva não possam ser aplicáveis. É verdade que a aplicabilidade da Diretiva 2004/38 é determinada pelo seu artigo 3.o, n.o 1, pelo período durante o qual um cidadão da União e os membros da sua família são «titulares» na aceção desta disposição. Desta forma, durante esse período, retiram desta diretiva os direitos de livre circulação e residência. No entanto, as consequências da perda da qualidade de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, incluindo o afastamento, continuam ainda associadas ao período durante o qual o cidadão da União e os membros da sua família residiam legalmente no Estado‑Membro de acolhimento como «titulares», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva.

69.      Permitam-me que precise esta ideia.

1)      Aplicação diferencial da Diretiva 2004/38

70.      A estrutura da Diretiva 2004/38 revela que esta diretiva institui um sistema de aplicação diferencial das suas disposições. Uma simples leitura dos títulos dos diferentes capítulos e das disposições da Diretiva 2004/38 é suficiente para apreciar esse sistema (43). Com efeito, a estrutura desta diretiva remete, por um lado, para a ideia de evolução das situações do cidadão da União e dos membros da sua família que ela regula, bem como os direitos que confere, e, por outro, para a ideia de integração progressiva dos titulares no Estado‑Membro de acolhimento. Com efeito, a Diretiva 2004/38 regula o ciclo de vida completo do exercício da liberdade de circulação de um cidadão da União e dos membros da sua família desde o momento da sua chegada a um Estado‑Membro diferente daquele de que o cidadão é nacional até ao momento da sua saída do mesmo (44).

71.      A Diretiva 2004/38 estabelece, pois, um sistema que engloba diferentes tipos de direitos para diferentes categorias de cidadãos e que, por conseguinte, implica uma «aplicação diferencial» das suas disposições. Tal aplicação diferencial deve‑se ao facto de, por um lado, as situações de entrada, residência ou partida de um cidadão da União que fez uso da sua liberdade de circulação e dos membros da sua família que o acompanhem ou a ele se reúnam poderem ser muito diferentes e, por outro, de a sua situação se poder alterar durante o período de residência no Estado‑Membro de acolhimento. A aplicação diferencial da Diretiva 2004/38 significa simplesmente que diferentes categorias de cidadãos da União e de membros das suas famílias (estudantes, desempregados, trabalhadores ou residentes permanentes, etc.) podem ser sujeitas a diferentes tipos de direitos em função da etapa na qual se integrem (residência até três meses, mais de três meses ou permanente) e as condições de entrada ou de residência que preencham ao longo do exercício do seu direito de livre circulação e residência. Assim, o ciclo de vida completo do exercício da sua liberdade de circulação resulta totalmente do âmbito de aplicação desta diretiva (45).

72.      Por outro lado, esta ideia geral integra‑se perfeitamente na ideia de que o sistema previsto na Diretiva 2004/38 regula o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento de forma gradual (46). Deparamos aqui novamente com a ideia de evolução. Assim, e desde já, o direito de residência até três meses previsto no artigo 6.o da Diretiva 2004/38 não está sujeito a nenhuma formalidade além da obrigação de possuir um bilhete de identidade ou um passaporte válido (47). De seguida, o direito de residência por mais de três meses está subordinado às condições previstas no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 (48). Por fim, um direito de residência permanente (49) está previsto no artigo 16.o desta diretiva para os cidadãos da União e os membros da sua família que tenham residido legalmente durante um período ininterrupto de cinco anos no território do Estado‑Membro de acolhimento (50). O cidadão da União e os membros da sua família podem ultrapassar uma ou várias etapas do exercício do seu direito de livre circulação, desde que preencham as condições, variáveis de acordo com a duração da residência, previstas na Diretiva 2004/38 (51), o que favorece a sua «integração progressiva» na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

73.      Todavia, se, num determinado momento, essas pessoas não preencherem as condições previstas na Diretiva 2004/38, tendo como consequência a perda da sua qualidade de «titulares» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva e, por conseguinte, os seus direitos de entrada e de residência no Estado‑Membro de acolhimento, isso não significa que as outras disposições desta diretiva não lhes sejam aplicáveis. Essas outras disposições regulam não só as condições de manutenção do direito de residência e as condições segundo as quais este direito deixa de existir (artigos 12.o a 14.o) mas também as limitações dos direitos de entrada e de residência e a proteção em caso de afastamento (artigo 15.o).

74.      A este respeito, parece‑me oportuno recordar que o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 prevê que «[o]s cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas». Os artigos 12.o e 13.o da referida diretiva regulam, respetivamente, a manutenção do direito de residência dos membros da família em caso de morte ou de partida do cidadão da União e a manutenção desse direito, em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada. Assim, ao passo que as situações previstas nesses dois artigos não afetam o direito de residência dos membros da família do cidadão da União que tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro (52), o mesmo não se aplica aos membros da família de um cidadão da União nacionais de um Estado terceiro, que devem satisfazer determinadas condições para conservar o seu direito de residência derivado. Se estas condições, estabelecidas no artigo 12.o, n.o 2, e no 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, não forem cumpridas, estas pessoas perdem os seus direitos de residência sem no entanto perderem a proteção contra o afastamento. Com efeito, estas estão protegidas pelo artigo 15.o (capítulo III) desta diretiva que rege a limitação da livre circulação de um cidadão da União ou dos membros da sua família por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. A situação de N. Chenchooliah é abrangida por esta última disposição.

75.      Em meu entender, resulta da análise dos artigos 12.o e 13.o da Diretiva 2004/38 que, mesmo se um nacional de um país terceiro perder o direito de residência derivado e, por conseguinte, já não for «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, a referida diretiva confere a proteção em caso de afastamento previsto no artigo 15.o desta mesma diretiva.

76.      Dito isto, considero importante, nesta fase da minha análise, destacar a diferença essencial existente entre o presente processo e o processo que deu origem ao Acórdão Lounes (53).

2)      Diferença essencial existente entre o presente processo e o processo que deu origem ao Acórdão Lounes

77.      No processo Lounes, a alteração verificada foi uma alteração fundamental do estatuto de P. G. Ormazabal. Com efeito, resulta deste acórdão que, ao adquirir a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento, P. G. Ormazabal mudou de regime jurídico, tanto à luz do direito nacional como da Diretiva 2004/38. Assim, ainda que esta diretiva tenha enquadrado o exercício da sua liberdade de circulação no Estado‑Membro de acolhimento durante quase vinte anos, esta mudança fundamental de regime jurídico de P. G. Ormazabal teve como consequência fazer evoluir a sua situação, não no quadro da Diretiva 2004/38 mas, pelo contrário, fora desta, pelo que esta diretiva deixou de se aplicar a P. G. Ormazabal desde a sua naturalização. Por conseguinte, T. Lounes não beneficiava de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo das disposições da Diretiva 2004/38.

78.      Em contrapartida, no processo principal, o regresso do cônjuge de N. Chenchooliah a Portugal pôs termo ao ciclo de vida do seu direito de livre circulação e de residência (próprio e derivado) com a consequente perda da qualidade de «titulares» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, sem provocar, no entanto, a perda da proteção prevista por esta diretiva em caso de afastamento do território do Estado‑Membro de acolhimento.

79.      Dito de outra forma, contrariamente à situação de P. G. Ormazabal, que, na sequência da aquisição da cidadania britânica, saiu do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38 devido à mudança de regime jurídico decorrente da alteração de estatuto (sendo, no entanto, abrangida pelo artigo 21.o, n.o 1, TFUE), a do marido de N. Chenchooliah, na sequência do seu regresso a Portugal, já não é regulada por esta diretiva, sem que tal signifique que tenha mudado de regime jurídico. Este último poderá, no futuro, exercer o seu direito à livre circulação na Irlanda no âmbito da Diretiva 2004/38, ao passo que P. G. Ormazabal, enquanto cidadã britânica, goza de um direito de residência incondicional no Reino Unido. Assim, esta diretiva não tem vocação para regular o direito de residência nesse Estado‑Membro.

80.      Por conseguinte, contrariamente à situação de T. Lounes que, na sequência da aquisição da nacionalidade britânica, não pôde beneficiar de um direito de residência nos termos da Diretiva 2004/38, N. Chenchooliah, depois do regresso do seu cônjuge a Portugal, está abrangida nomeadamente pelo âmbito de aplicação de outras disposições dessa diretiva para efeitos do afastamento (54).

3)      O afastamento de um nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União, continua a ser abrangido pela Diretiva 2004/38, quando esse cidadão tiver deixado de exercer a sua liberdade de circulação no EstadoMembro de acolhimento em razão do seu regresso ao EstadoMembro de que é nacional

81.      Como resulta das considerações expostas nos n.os 68 a 80 das presentes conclusões, é manifesto que o afastamento de N. Chenchooliah entra no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38, nomeadamente no seu artigo 15.o

82.      Outras três considerações afiguram‑se importantes a este respeito.

83.      Em primeiro lugar, observo que, no processo que deu origem ao Acórdão Metock e o. (55), o Ministro tinha já defendido uma interpretação ampla da aplicação do direito nacional dos estrangeiros aos cônjuges que sejam membros da família de um cidadão da União. Esta posição foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 60 a 70 do seu acórdão. Neste contexto, o Tribunal de Justiça recordou, nomeadamente, a competência do legislador da União para definir as condições de entrada e de residência dos membros da família de um cidadão da União no território dos Estados‑Membros quando a impossibilidade de o cidadão se fazer acompanhar da sua família ou de esta a ele se reunir no Estado‑Membro de acolhimento possa pôr em causa a sua liberdade de circulação, dissuadindo‑o de exercer os seus direitos de entrada e residência nesse Estado‑Membro (56).

84.      De resto, reconhecer aos Estados‑Membros a possibilidade de decidir do afastamento do território do Estado‑Membro de acolhimento nos termos das garantias processuais da Diretiva 2004/38 ou da expulsão, por força do direito nacional dos estrangeiros, dos nacionais de Estados terceiros, membros da família de cidadãos da União, teria por efeito que a liberdade de circulação dos cidadãos da União num Estado‑Membro de que não são nacionais variasse de um Estado‑Membro para outro, em função das disposições de direito nacional em matéria de imigração, permitindo, nomeadamente, as expulsões com proibição de entrada por tempo indeterminado. Tal resultado seria incompatível com o direito de todos os cidadãos da União de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros.

85.      Em segundo lugar, importa sublinhar que, como a Comissão salientou expressamente, uma interpretação segundo a qual um cidadão da União e os membros da sua família estejam sujeitos a procedimentos de afastamento diferentes prejudicaria o objetivo de assegurar a proteção da vida familiar e facilitar o exercício da liberdade de circulação (57). Assim, se um nacional de um país terceiro, cônjuge de um cidadão da União que já não exerce os seus direitos de livre circulação, pudesse ser expulso com fundamento no direito nacional dos estrangeiros, que prevê uma proibição de entrada no território irlandês por tempo indeterminado, como é o caso em apreço, tal equivaleria, na verdade, a impedir o cidadão da União de regressar no futuro à Irlanda com o seu cônjuge no caso em que pretenda fazer uso da sua liberdade de circulação nesse Estado‑Membro (58).

86.      A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que o considerando 5 da Diretiva 2004/38 enuncia que «[o] direito de todos os cidadãos da União circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros implica, para que possa ser exercido em condições objetivas de liberdade e de dignidade, que este seja igualmente concedido aos membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade» (59). Em minha opinião, é razoável considerar que estas «condições objetivas de liberdade e de dignidade» devem abranger todo o ciclo de vida do exercício da liberdade de circulação dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, após a sua chegada ao Estado‑Membro de acolhimento até à sua partida do mesmo. Por outro lado, o considerando 25 enuncia, designadamente, que é necessário especificar as garantias processuais, a fim de assegurar um elevado nível de proteção dos direitos do cidadão da União e dos membros da sua família em caso de recusa de entrada ou de residência noutro Estado‑Membro.

87.      Em terceiro e último lugar, a posição que apresentei nos n.os 68 a 80 das presentes conclusões, segundo a qual N. Chenchooliah continua a enquadrar‑se no âmbito da Diretiva 2004/38, nomeadamente do seu artigo 15.o, para efeitos do seu afastamento, está em conformidade com a necessidade de não interpretar as disposições da Diretiva 2004/38 de modo restritivo e de não as privar do seu efeito útil (60).

88.      Por conseguinte, tendo em conta as considerações que precedem, considero que, na medida em que a cessação ou a caducidade de um direito de residência faz parte da finalidade do exercício da liberdade de circulação, o afastamento do território do Estado‑Membro de acolhimento, de um nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União, se continua a enquadrar no âmbito da Diretiva 2004/38, nomeadamente do seu artigo 15.o, quando esse cidadão deixou de fazer uso da sua liberdade de circulação no Estado‑Membro de acolhimento ao regressar ao Estado‑Membro de que é nacional.

2.      Quanto às limitações e às garantias processuais aplicáveis ao afastamento de cidadãos da União e dos membros das suas famílias nacionais de um Estado terceiro, pela razão da caducidade do seu direito de residência

89.      A Diretiva 2004/38 estabelece limitações e garantias processuais aplicáveis ao afastamento de cidadãos da União e dos membros da sua família. Mais especificamente, esta diretiva estabelece uma distinção entre dois regimes diferentes com base nas razões que justificam o afastamento. Assim, uma decisão de expulsão pode ser justificada quer por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública (capítulo VI), quer por outras razões (artigo 15.o), nomeadamente pelo facto de um beneficiário da Diretiva 2004/38 deixar de preencher as condições de residência previstas por esta.

90.      Embora concorde com o Ministro, por considerar que os motivos invocados para justificar o afastamento de N. Chenchooliah não fazem parte das razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública previstas na Diretiva 2004/38, considero inconcebível, pelas razões que vou expor a seguir, que a situação de N. Chenchooliah não seja abrangida pelo artigo 15.o desta diretiva.

a)      Âmbito de aplicação do capítulo VI da Diretiva 2004/38

91.      O Ministro e os governos que apresentaram observações alegam que, numa situação como a de N. Chenchooliah, uma decisão de afastamento rege‑se não pelas disposições do capítulo VI da Diretiva 2004/38 mas pelo direito nacional dos estrangeiros (decisão de expulsão) (61).

92.      Em contrapartida, N. Chenchooliah alega que uma decisão de afastamento a seu respeito deve ser tomada nos termos e em conformidade com as disposições do capítulo VI da Diretiva 2004/38, em particular dos artigos 27.o e 28.o desta diretiva.

93.      Em primeiro lugar, antes de analisar o grau de proteção contra o afastamento de um nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União, como N. Chenchooliah, há que recordar que resulta da epígrafe do capítulo VI da Diretiva 2004/38 que as disposições estabelecidas neste capítulo, especialmente o artigo 27.o, abrangem a limitação do direito de entrada e do direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

94.      É manifesto que os motivos invocados para justificar o afastamento de N. Chenchooliah não são fundados em razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública abrangidas pelo capítulo VI da Diretiva 2004/38 (62). Com efeito, como o Ministro salientou nas suas observações escritas e confirmou na audiência, o seu afastamento baseia‑se no facto de o seu cônjuge cidadão da União não exercer, desde o seu regresso a Portugal, o seu direito de livre circulação na Irlanda. O Ministro referiu igualmente que uma decisão de expulsão, tal como o projeto de decisão de expulsão de N. Chenchooliah, é uma medida de controlo da imigração adotada para fins económicos.

95.      Em segundo lugar, parece‑me útil regressar ao Acórdão Metock e o. (63) fazendo referência aos seus n.os 94 e 95. Recorde‑se que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 94 desse acórdão, que «[a] aplicação da Diretiva 2004/38 apenas aos membros da família de um cidadão da União que o “acompanhem” ou que a ele “se reúnam” equivale […] a restringir os direitos de entrada e residência dos membros da família de um cidadão da União no Estado‑Membro em que este reside». No entanto, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 95 do referido acórdão, que «[a] partir do momento em que a Diretiva 2004/38 confere ao nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, direitos de entrada e residência no Estado‑Membro de acolhimento, este só pode restringir esse direito dentro dos limites definidos nos artigos 27.o e 35.o dessa diretiva» (64). Na minha opinião, esta precisão não pode ser apreciada de forma distinta do quadro factual em que este acórdão foi proferido, a saber, que os cidadãos da União em causa se estabeleceram no EstadoMembro de acolhimento e aí residiram com os seus respetivos cônjuges nacionais de um Estado terceiro. Por conseguinte, tal precisão do Tribunal de Justiça deve ser entendida no sentido de que se e desde que o nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União que exerce a sua liberdade de circulação, resida com esse cidadão no Estado‑Membro de acolhimento e, em seguida, perde os direitos de entrada e de residência derivado de que é titular ao abrigo da Diretiva 2004/38, estes direitos não podem ser limitados no respeito, designadamente, pelos artigos 27.o e 35.o desta diretiva.

96.      Aplicado ao caso em apreço, isto significa que, uma vez que o cônjuge de N. Chenchooliah regressou a Portugal e que o casal já não reside junto no Estado‑Membro de acolhimento, N. Chenchooliah deixou de beneficiar da proteção contra o afastamento prevista nos artigos 27.o e 28.o da Diretiva 2004/38.

97.      Daqui resulta que a situação de N. Chenchooliah não é abrangida, em princípio, pelo âmbito de aplicação do capítulo VI da Diretiva 2004/38 (65). Todavia, como expus nos n.os 72 a 74 das presentes conclusões, isso não significa que N. Chenchooliah não integre o âmbito de aplicação de outras disposições dessa diretiva, incluindo o artigo 15.o da mesma, que regem as garantias processuais relacionadas com o afastamento de cidadãos da União ou de membros das suas famílias que tenham residido no passado no Estado‑Membro de acolhimento na qualidade de «titulares» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva.

b)      Interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2004/38

98.      Em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, «[o]s procedimentos previstos nos artigos 30.o e 31.o aplicam‑se, por analogia, a todas as decisões de restrição da livre circulação dos cidadãos da União e membros das suas famílias, por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública» (66).

99.      Em primeiro lugar, resulta de uma leitura puramente literal do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que as garantias processuais para que esta disposição remete (artigos 30.o e 31.o) são aplicáveis «por analogia, a todas as decisões de restrição da livre circulação dos cidadãos da União e membros das suas famílias». Isto significa que esta decisão se aplica a qualquer decisão de afastamento que limite a livre circulação não só dos cidadãos mas também dos membros da sua família. Resulta igualmente da leitura desta disposição que a mesma não abrange as decisões tomadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, mas apenas as adotadas «por outras razões». Por conseguinte, há que considerar que as «outras razões» a que faz referência o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 dizem respeito, designadamente, à situação da perda de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento em virtude do regresso do cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional, como a que está em causa no processo principal.

100. Em segundo lugar, tendo em conta as disposições que rodeiam o artigo 15.o da Diretiva 2004/38, importa recordar que este artigo está inserido no capítulo III desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência». As disposições deste capítulo dizem respeito, particularmente, ao direito de residência até três meses (artigo 6.o), ao direito de residência por mais de três meses (artigo 7.o), bem como, por um lado, à conservação do direito de residência dos membros da família em caso de morte ou partida do cidadão da União (artigo 12.o), em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada (n.o 13) e, por outro, à conservação do direito de residência previsto nos artigos 6.o, 7.o, 12.o e 13.o, desde que os titulares desses direitos respeitem as condições estabelecidas nesses artigos (artigo 14.o). Neste contexto, como a Comissão corretamente salientou, o artigo 15.o da Diretiva 2004/38 abrange os casos em que um cidadão da União e os membros da sua família que o acompanhem e a ele se reúnam deixem de preencher as condições de residência previstas pela diretiva (artigos 6.o, 7.o, 12.o, 13.o ou 14) e, consequentemente, percam os seus direitos de residência próprios ou derivados (67). No caso em apreço, é ponto assente que N. Chenchooliah residiu na Irlanda na qualidade de cônjuge de um cidadão da União que fez uso da sua liberdade de circulação nesse Estado‑Membro ao abrigo do direito de residência derivado inferior a três meses, previsto no artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, direito esse que perdeu na sequência do regresso do seu cônjuge a Portugal.

101. Por conseguinte, examinado no seu contexto, o artigo 15.o da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que abrange um cidadão da União e os membros da sua família nacionais de um Estado terceiro numa situação como a de N. Chenchooliah. Esta interpretação é a única suscetível de garantir a realização dos objetivos prosseguidos por esta diretiva.

102. A conclusão anterior é confirmada pela análise da finalidade da Diretiva 2004/38.

103. A este respeito, há que recordar, antes de mais, que resulta de uma interpretação constante do Tribunal de Justiça que o legislador da União reconheceu a importância de assegurar a proteção da vida familiar dos nacionais dos Estados‑Membros a fim de eliminar os obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE (68). Como afirmei nos n.os 85 e 86 das presentes conclusões, não aplicar o artigo 15.o da Diretiva 2004/38 aos membros da família nacionais de um Estado terceiro seria, na minha opinião, inconcebível e teria por consequência que um casal pudesse ser afastado do Estado‑Membro de acolhimento com fundamento em regimes jurídicos diferentes, o que prejudicaria o objetivo de assegurar a proteção da vida familiar e facilitar o exercício da liberdade de circulação. No caso em apreço, se N. Chenchooliah fosse expulsa ao abrigo, designadamente, do artigo 3.o, n.o 1, da Lei de 1999 Relativa à Imigração, ser‑lhe‑ia aplicada uma proibição de entrada no território irlandês. Mesmo se, como indicado pelo Ministro nas suas observações escritas, o artigo 3.o, n.o 11, desta lei prevê que a pessoa objeto de uma decisão de expulsão possa requerer ao Ministro que essa decisão seja modificada ou revogada, o Ministro confirmou na audiência que esse era, no entanto, um poder discricionário.

104. Em seguida, há que recordar que, nos termos do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2004/38, o Estado‑Membro de acolhimento não pode acompanhar a decisão de afastamento referida no artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva, de uma proibição de entrada no território. É, portanto, evidente que o recurso, pelo Estado‑Membro de acolhimento, a uma decisão de expulsão com fundamento no direito nacional dos estrangeiros acompanhada de uma proibição de entrada no território constitui, em qualquer caso, uma violação dos requisitos do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2004/38. Além disso, esse recurso levaria efetivamente a impedir o cidadão da União de regressar no futuro à Irlanda com o seu cônjuge nacional de um país terceiro, caso pretendesse fazer uso da sua liberdade de circulação nesse Estado‑Membro.

105. Por último, a não aplicação do artigo 15.o da Diretiva 2004/38 a situações como as que estão em causa no processo principal teria por consequência esvaziar esta disposição de uma parte da sua substância, porque a privaria do seu efeito útil.

106. Por todos estes motivos, considero que os artigos 15.o, 30.o e 31.o da Diretiva 2004/38 devem ser interpretados no sentido de que são aplicáveis a uma decisão de afastamento de um nacional de um Estado terceiro, cônjuge de um cidadão da União, como a recorrente no processo principal.

V.      Conclusão

107. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda) do seguinte modo:

Os artigos 15.o, 30.o e 31.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, devem ser interpretados no sentido de que são aplicáveis a uma decisão de afastamento de um nacional de um Estado terceiro baseada no facto de este não dispor de um direito de residência ao abrigo desta diretiva, numa situação em que este nacional se casou com um cidadão da União, quando este fez uso da sua liberdade de circulação ao se deslocar e ao residir num Estado‑Membro que não aquele de que é nacional, por força do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, cidadão esse que, posteriormente, regressou ao Estado‑Membro de que é nacional.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77), com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011 (JO 2011, L 141, p. 1, com retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34) (a seguir «Diretiva 2004/38»).


3      Resulta da decisão de reenvio que o dia 7 de novembro de 2012 é a data em que a última autorização concedida à recorrente, enquanto estudante, caducou.


4      V. n.o 23 das presentes conclusões. É de salientar que, nas suas observações escritas, a Comissão refere, a título preliminar, que resulta da decisão de reenvio que as autoridades irlandesas, ao recusarem conceder um cartão de residência a N. Chenchooliah, se basearam exclusivamente na questão de saber se o seu cônjuge, cidadão da União, dispunha pessoalmente de recursos suficientes e se podia apresentar um contrato de trabalho para esse efeito. Ora, a Comissão recorda que decorre de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o requisito previsto no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 de «dispor» de recursos suficientes deve ser interpretado no sentido de que «basta que os cidadãos da União tenham a disposição desses recursos, sem que esta disposição contenha a menor exigência quanto à sua proveniência, podendo estes recursos ser fornecidos, designadamente, pelo nacional de um Estado terceiro […]. Com efeito, como o Tribunal de Justiça também já declarou, uma interpretação da condição relativa ao caráter suficiente dos recursos no sentido de que o interessado deve dispor ele próprio de tais recursos, sem poder beneficiar, a este título, dos recursos de um membro da família que o acompanha, adicionaria a esta condição, tal como está formulada na Diretiva 2004/38, uma exigência relativa à proveniência dos recursos que constituiria uma ingerência desproporcionada no exercício do direito fundamental de livre circulação e de residência garantido pelo artigo 21.o TFUE, na medida em que não é necessária à concretização do objetivo prosseguido, ou seja, a proteção das finanças públicas dos Estados‑Membros». V. Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o. (C‑218/14, EU:C:2015:476, n.os 74 e 75 e jurisprudência referida). Embora concorde com esta análise da Comissão, há que sublinhar que, não só não dispomos de elementos suficientes para examinar esta questão no caso em apreço, mas, sobretudo, que a Decisão do Ministro de 11 de setembro de 2012, que N. Chenchooliah não contesta, se tornou definitiva. V. n.o 22 das presentes conclusões.


5      Segundo a Comissão, uma medida de afastamento deve, por conseguinte, ser adotada em conformidade com a legislação nacional que transpõe a diretiva.


6      Resulta da decisão de reenvio que, nesse processo, uma autorização de residência na Irlanda foi recusada ao recorrente, P. Igunma, nacional de um Estado terceiro, pelo facto de a sua esposa, cidadã da União, não ter sido considerada como exercendo os direitos decorrentes do direito da União no momento da apresentação do pedido de autorização de residência. O processo teve início com a detenção de P. Igunma com vista à execução de uma decisão de expulsão contra este adotada antes de se ter casado com a sua esposa na Irlanda. A questão principal suscitada por este processo dizia respeito à questão de saber se P. Igunma podia ser considerado uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38 e dos regulamentos irlandeses que a transpõem. O órgão jurisdicional de reenvio considerou que a Diretiva 2004/38 e os regulamentos mencionados eram aplicáveis a P. Igunma e não podia, por conseguinte, ser afastado do território a não ser através de uma decisão de afastamento do território adotada em conformidade com os regulamentos irlandeses. No n.o 32 da decisão, o referido tribunal observou que existem diferenças entre uma decisão de expulsão e uma decisão de afastamento, sendo que uma delas é que uma decisão de expulsão tem uma duração ilimitada. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma decisão de afastamento esgota os seus efeitos com a sua execução, a menos que seja acompanhada de um período de proibição de entrada determinada no território.


7      Acórdão de 20 de setembro de 2001 (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.o 31).


8      Esta precisão, bem assente na jurisprudência do Tribunal de Justiça, foi recentemente recordada no Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 64 e jurisprudência referida).


9      V. considerando 3 da Diretiva 2004/38.


10      Acórdãos de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.os 59 e 82); de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 35); e de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 31 e jurisprudência referida).


11      Acórdãos de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 33), e de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 41).


12      Nas presentes conclusões, utilizo o termo «titular» apenas na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. V. nota 54 das presentes conclusões.


13      V., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo O. e o. (C‑456/12, EU:C:2013:837, n.o 68).


14      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 32 e jurisprudência referida).


15      V. n.o 40 das presentes conclusões.


16      Contudo, o Tribunal de Justiça reconheceu um direito de residência derivado aos nacionais de um Estado terceiro membros da família do cidadão da União de regresso ao Estado‑Membro de que é nacional: v. Acórdãos de 7 de julho de 1992, Singh (C‑370/90, EU:C:1992:296, n.o 25), e de 11 de dezembro de 2007, Eind (C‑291/05, EU:C:2007:771, n.o 45). Nestes dois acórdãos, o Tribunal de Justiça decidiu designadamente que, quando um cidadão da União tiver residido com um membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional durante um período superior, respetivamente, a dois anos e meio e um ano e meio, e que aí exerceu uma atividade assalariada, esse nacional de um Estado terceiro deve, no regresso desse cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional, beneficiar, ao abrigo do direito da União, de um direito de residência derivado neste último Estado. O Tribunal de Justiça esclareceu de seguida, no seu Acórdão de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 61), que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a Diretiva 2004/38 é aplicável por analogia a uma situação na qual um cidadão da União tenha desenvolvido ou consolidado uma vida familiar com um nacional de um Estado terceiro por ocasião de uma residência efetiva, nos termos e no respeito dos requisitos enunciados no artigo 7.o, n.os 1 e 2, ou no artigo 16.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/38, num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, e regresse, com o membro da família em causa, ao Estado‑Membro de que é nacional. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou, embora a Diretiva 2004/38 não se aplique a um tal caso de regresso, deve ser aplicada por analogia no que respeita às condições de residência do cidadão da União num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, visto que, em ambos os casos, é o cidadão da União que constitui a pessoa de referência para que um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse cidadão da União, possa obter o direito de residência derivado. No que se refere ao regresso de um cidadão da União e do seu cônjuge do mesmo sexo: v. Acórdão de 5 de junho de 2018, Coman e o. (C‑673/16, EU:C:2018:385). No que diz respeito ao regresso de um cidadão da União e do parceiro com o qual mantém uma relação estável devidamente certificada, v. Acórdão de 12 de julho de 2018, Banger (C‑89/17, EU:C:2018:570).


17      A este respeito, é de notar que, dado que N. Chenchooliah não acompanhou nem se reuniu ao seu cônjuge em Portugal, a jurisprudência relativa ao direito de entrada ou de residência derivado de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União de regresso ao Estado‑Membro de que tem a nacionalidade, não é aplicável às circunstâncias em causa no processo principal. Sobre esta jurisprudência do Tribunal de Justiça, v. nota 16. No que respeita ao direito de entrada de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União, titular de um cartão de residência emitido por um Estado‑Membro nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça concluiu que este nacional «não está sujeito à obrigação de obter um visto ou a uma obrigação equivalente para poder entrar no território do Estado‑Membro de que esse cidadão da União é originário». V. Acórdão de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 42). V., igualmente, as minhas Conclusões no processo McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:345).


18      Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑127/08, EU:C:2008:449).


19      Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).


20      Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑127/08, EU:C:2008:449). V., igualmente, tomada de posição do advogado‑geral M. Poiares Maduro nesse processo (C‑127/08, EU:C:2008:335).


21      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 73).


22      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 80). Para memória, neste acórdão, o Tribunal de Justiça divergiu da jurisprudência do Acórdão de 23 de setembro de 2003, Akrich (C‑109/01, EU:C:2003:491).


23      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 99).


24      Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).


25      O Tribunal de Justiça recordou, a este respeito, que a Diretiva 2004/38 não se destina a reger a residência de um cidadão da União no Estado‑Membro de que este é nacional e, por conseguinte, também não se destina a conferir, no território desse mesmo Estado‑Membro, um direito de residência derivado aos membros da família desse cidadão, nacionais de um Estado terceiro. Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 37 e jurisprudência aí referida).


26      V. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:407, n.os 48 e 63).


27      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 39).


28      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.os 41 e 44).


29      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 48): «A finalidade e a justificação de tal direito derivado têm por base a constatação de que não o reconhecer pode afetar, designadamente, essa liberdade [de circulação] assim como o exercício e o efeito útil dos direitos que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE confere ao cidadão da União em causa».


30      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 56).


31      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes, C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 60). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:407, n.o 86): «privá‑la daqui em diante dos direitos de que beneficiou até agora relativamente à permanência dos membros da sua família porque procurou, através da sua naturalização, uma maior integração no Estado‑Membro de acolhimento, aniquila o efeito útil dos direitos de que beneficia ao abrigo do artigo 21.o, n.o 1, TFUE».


32      Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 62).


33      Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑127/08, EU:C:2008:449).


34      Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).


35      Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑127/08, EU:C:2008:449).


36      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.os 18 a 37).


37      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 73).


38      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 63); de 8 de novembro de 2012, Iida (C‑40/11, EU:C:2012:691, n.os 63 e 68); de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 45); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 73); e de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 48).


39      Dito isto, importa, em meu entender, não confundir, por um lado, as situações em que é claro que as condições da Diretiva 2004/38 não se encontram preenchidas, como é o caso do regresso do cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional ou da sua instalação noutro Estado‑Membro de forma definitiva, enquanto o seu cônjuge, nacional de um Estado terceiro, permanece no Estado‑Membro de acolhimento onde residiam em conjunto e, por outro, as situações com caráter temporário, em que há que considerar que o cidadão da União e o seu cônjuge nacional de um Estado terceiro continuam a ter a qualidade de «titulares» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. Tal é o caso, nomeadamente, de um cidadão da União que se desloque e resida temporariamente no Estado‑Membro de que é nacional, para fazer um tratamento médico, devidamente certificado, para se ocupar temporariamente de um membro da sua família confrontado com problemas de saúde, ou que se desloque e permaneça temporariamente noutro Estado‑Membro por razões importantes, como uma gravidez e um parto, estudos ou uma formação profissional, ou por razões profissionais, como, por exemplo, um destacamento noutro Estado‑Membro ou num país terceiro, e que estaria abrangido por esta segunda categoria de situações. Isto significa, na minha opinião, que, na hipótese em que o cidadão da União deve reentrar ou residir temporariamente no Estado‑Membro de que é nacional ou se desloque e resida temporariamente noutro Estado‑Membro, por razões devidamente justificadas, o seu cônjuge nacional de um Estado terceiro que permanece no Estado‑Membro de acolhimento, nomeadamente, para não perder o seu trabalho, prosseguir os estudos ou uma formação profissional nesse Estado‑Membro, deve continuar a ser abrangido pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. No que respeita à manutenção do cartão de residência em caso de ausências temporárias, v. artigo 11.o, n.o 2, desta diretiva.


40      Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).


41      Com efeito, a integração progressiva e exemplar de P. G. Ormazabal na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento, até ao ponto de abraçar a nacionalidade desse Estado‑Membro, teve como resultado paradoxal a perda dos seus direitos ao abrigo da Diretiva 2004/38, embora tivesse cumprido, em cada etapa, as condições de residência exigidas. Sobre este paradoxo, v. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:407, n.os 86 a 89). No entanto, o Tribunal de Justiça compensou esta interpretação restritiva da Diretiva 2004/38 por aplicação do artigo 21.o, n.o 1, TFUE, que continuava a ser aplicável a P. G. Ormazabal. A este respeito, parece‑me importante sublinhar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça teve, designadamente, em conta a nacionalidade espanhola de P. G. Ormazabal, declarando que «um Estado‑Membro não pode restringir os efeitos decorrentes da posse da nacionalidade de outro Estado‑Membro, designadamente os direitos que lhe são inerentes nos termos do direito da União, e que resultam do exercício, por um cidadão, da sua liberdade de circulação»: Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 55). Sobre a colocação em causa do princípio da prevalência da nacionalidade do foro, v., nomeadamente, Pataut, É., «Les conflits de nationalités face au droit de l’Union», Revue critique de droit international privé, abril‑junho 2018, pp. 241 a 256.


42      Na medida em que o marido de N. Chenchooliah regressou a Portugal, onde cumpre uma longa pena de prisão, não é possível considerar que o seu regresso a Portugal seja «temporário» no sentido referido na nota 39 das presentes conclusões. V., igualmente, notas 16 e 17 das presentes conclusões.


43      V., nomeadamente, capítulo II, intitulado «Direito de saída e entrada», e capítulo III, intitulado «Direito de residência» (até três meses, de mais de três meses, permanente), sobre a manutenção do direito de residência (mesmo em caso de partida do cidadão da União), as limitações do direito de entrada e de residência (afastamento), desta diretiva.


44      Entendo o ciclo de vida da Diretiva 2004/38 como o período durante o qual se realiza a sucessão de etapas que compõem a liberdade de circulação dos cidadãos da União, incluindo aquele em que o direito de livre circulação regulado por essa diretiva deixa de existir.


45      V. n.70 das presentes conclusões.


46      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou várias vezes que, no contexto global da Diretiva 2004/38, o objetivo de facilitar e reforçar o exercício do direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros que é conferido diretamente aos cidadãos da União pelo Tratado FUE faz parte de um sistema gradual que rege o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento. O Tribunal de Justiça acrescentou que, retomando, no essencial, as etapas e os requisitos previstos nos diferentes instrumentos do direito da União e a jurisprudência anteriores a esta diretiva, este sistema conduz ao direito de residência permanente. Acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja (C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.o 38); de 16 de janeiro de 2014, Onuekwere (C‑378/12, EU:C:2014:13, n.o 30); e de 17 de abril de 2018, B e Vomero (C‑316/16 e C‑424/16, EU:C:2018:256, n.o 51).


47      Segundo o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, esse direito mantém‑se enquanto os cidadãos da União ou os membros da sua família não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.


48      Com efeito, nos termos do artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva, os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência se preencherem as condições previstas, designadamente, no artigo 7.o da mesma, que se destinam a evitar que estes se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. V. Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Gusa (C‑442/16, EU:C:2017:607, n.os 51 e 52): «este segundo objetivo [que resulta do considerando 10] só existe […] devido ao primeiro: uma vez que a diretiva visa facilitar o exercício do direito de residência, os Estados‑Membros consideraram que era necessário assegurar que o encargo financeiro desta liberdade fosse controlado».


49      Mais precisamente, resulta do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que o direito de residência permanente não está sujeito às condições previstas no capítulo III desta diretiva. Assim, o titular de um direito de residência permanente poderia constituir uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento e não poderia ser afastado do território desse Estado‑Membro. V. Lenaerts, K., «European Union Citizenship, National Welfare Systems and Social Solidarity», Jurisprudência, n.o 18, 2011, p. 409.


50      «A ideia fundamental é que os direitos de que beneficiam os cidadãos da União e os membros da sua família aumentam com a duração da residência noutro Estado‑Membro»: Barnard, C., The Substantive Law of the EU: The Four Freedoms, 5.a ed., Oxford University Press, Oxford, 2016, p. 438.


51      Com efeito, para prolongar a sua residência além do período de três meses no Estado‑Membro de acolhimento, o cidadão da União deve exercer «uma atividade assalariada ou não assalariada» [artigo 7.o, n.o 1, alínea a)] ou dispor de recursos suficientes, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença [artigo 7.o, n.o 1, alínea b)], ou ser estudante [artigo 7.o, n.o 1, alínea c)] ou ser membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições enunciadas, supra [artigo 7.o, n.o 1, alínea d)]. Se o cidadão preenche uma destas condições, o benefício do direito de residência por mais de três meses é extensivo (sem prejuízo das limitações previstas no n.o 4 do referido artigo 7.o) também aos membros da sua família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro (n.o 2 deste mesmo artigo).


52      Sem prejuízo do disposto no artigo 12.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38, que prevê que, «[a]ntes de adquirir o direito de residência permanente, as pessoas em questão devem preencher as condições previstas nas alíneas a), b), c) ou d) do n.o 1 do artigo 7.o», bem como do artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38, que prevê que, «[a]ntes de adquirir o direito de residência permanente, as pessoas em questão devem preencher as condições previstas nas alíneas a), b), c) ou d) do n.o 1 do artigo 7.o».


53      Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).


54      Como a Comissão referiu na audiência, há que fazer uma distinção em função do objetivo da utilização do conceito de «titular», a saber, nomeadamente, o relativo ao exercício do direito de livre circulação e/ou do direito de residência ou o relativo à limitação desses direitos e da proteção em caso de afastamento.


55      Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑127/08, EU:C:2008:449).


56      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 63); de 8 de novembro de 2012, Iida (C‑40/11, EU:C:2012:691, n.os 63 e 68); de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 45); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 73); e de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 48).


57      Segundo as explicações fornecidas pela Comissão na audiência no Tribunal de Justiça, neste caso, o cidadão da União seria objeto de uma decisão de afastamento nos termos da legislação irlandesa que transpõe a Diretiva 2004/38, ao passo que o cônjuge, nacional de um país terceiro, seria objeto de uma decisão de expulsão com proibição de entrar na Irlanda por tempo indeterminado com fundamento no direito nacional dos estrangeiros, o que é expressamente proibido pelo artigo 15.o, n.o 3, desta diretiva.


58       Em conformidade com o artigo 21.o, n.o 1, TFUE, «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação».


59      Acórdãos de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 83), e de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 33).


60      Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, Eind (C‑291/05, EU:C:2007:771, n.o 43); de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 84); e de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 32).


61      V. n.o 32 das presentes conclusões. Recorde‑se, como resulta do quadro jurídico exposto na decisão de reenvio, que uma decisão de expulsão, tomada nos termos do artigo 3.o da Lei de 1999 Relativa à Imigração é acompanhada oficiosamente de uma proibição de entrada no território irlandês por tempo indeterminado.


62      Como referiram o Ministro e a Irlanda perante o órgão jurisdicional de reenvio e nas suas observações escritas, é manifesto que uma decisão de afastamento de N. Chenchooliah com base no artigo 27.o da Diretiva 2004/38 não pode, de facto, ser tomada, uma vez que, em conformidade com esta disposição, tal implica demonstrar que a pessoa em causa constitui um perigo para a ordem pública ou para a segurança pública, o que, no caso vertente, manifestamente não se verifica.


63      Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑127/08, EU:C:2008:449).


64      Importa salientar que foi nomeadamente sobre este ponto deste Acórdão Metock e o. que a High Court (Tribunal Superior) se baseou para considerar, no n.o 30 do seu Acórdão de 29 de abril de 2014, Igunma v. Governor of Wheatfield Prison e o. [(2014) IEHC 218], a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, que T. Igunma é abrangido pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 pelo facto de ser casado com uma cidadã da União no Estado‑Membro de acolhimento no qual essa cidadã exerceu a sua liberdade de circulação e que ele continua a estar sujeito a essa disposição, mesmo se um cartão de residência lhe tiver sido legalmente recusado.


65      Exceto no que se refere aos artigos 30.o e 31.o desta diretiva, tal como explicarei a seguir.


66      O sublinhado é meu.


67      No que diz respeito à articulação entre o artigo 3.o, n.o 1, os artigos 12.o a 15.o da Diretiva 2004/38, o artigo 15.o é aplicável, como acabei de salientar, a todos os casos em que um cidadão da União ou os membros da sua família não satisfaçam as condições de residência enunciadas nos artigos 6.o, 7.o e 12.o a 14.o desta diretiva. Por conseguinte, é importante sublinhar que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 prevê que «[o] direito de residência disposto no n.o 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um EstadoMembro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no EstadoMembro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.o 1» (o sublinhado é meu). Esta referência «aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento» figura igualmente no artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva. Por conseguinte, é evidente que o artigo 15.o da Diretiva 2004/38 é igualmente aplicável aos membros da família de um cidadão da União nacionais de um Estado terceiro.


68      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 56 e jurisprudência referida).