Language of document : ECLI:EU:T:2019:578

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

11 de setembro de 2019 (*)

«Função pública — Funcionários — Promoção — Exercício de promoção 2017 — Decisão de não promover o recorrente ao grau de AD 7 com efeitos a 1 de janeiro de 2017 — Artigo 45.o do Estatuto — Artigo 9.o, n.º 3, do anexo IX do Estatuto — Desvio de poder — Sanção disciplinar»

No processo T‑545/18,

YL, funcionário da Comissão Europeia, representado por P. Yon e B. de Lapasse, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por L. Radu Bouyon e R. Striani, e em seguida por Radu Bouyon e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e destinado, em primeiro lugar, à anulação da decisão da Comissão, comunicada ao pessoal dessa instituição em 13 de novembro de 2017, de não promover o recorrente ao grau AD 7 no âmbito do exercício de promoção de 2017, em segundo lugar, à promoção do recorrente ao grau AD 7 com efeitos a 1 de janeiro de 2017 e, em terceiro lugar, à reparação do prejuízo que o recorrente pretensamente sofreu,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, K. Kowalik‑Bańczyk (relatora) e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, YL, é um funcionário afetado à Direção‑Geral (DG) [confidencial] (1) da Comissão Europeia desde 16 de maio de 2010. Está classificado no grau AD 6 desde 1 de janeiro de 2012.

2        De 6 de janeiro de 2014 a 15 de janeiro de 2016, foi concedida ao recorrente uma licença sem vencimento.

3        Por Decisão de 23 de março de 2016 (a seguir «decisão de 23 de março de 2016»), a Autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») da Comissão aplicou ao recorrente uma sanção de descida de escalão com o fundamento de que este tinha, em primeiro lugar, obtido irregularmente um dia de licença por doença em 18 de junho de 2013, durante o qual participou numa atividade política e, por outro, publicado no seu sítio Internet pessoal em 6 de fevereiro de 2014, um artigo «polémico» relativo à União Europeia sem ter previamente informado a AIPN, em terceiro lugar, proferido, perante jornalistas, entre 11 de abril e 1 de maio de 2014, um discurso suscetível de criar um risco para a reputação da Comissão, em quarto lugar, não ter informado, embora em licença sem vencimento, a entidade competente para proceder a nomeações da sua eleição, em 30 de março de 2014, para o exercício de funções públicas e, em quinto lugar, exercer uma atividade externa entre 25 de fevereiro e 15 de abril de 2014, sem para tal ter previamente solicitado autorização à AIPN.

4        O recorrente não contestou a decisão de 23 de março de 2016.

5        Por carta de novembro de 2017, o Diretor‑Geral da DG [confidencial] informou o recorrente, em conformidade com as recomendações do Comité Paritário de Promoção, de que este seria promovido ao grau AD 7 com efeito retroativo a 1 de janeiro de 2017.

6        Em 13 de novembro de 2017, a AIPN publicou a lista dos funcionários promovidos ao abrigo do exercício de promoção de 2017. Esta lista não incluía o nome do requerente.

7        Em 12 de fevereiro de 2018, o recorrente deduziu reclamação da decisão da AIPN de não o promover. Em especial, alegou que a AIPN não podia ter em conta a decisão de 23 de março de 2016 para esse efeito.

8        A AIPN indeferiu a reclamação do recorrente em 8 de junho de 2018 com o fundamento de que o artigo 45.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto») não continha uma lista exaustiva dos critérios a tomar em consideração para efeitos da análise comparativa dos méritos prevista por esse artigo, pelo que a decisão de 23 de março de 2016 podia ser tomada em consideração para efeitos dessa análise. Além disso, indicou que o conceito de «conduta de serviço» podia igualmente constituir um desses critérios.

 Tramitação processual e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2018, o recorrente interpôs o presente recurso. A Comissão apresentou resposta na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2018.

10      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão de não o promover ao grau AD 7 no exercício de promoção de 2017;

–        anular a decisão que indeferiu a sua reclamação;

–        Promovê‑lo ao grau AD 7 com efeitos a 1 de janeiro de 2017;

–        indemnizar o prejuízo sofrido, calculado em 100 000 euros, resultante da adoção da decisão de não o promover ao grau AD 7 no âmbito do exercício de promoção de 2017;

–        condenar a Comissão nas despesas, calculadas em 10 000 euros.

11      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

12      A título preliminar, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, a reclamação deduzida por um agente e o indeferimento desta pela autoridade competente fazem parte integrante de um processo complexo, pelo que o recurso, mesmo que formalmente dirigido contra o indeferimento da reclamação do agente, tem por efeito submeter ao Tribunal Geral o ato que causa prejuízo conta o qual a reclamação foi deduzida (Acórdãos de 17 de janeiro de 1989, Vainker/Parlamento, 293/87, EU:C:1989:8, n.o 8, e de 25 de outubro de 2018, KF/CSUE, T‑286/15, EU:T:2018:718, n.o 115).

13      Daqui resulta que o pedido destinado a obter a anulação da decisão da AIPN que indeferiu a reclamação do recorrente deve ser entendido no sentido de que se destina a obter a anulação da decisão de não promover este último ao grau AD 7 no âmbito do exercício de promoção de 2017 (a seguir «decisão impugnada»).

14      Embora o recorrente suscite formalmente dois fundamentos distintos, relativos, o primeiro, a uma violação manifesta do Estado de direito e, o segundo, a um desvio de poder e de processo, deve considerar‑se que estes fundamentos formam, em substância, um fundamento único que consiste no facto de a tomada em consideração da decisão de 23 de março de 2016, no âmbito da análise comparativa dos méritos prevista no artigo 45.o do Estatuto, teve por efeito penalizá‑lo uma segunda vez pelos mesmos factos. O recorrente sustenta que a AIPN violou o artigo 45.o do Estatuto, bem como o artigo 9.o, n.o 3, do anexo IX do Estatuto e o princípio ne bis in idem, e cometeu um desvio de poder e de processo.

15      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

16      Nos termos do artigo 9.o, n.o 3, do anexo IX do Estatuto, que retoma o princípio geral ne bis in idem do direito da União, uma mesma falta apenas pode dar lugar a uma única sanção disciplinar.

17      Além disso, resulta dos artigos 44.o e 45.o do Estatuto que, diversamente da progressão, pela qual os funcionários acedem, em princípio, automaticamente ao escalão superior após um determinado período de tempo, a promoção só é concedida após uma análise comparativa dos méritos dos funcionários elegíveis para a referida promoção.

18      Daqui resulta que, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto, a suspensão da subida de escalão, bem como, a fortiori, a descida de escalão, constitui uma sanção. Todavia, a recusa de promoção, que, de resto, não é mencionada nesta disposição, não pode, em princípio, ser equiparada a uma sanção, uma vez que assenta numa análise comparativa dos méritos dos funcionários elegíveis para a promoção em causa.

19      A este respeito, para efeitos da análise comparativa dos méritos, refira‑se que, nos termos do artigo 45.o do Estatuto, a «[AIPN] tomará em especial consideração os relatórios sobre os funcionários, a utilização de línguas na execução das suas funções, para além daquela em que já deram provas de conhecimento aprofundado […] e […] o nível das responsabilidades que exercem».

20      Ao utilizar a expressão «em especial», o artigo 45.o do Estatuto precisa os três critérios principais que devem obrigatoriamente ser tomados em consideração na análise comparativa dos méritos. Contudo, não exclui que sejam tidos em conta outros critérios suscetíveis dar uma indicação dos méritos dos funcionários igualmente suscetíveis de serem promovidos (Acórdãos de 28 de setembro de 2011, AC/Conselho, F‑9/10, EU:F:2011:160, n.o 25, e de 14 de novembro de 2012, Bouillez/Conselho, F‑75/11, EU:F:2012:152, n.o 57).

21      Assim, um comportamento faltoso, na medida em que constitui um incumprimento das obrigações a que o funcionário está vinculado por força do Estatuto, pode ser tomado em consideração pela AIPN para afastar, sendo caso disso, a candidatura do interessado à promoção (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 23 de fevereiro de 2001, De Nicola/BEI, T‑7/98, T‑208/98 e T‑109/99, EU:T:2001:69, n.o 220). Com efeito, é do interesse da instituição que apenas pessoas que tenham uma conduta profissional irrepreensível sejam nomeadas para cargos de responsabilidade (Acórdão de 2 de abril de 1998, Apostolidis/Tribunal de Justiça, T‑86/97, EU:T:1998:71, n.o 58).

22      Por último, importa recordar que, embora, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 7, da Decisão C(2013) 8968 final da Comissão, de 16 de dezembro de 2013, que aprova as disposições gerais de execução do artigo 45.o do Estatuto, o Comité Paritário de Promoção submete à AIPN a lista dos funcionários cuja promoção recomenda, apena a AIPN é responsável pelas decisões de promoção e pela análise comparativa dos méritos prevista pelo artigo 45.o do Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2017, HL/Comissão, T‑668/16 P, não publicado, EU:T:2017:802, n.o 30).

23      Nestas condições, importa, em primeiro lugar, assinalar que a AIPN, por um lado, não estava vinculada pelas recomendações do Comité Paritário de Promoção e, por outro, que foi fundadamente que, para recusar promover o recorrente, que teve em consideração a decisão de 23 de março de 2016 no âmbito da análise comparativa dos méritos prevista no artigo 45.o do Estatuto.

24      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento do recorrente segundo o qual o recorrente aponta à AIPN o facto de esta ter considerado, na decisão de indeferimento da sua reclamação, que o conceito de «conduta no serviço» podia incluir a decisão de 23 de março de 2016 ou os factos penalizados por essa decisão.

25      Com efeito, por um lado, na medida em que este argumento poderia basear‑se no conceito de «conduta no serviço» constante do artigo 43.o do Estatuto, observe‑se que este conceito se refere ao conteúdo dos relatórios de classificação dos funcionários que, como recordado no n.o 20, supra, constituem apenas um dos critérios a tomar em consideração para efeitos da análise comparativa dos méritos prevista no artigo 45.o do Estatuto.

26      Por outro lado, não obstante a circunstância invocada pelo recorrente de que os factos penalizados pela decisão de 23 de março de 2016, «não estavam relacionados com as suas funções e [as suas] responsabilidades na DG [confidencial]» ou, a fortiori, se tinham verificado durante a sua licença sem vencimento, basta constatar que estes factos se referiam, no entanto, a incumprimentos de obrigações às quais o recorrente estava vinculado em razão da sua qualidade de funcionário e, por conseguinte, constituem uma indicação do seu mérito na aceção da jurisprudência referida no n.o 20, supra. Assim, nem mesmo a circunstância de uma parte dos referidos factos se ter verificado durante a licença sem vencimento do recorrente se opunha, por si só, à sua consideração para efeitos da análise comparativa dos méritos prevista pelo artigo 45.o do Estatuto.

27      Em segundo lugar, importa observar que o recorrente não apresenta nenhum elemento suscetível de demonstrar que a decisão impugnada foi adotada não com base na análise comparativa dos méritos prevista no artigo 45.o do Estatuto, mas com o intuito de o penalizar uma segunda vez pelos factos que deram origem à decisão de 23 de março de 2016.

28      A este respeito, o recorrente limita‑se a alegar, por um lado, que a AIPN recusou promovê‑lo sem disso ter previamente informado a DG [confidencial] e, por outro, que a DG «Recursos Humanos» aplica uma política de recusa de promoção dos funcionários aos quais tenha sido aplicada uma sanção, e isso apesar das recomendações formuladas pelo Comité Paritário de Promoção.

29      Todavia, por um lado, deve notar‑se que o facto de a DG [confidencial] estar na expectativa de que o recorrente fosse promovido, a ponto de o Diretor‑Geral da DG [confidencial] lhe ter, erradamente, anunciado que ia ser promovido no exercício de promoção de 2017, não é suscetível de demonstrar que a decisão impugnada foi adotada com o intuito de o penalizar, e não em resultado da análise comparativa dos méritos, em conformidade com o artigo 45.o do Estatuto.

30      Por outro lado, é de notar que, para determinar a existência da política de recusa de promoção invocada pelo recorrente, este limita‑se a apresentar um projeto de ata de uma reunião entre, nomeadamente, os representantes de organizações sindicais e o Diretor‑Geral da DG «Recursos Humanos» e uma nota dirigida por algumas destas organizações sindicais ao referido Diretor‑Geral. Ora, resulta destes documentos que certas organizações sindicais consideram que a decisão de não promover os funcionários a quem foi aplicada uma sanção «pode levar» a penalizar duas vezes estes funcionários, pelo que um «quadro jurídico claro» deveria ser negociado essas organizações sindicais e a Comissão. No entanto, o facto de a AIPN ter recusado promover outros funcionários aos quais tinha sido previamente aplicada uma sanção e de as referidas organizações sindicais considerarem, sem outras precisões, que as disposições relativas à análise dos méritos desses funcionários não são suficientemente claras não é suscetível de demonstrar por si só que, no caso vertente, a decisão impugnada foi adotada com o intuito de o penalizar, e não em resultado da análise comparativa dos méritos, prevista no artigo 45.o do Estatuto.

31      Em terceiro lugar, embora o recorrente afirme ter apresentado «indícios suficientemente pertinentes e concordantes» para demonstrar que a AIPN cometeu um erro manifesto de apreciação no âmbito da análise comparativa dos méritos prevista no artigo 45.o do Estatuto, basta observar que esta afirmação não é acompanhada de qualquer esclarecimento que permita apreciar o fundado da mesma.

32      Daqui resulta que nem a violação do artigo 45.o do Estatuto, nem a do artigo 9.o, n.o 3, do anexo IX do Estatuto e do princípio non bis in idem, nem o desvio de poder, do qual o desvio processual constitui mera forma (Acórdão de 2 de abril de 1998, Apostolidis/Tribunal de Justiça, T‑86/97, EU:T:1998:71, n.o 84), estão demonstrados no caso em apreço.

33      Esta conclusão não é posta em causa pelos restantes argumentos do recorrente. Com efeito, o recorrente sustenta que o facto de a AIPN o penalizar, ao recusar promovê‑lo, por um lado, permite que esta não «fixe um termo ao bloqueio da [sua] carreira», em violação do princípio da segurança jurídica e, por outro, privou‑o do seu direito a um recurso efetivo, na medida em que não lhe foi possível contestar «o pleno efeito que [a AIPN] tencionava fazer produzir à decisão de 23 de março de 2016.

34      No entanto, basta constatar que os argumentos referidos no n.o 33, supra, assentam numa premissa errada, a saber, que a decisão impugnada constitui uma sanção que, como referido no n.o 27, supra, não está provada no caso vertente.

35      Além disso, não se pode considerar que a decisão impugnada tenha por efeito levar a um bloqueio ilimitado e arbitrário da carreira do recorrente em violação do princípio da segurança jurídica. Com efeito, por um lado, a AIPN teve em conta uma decisão sancionatória proferida em 23 de março de 2016, ou seja, no ano que precedeu imediatamente o exercício de promoção de 2017. Por outro lado, a decisão impugnada não se opõe a que o recorrente possa, quando seja o caso, ser promovido por ocasião de um exercício de promoção posterior, o que, de resto, sucedeu no âmbito do exercício de promoção de 2018.

36      Por conseguinte, há que julgar improcedente o sexto fundamento. Consequentemente, devem ser julgados improcedentes os pedidos do recorrente destinados a obter a anulação da decisão impugnada, pelo que, improcedem, por um lado, o seu pedido de promoção ao grau AD 7 com efeitos a 1 de janeiro de 2017 e, por outro, o de reparação do prejuízo pretensamente sofrido resultante da adoção da referida decisão.

 Quanto às despesas

37      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que o condenar nas despesas em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      YL é condenado nas despesas.

Gervasoni

Kowalik‑Bańczyk

Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de setembro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1 Dados confidenciais ocultados.