Language of document : ECLI:EU:C:2012:406

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 3 de julho de 2012 (1)

Processo C‑614/10

Comissão Europeia

contra

República da Áustria

«Incumprimento de Estado ― Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais ― Exercício, com total independência, das funções das autoridades nacionais de controlo responsáveis pela fiscalização do tratamento de dados pessoais ― Conexões pessoais e organizacionais estreitas entre a autoridade de controlo e a Chancelaria Federal»





I ―    Introdução

1.        Pela presente ação (2), intentada ao abrigo do artigo 258.° TFUE, a Comissão Europeia requer que Tribunal de Justiça declare que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (3), por a legislação em vigor na Áustria não preencher o critério da total independência no que respeita à Datenschutzkommission (Comissão para a Proteção de Dados, a seguir «DSK»), instituída como autoridade de controlo da proteção de dados pessoais.

2.        Este processo, tal como o que deu lugar ao acórdão de 9 de março de 2010, Comissão/Alemanha (4) (a seguir «acórdão Comissão/Alemanha»), suscita a questão do âmbito da independência da autoridade de controlo imposta pelo artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46.

3.        Por conseguinte, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Alemanha será decisiva para apreciar a procedência do pedido da Comissão, que é apoiada pela Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD).

4.        A República Federal da Alemanha interveio no processo em apoio dos pedidos da República da Áustria.

II ― Quadro jurídico

A ―    Direito da União

5.        Resulta do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 que o objeto desta consiste em assegurar, ao nível dos Estados‑Membros, a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais. No entanto, em conformidade com o disposto no artigo 1.°, n.° 2, da referida diretiva, essa proteção não pode justificar uma restrição ou uma proibição da livre circulação de dados pessoais entre Estados‑Membros. Daqui resulta que a Diretiva 95/46 visa estabelecer um equilíbrio entre, por um lado, a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e, por outro, a livre circulação desses dados.

6.        Como resulta do considerando 62 da Diretiva 95/46, a criação, nos Estados‑Membros, de autoridades de controlo que exerçam as suas funções com total independência constitui um elemento essencial da referida proteção das pessoas. Por esta razão, o artigo 28.° da Diretiva 95/46, intitulado «Autoridade de controlo», dispõe, no seu n.° 1:

«Cada Estado‑Membro estabelecerá que uma ou mais autoridades públicas serão responsáveis pela fiscalização da aplicação no seu território das disposições adotadas pelos Estados‑Membros nos termos da presente diretiva.

Essas autoridades exercerão com total independência as funções que lhes forem atribuídas.»

7.        Ao nível das instituições e dos órgãos da União, a proteção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais é regida pelo Regulamento (CE) n.° 45/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (5), que foi adotado nos termos do artigo 286.°CE. De forma análoga ao que é exigido aos Estados‑Membros pelo artigo 28.° da Diretiva 95/46, o referido regulamento institui uma autoridade de controlo independente, denominada AEPD. Relativamente à independência da referida autoridade, o artigo 44.° do Regulamento n.° 45/2001 tem a seguinte redação:

«1.      A Autoridade Europeia para a proteção de dados é totalmente independente no desempenho das suas funções.

2.      No exercício das suas funções, a Autoridade Europeia para a proteção de dados não solicita nem aceita instruções de outrem.

3.      A Autoridade Europeia para a proteção de dados deve abster‑se de qualquer ato incompatível com as suas funções e, durante o seu mandato, não pode desempenhar qualquer outra atividade profissional, remunerada ou não.

4.      Cessadas as suas funções, a Autoridade Europeia para a proteção de dados deve agir com integridade e discrição relativamente à aceitação de determinadas funções e benefícios.»

B ―    Regulamentação nacional

8.        A Diretiva 95/46 foi transposta para o direito austríaco pela Lei de 2000 relativa à proteção de dados (Datenschutzgesetz 2000, a seguir «DSG 2000»).

9.        Os §§ 35 e seguintes da DSG 2000 preveem a criação da DSK como autoridade de controlo nos termos do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 (6).

10.      Na aceção do § 36, n.° 1, da DSG 2000, a DSK é composta por seis membros, designados pelo presidente federal, sob proposta do Governo federal, para um mandato de cinco anos.

11.      Nos termos do § 36, n.° 3, da DSG 2000, um dos seis membros da DSK deve ser um jurista oriundo da função pública federal.

12.      De acordo com o § 36, n.°3a, da DSG 2000, os membros da DSK exercem essa função em paralelo com outras atividades profissionais, pelo que esta função é concebida como uma atividade a tempo parcial.

13.      Ao abrigo da possibilidade conferida pelo § 20, n.° 2, da Lei Constitucional Federal (Bundes‑Verfassungsgesetz, a seguir «B‑VG») de isentar os órgãos da obrigação de respeitar as instruções de órgãos superiores, o § 37, n.° 1, da DSG 2000 dispõe que os membros da DSK são «independentes e não ficam vinculados por nenhuma instrução no exercício da sua função».

14.      O § 38, n.° 1, da DSG 2000 dispõe que a DSK adota um regulamento interno que atribui a gestão dos assuntos correntes a um dos seus membros («membro administrador»). O § 4, n.° 1, do Regulamento Interno da DSK dispõe que a função de membro administrador é exercida pelo funcionário federal designado em conformidade com o disposto no § 36, n.° 3, da DSG 2000.

15.      O § 38, n.° 2, da DSG 2000 dispõe:

«Em apoio da gestão da [DSK], o chanceler federal constitui um gabinete e disponibiliza‑lhe o equipamento e o pessoal necessários. Tem o direito de se informar a todo o tempo, junto do presidente e do membro administrador, sobre todos os aspetos da gestão da [DSK].»

16.      O direito que é reconhecido ao chanceler federal de se informar sobre todos os aspetos da gestão da DSK, referido no § 38, n.° 2, da DSG 2000, reflete o disposto no § 20, n.° 2, da B‑VG, que, na parte relevante para o presente caso, tem a seguinte redação:

«[…]

A lei estabelece um direito de fiscalização adequado da missão do órgão autónomo pelos órgãos superiores, que inclui pelo menos o direito de se informar sobre todos os aspetos da gestão dos órgãos autónomos e ― na medida em que não se estejam em causa os órgãos referidos nos n.os 2, 3 e 8 ― o direito de destituir órgãos autónomos por um motivo grave.»

17.      O § 45, n.° 1, da Lei de 1979 relativa ao Estatuto dos Funcionários (Beamten‑Dienstrechtsgesetz 1979) dispõe:

«O superior hierárquico diligencia para que os seus colaboradores cumpram as funções que lhes incumbem respeitando as leis e de forma eficaz e económica. O superior hierárquico orienta os seus colaboradores no exercício das suas funções, dá‑lhes instruções na medida do necessário, corrige eventuais erros e omissões, e zela pelo cumprimento do horário de trabalho. Favorece a progressão dos seus colaboradores em função do seu desempenho e orienta‑os para as funções que melhor correspondam às suas capacidades.»

III ― Apreciação

18.      A Comissão, apoiada pela AEPD, acusa a República da Áustria de não se ter dotado de uma legislação que respeite o critério da total independência da autoridade de controlo, na aceção do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46. Segundo a Comissão, a dificuldade prende‑se com o facto de, primeiro, a função de membro administrador da DSK ser exercida por um funcionário da Chancelaria Federal, segundo, o gabinete da DSK estar integrado na Chancelaria Federal e, terceiro, o chanceler federal poder exercer, relativamente à DSK, um direito à informação ilimitado.

19.      Para apreciar a procedência do pedido da Comissão, cumpre, em primeiro lugar, precisar o conteúdo da expressão «com total independência», referida no artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46, a propósito da autoridade de controlo. Em seguida, analisarei se de todos os elementos que servem de base às acusações da Comissão formuladas contra a República da Áustria decorre que a DSK, enquanto autoridade de controlo, não pode exercer as suas funções com total independência, em conformidade com o disposto no referido artigo 28.°, n.° 1.

 Quanto ao conteúdo da expressão «com total independência»

20.      A Comissão e a República da Áustria não estão de acordo quanto à questão do conteúdo da expressão «com total independência».

21.      Segundo a Comissão, que se baseia no acórdão Comissão/Alemanha, a referida expressão implica não apenas uma independência funcional, mas também uma independência orgânica e material. Esta constatação é confirmada pela finalidade do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 que visa um controlo eficaz e fiável das disposições em matéria de proteção de dados, bem como pelo modo como a função da AEPD é concebida no Regulamento n.° 45/2001, que prevê uma independência máxima da AEPD a nível orgânico e material. Além disso, a Comissão chama a atenção para o ponto 17 do Relatório explicativo do Protocolo Adicional à Convenção para a Proteção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal, respeitante às autoridades de controlo e aos fluxos transfronteiriços de dados, que enumera os elementos que contribuem para assegurar a independência da autoridade de controlo, designadamente a composição desta autoridade, o modo de designação dos seus membros, a duração do exercício e as condições de cessação das suas funções, a atribuição de recursos suficientes à referida autoridade ou a adoção de decisões ao abrigo de ordens ou injunções alheias à mesma autoridade.

22.      Em contrapartida, a República da Áustria considera que não é possível deduzir do acórdão Comissão/Alemanha que as autoridades de controlo devem ser independentes de um ponto de vista orgânico e material. A independência de uma autoridade de controlo na aceção do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 deve estar subordinada à independência funcional da referida autoridade, o que implica a liberdade da autoridade de controlo em causa de atuar sem ter de seguir instruções provenientes dos organismos controlados, bem como uma independência e uma imparcialidade suficientes em relação às pessoas singulares.

23.      A República da Áustria insiste no facto de que, para interpretar a expressão «com total independência», é necessário tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à independência de um órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.° TFUE. A República da Áustria salienta que a DSK foi concebida como autoridade colegial que exerce funções jurisdicionais. Questões prejudiciais que sejam apresentadas por essas autoridades austríacas ao abrigo do artigo 267.° TFUE são julgadas admissíveis pelo Tribunal de Justiça e, por conseguinte, o Tribunal de Justiça reconheceu a natureza jurisdicional dessas autoridades (7) e, portanto, também a sua independência, que constitui um dos elementos tomados em consideração para efeitos da verificação da natureza jurisdicional de uma autoridade nacional no âmbito do artigo 267.° TFUE. A República da Áustria deduz assim que a DSK é independente na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 267.° TFUE e, consequentemente, que deve ser considerada uma autoridade de controlo independente para efeitos do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46.

24.      Tendo em conta o debate suscitado entre as partes pelo acórdão Comissão/Alemanha, é útil voltar ao processo que deu origem ao referido acórdão. Baseando‑se na redação do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46, bem como nos objetivos e na economia da referida diretiva, o Tribunal de Justiça deu à expressão «com total independência» uma interpretação autónoma e ampla. Segundo o Tribunal de Justiça, as autoridades de controlo (8) «devem gozar de uma independência que lhes permita exercer as suas funções sem influência externa. Essa independência exclui não só qualquer influência exercida pelos organismos de controlo mas também qualquer instrução ou qualquer outra influência externa, direta ou indireta, que possam pôr em causa o cumprimento, pelas referidas autoridades, da sua tarefa de estabelecer um justo equilíbrio entre a proteção do direito à vida privada e a livre circulação de dados pessoais» (9).

25.      Gostaria de salientar dois elementos que decorrem desta interpretação. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça não assenta a sua interpretação da expressão «com total independência» nos critérios de independência do órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.° TFUE. Isso leva‑me a concluir que o Tribunal de Justiça concebe a independência das autoridades de controlo como sendo autónoma em relação à independência dos órgãos jurisdicionais na aceção do artigo 267.° TFUE, o que significa que a argumentação da República da Áustria relativa à DSK enquanto autoridade que preenche os requisitos de independência definidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.° TFUE não é pertinente no presente caso (10).

26.      Em segundo lugar, no acórdão Comissão/Alemanha, o Tribunal de Justiça evitou utilizar expressões como «independência funcional, orgânica ou material», apesar de, nesse caso concreto, tanto a Comissão como a República Federal da Alemanha as terem utilizado no âmbito das suas argumentações.

27.      Tendo em conta a interpretação ampla da expressão «com total independência» adotada pelo Tribunal de Justiça, poder‑se‑ia questionar se o Tribunal de Justiça a entendeu como uma independência das autoridades de controlo em todas as suas dimensões possíveis. Considero que a resposta à referida questão deve ser negativa. Com a sua interpretação, o Tribunal de Justiça deixou o caminho livre para uma apreciação casuística da questão de saber se uma medida de que o Estado‑Membro seja acusado é suscetível de representar uma influência externa direta ou indireta no cumprimento das missões da autoridade de controlo.

28.      O Tribunal de Justiça não enumerou todos os elementos necessários para que o exercício das funções que incumbem às autoridades públicas seja garantido «com total independência». Como já indiquei nas minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Alemanha (11), parece difícil fazê‑lo e será mais adequado adotar um método negativo, ou seja, analisar a incidência de elementos concretos ou de um conjunto de elementos concretos na independência da autoridade de controlo em questão. Foi a abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão quando analisou o efeito da tutela do Estado na independência da autoridade de controlo.

 Quanto ao membro administrador enquanto funcionário da Chancelaria Federal

29.      Segundo a Comissão, resulta do § 4, n.° 1, do Regulamento Interno da DSK que o membro administrador da DSK que gere os assuntos correntes da DSK e, consequentemente, desempenha um papel preponderante na mesma deve ser sempre um funcionário da Chancelaria Federal. Tendo em conta que a função de membro da DSK é concebida como uma atividade a tempo parcial, exercida em paralelo com outras atividades profissionais, o membro administrador continua vinculado pelas instruções do chanceler federal e sujeito à tutela administrativa. Existe uma relação de serviço entre o membro administrador e a Chancelaria Federal que não foi suprimida pelo § 37, n.° 1, da DSG 2000 relativo à independência dos membros da DSK. Por esta razão, a Comissão considera que a acumulação de funções de membro administrador da DSK e de funcionário da Chancelaria Federal não é compatível com a exigência de independência referida no artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 e é reveladora da inexistência de independência orgânica da DSK.

30.      Em sua defesa, a República da Áustria alega que não resulta do § 4, n.° 1, do Regulamento Interno da DSK, conjugado com o § 36, n.° 3, da DSG 2000, que o membro administrador da DSK deva ser sempre um funcionário da Chancelaria Federal. Na aceção das disposições referidas, o membro administrador deve ser um jurista oriundo da função pública federal, o que engloba todos os juristas que trabalham numa autoridade federal, sem que este grupo se limite apenas aos funcionários da Chancelaria Federal. Além disso, de acordo com o § 38, n.° 1, da DSG 2000, a determinação do membro administrador depende de uma decisão autónoma da própria DSK. Na hipótese de um funcionário da Chancelaria Federal ser nomeado membro administrador da DSK, o § 37, n.° 1, da DSG 2000, que proíbe a Chancelaria Federal de dirigir instruções técnicas ou de mérito ao membro administrador da DSK, impede a ocorrência de conflitos de lealdade e de interesses.

31.      Em minha opinião, há que admitir que não decorre da legislação austríaca que o membro administrador da DSK deva necessariamente ser um funcionário da Chancelaria Federal. De acordo com o § 4, n.° 1, do Regulamento Interno da DSK, conjugado com o § 36, n.° 3, da DSG 2000, a função de membro administrador é reservada a um funcionário federal e jurista, o que significa que o membro administrador pode, mas não deve necessariamente, ser um funcionário da Chancelaria Federal. No entanto, não deixa de ser verdade que continua a existir uma relação de serviço entre o membro administrador da DSK e a autoridade federal a que pertence.

32.      Tendo em conta esta relação de serviço, não se pode excluir que a autoridade federal superior possa exercer uma influência na atividade do membro administrador. É evidente que é certo que não se trataria de uma influência direta, uma vez que esta é proibida pelo § 37, n.° 1, da DSG 2000. A acumulação de funções de membro administrador da DSK e de funcionário federal implica mais um risco (12) de uma influência indireta da autoridade federal superior na atividade do membro administrador da DSK que põe em causa a independência da DSK exigida pelo artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46.

33.      Recorde‑se que essa influência pode também ter origem nos empregadores dos outros membros da DSK, uma vez que a função de membro da DSK é concebida como uma atividade a tempo parcial exercida em paralelo com outras atividades profissionais. Se o Tribunal de Justiça confirmasse a sua posição que consiste em interpretar a Diretiva 95/46 à luz do Regulamento n.° 45/2001 (13), seria então possível concluir que a proibição de exercer outra atividade profissional é uma das condições exigidas para assegurar a independência das autoridades de controlo referida no artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46, na medida em que o artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 45/2001 enuncia essa condição relativamente à independência da AEPD.

 Quanto à integração do gabinete da DSK nos serviços da Chancelaria Federal

34.      A Comissão considera que a integração estrutural do gabinete da DSK nos serviços da Chancelaria Federal não é compatível com o artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46, uma vez que, em resultado disso, a DSK não é independente a nível orgânico nem a nível material. Os agentes da DSK ficam sob a autoridade da Chancelaria Federal e ficam submetidos à tutela administrativa desta última. Daqui resulta que o gabinete da DSK fica exposto a uma eventual influência da Chancelaria Federal. Esta situação é ainda mais grave quanto a Chancelaria Federal, enquanto autoridade pública, fica sujeita ao controlo que deve ser exercido pela DSK.

35.      A este respeito, a AEPD acrescenta que a possibilidade de a Chancelaria Federal influenciar o desempenho das funções da DSK é agravada pelo facto de não existir nenhuma linha orçamental autónoma destinada à DSK e de o orçamento da DSK fazer parte do orçamento da Chancelaria Federal.

36.      A República da Áustria admitiu que o gabinete da DSK, sendo um seu órgão auxiliar, está integrado na Chancelaria Federal, e que os agentes deste gabinete estão juridicamente vinculados à Chancelaria Federal, que mantém a tutela administrativa. No entanto, este facto não tem incidência na apreciação da independência da DSK, devido à distinção que deve ser efetuada entre a DSK enquanto órgão e o seu gabinete.

37.      No que respeita ao orçamento da DSK, a República da Áustria alega que, na perspetiva do direito orçamental austríaco, a questão de saber a que departamento ministerial uma instituição federal está afetada a nível orçamental é secundária e, em si, nada indica sobre a independência da referida instituição.

38.      Como resulta da argumentação defendida respetivamente pela Comissão e pela República da Áustria no presente caso, não se contesta que o gabinete da DSK está integrado na Chancelaria Federal e que, por esta razão, os agentes desta estão subordinados à tutela administrativa da Chancelaria Federal.

39.      A este respeito, o argumento relativo à distinção que cumpre efetuar entre a DSK enquanto órgão e o seu gabinete parece‑me um pouco frágil. Considero que o gabinete e os agentes do gabinete constituem um elemento essencial do estatuto da autoridade de controlo. Este entendimento é confirmado, por exemplo, pelo considerando 11 da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (14), nos termos do qual, tendo em vista a independência das autoridades reguladoras nacionais, estas últimas devem dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, competências e meios financeiros para o desempenho das suas funções (15).

40.      Daí resulta que se uma pessoa ou uma entidade exercer uma influência no gabinete e nos agentes da autoridade de controlo, o que incontestavelmente acontece no presente caso, a referida pessoa ou a referida entidade exerce, consequentemente, uma influência na autoridade de controlo enquanto tal, o que não é compatível com o requisito de independência da autoridade de controlo.

 Quanto ao direito à informação ilimitado do chanceler federal em relação à DSK

41.      A Comissão considera que o direito à informação ilimitado de que o chanceler federal dispõe nos termos do § 20, n.° 2, da B‑VG compromete a independência da DSK, uma vez que existe um risco de que este direito seja utilizado para exercer uma influência política na DSK. A este propósito, a Comissão recorda novamente que o próprio Chanceler Federal está sujeito ao controlo da DSK.

42.      A República da Áustria não contesta a existência do direito de o chanceler federal se informar sobre todos os aspetos da gestão da DSK que foi criada como órgão autónomo na aceção do § 20, n.° 2, da B‑VG. Explica que esse direito representa um mínimo absoluto em relação ao direito de fiscalização exigido pelo direito constitucional nas relações entre órgãos superiores e órgãos autónomos que estão isentos da obrigação de respeitar as instruções dos órgãos superiores. O direito à informação não confere ao chanceler federal nenhuma influência na gestão da DSK. A República da Áustria chama a atenção para o facto de o Ministério da Justiça dispor de um direito à informação análogo relativamente aos órgãos jurisdicionais comuns, o que não é considerado como sendo contrário ao requisito da independência aplicável a um órgão jurisdicional.

43.      Como já referi, no acórdão Comissão/Alemanha, o Tribunal de Justiça efetuou uma interpretação autónoma da independência da autoridade de controlo em relação à independência do órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.° TFUE. Por esta razão, o argumento da República da Áustria relativo à existência de um direito à informação análogo relativamente aos órgãos jurisdicionais comuns não é pertinente no presente caso.

44.      Em minha opinião, dois elementos provam que o direito à informação em questão pode ter consequências nefastas na independência da DSK. Em primeiro lugar, trata‑se de um direito ilimitado e incondicional. Em segundo lugar, o próprio Chanceler Federal, que dispõe do referido direito, está ele próprio sujeito ao poder de controlo da DSK, pelo que o exercício do direito à informação por este pode ser analisado como o exercício de uma influência pelo organismo controlado.

45.      Em conclusão, considero, primeiro, que ao acumular as funções de membro administrador da DSK e de funcionário federal, segundo, que ao integrar o gabinete da DSK na Chancelaria Federal e, terceiro, que ao atribuir ao chanceler federal um direito à informação relativamente à DSK, a República da Áustria transpôs de forma errada a exigência constante do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 de um exercício «com total independência» das funções atribuídas às autoridades de controlo.

IV ― Conclusões

46.      Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça decida nos seguintes termos:

1)      A República da Áustria, primeiro, ao acumular as funções de membro administrador da Datenschutzkommission e de funcionário federal, segundo, ao integrar o gabinete da Datenschutzkommission na Chancelaria Federal e, terceiro, ao atribuir ao chanceler federal um direito à informação relativamente à Datenschutzkommission, transpôs por conseguinte de forma errada a exigência de um exercício «com total independência» das funções atribuídas às autoridades de controlo e não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

2)      A República da Áustria é condenada a suportar as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A Autoridade Europeia para a Proteção de Dados e a República Federal da Alemanha suportam as suas próprias despesas.


1 ―      Língua original: francês.


2 ―      No que respeita à fase pré‑contenciosa do processo, basta observar que decorreu em conformidade com o disposto no artigo 226.° CE e que não foi invocado no Tribunal de Justiça nenhum argumento que ponha em causa a legalidade desta fase do processo.


3 ―      JO L 281, p. 31.


4 ―      C‑518/07, Colet., p. I‑1885.


5 ―      JO 2001, L 8, p. 1.


6 ―      Cumpre especificar que a DSK foi instituída muito antes da Diretiva 95/46, pela Lei de 1978 relativa à Proteção dos Dados Pessoais.


7 ―      A título exemplificativo, a República da Áustria evoca o Bundeskommunikationssenat (Conselho Superior Federal da Comunicação), cujas questões prejudiciais deram origem ao acórdão de 18 de outubro de 2007, Österreichischer Rundfunk (C‑195/06, Colet., p. I‑8817), o Umweltsenat (Órgão Jurisdicional independente para questões de ambiente), cuja questão prejudicial deu origem ao acórdão de 10 de dezembro de 2009, Umweltanwalt von Kärnten (C‑205/08, Colet., p. I‑11525), e o Oberster Patent ‑ und Markensenat (Câmara Superior das Patentes e Marcas), cujas questões prejudiciais deram origem ao acórdão de 14 de junho de 2007, Häupl (C‑246/05, Colet., p. I‑4673).


8 ―      Embora o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado em relação às autoridades de controlo competentes para fiscalizar o tratamento de dados pessoais no setor não público, considero que essa interpretação é igualmente válida para as autoridades de controlo em geral.


9 ―      Acórdão Comissão/Alemanha (já referido na nota 4, n.° 30)


10 ―      Estou consciente de que isso pode conduzir a uma situação em que uma autoridade nacional poderia ser considerada suficientemente independente para ser o órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.° TFUE, mas, ao mesmo tempo, como não sendo suficientemente independente para ser a autoridade de controlo na aceção do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46. É a consequência inevitável da interpretação autónoma do artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46.


11 ―      N.° 24.


12 ―      No acórdão Comissão/Alemanha, o Tribunal de Justiça admitiu que o mero risco de uma influência nas decisões das autoridades de controlo é suficiente para impedir o exercício independente das suas funções (n.° 36 deste acórdão).


13 ―      A referida posição foi seguida nos acórdãos Comissão/Alemanha (n.° 26) e de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, Colet., p. I‑11063, n.° 106).


14 ―      JO L 108, p. 33.


15 ―      No considerando 47 da Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva 97/67/CE no respeitante à plena realização do mercado interno dos serviços postais da Comunidade (JO L 52, p. 3), é feita uma caracterização análoga da independência das autoridades nacionais.