Language of document : ECLI:EU:C:2014:2209

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

11 de setembro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2000/31/CE — Âmbito de aplicação — Litígio por difamação»

No processo C‑291/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Eparchiako Dikastirio Lefkosias (Chipre), por decisão de 27 de março de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2013, no processo

Sotiris Papasavvas

contra

O Fileleftheros Dimosia Etaireia Ltd,

Takis Kounnafi,

Giorgos Sertis,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e A. Arabadjiev, juízes

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Papasavvas, por C. Christaki, dikigoros,

–        em representação de O Fileleftheros Dimosia Etaireia Ltd, por L. Paschalidis, dikigoros,

–        em representação do Governo cipriota, por K. Lykourgos, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe e F. Wilman, na qualidade de agentes,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno (JO L 178, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S. Papasavvas à O Fileleftheros Dimosia Etaireia Ltd, a T. Kounnafi e a G. Sertis, relativo a uma ação de indemnização instaurada por S. Papasavvas devido ao prejuízo que sofreu em consequência de atos que considera difamatórios.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 17 da Diretiva 2000/31 tem a seguinte redação:

«Já existe uma definição de serviços da sociedade da informação […]. Essa definição abrange qualquer serviço, em princípio pago à distância, por meio de equipamento eletrónico de processamento (incluindo a compressão digital) e o armazenamento de dados […].»

4        O considerando 18 desta diretiva enuncia:

«[…] Os serviços da sociedade da informação [abrangem] […], tratando‑se de uma atividade económica, serviços que não são remunerados pelo respetivo destinatário, como os que consistem em prestar informações em linha ou comunicações comerciais, ou ainda os que fornecem ferramentas de pesquisa, acesso e descarregamento de dados. Os serviços da sociedade da informação abrangem igualmente a transmissão de informação por meio de uma rede de comunicações, de fornecimento de acesso a uma rede de comunicações ou de armazenagem de informações prestadas por um destinatário do serviço. […]»

5        Nos termos do considerando 22 da referida diretiva:

«O controlo dos serviços da sociedade da informação deve ser exercido na fonte da atividade, a fim de garantir uma proteção eficaz dos interesses gerais. […] Além disso, a fim de garantir a eficácia da livre circulação de serviços e a segurança jurídica para os prestadores e os destinatários, esses serviços devem estar sujeitos, em princípio, à legislação do Estado‑Membro em que o prestador se encontra estabelecido.»

6        O considerando 42 da mesma diretiva enuncia:

«As isenções da responsabilidade estabelecidas na presente diretiva abrangem exclusivamente os casos em que a atividade da sociedade da informação exercida pelo prestador de serviços se limita ao processo técnico de exploração e abertura do acesso a uma rede de comunicação na qual as informações prestadas por terceiros são transmitidas ou temporariamente armazenadas com o propósito exclusivo de tornar a transmissão mais eficaz. Tal atividade é puramente técnica, automática e de natureza passiva, o que implica que o prestador de serviços da sociedade da informação não tem conhecimento da informação transmitida ou armazenada, nem o controlo desta.»

7        O considerando 43 da Diretiva 2000/31 tem a seguinte redação:

«Um prestador pode beneficiar de isenções por simples transporte ou armazenagem temporária (‘caching’) quando é inteiramente alheio à informação transmitida. Isso exige, designadamente, que o prestador não altere a informação que transmite. Esta exigência não se aplica ao manuseamento técnico que tem lugar no decurso da transmissão, uma vez que este não afeta a integridade da informação contida na transmissão.»

8        O artigo 2.° desta diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Serviços da sociedade da informação’: os serviços da sociedade da informação na aceção do n.° 2 do artigo 1.° da Diretiva 98/34/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO L 204, p. 37)], alterada pela Diretiva 98/48/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO L 217, p. 18), a seguir «Diretiva 98/34»];

b)      ‘Prestador de serviços’: qualquer pessoa, singular ou coletiva, que preste um serviço do âmbito da sociedade da informação;

c)      ‘Prestador de serviços estabelecido’: o prestador que efetivamente exerça uma atividade económica através de uma instalação fixa, por um período indefinido. A presença e a utilização de meios técnicos e de tecnologias necessários para prestar o serviço não constituem, em si mesmos, o estabelecimento do prestador;

[…]

h)      ‘Domínio coordenado’: as exigências fixadas na legislação dos Estados‑Membros, aplicáveis aos prestadores de serviços da sociedade da informação e aos serviços da sociedade da informação, independentemente de serem de natureza geral ou especificamente concebidos para esses prestadores e serviços:

i)      O domínio coordenado diz respeito às exigências que o prestador de serviços tem de observar, no que se refere:

[…]

—      à prossecução de atividade de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou conteúdo do serviço, incluindo as aplicáveis à publicidade e aos contratos, ou as respeitantes à responsabilidade do prestador de serviços;

[…]»

9        Nos termos do artigo 3.° da referida Diretiva 2000/31, sob a epígrafe «Mercado interno»:

«1.      Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.

2.      Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

3.      Os n.os 1 e 2 não se aplicam aos domínios a que se refere o anexo.

4.      Os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias do n.° 2 em relação a determinado serviço da sociedade da informação, caso sejam preenchidas as seguintes condições:

a)      As medidas devem ser:

i)      Necessárias por uma das seguintes razões:

–        defesa da ordem pública, […]

[…]

–        defesa dos consumidores […]

ii)      Tomadas relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese os objetivos referidos na subalínea i), ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos;

iii)      Proporcionais a esses objetivos;

[…]»

10      Os artigos 12.° a 14.° da mesma diretiva fazem parte da sua secção 4, intitulada «Responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços».

11      O artigo 12.° da Diretiva 2000/31, sob a epígrafe «Simples transporte», dispõe:

«1.      No caso de prestações de um serviço da sociedade da informação que consista na transmissão, através de uma rede de comunicações, de informações prestadas pelo destinatário do serviço ou em facultar o acesso a uma rede de comunicações, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador não possa ser invocada no que respeita às informações transmitidas, desde que o prestador:

a)      Não esteja na origem da transmissão;

b)      Não selecione o destinatário da transmissão; e

c)      Não selecione nem modifique as informações que são objeto da transmissão.

2.      As atividades de transmissão e de facultamento de acesso mencionadas no n.° 1 abrangem a armazenagem automática, intermédia e transitória das informações transmitidas, desde que essa armazenagem sirva exclusivamente para a execução da transmissão na rede de comunicações e a sua duração não exceda o tempo considerado razoavelmente necessário a essa transmissão.

3.      O disposto no presente artigo não afeta a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração.»

12      O artigo 13.° da Diretiva 2000/31, sob a epígrafe «Armazenagem temporária (‘caching’)», prevê:

«1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista na transmissão, por uma rede de telecomunicações, de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à armazenagem automática, intermédia e temporária dessa informação, efetuada apenas com o objetivo de tornar mais eficaz a transmissão posterior da informação a pedido de outros destinatários do serviço, desde que:

a)      O prestador não modifique a informação;

b)      O prestador respeite as condições de acesso à informação;

c)      O prestador respeite as regras relativas à atualização da informação, indicadas de forma amplamente reconhecida e utilizada pelo setor;

d)      O prestador não interfira com a utilização legítima da tecnologia, tal como amplamente reconhecida e seguida pelo sector, aproveitando‑a para obter dados sobre a utilização da informação; e

e)      O prestador atue com diligência para remover ou impossibilitar o acesso à informação que armazenou, logo que tome conhecimento efetivo de que a informação foi removida da rede na fonte de transmissão inicial, de que o acesso a esta foi tornado impossível, ou de que um tribunal ou autoridade administrativa ordenou essa remoção ou impossibilitação de acesso.

2.      O disposto no presente artigo não afeta a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração.»

13      Nos termos do artigo 14.° desta diretiva, sob a por epígrafe «Armazenagem em servidor»:

«1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à informação armazenada a pedido de um destinatário do serviço, desde que:

a)      O prestador não tenha conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal e, no que se refere a uma ação de indemnização por perdas e danos, não tenha conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal, ou

b)      O prestador, a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude, atue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações.

2.      O n.° 1 não é aplicável nos casos em que o destinatário do serviço atue sob autoridade ou controlo do prestador.

3.      O disposto no presente artigo não afeta a faculdade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração, nem afeta a faculdade de os Estados‑Membros estabelecerem disposições para a remoção ou impossibilitação do acesso à informação.»

14      O artigo 18.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Ações judiciais», dispõe, no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros assegurarão que as ações judiciais disponíveis em direito nacional em relação às atividades de serviços da sociedade da informação permitam a rápida adoção de medidas, inclusive medidas transitórias, destinadas a pôr termo a alegadas infrações e a evitar outros prejuízos às partes interessadas.»

15      O artigo 1.° da Diretiva 98/34 prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      ‘Serviço’: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

Para efeitos da presente definição, entende‑se por:

–        ‘à distância’: um serviço prestado sem que as partes estejam simultaneamente presentes,

–        ‘por via eletrónica’: um serviço enviado desde a origem e recebido no destino através de instrumentos eletrónicos de processamento (incluindo a compressão digital) e de armazenamento de dados, que é inteiramente transmitido, encaminhado e recebido por cabo, rádio, meios óticos ou outros meios eletromagnéticos,

–        ‘mediante pedido individual de um destinatário de serviços’: um serviço fornecido por transmissão de dados mediante pedido individual.

No anexo V figura uma lista indicativa dos serviços não incluídos nesta definição.

[…]»

 Direito cipriota

16      O ilícito de difamação é regido pelos artigos 17.° a 25.° do capítulo 148 da Lei relativa aos ilícitos civis.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      Em 11 de novembro de 2010, S. Papasavvas intentou uma ação de indemnização no Eparchiako Dikastirio Lefkosias contra O Fileleftheros Dimosia Etaireia Ltd, uma sociedade editora, e contra T. Kounnafi, chefe de redação e jornalista do jornal O Fileleftheros, e G. Sertis, jornalista do mesmo jornal, com fundamento em atos que, na sua opinião, são constitutivos de difamação.

18      S. Papasavvas pede uma indemnização pelos prejuízos alegadamente causados por artigos publicados no jornal diário de difusão nacional O Fileleftheros, em 7 de novembro de 2010, que foram disponibilizados em dois sítios Internet [http://www.philenews.com e http://www.phileleftheros.com]. Além disso, pede ao órgão jurisdicional nacional que adote medidas provisórias para proibir a publicação dos artigos controvertidos.

19      O Eparchiako Dikastirio Lefkosias considera que a resolução do litígio que é chamado a decidir depende, em parte, da interpretação da Diretiva 2000/31.

20      Nestas circunstâncias, o Eparchiako Dikastirio Lefkosias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Considerando que a legislação dos Estados‑Membros em matéria de difamação se repercute na capacidade de fornecer serviços de informação por via eletrónica tanto a nível nacional como no interior da UE, a referida legislação pode ser considerada uma restrição à prestação de serviços de informação para efeitos da aplicação da Diretiva [2000/31]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão 1), as disposições dos artigos 12.°, 13.° e 14.° da Diretiva [2000/31], em matéria de responsabilidade, são aplicáveis a questões de direito civil, como as questões relativas à responsabilidade civil em caso de difamação, ou limitam‑se à responsabilidade civil por operações comerciais/contratos com os consumidores?

3)      À luz do objetivo dos artigos 12.°, 13.° e 14.° da Diretiva [2000/31], relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, e tendo em conta que em vários Estados‑Membros a propositura de uma ação judicial é um requisito prévio para a adoção de um despacho interlocutório que imponha uma obrigação de abstenção, em que medida os referidos artigos criam direitos subjetivos suscetíveis de serem invocados enquanto fundamentos de defesa no âmbito de uma ação cível por difamação ou constituem obstáculos legais à propositura dessa ação?

4)      Em que medida os conceitos de ‘serviços da sociedade da informação’ e de ‘prestador [de serviços da sociedade da informação]’, na aceção dos artigos 2.° da Diretiva [2000/31] e 1.°, n.° 2, da Diretiva [98/34], se aplicam aos serviços de informação em linha remunerados, não diretamente pelo destinatário dos serviços, mas indiretamente através das publicidades comerciais exibidas na página Internet?

5)      Tendo em conta a definição de ‘prestador [de serviços da sociedade da informação]’, na aceção dos artigos 2.°, da Diretiva [2000/31] e 1.°, n.° 2, da Diretiva [98/34], em que medida se pode considerar que os casos seguintes constituem um ‘simples transporte’, ‘uma armazenagem temporária 'caching'’ ou uma ‘armazenagem em servidor’ para efeitos dos artigos 12.°, 13.° e 14.° da Diretiva [2000/31]:

a)      um jornal que tem uma página Internet acessível gratuitamente, na qual é publicada a edição eletrónica do jornal impresso com todos os artigos e publicidades do mesmo, em formato PDF ou noutro formato eletrónico análogo;

b)      um jornal eletrónico livremente acessível, cujo fornecedor é remunerado através das publicidades comerciais exibidas no sítio Internet. As informações publicadas no jornal em linha são fornecidas pelo pessoal do jornal e/ou por jornalistas independentes;

c)      página Internet paga que fornece um dos serviços referidos nas alíneas a) ou b) acima?»

 Quanto à admissibilidade

21      S. Papasavvas invoca a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

22      Alega, designadamente, que o pedido foi submetido «prematuramente» pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que os demandados no processo principal ainda não apresentaram a sua contestação e que os factos ainda não foram provados. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio ainda não tem conhecimento pleno das questões jurídicas levantadas no litígio que é chamado a decidir e as questões prejudiciais submetidas são hipotéticas.

23      Considera igualmente que a Diretiva 2000/31 não tem nenhuma ligação com o litígio no processo principal, já que apenas diz respeito aos prestadores de serviços e não aos destinatários dos mesmos e que as respostas às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são necessárias para dirimir o litígio.

24      Todavia, a descrição do quadro jurídico e factual do litígio na decisão de reenvio parece suficiente para que o Tribunal de Justiça se possa pronunciar e a quarta questão visa precisamente saber se o litígio no processo principal está ou não abrangido pela Diretiva 2000/31.

25      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à quarta questão

26      Com a sua quarta questão, que importa apreciar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «serviços da sociedade da informação», na aceção desta disposição, inclui serviços que prestam informação em linha cuja remuneração ao prestador é efetuada não pelo destinatário dos serviços, mas através das receitas obtidas pela publicidade exibida no sítio Internet.

27      A este respeito, importa observar que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31 define a expressão «serviços da sociedade da informação» por remissão para o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34, que visa quaisquer serviços prestados «normalmente mediante remuneração», à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

28      Quanto à questão de saber se essa remuneração deve necessariamente ser paga pelo próprio destinatário dos serviços, importa salientar que tal condição está expressamente excluída pelo considerando 18 da Diretiva 2000/31, à luz do qual o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado, que especifica que os serviços da sociedade da informação, na medida em que constituam uma atividade económica, abrangem serviços «que não são remunerados pelo respetivo destinatário, como os que consistem em prestar informações em linha ou comunicações comerciais».

29      Esta interpretação corresponde à do conceito de «serviços», na aceção do artigo 57.° TFUE, que também não exige que o serviço seja pago pelos que dele beneficiam (v., designadamente, acórdão Bond van Adverteerders e o., 352/85, EU:C:1988:196, n.° 16).

30      Atendendo ao que precede, há que responder à quarta questão que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «serviços da sociedade da informação», na aceção desta disposição, inclui serviços que prestam informação em linha cuja remuneração ao prestador é efetuada não pelo destinatário dos serviços, mas através das receitas obtidas pela publicidade exibida no sítio Internet.

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2000/31 se opõe à aplicação de um regime de responsabilidade civil em matéria de difamação aos prestadores de serviços da sociedade da informação.

32      Segundo o artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado, abrangendo esse domínio, designadamente, tal como prevê o artigo 2.°, alínea h), da mesma diretiva, o regime de responsabilidade civil do prestador.

33      Daqui resulta que a Diretiva 2000/31 não se opõe a que um Estado‑Membro adote um regime de responsabilidade civil em matéria de difamação, aplicável aos prestadores de serviços da sociedade da informação estabelecidos no seu território.

34      Em contrapartida, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31 dispõe que os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

35      No caso em apreço, parece resultar da decisão de reenvio que os serviços em causa no processo principal não provêm de um Estado‑Membro distinto do Chipre, sendo prestados por um prestador estabelecido neste Estado. Tendo em conta que, nesta hipótese, o artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva não é aplicável, não há que apreciar as suas eventuais implicações.

36      Por conseguinte, na falta de especificações complementares por parte do órgão jurisdicional de reenvio, há que responder à primeira questão que a Diretiva 2000/31 não se opõe, numa situação como a do processo principal, à aplicação de um regime de responsabilidade civil em matéria de difamação.

 Quanto à quinta questão

37      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as limitações de responsabilidade civil enunciadas nos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 são aplicáveis à situação de uma sociedade editora de imprensa que dispõe de um sítio Internet no qual é disponibilizada a edição eletrónica de um jornal redigido por jornalistas contratados ou independentes, sendo essa sociedade remunerada através da publicidade exibida nesse sítio. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se a resposta a esta questão é idêntica, independentemente de o acesso ao referido sítio ser gratuito ou pago.

38      Os artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 dizem respeito a situações em que um prestador de serviços da sociedade da informação exerce, respetivamente, uma atividade de simples transporte, uma forma de armazenagem temporária denominada ‘caching’ ou uma atividade de armazenagem em servidor.

39      Tal como resulta do título da secção 4 desta diretiva, a atuação do prestador visada por esses artigos deve limitar‑se à de um «prestador intermediário».

40      Por outro lado, resulta do considerando 42 da Diretiva 2000/31 que as situações de exoneração de responsabilidade estabelecidas nesta diretiva abrangem exclusivamente os casos em que a atividade do prestador de serviços exercida no âmbito da sociedade da informação reveste um caráter puramente técnico, automático e de natureza passiva, o que implica que o referido prestador de serviços não tem conhecimento da informação transmitida ou armazenada, nem o controlo desta (v. acórdão Google France e Google, C‑236/08 a C‑238/08, EU:C:2010:159, n.° 113).

41      O Tribunal de Justiça inferiu daí que, a fim de verificar se a responsabilidade do prestador do serviço podia ser limitada com base no artigo 14.° da Diretiva 2000/31, devia examinar‑se se o papel que desempenha é neutro, ou seja, se o seu comportamento é puramente técnico, automático e passivo, implicando o desconhecimento ou a falta de controlo dos dados que armazena (v., neste sentido, acórdãos Google France e Google, EU:C:2010:159, n.° 114, e L’Oréal e o., C‑324/09, EU:C:2011:474, n.° 113).

42      O Tribunal de Justiça considerou, assim, que a simples circunstância de um serviço de referenciamento ser pago, de o prestador fixar as modalidades de remuneração, ou ainda de este facultar informações de ordem geral aos seus clientes, não pode ter por efeito privar esse prestador das derrogações em matéria de responsabilidade previstas pela Diretiva 2000/31 (v., neste sentido, acórdãos Google France e Google, EU:C:2010:159, n.° 116, e L’Oréal e o., EU:C:2011:474, n.° 115).

43      É, em contrapartida, pertinente o papel desempenhado pelo prestador na redação da mensagem comercial que acompanha o link publicitário, ou na determinação ou seleção das palavras‑chave (v. acórdão Google France e Google, EU:C:2010:159, n.° 118).

44      Do mesmo modo, quando o prestador presta assistência no sentido de, designadamente, otimizar a apresentação das propostas de venda em causa ou promover estas propostas, não ocupa uma posição neutra entre o cliente vendedor em causa e os compradores potenciais, mas desempenha um papel ativo suscetível de lhe facultar um conhecimento ou um controlo dos dados relativos a estas propostas (acórdão L’Oréal e o., EU:C:2011:474, n.° 116).

45      Por conseguinte, uma vez que uma sociedade editora de imprensa que publica no seu sítio Internet a versão eletrónica de um jornal tem, em princípio, conhecimento das informações que publica e exerce um controlo sobre estas, a mesma sociedade não pode ser considerada um «prestador intermediário», na aceção dos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31, independentemente de o acesso ao referido sítio ser gratuito ou pago.

46      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quinta questão que as limitações de responsabilidade civil enunciadas nos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 não se aplicam à situação de uma sociedade editora de imprensa que dispõe de um sítio Internet no qual é disponibilizada a edição eletrónica de um jornal, sendo essa sociedade remunerada através da publicidade exibida nesse sítio, desde que essa sociedade tenha conhecimento das informações publicadas e exerça um controlo sobre estas, independentemente de o acesso ao referido sítio ser gratuito ou pago.

 Quanto à segunda questão

47      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as limitações de responsabilidade enunciadas nos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 são aplicáveis a litígios entre particulares relativos à responsabilidade civil em matéria de difamação, de modo a poder interpretar a legislação nacional em conformidade com a diretiva.

48      Atendendo à resposta dada à quinta questão, segundo a qual os prestadores em causa no processo principal não podem ser considerados prestadores intermediários, na aceção dos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31, poderia não haver necessidade de responder a esta questão. Não obstante, na medida em que não resulta claramente da decisão de reenvio que as condições mencionadas na quinta questão correspondem às do litígio no processo principal, o Tribunal de Justiça entende que é útil responder à segunda questão.

49      A este respeito, importa observar que o artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 2000/31 define o conceito de «prestador de serviços» como qualquer pessoa, singular ou coletiva, que preste um serviço do âmbito da sociedade da informação.

50      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que as limitações de responsabilidade civil enunciadas nos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 são aplicáveis a litígios entre particulares relativos à responsabilidade civil em matéria de difamação desde que as condições mencionadas nos referidos artigos estejam preenchidas.

 Quanto à terceira questão

51      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 devem ser interpretados no sentido de que permitem ao prestador de um serviço da sociedade da informação opor‑se à propositura de uma ação judicial contra si e, consequentemente, à própria adoção de medidas provisórias por um órgão jurisdicional nacional. Caso contrário, pergunta se os referidos artigos criam direitos subjetivos que o prestador pode invocar enquanto fundamentos de defesa no âmbito de uma ação cível como a que está em causa no processo principal.

52      Tal como na questão anterior, pode considerar‑se que não há necessidade de responder a esta questão, uma vez que os prestadores em causa no processo principal não podem ser considerados prestadores intermediários, na aceção dos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31.

53      Não obstante, o Tribunal de Justiça pretende indicar ao órgão jurisdicional de reenvio que, devido ao seu objeto, esses artigos não dizem respeito às condições em que podem ser propostas ações judiciais em matéria de responsabilidade civil contra os prestadores, as quais, na falta de especificação no direito da União, são da exclusiva competência dos Estados‑Membros, sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade.

54      Quanto à questão de saber se esses artigos criam direitos subjetivos que o prestador pode invocar enquanto fundamentos de defesa no âmbito de uma ação cível por difamação, importa recordar que, no que respeita a um litígio entre particulares, como o do processo principal, resulta de jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça que uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações na esfera jurídica de um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele (v., designadamente, acórdãos Marshall, 152/84, EU:C:1986:84, n.° 48, e Faccini Dori, C‑91/92, EU:C:1994:292, n.° 20), sem prejuízo, todavia, de uma eventual ação de responsabilidade contra o Estado pelos danos causados pela violação do direito da União que lhe são imputáveis (v., designadamente, acórdão Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.° 35).

55      No entanto, a partir do termo do prazo de transposição da Diretiva 2000/31, os Estados‑Membros devem ter previsto, no direito nacional, as limitações de responsabilidade enunciadas nos referidos artigos.

56      No caso, porém, de essas limitações não terem sido transpostas para o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá‑lo é obrigado a fazê‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE (v., designadamente, acórdãos von Colson e Kamann, 14/83, EU:C:1984:153, n.° 26, e Marleasing, C‑106/89, EU:C:1990:395, n.° 8).

57      Por conseguinte, há que responder à terceira questão que os artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 não permitem ao prestador de um serviço da sociedade da informação opor‑se à propositura de uma ação judicial de responsabilidade civil contra si e, consequentemente, à adoção de medidas provisórias por um órgão jurisdicional nacional. As limitações de responsabilidade previstas nestes artigos podem ser invocadas pelo prestador nos termos das disposições de direito nacional que asseguram a sua transposição ou, na falta destas, para efeitos da interpretação conforme do mesmo. Em contrapartida, no âmbito de um litígio como o que está em causa no processo principal, a Diretiva 2000/31 não pode, por si mesma, criar obrigações para um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre comércio eletrónico»), deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «serviços da sociedade da informação», na aceção desta disposição, inclui serviços que prestam informação em linha cuja remuneração ao prestador é efetuada não pelo destinatário dos serviços, mas através das receitas obtidas pela publicidade exibida no sítio Internet.

2)      A Diretiva 2000/31 não se opõe, numa situação como a do processo principal, à aplicação de um regime de responsabilidade civil em matéria de difamação.

3)      As limitações de responsabilidade civil enunciadas nos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 não se aplicam à situação de uma sociedade editora de imprensa que dispõe de um sítio Internet no qual é disponibilizada a edição eletrónica de um jornal, sendo essa sociedade remunerada através da publicidade exibida nesse sítio, desde que essa sociedade tenha conhecimento das informações publicadas e exerça um controlo sobre estas, independentemente de o acesso ao referido sítio ser gratuito ou pago.

4)      As limitações de responsabilidade civil enunciadas nos artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 são aplicáveis a litígios entre particulares relativos à responsabilidade civil em matéria de difamação desde que as condições mencionadas nos referidos artigos estejam preenchidas.

5)      Os artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 não permitem ao prestador de um serviço da sociedade da informação opor‑se à propositura de uma ação judicial de responsabilidade civil contra si e, consequentemente, à adoção de medidas provisórias por um órgão jurisdicional nacional. As limitações de responsabilidade previstas nestes artigos podem ser invocadas pelo prestador nos termos das disposições de direito nacional que asseguram a sua transposição ou, na falta destas, para efeitos da interpretação conforme do mesmo. Em contrapartida, no âmbito de um litígio como o que está em causa no processo principal, a Diretiva 2000/31 não pode, por si mesma, criar obrigações para um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele.

Assinaturas


* Língua do processo: grego.