Language of document : ECLI:EU:C:2019:642

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

29 de julho de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Harmonização das legislações fiscais — Diretiva 2006/112/CE — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Artigos 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, e 315.o — Regime especial das pequenas empresas — Regime especial dos sujeitos passivos revendedores — Sujeito passivo revendedor abrangido pelo regime da margem de lucro — Volume de negócios anual que implica a aplicabilidade do regime especial das pequenas empresas — Margem de lucro ou montantes recebidos»

No processo C‑388/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesfinanzhof (Tribunal Tributário Federal, Alemanha), por Decisão de 7 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de junho de 2018, no processo

Finanzamt A

contra

B,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, E. Juhász (relator) e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze e S. Eisenberg, e em seguida por S. Eisenberg, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Mantl e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre o Finanzamt A (Serviço de Finanças A, Alemanha) e B, que exerce uma atividade de revendedor de veículos em segunda mão, a respeito do método de determinação do seu volume de negócios anual para efeitos de aplicação do regime especial das pequenas empresas previsto na Diretiva IVA.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 73.o da Diretiva IVA prevê:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

4        O título XII da Diretiva IVA, respeitante aos «Regimes especiais», contém o capítulo 1 intitulado «Regime especial das pequenas empresas». Os artigos 282.o a 292.o incluem‑se na secção 2 deste capítulo 1, sob a epígrafe «Isenções ou reduções degressivas».

5        Nos termos do artigo 282.o da mesma diretiva, as isenções e as reduções previstas na referida secção 2 são aplicáveis às entregas de bens e às prestações de serviços efetuadas pelas pequenas empresas.

6        O artigo 288.o da Diretiva IVA dispõe:

«O volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime previsto na presente secção é constituído pelos seguintes montantes, líquidos de IVA:

1)      O montante das entregas de bens e das prestações de serviços, desde que sejam tributadas;

2)      O montante das operações isentas com direito à dedução do IVA pago no estádio anterior por força do disposto nos artigos 110.o e 111.o, no n.o 1 do artigo 125.o, no artigo 127.o e no n.o 1 do artigo 128.o;

3)      O montante das operações isentas por força do disposto nos artigos 146.o a 149.o, 151.o, 152.o e 153.o;

4)      O montante das operações imobiliárias, das operações financeiras referidas nas alíneas b) a g) do n.o 1 do artigo 135.o e das prestações de serviços de seguros, a menos que tais operações tenham caráter de operações acessórias.

Todavia, as cessões de bens de investimento corpóreos ou incorpóreos da empresa não são tomadas em consideração na determinação do volume de negócios.»

7        Nos termos do artigo 289.o da mesma diretiva, «[o]s sujeitos passivos que beneficiem da isenção do imposto não têm direito a deduzir o IVA em conformidade com os artigos 167.o a 171.o e 173.o a 177.o nem a fazê‑lo constar das suas faturas».

8        O artigo 290.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os sujeitos passivos suscetíveis de beneficiar da isenção do imposto podem optar quer pelo regime normal de aplicação do IVA quer pela aplicação das regras simplificadas previstas no artigo 281.o Neste caso, beneficiam das reduções degressivas do imposto eventualmente previstas na legislação nacional.»

9        O capítulo 4 do título XII da Diretiva 2006/112 é relativo aos «Regimes especiais aplicáveis aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção e às antiguidades». A secção 2 deste capítulo 4, sob a epígrafe «Regime especial dos sujeitos passivos revendedores», inclui, na subsecção 1 relativa ao «Regime da margem de lucro», os artigos 312.o a 325.o

10      O artigo 313.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros aplicam às entregas de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades, efetuadas por sujeitos passivos revendedores, um regime especial de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, em conformidade com o disposto na presente subsecção.»

11      O artigo 314.o da mesma diretiva dispõe:

«O regime da margem de lucro é aplicável às entregas de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, quando esses bens lhe tenham sido entregues no interior da [União] por uma das seguintes pessoas:

a)      Uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b)      Outro sujeito passivo, na medida em que a entrega do bem por esse outro sujeito passivo esteja isenta em conformidade com o artigo 136.o;

c)      Outro sujeito passivo, na medida em que a entrega do bem por esse outro sujeito passivo beneficie da isenção para as pequenas empresas prevista nos artigos 282.o a 292.o e incida sobre um bem de investimento;

d)      Outro sujeito passivo revendedor, na medida em que a entrega do bem por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido sujeita ao IVA em conformidade com o presente regime especial.»

12      O artigo 315.o da Diretiva IVA tem a seguinte redação:

«O valor tributável das entregas de bens referidas no artigo 314.o é constituído pela margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, deduzido o montante do IVA correspondente à própria margem de lucro.

A margem de lucro do sujeito passivo revendedor é igual à diferença entre o preço de venda solicitado pelo sujeito passivo revendedor para os bens e o seu preço de compra.»

 Direito alemão

13      O § 1 da Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios), sob a epígrafe «Operações tributáveis», na versão aplicável ao litígio no processo principal (BGBl. 2005 I, p. 386, a seguir «UStG»), prevê:

«(1)      Estão sujeitas a imposto sobre o volume de negócios as seguintes operações:

1.      As entregas e outras prestações que um empresário, no quadro da sua empresa, efetue a título oneroso no território nacional […]»

14      O § 10 da UStG, sob a epígrafe «Base tributável das entregas, demais prestações e aquisições intracomunitárias», dispõe:

«O volume de negócios é calculado com base na remuneração recebida pelas entregas e demais prestações (§ 1, n.o 1, ponto 1, primeiro período) […]. A remuneração é constituída por tudo o que o beneficiário da entrega despende para obtenção da prestação, deduzindo‑se, porém, o imposto sobre o valor acrescentado […]»

15      § 19 da UStG, sob a epígrafe, «Tributação das pequenas empresas», tem a seguinte redação:

«(1)      O imposto sobre o volume de negócios que incide sobre as operações na aceção do § 1, n.o 1, ponto 1, não é devido pelas empresas […], nos casos em que o volume de negócios referido no segundo período, acrescido do imposto aplicável, no ano civil anterior, não seja superior a 17 500 euros e, no ano civil em curso, não se preveja que venha a ser superior a 50 000 euros. O volume de negócios na aceção do primeiro período é constituído pelo volume total de negócios calculado com base na remuneração recebida, deduzido do valor das operações relativas a bens económicos do ativo imobilizado. […]

[…]

(3)      O volume total de negócios é constituído pela soma das operações tributáveis realizadas pelo empresário na aceção do § 1, n.o 1, ponto 1, deduzido das seguintes operações:

[…]»

16      O § 25a da UStG, sob a epígrafe «Regime da margem de lucro», estabelece:

«(1)      As entregas de bens móveis corpóreos, na aceção do § 1, n.o 1, ponto 1, estão sujeitas a tributação em conformidade com as disposições seguintes (regime da margem de lucro), se estiverem preenchidas as seguintes condições: […]

[…]

(3)      O volume de negócios é calculado com base na diferença entre o preço de venda e o preço de compra do bem; […]

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      B, no âmbito do exercício da sua atividade de revendedor de veículos em segunda mão, realizou operações tributáveis sujeitas ao regime da margem de lucro nos termos do § 25a da UStG. O seu volume de negócios, calculado a partir dos montantes recebidos, ascende a 27 358 e a 25 115 euros, a título, respetivamente, dos anos de 2009 e de 2010.

18      Nas suas declarações de IVA de 10 de fevereiro de 2010 (relativas ao ano de 2009) e de 23 de março de 2011 (relativas ao ano de 2010), B entendeu poder invocar a sua qualidade de «pequeno empresário», no sentido do § 19 da UStG, visto que o seu volume de negócios em 2009 e 2010 foi, respetivamente, de 17 328 euros e de 17 470 euros. B calculou esse volume de negócios não com base nos montantes recebidos, mas com base na sua margem de lucro, nos termos do § 25 a, n.o 3, da UStG.

19      No que diz respeito à primeira daquelas declarações de IVA, a Administração Fiscal admitiu que o volume de negócios anual que serviu de referência para aplicação do regime das pequenas empresas podia ser determinado em função do montante da margem de lucro e aceitou, portanto, que B beneficiasse do regime especial das pequenas empresas.

20      Contudo, no que diz respeito à segunda declaração de IVA, o Serviço de Finanças A recusou, por aviso de liquidação de 4 de outubro de 2012, que o regime das pequenas empresas fosse aplicado a B relativamente ao exercício de 2010. Com efeito, a prática administrativa tinha sido alterada pela Umsatzsteuer‑Anwendungserlass (Circular sobre a aplicação do imposto sobre o volume de negócios), de 1 de outubro de 2010 (BStBl. 2010 I, p. 846), nos termos da qual, para aplicação do regime das pequenas empresas, especialmente nos casos em que se aplica o regime da margem de lucro aos revendedores, o volume de negócios anual devia ser calculado em função dos montantes recebidos e não em função do regime da margem de lucro.

21      Após indeferimento da reclamação apresentada contra esse aviso de liquidação, B interpôs recurso para o Finanzgericht (Tribunal Tributário, Alemanha) competente, que anulou o referido aviso de liquidação por considerar que os montantes recebidos que ultrapassassem a margem de lucro não devem ser considerados para o cálculo do volume de negócios, para efeitos de aplicação do regime especial das pequenas empresas.

22      Aquele tribunal considerou que o artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA tem efeito direto e que obsta à modalidade de cálculo utilizada pelo Serviço de Finanças A. Com efeito, aquela disposição enuncia que o volume de negócios que se deve considerar para efeito da aplicação do regime das pequenas empresas é constituído pelo montante correspondente às entregas de bens e serviços «desde que sejam tributadas». Ora, o regime da margem de lucro aplicável às entregas realizadas por B implica, nos termos do artigo 315.o da Diretiva IVA, que só é tributada a margem de lucro.

23      No âmbito do recurso de «Revision» interposto para o Bundesfinanzhof (Tribunal Tributário Federal, Alemanha), o Serviço de Finanças A sustenta que foi feita uma interpretação errada do artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA.

24      O tribunal de reenvio parece partilhar da posição do Finanzgericht (Tribunal Tributário), segundo a qual o volume de negócios que deve servir de referência para aplicação do regime das pequenas empresas, previsto nos artigos 282.o e seguintes da Diretiva IVA, aos comerciantes abrangidos pelo regime da margem de lucro nos termos do artigo 314.o desta diretiva deve ser determinado em função da margem de lucro, uma vez que o artigo 313.o, n.o 1, da referida diretiva constitui um regime especial aplicável a esses comerciantes. O tribunal de reenvio indica que, segundo o artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA, o volume de negócios a ter em conta é o montante das entregas de bens, «desde que sejam tributadas». Ora, esta precisão remeteria para a base da tributação, a qual seria limitada, no âmbito do regime previsto no artigo 315.o da mesma diretiva, à margem de lucro.

25      Contudo, aquele tribunal salienta que a expressão, «desde que sejam tributadas» constante do artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA poderia também ser entendida no sentido de que apenas as prestações isentas devem ser excluídas do volume de negócios pertinente para aplicação do regime das pequenas empresas. Em virtude deste enfoque, as entregas sujeitas ao regime da margem de lucro não isentas, mas tributadas enquanto tais, devem ser tomadas em conta integralmente e não apenas até à concorrência da base tributável do volume de negócios determinado pela regulamentação especial do artigo 315.o desta diretiva.

26      O tribunal de reenvio não exclui, aliás, que, nos termos do artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA, possa ser considerado que o «montante» das entregas de bens corresponde à «soma» das receitas realizadas e que aquela disposição visa, por conseguinte, a base do imposto, nos termos do artigo 73.o desta diretiva.

27      Considerando que a resolução do litígio submetido à sua apreciação exige a interpretação de disposições da Diretiva IVA, o Bundesfinanzhof (Tribunal Tributário Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Nas situações em que se aplica o regime da margem de lucro na aceção dos artigos 311.o e seguintes da Diretiva [IVA], deve interpretar‑se a disposição do artigo 288.o, primeiro [parágrafo, ponto 1], desta diretiva no sentido de que, para efeitos do cálculo do volume de negócios relevante nos casos de entregas de bens nos termos do artigo 314.o da Diretiva [IVA], se deve tomar por base, em conformidade com o artigo 315.o da referida diretiva, a diferença entre o preço de venda solicitado e o preço de compra (margem de lucro)?»

 Quanto à questão prejudicial

28      Com a sua questão o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regulamentações ou práticas administrativas nacionais em virtude das quais o volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime especial das pequenas empresas a um sujeito passivo abrangido pelo regime especial da margem de lucro previsto para os sujeitos passivos revendedores é determinado em conformidade com o artigo 315.o da mesma diretiva, tendo unicamente em conta a margem de lucro realizada.

29      Segundo o artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA, o volume de negócios que serve de referência para aplicação do regime especial das pequenas empresas é constituído pelo montante, líquido de IVA, das entregas de bens, desde que sejam tributadas.

30      Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União, que não comporte nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance, devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só o seu teor mas também o contexto da disposição e do objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (Acórdão de 23 de maio de 2019, WB, C‑658/17, EU:C:2019:444, n.o 50 e jurisprudência aí referida).

31      No que toca, em primeiro lugar, à interpretação literal do artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA, importa observar que, por um lado, é o montante total sem IVA das entregas de bens e das prestações de serviços tributadas que constitui, segundo os termos dessa disposição, o volume de negócios desse sujeito passivo, mas que, por outro lado, o termo «tributadas» se reporta não ao termo «montante», mas a «entregas» ou a «prestações».

32      Daqui decorre que, segundo a sua letra, esta disposição exige, para que o seu montante seja integrado no volume de negócios do sujeito passivo, que as entregas ou as prestações sejam tributadas enquanto tais, sem precisar de que forma o devem ser, ou seja, sem indicar as modalidades segundo as quais elas são tributadas.

33      Também não decorre desta disposição que, em todos os casos, as entregas ou as prestações tenham de ser inteiramente tributadas.

34      Ora, é ponto assente que as entregas realizadas pelo sujeito passivo revendedor são tributadas, mesmo que o sejam em aplicação de um regime especial.

35      Por conseguinte, uma interpretação literal do artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA implica que é o montante total das entregas efetuadas pelos sujeitos passivos revendedores, e não a sua margem de lucro, que constitui o volume de negócios que serve de referência para efeitos de aplicação do regime especial das pequenas empresas.

36      A sistemática geral, a génese e a finalidade da Diretiva IVA confirmam esta interpretação.

37      No que se refere à sistemática geral desta diretiva, importa referir que, no caso, está em causa a articulação entre dois regimes especiais nela previstos, a saber, o regime especial das pequenas empresas e o regime especial dos sujeitos passivos revendedores.

38      Ora, como acertadamente afirma o Governo alemão, o regime especial das pequenas empresas e o dos sujeitos passivos revendedores são dois regimes especiais autónomos, independentes um do outro. Na falta de referência num dos regimes aos elementos e conceitos do outro, o conteúdo de cada um deles deve, em princípio, ser apreciado sem levar em conta o conteúdo do outro.

39      No que se refere à génese da regulamentação do IVA, cabe salientar que a evolução dessa regulamentação confirma igualmente que o conceito de «margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor» não pode ter influência na interpretação que deve ser feita do conceito de «volume de negócios» no âmbito do regime especial das pequenas empresas.

40      Com efeito, importa referir que o regime especial das pequenas empresas foi criado pela Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, em matéria de harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), e que só ulteriormente, a fim de criar um regime especial para os sujeitos passivos revendedores, é que foi adotada a Diretiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1994, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera a Diretiva 77/388/CEE — Regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção e às antiguidades (JO 1994, L 60, p. 16).

41      As regras relativas à determinação do volume de negócios com vista à aplicação do regime especial das pequenas empresas, previstas na Sexta Diretiva 77/388, não podem, por conseguinte, ser consideradas como estando alinhadas, na falta de uma norma expressa que preveja esse alinhamento, com as relativas ao regime especial dos sujeitos passivos revendedores previsto na Diretiva 94/5.

42      No tocante à finalidade do regime especial das pequenas empresas, o Tribunal de Justiça declarou que, com esse regime especial, o legislador da União pretendeu simplificar as exigências contabilísticas do sistema normal do IVA (Acórdão de 6 de outubro de 2005, MyTravel, C‑291/03, EU:C:2005:591, n.o 39), pretendendo‑se com essas simplificações administrativas reforçar a criação, a atividade e a competitividade das pequenas empresas (Acórdãos de 26 de outubro de 2010, Schmelz, C‑97/09, EU:C:2010:632, n.o 63, e de 2 de maio de 2019, Jarmuškienė, C‑265/18, EU:C:2019:348, n.o 37).

43      A este respeito, importa salientar, à semelhança do Governo alemão, que o objetivo prosseguido pelo regime especial das pequenas empresas não visa reforçar a competitividade das grandes empresas cuja atividade é a venda de bens em segunda mão. Se os montantes recebidos que excedem a margem de lucro não fossem tomados em conta no cálculo do volume de negócios para efeitos de aplicação deste regime especial, tais empresas, que têm um volume de negócios elevado, mas uma margem de lucro pequena, poderiam ser abrangidas por este regime especial e beneficiar de uma vantagem concorrencial injustificada.

44      Resulta do conjunto das considerações precedentes que importa responder à questão submetida que o artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regulamentações ou práticas administrativas nacionais em virtude das quais o volume de negócios que serve de referência para efeitos de aplicação do regime especial das pequenas empresas a um sujeito passivo abrangido pelo regime especial da margem de lucro previsto para os sujeitos passivos revendedores é calculado, em conformidade com o artigo 315.o desta diretiva, tendo unicamente em conta a margem de lucro realizada. O volume de negócios deve ser determinado com base em todos os montantes líquidos de IVA recebidos ou a receber por esse sujeito passivo revendedor, independentemente das modalidades segundo as quais esses montantes venham a ser efetivamente tributados.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 288.o, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regulamentações ou práticas administrativas nacionais em virtude das quais o volume de negócios que serve de referência para efeitos de aplicação do regime especial das pequenas empresas a um sujeito passivo abrangido pelo regime especial da margem de lucro previsto para os sujeitos passivos revendedores é calculado, em conformidade com o artigo 315.o desta diretiva, tendo unicamente em conta a margem de lucro realizada. O volume de negócios deve ser determinado com base em todos os montantes líquidos de imposto sobre o valor acrescentado recebidos ou a receber por esse sujeito passivo revendedor, independentemente das modalidades segundo as quais esses montantes venham a ser efetivamente tributados.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.