Language of document : ECLI:EU:C:2012:177

TOMADA DE POSIÇÃO DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentada em 28 de março de 2012 (1)

Processo C‑92/12 PPU

Health Service Executive

contra

S. C.

e

A. C.

[pedido de decisão prejudicial
apresentado pela High Court of Ireland (Irlanda)]

«Processo prejudicial urgente ― Cooperação judiciária em matéria civil ― Regulamento (CE) n.° 2201/2003 ― Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria de responsabilidade parental ― Colocação de um menor em instituição situada noutro Estado‑Membro, em condições de detenção ― Aprovação do Estado‑Membro de acolhimento ― Declaração de executoriedade»





I ―    Introdução

1.        O presente caso tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (2), no âmbito de um processo prejudicial com tramitação urgente.

2.        O artigo 56.° deste regulamento regula a colocação transfronteiriça de uma criança numa instituição ou numa família de acolhimento. A High Court irlandesa decidiu colocar uma criança de dezassete anos (3) (S. C.) numa instituição localizada em Inglaterra, em regime de internamento, visto na Irlanda não se encontrar disponível um centro adequado. Entendeu‑se que, por motivos relacionados com o superior interesse da criança, a situação não admitia qualquer dilação, razão pela qual S. C. foi imediatamente conduzida à instituição.

3.        Neste quadro, a High Court pretende saber, antes de mais, se a colocação em condições de detenção, com vista à proteção do menor, está sequer abrangida pelo âmbito de aplicação material do regulamento. As demais questões visam, à luz da tramitação urgente da colocação, essencialmente esclarecer se a decisão que ordena esse tipo de colocação carece de declaração de executoriedade, tal como prevista no artigo 28.° do regulamento, e que efeitos produz noutro Estado‑Membro, antes de existir essa mesma declaração de executoriedade. Além disso, a High Court coloca ainda questões relativas às exigências do processo de aprovação nos termos do artigo 56.°, n.° 2, do regulamento.

II ― Quadro jurídico

4.        As seguintes disposições do Regulamento n.° 2201/2003 têm especial relevância para o caso em apreço:

«Artigo 1.°

Âmbito de aplicação

1.      O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)      À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.      As matérias referidas na alínea b) do n.° 1 dizem, nomeadamente, respeito:

[…]

d)      À colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição;

[…]»

«Artigo 28.°

Decisões com força executória

1.      As decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.

2.      Todavia, no Reino Unido, essas decisões só são executadas em Inglaterra e no País de Gales, na Escócia ou na Irlanda do Norte depois de registadas para execução, a pedido de qualquer parte interessada, numa dessas partes do Reino Unido, consoante o caso.»

«Artigo 56.°

Colocação da criança noutro Estado‑Membro

1.      Quando o tribunal competente por força dos artigos 8.° a 15.° previr a colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento e essa colocação ocorrer noutro Estado‑Membro, consultará previamente a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado‑Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças estiver prevista nesse Estado‑Membro.

2.      A decisão de colocação a que se refere o n.° 1 só pode ser tomada no Estado‑Membro requerente, se a autoridade competente do Estado‑Membro requerido a tiver aprovado.

3.      As normas relativas à consulta ou à aprovação a que se referem os n.os 1 e 2 são reguladas pelo direito nacional do Estado‑Membro requerido.»

III ― Matéria de facto, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

5.        S. C. é nacional irlandesa e vivia na Irlanda. A High Court é titular do direito de guarda sobre a menor. Em 2000, S. C. foi colocada no centro de assistência do Health Service Executive (a autoridade oficial responsável pelas crianças entregues aos cuidados públicos na Irlanda, a seguir «HSE»). Desde então, S. C. esteve colocada tanto em famílias de acolhimento como em instituições, na Irlanda. O HSE requereu agora, no âmbito de um pedido de providência cautelar (4) dirigido ao órgão jurisdicional de reenvio, a colocação da menor, em condições de detenção, num centro de segurança de prestação de cuidados terapêuticos e educativos (5), em Inglaterra. S. C. esteve anteriormente colocada num estabelecimento na Irlanda, em regime de internamento. No passado mais recentemente, tentou suicidar‑se em várias ocasiões. Entendeu‑se inexistir na Irlanda um centro adequado para receber S. C. São demandadas S. C. e A. C., a mãe da criança.

6.        Em 2 de dezembro de 2011 o órgão jurisdicional de reenvio julgou procedente o pedido apresentado pelo HSE e ordenou a colocação de S. C. num estabelecimento privado, em regime de internamento, localizado em Inglaterra, para sua própria proteção. Com exceção de S. C., todos os intervenientes processuais estão a favor da colocação em Inglaterra, por ser isso que melhor salvaguarda o superior interesse da criança. A colocação foi inicialmente ordenada pelo prazo de um mês, devendo ser mensalmente reapreciada e, se for caso disso, renovada.

7.        O órgão jurisdicional de reenvio entendeu que o superior interesse da criança exigia uma atuação imediata, pelo que S. C. foi colocada na instituição em Inglaterra logo após a prolação da decisão judicial. O processo principal tem agora por objeto questões relativas à validade da colocação e da sua manutenção. A High Court decidiu, por despacho de 16 de fevereiro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2012, submeter as seguintes questões para decisão prejudicial:

«1)      Uma decisão que prevê a detenção de um menor por um determinado período de tempo noutro Estado‑Membro, numa instituição que presta cuidados de caráter terapêutico e educativo, está abrangida pelo âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, que eventuais obrigações resultam do artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho no que se refere à natureza do mecanismo de consulta e de aprovação, com vista a assegurar a proteção efetiva de um menor que deve ser detido nessas condições?

3)      Se um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro tiver considerado a colocação de um menor por um determinado período numa instituição de prestação de cuidados em regime de internamento noutro Estado‑Membro e tiver obtido a aprovação desse Estado em conformidade com o artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho, a decisão do órgão jurisdicional que ordena a colocação de um menor por um determinado período numa instituição de prestação de cuidados em regime de internamento situada noutro Estado‑Membro deve ser reconhecida e/ou declarada executória nesse outro Estado‑Membro antes de a colocação poder ser efetuada?

4)      Uma decisão do órgão jurisdicional que ordena a colocação do menor por um determinado período numa instituição de prestação de cuidados em regime de internamento situada noutro Estado‑Membro, aprovada por esse Estado‑Membro em conformidade com o artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho, produz efeitos jurídicos nesse outro Estado‑Membro antes de ser concedida a declaração de reconhecimento e/ou de executoriedade após a conclusão do processo para a obtenção dessa declaração de reconhecimento e/ou executoriedade?

5)      Se uma decisão do órgão jurisdicional que ordena a colocação de um menor por um determinado período numa instituição de prestação de cuidados em regime de internamento situada noutro Estado‑Membro ao abrigo do artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho for renovada por um determinado período adicional, deve a aprovação do outro Estado‑Membro, nos termos do artigo 56.°, ser obtida para cada renovação?

6)      Se uma decisão do órgão jurisdicional que ordena a colocação do menor por um determinado período numa instituição de prestação de cuidados em regime de internamento situada noutro Estado‑Membro ao abrigo do artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho for renovada por um determinado período adicional, deve a decisão ser reconhecida e/ou declarada executória nesse outro Estado‑Membro em relação a cada renovação?»

8.        Através de outra decisão proferida no mesmo dia o órgão jurisdicional de reenvio solicitou que o processo fosse submetido à tramitação acelerada prevista no artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A Segunda Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 29 de fevereiro de 2012, submeter o presente pedido de decisão prejudicial à tramitação acelerada.

9.        Na fase escrita do processo instaurado junto do Tribunal de Justiça, o HSE, S. C., representada pelo respetivo representante legal, A. C., o Governo irlandês e, ainda, a Comissão apresentaram observações escritas. Para além dos intervenientes processuais intervieram na audiência, realizada em 26 de março de 2012, o Governo alemão e o Governo do Reino Unido.

IV ― Apreciação jurídica

A ―    Primeira questão prejudicial: âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 2201/2003

10.      Em primeiro lugar, a High Court of Ireland pretende saber se o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 também abrange uma decisão judicial que prevê a colocação, em condições de detenção, de uma criança, com vista a protegê‑la de si própria, num estabelecimento que concede cuidados de caráter terapêutico e educativo.

11.      O âmbito de aplicação material do regulamento é estabelecido pelo seu artigo 1.° Segundo o respetivo n.° 1, alínea b), é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

12.      Nos termos do artigo 2.°, n.° 7, a «responsabilidade parental» compreende, nomeadamente, o direito de guarda, o qual, segundo o artigo 2.°, n.° 9, abrange o direito de decidir sobre o lugar de residência da criança. Segundo o artigo 2.°, n.° 8, é titular da responsabilidade parental «qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança». Neste sentido, é irrelevante o facto de o direito de guarda não ser exercido pelos pais ― como sucede no caso em apreço.

13.      Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea d), do regulamento, as matérias civis relativas à responsabilidade parental abrangem, nomeadamente, a colocação de uma criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.

14.      O Tribunal de Justiça já decidiu, por um lado, que o conceito de «matérias civis» deve ser interpretado no sentido de também poder abranger medidas com vista à proteção de uma criança que, segundo o direito nacional de um Estado‑Membro, pertencem ao âmbito do direito público (6). Por outro lado, decidiu que a entrega de uma criança ― apesar de não ser expressamente referida no regulamento ―, enquanto medida de proteção de menores, cai no âmbito de aplicação do regulamento (7). Neste contexto, o Tribunal de Justiça fez expressa referência à posição de um Estado‑Membro, segundo a qual uma decisão que impõe a entrega de uma criança pode até, nalguns casos, implicar a privação da liberdade daquela (8). O Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou acerca da questão de saber se o regulamento abrange ou não uma colocação em condições de detenção.

15.      O conceito de «instituição», utilizado no artigo 1.°, n.° 2, alínea d), do regulamento, refere‑se a um estabelecimento no qual habitam crianças e adolescentes e onde lhes são concedidos cuidados pedagógicos. Este conceito, de acordo com o seu sentido comum, também pode abranger estabelecimentos nos quais as crianças, para sua própria proteção, se encontrem colocadas em condições de detenção.

16.      As exceções ao âmbito de aplicação do regulamento encontram‑se previstas no artigo 1.°, n.° 3. Segundo a alínea g), o regulamento não se aplica às medidas tomadas na sequência de infrações penais cometidas por crianças. Esta exceção indicia, a contrario sensu, que o legislador da União considerou que a colocação em regime de internamento, em regra, também se encontra abrangida pelo regulamento. Só assim se explica que tenha sentido necessidade de prever expressamente que as sanções penais aplicadas a jovens delinquentes, entre as quais se pode designadamente contar a detenção, não se encontram abrangidas pelo regulamento.

17.      É neste sentido que aponta também o esclarecedor relatório de Paul Lagarde (9) acerca da Convenção da Haia relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção da criança, de 19 de outubro de 1996 (a seguir «Convenção da Haia») (10). Este relatório fornece indícios relevantes no quadro da interpretação do Regulamento n.° 2201/2003 com base na sua génese histórica e na sua sistemática. Com efeito, as disposições em matéria de direito de guarda, contidas no regulamento, têm origem nos trabalhos preparatórios da Convenção da Haia, correspondendo em larga medida a esses trabalhos (11), incluindo no que respeita às disposições relativas ao âmbito de aplicação, que ora importa interpretar (12). Além disso, as disposições do regulamento e as disposições correspondentes da convenção devem, na medida do possível, ser interpretadas da mesma forma, a fim de evitar resultados distintos consoante se esteja em presença de um caso relativo a outro Estado‑Membro ou a um Estado terceiro (13).

18.      O Relatório Lagarde define as medidas que visam a colocação de uma criança junto de uma família de acolhimento ou numa instituição como as medidas de proteção clássicas. Estas medidas encontram‑se evidentemente abrangidas pela convenção, exceto se se encontrarem expressamente excluídas, como sucede com a colocação em consequência de uma infração penal cometida pela criança (14). O objeto da convenção é a proteção da criança, pelo que apenas se excluem medidas do direito penal para jovens (15).

19.      Também no quadro do regulamento se deve considerar que qualquer decisão que afete a responsabilidade parental se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento, ressalvadas as exceções previstas no artigo 1.°, n.° 3 (16). A colocação em regime de internamento, destinada a proteger a criança de si própria, designadamente do suicídio, e que se destina a permitir a sua sujeição a cuidados de caráter pedagógico e terapêutico, fica então abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento, tendo em conta o seu sentido literal, a sua génese histórica e o seu contexto.

20.      Esta conclusão corresponde também ao objetivo do regulamento, tal como consagrado no quinto considerando (17). Segundo o que aí se diz, o regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, a fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças.

21.      Se a proteção da criança pode exigir a sua colocação em regime de internamento e se o regulamento pretende garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças no tocante às decisões em matéria de responsabilidade parental, então não se compreenderia por que razão é que seriam precisamente as decisões relativas à colocação em regime de internamento que ficariam excluídas do âmbito de aplicação do regulamento. Afinal, é este tipo de colocação que tem maiores implicações sobre os direitos fundamentais da pessoa afetada. Nesta área sensível é particularmente importante que através do regulamento se discipline de forma unitária tanto a competência judiciária, que o regulamento define em função do superior interesse da criança (18), como o reconhecimento e a execução das decisões que lhe respeitam.

22.      A inclusão desta matéria no regulamento permite também evitar problemas de delimitação no caso concreto. É que as várias formas de colocação suceder‑se‑ão, em regra, de forma fluida. A colocação em regime de internamento constituirá sempre a ultima ratio e apenas ocorre pelo período estritamente necessário. Mas após a colocação em regime de internamento a criança poderá eventualmente permanecer colocada na mesma instituição, ainda que sem se encontrar detida. É o que se passa no processo principal: S. C. deve ficar colocada, em condições de detenção, pelo tempo estritamente necessário, mas quando, dentro de pouco tempo, esta imposição for levantada, deve permanecer no mesmo estabelecimento. Só um regime que sujeite as decisões sobre todo o tipo de colocação a um regime de competência e de reconhecimento unitário é que pode prosseguir o superior interesse da criança. Se a colocação numa instituição, em condições de detenção, não se encontrasse abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento, então isso poderia conduzir a competências judiciárias divergentes, consoante o tipo de colocação, o que seria desadequado.

23.      Importa assim responder à primeira questão prejudicial no sentido de que o âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 2201/2003 também abrange uma decisão através da qual, para proteção da criança, se ordena a sua colocação, em condições de detenção, numa instituição de outro Estado‑Membro.

B ―    Segunda questão prejudicial: condição de aprovação prévia pela autoridade competente

24.      Através da sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais são as obrigações que, no contexto de uma colocação, resultam do artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003, no que se refere à natureza do mecanismo de consulta e de aprovação.

25.      Das indicações contidas na decisão de reenvio prejudicial resulta o contexto no qual esta questão se insere.

26.      É que segundo o órgão jurisdicional de reenvio não lhe foi possível determinar, de forma inequívoca, qual é a autoridade com competência, no Reino Unido, para conceder a aprovação a que alude o artigo 56.°, n.° 2, do regulamento. O Official Solicitor e a Central Authority for England and Wales (19) começaram por reencaminhar a informação do «centro privado», através da qual este comunicava poder receber S. C. Posteriormente, numa declaração sob prestação de juramento submetida à High Court, um funcionário da autoridade central da Inglaterra e País de Gales declarou que não era a «autoridade competente» para efeitos do artigo 56.° e que não existia qualquer autoridade competente unitária para efeitos do regulamento. O órgão jurisdicional de reenvio criou assim a ideia de que só existiria a confirmação do «centro privado», no qual se pretendia colocar S. C., e que se consideraria este centro como autoridade competente.

27.      Tendo sido questionado em audiência, o Governo do Reino Unido esclareceu que o centro em que se colocou a criança não constitui um centro privado. A instituição pertence, isso sim, à cidade de Peterborough, é administrada por esta e constitui, portanto, um centro público. Em princípio, um pedido de decisão prejudicial deve ser respondido com base na matéria de facto fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio na decisão de reenvio prejudicial. Mas, tendo em conta as informações prestadas pelo Reino Unido, uma resposta útil à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio deverá incidir também sobre a questão de saber se a aprovação concedida pela instituição pública cumpre as exigências ao artigo 56.°, n.° 2.

1.      A instituição como autoridade competente

28.      Nos termos do artigo 56.°, n.° 2, a decisão de colocação de uma criança noutro Estado‑Membro só pode ser tomada se a autoridade competente do Estado‑Membro requerido a tiver aprovado. O artigo 56.°, n.° 1, regula um processo de consulta prévia: quando um tribunal prevê a colocação no estrangeiro, consultará previamente a autoridade central ou outra autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento.

29.      O conceito de «autoridade competente», utilizado no artigo 56.°, n.° 2, deve ser entendido como expressão que abarca tanto a expressão «autoridade central» como a expressão «autoridade competente», utilizadas no n.° 1 do mesmo artigo. Com efeito, da formulação «ou outra autoridade competente», aí utilizada, resulta que a autoridade central também é considerada como uma autoridade competente.

30.      Este entendimento é corroborado pela génese histórica da norma. Em projetos anteriores do regulamento também se fazia referência, no n.° 2, em termos paralelos às expressões utilizadas no n.° 1, a autoridade central ou outra autoridade competente (20). Só numa fase já muito avançada do processo legislativo é que se deixou cair no n.° 2 a referência à autoridade central (21). Não resulta dos documentos de trabalho do Conselho que através da eliminação da referência à autoridade central, no n.° 2, se tenha querido proceder a uma alteração de conteúdo.

31.      Assim, nos termos do artigo 56.°, quem concede a aprovação é ou a autoridade central ou uma outra autoridade competente. Uma vez que cada Estado‑Membro designa uma ou várias autoridades centrais, conclui‑se que o sistema do regulamento exclui a possibilidade de inexistir uma autoridade competente, na aceção do artigo 56.°, n.° 2 (22). O artigo 53.° obriga a autoridade central incompetente a transmitir as comunicações que receba à autoridade (central) competente.

32.      Importa então apenas determinar se a expressão «autoridade competente», na aceção do artigo 56.°, n.° 2, também pode abranger o estabelecimento, privado ou público, no qual a criança em questão deve ser colocada.

33.      É certo que o artigo 56.°, n.° 3, determina que as normas relativas à consulta ou à aprovação a que se referem os n.os 1 e 2 são reguladas pelo direito nacional do Estado‑Membro requerido. Porém, a questão de saber se o estabelecimento privado, que deverá acolher a criança, pode constituir uma autoridade competente, na aceção do artigo 56.°, não é uma questão que respeite aos detalhes da aprovação, tratando‑se antes de uma questão essencial, que concerne à própria aprovação. Esta não pode ser deixada ao critério do direito nacional, tendo, isso sim, de ser autonomamente respondida pelo direito da União, atendendo à necessidade de aplicação uniforme do mesmo (23).

34.      Na versão linguística alemã resulta desde logo claramente da utilização da expressão «Behörde» ser necessária a aprovação por uma entidade pública. Noutras versões linguísticas do regulamento também se utilizam expressões que realçam a natureza pública da entidade responsável pela aprovação: neste sentido, utiliza‑se na versão francesa a expressão «autorité compétente» e na versão inglesa a expressão «competent authority». Nestas versões linguísticas a exigência da intervenção de uma entidade pública torna‑se particularmente patente no contexto da última parte do artigo 56.°, n.° 1, onde se faz referência à intervenção de uma autoridade pública («autorité publique», «öffentliche Behörde», «public authority») em casos internos equiparáveis.

35.      Portanto, resulta desde logo do próprio texto do artigo 56.° que a aprovação pelo estabelecimento privado, no qual se pretenda colocar a criança, não é suficiente. Esse mesmo texto já não é tão claro quanto à questão de saber se o artigo 56.°, n.° 2 se satisfaz com a aprovação pela instituição pública. O conceito de «autoridade», numa interpretação ampla, poderia abranger também uma instituição pública.

36.      Não obstante, resulta do sentido e do objetivo da exigência de aprovação que a aprovação pela instituição, seja a mesma privada ou pública, não constitui uma aprovação válida, na aceção do artigo 56.°, n.° 2. O Relatório Lagarde acerca da Convenção da Haia, que por sua vez contém no artigo 33.°, n.° 2, uma disposição relativa à colocação de crianças semelhante ao artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003, confirma isso mesmo. Também nesta disposição da Convenção da Haia se prevê a necessidade de uma prévia aprovação pelo Estado de acolhimento (24). O Relatório Lagarde refere, a este propósito, que a mencionada aprovação prévia se destina a possibilitar a antecipada regulação das condições de permanência da criança no Estado de acolhimento, por exemplo, no que tange ao cumprimento das regras em matéria de imigração aí em vigor (25) ou ao modo de distribuição dos custos que resultem do cumprimento da medida de colocação (26).

37.      Portanto, a exigência de aprovação destina‑se a permitir que fiquem tanto quanto possível antecipadamente esclarecidas todas as questões que possam resultar de uma colocação no Estado‑Membro de acolhimento, antes de essa colocação ocorrer. Deste modo pretende‑se assegurar, precisamente também tendo em vista o superior interesse da criança, que eventuais dificuldades administrativas ou outras não sejam levantadas apenas num momento posterior, quando a criança já estiver colocada, tornando eventualmente necessário o seu regresso, no pior cenário possível.

38.      Não se afigura consentâneo com o sistema consagrado pelo regulamento, o Estado‑Membro de acolhimento proceder a uma nova apreciação da questão de saber se a colocação corresponde ao superior interesse da criança. Afinal, esta apreciação já foi feita pelo tribunal que ordena a colocação, enquanto tribunal considerado competente pelo regulamento. Porém, as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento devem poder dizer se, na sua opinião, se colocam dificuldades relacionadas com a respetiva «ordre public», a qual, nos termos do artigo 23.°, é suscetível de obstar ao reconhecimento ou à declaração de executoriedade de uma decisão de colocação. De resto, o processo de consulta e aprovação permite ainda à autoridade do Estado‑Membro onde a colocação deve ocorrer chamar a atenção para eventuais problemas que possam existir em relação à instituição concretamente escolhida. É que, em regra, a autoridade no Estado‑Membro de acolhimento conhecerá melhor as instituições locais do que o tribunal do Estado‑Membro de proveniência. Além disso, a exigência de aprovação visa ainda garantir a atempada comunicação às autoridades competentes de que certa criança lhes passará a estar confiada, para que este processo não decorra sem possibilidade de controlo e com desconhecimento das entidades públicas.

39.      Os objetivos da exigência de aprovação não são atingidos se for o estabelecimento privado, no qual a criança deverá ser colocada, a conceder, ele próprio, a aprovação. É que o estabelecimento privado não pode prestar declarações vinculativas em relação a aspetos administrativos da colocação, em termos tais que o Estado‑Membro de acolhimento a elas fique, mais tarde, obrigado. É certo que este aspeto da exigência de aprovação poderia ser preenchido por uma instituição pública. Contudo, a perspetiva do controlo dos problemas relacionados com a instituição concretamente escolhida para a colocação, milita também no sentido de que não se deva considerar suficiente aprovação concedida pelo próprio estabelecimento, mesmo no caso de instituições públicas. Desta forma, o sentido e o objetivo da exigência de aprovação impõem que a aprovação provenha de uma autoridade pública que não a própria instituição. O facto de a instituição ser administrada ou gerida pela autoridade competente é irrelevante. O que se tem de garantir é que a decisão de aprovação constitua uma decisão independente da autoridade competente. No âmbito da sua decisão, esta autoridade pública pode e deve, evidentemente, ter em conta a avaliação feita pela instituição que deverá acolher a criança. Mas esta avaliação não deve substituir a aprovação pela autoridade.

40.      O Reino Unido alegou, no processo perante o Tribunal de Justiça, que em Inglaterra a autoridade competente, na aceção do artigo 56.°, n.° 2, é a autoridade local, em cuja área de competência se situa a instituição na qual se pretende colocar a criança (27). No presente caso está em causa o Peterborough City Council.

41.      Resulta dos autos do processo que corre termos junto do Tribunal de Justiça que a autoridade central, quando o órgão jurisdicional de reenvio lhe solicitou a aprovação a que se reporta o artigo 56.°, n.° 2, começou por reencaminhar um ofício do chefe de equipa da instituição na qual se pretendia colocar a criança. No cabeçalho desse ofício consta tanto o City Council como o nome da instituição (28). O Reino Unido justificou esta dupla indicação no cabeçalho com o facto de a instituição ser administrada pelo Peterborough City Council. Porém, resulta também dos autos que a autoridade central remeteu mais tarde, à autoridade competente irlandesa, um novo ofício da instituição, mais preciso, cujo cabeçalho só ostentava o nome da referida instituição (29).

42.      Cumpre ao órgão jurisdicional de reenvio determinar conclusivamente se no presente caso existiu uma decisão do Peterborough City Council ou se só existiu uma decisão da instituição, na qual se pretendia colocar a criança.

2.      Consequências da falta de aprovação pela autoridade competente

43.      Pelo exposto, importa seguidamente analisar quais são as consequências que poderão advir caso se venha a confirmar, no processo principal, que não foi a autoridade competente a conceder a aprovação.

44.      Nos termos do artigo 56.°, n.° 2, a decisão de colocação só pode ser tomada se a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento tiver dado a sua aprovação. Assim sendo, a aprovação tem de existir antes de o tribunal do Estado‑Membro de proveniência decidir acerca da colocação. O caráter obrigatório da aprovação é salientado pelo facto de o artigo 23.°, alínea g), estatuir que uma decisão em matéria de responsabilidade parental não é reconhecida ou declarada executória se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.°

45.      Dito isto, concordo em princípio com a Comissão quando esta refere que a aprovação constitui um pressuposto da decisão de colocação a proferir pelo tribunal. É o que resulta necessariamente também do sentido e do objetivo da exigência de aprovação, supraexpostos. O prévio esclarecimento de eventuais razões que possam obstar à colocação destina‑se precisamente a evitar a situação de mais tarde se revelar necessário o regresso da criança.

46.      Todavia, num caso excecional como o presente, marcado por declarações contraditórias da autoridade central, importa admitir a possibilidade, de excecionalmente, se obter a aprovação em momento posterior. Por um lado, o juiz de reenvio fez, na realidade, um grande esforço no sentido de obter a aprovação. Por outro lado, também não se deu o caso de inexistir, de todo, aprovação, sendo antes que a autoridade central do Reino Unido começou por reencaminhar uma aprovação e só depois esclareceu não ser, ela própria, a autoridade competente. Mas a autoridade central também não se manifestou propriamente contra a colocação. Neste quadro, seria contrário ao superior interesse da criança repetir‑se todo o processo de colocação, para depois então ― quando existisse uma aprovação válida e após considerável perda de tempo ― se voltar a ordenar a dita colocação.

47.      Afigura‑se assim justificado, num caso excecional como o presente ― em que o juiz que ordenou a colocação, apesar dos seus esforços, apenas obteve uma aprovação que mais tarde veio a revelar‑se insuficiente para efeitos do artigo 56.°, n.° 2, do regulamento ―, admitir‑se a obtenção da aprovação em momento posterior (30). Ao permitir‑se apenas em casos tão limitados a obtenção da aprovação em momento posterior não se está a criar o risco de que a exigência de aprovação seja contornada.

48.      Por seu turno, a autoridade competente no Reino Unido, quando proceder à apreciação da aprovação para efeitos de concessão ou não de posterior aprovação, deve ter em conta que foi por causa das declarações equívocas prestadas pela autoridade central, no Reino Unido ― que, na realidade, tinha nos termos do artigo 53.°, obrigação de transmitir o pedido à autoridade competente ―, que ocorreu uma colocação no Reino Unido sem aprovação suficiente. No presente caso, a tomada em consideração do superior interesse da criança deveria, no caso em apreço, implicar que só por razões contrárias extremamente fortes se possa recusar a aprovação, na aceção do artigo 56.° do Regulamento n.° 2201/2003.

3.      Outras exigências relativas ao processo de aprovação

49.      O órgão jurisdicional de reenvio, na decisão de reenvio prejudicial, também alude, em certa passagem, à questão de saber quais as informações que o tribunal requerente deve fazer chegar à autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento, para que este possa decidir acerca da aprovação. Também alguns intervenientes processuais se pronunciaram, nas suas observações escritas, acerca das demais exigências do processo de aprovação.

50.      Importa referir, a este propósito, que nos termos do artigo 56.°, n.° 3, do regulamento as normas relativas à aprovação são reguladas pelo direito nacional do Estado‑Membro requerido. Porém, resulta do princípio da efetividade estarem os Estados‑Membros obrigados a adotar regras e processos claros no contexto da aprovação a que se refere o artigo 56.°, a fim de garantir segurança jurídica e celeridade. Nos termos do artigo 53.°, a autoridade não competente deve transmitir à autoridade competente as comunicações que receba. Desta forma, a autoridade central que se limita a responder a um tribunal, que lhe pede aprovação, dizendo que não é competente e sem indicar qual é então essa autoridade competente, viola as obrigações resultantes do regulamento, pois as perdas de tempo e as incertezas na procura da autoridade competente protelam desnecessariamente a emanação da ordem de colocação e afetam assim negativamente o superior interesse da criança, que o regulamento visa assegurar.

51.      Julgo que no presente caso não se justificam mais considerações acerca da questão de saber se do direito da União resultam outras exigências relativas ao processo de aprovação, por exemplo relacionadas com os documentos a apresentar. É que não existem indícios de que essa questão se tenha efetivamente colocado no processo principal. Segundo as indicações da decisão de reenvio prejudicial, apenas se suscitava a questão de saber se uma instituição privada também pode ser considerada uma entidade competente, na aceção do artigo 56.°, n.° 2. Nos processos prejudiciais com tramitação urgente, em que os Estados‑Membros apenas podem participar em audiência (31), o Tribunal de Justiça deve ser particularmente cuidadoso na apreciação da relevância de questões prejudiciais para a decisão do processo principal.

52.      Afigura‑se também não carecer de análise, no âmbito do presente processo, a questão de saber quando é que se pode prescindir, ao abrigo da última parte do artigo 56.°, n.° 1, da aprovação prevista no artigo 56.°, n.° 2. Nos termos do artigo 56.°, n.° 1, inexiste o dever de consulta se no Estado‑Membro da colocação não estiver prevista a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação comparáveis. No artigo 56.°, n.° 2, não se prevê uma exceção comparável, em relação à exigência de aprovação. O regulamento não refere claramente se ― em especial no caso de colocação numa instituição ― também se pode prescindir da exigência de aprovação, tal como sucede com a exigência de consulta no n.° 1, se não estiver prevista a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação comparáveis. Seja como for, não se me afigura aceitável que, em caso de colocação numa instituição, se possa prescindir da exigência de aprovação (mesmo admitindo como possível que essa colocação numa instituição possa legalmente ocorrer, segundo o direito do Estado‑Membro, sem intervenção de uma autoridade). Também não será isso que o regulamento pretendeu, pois de outro modo teria, ao menos, previsto a obrigação de se prevenir a autoridade competente, tal como se fez no n.° 4 em relação aos casos de colocação em famílias de acolhimento.

53.      Mas, no presente caso ― como resultou da resposta a uma questão adicional submetida ao Reino Unido, sendo que nem era de esperar solução diferente no âmbito de uma colocação em regime de internamento ―, o direito do Reino Unido prevê a intervenção de uma autoridade ou de um tribunal, nos casos internos comparáveis ao presente caso de colocação.

4.      Conclusão intercalar

54.      Importa assim responder à segunda questão prejudicial no sentido de que a aprovação a que se refere o artigo 56.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser concedida por uma autoridade pública, antes de ser proferida a decisão relativa à colocação. A mera aprovação do estabelecimento, no qual se pretende colocar a criança, não é suficiente. Caso posteriormente se apure que o juiz a quem cabe decidir a colocação, apesar dos seus esforços, não obteve a aprovação da autoridade competente, e que este erro assenta em declarações equívocas ou insuficientes da autoridade central, é de admitir a obtenção da aprovação em momento posterior, sem necessidade de se proferir nova ordem de colocação.

C ―    Terceira e quarta questões prejudiciais

55.      O órgão jurisdicional de reenvio, através da terceira questão prejudicial, pretende saber se uma decisão que ordena a colocação de uma criança numa instituição, contra a sua vontade e em regime de internamento, tem de ser declarada executória no Estado‑Membro de acolhimento em momento anterior ao da colocação efetiva da criança. A quarta questão prejudicial tem por objeto os efeitos jurídicos que uma tal ordem de colocação produz no Estado‑Membro de acolhimento, antes de ser declarada executória.

1.      Admissibilidade das questões prejudiciais

56.      Resulta da decisão de reenvio prejudicial que S. C. foi colocada no estabelecimento situado em Inglaterra, em regime de internamento, apesar de a decisão que ordenou a colocação não ter sido aí declarada executória. Uma vez que a colocação já ocorreu, o sentido da terceira questão prejudicial já não será, em princípio, o de saber se tem de existir uma declaração de executoriedade antes de efetivamente ocorrer a colocação. Além disso, resultou das informações que o Reino Unido trouxe ao presente processo, que corre termos perante o Tribunal de Justiça, que, entretanto, em 8 de março de 2012, a pedido do HSE, se procedeu ao registo da decisão de colocação irlandesa em Inglaterra, pelo que foi declarada executória. Deste modo, poder‑se‑ia duvidar da relevância das duas questões prejudiciais para a boa decisão da causa e, consequentemente, da sua admissibilidade.

57.      Contudo, ainda corre prazo para interposição de recurso contra a declaração de executoriedade. Neste sentido, ao menos a quarta questão prejudicial ainda releva para a boa decisão da causa. Além disso, uma vez que o juiz de reenvio decidiu que a colocação ocorre a título provisório e por períodos sucessivos de quatro semanas, a questão relativa aos efeitos jurídicos de uma decisão desse tipo mantém a sua relevância para a boa decisão da causa enquanto perdurar a colocação de S. C. e enquanto algum processo de declaração de executoriedade, relativo às várias decisões supervenientes, não estiver concluído. Neste quadro, o que o juiz de reenvio pretende essencialmente saber é se, em caso de fuga de S. C. da instituição, a sua decisão, mesmo sem ter sido declarada executória, pode ser objeto de medidas de autoridade que permitam a devolução da criança à instituição. Deste modo, a questão de saber se uma ordem de colocação como aquela que está em causa no processo principal carece de declaração de executoriedade continua a ter relevância para o órgão jurisdicional de reenvio, sendo por isso admissível. Passarei então a analisá‑la.

2.      Exigência de uma declaração de executoriedade

58.      O artigo 21.° do Regulamento n.° 2201/2003 consagra o princípio segundo o qual as decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas automaticamente nos outros Estados‑Membros.

59.      O artigo 28.° do regulamento trata da declaração de executoriedade. Segundo este artigo, as decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada. Nos termos do artigo 28.°, n.° 2, do regulamento, no caso do Reino Unido, em vez da declaração de executoriedade, tem lugar o registo para execução em Inglaterra e no País de Gales, na Escócia ou na Irlanda do Norte, consoante o local onde a decisão deva ser executada. Contudo, daqui não resulta qualquer diferença substantiva em relação à declaração de executoriedade.

60.      Uma decisão através da qual se ordena a colocação numa instituição, em regime de internamento, constitui, como já se expôs supra, uma decisão em matéria de responsabilidade parental. Esta qualificação não sofre qualquer alteração pelo facto de a ordem de colocação em causa no presente processo ter natureza provisória (32). A decisão em apreço também é executória no sentido de dispor de um conteúdo suscetível de ser executado (33). Com efeito, o juiz de reenvio, através da sua decisão, ordenou que S. C. fosse colocada num estabelecimento, em regime de internamento (34).

61.      O processo de declaração de executoriedade («processo de exequatur») é o processo de admissão para execução dos títulos executivos estrangeiros (35). Deste modo, tendo em conta o regime do reconhecimento automático previsto no artigo 21.° do regulamento, a declaração de executoriedade ou o registo só se torna necessário quando certa decisão deva ser executada. A execução implica que o conteúdo de uma decisão é imposto através da coerção estatal.

62.      No processo principal, a criança opõe‑se à decisão judicial através da qual se ordenou a sua colocação em regime de internamento. Assim, para pôr em prática a colocação são necessários atos de execução. As circunstâncias concretas do transporte de S. C. da Irlanda para a instituição inglesa confirmam‑no: colaboradores dos serviços competentes e funcionários da polícia irlandesa voaram com S. C. para Londres, onde foram recebidos por funcionários da polícia britânica, que por seu turno asseguraram o transporte até ao estabelecimento, através de uma empresa particular. Desde então S. C. é retida na instituição, em condições de detenção involuntária.

63.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, além disso, que se S. C. fugisse do estabelecimento em que está internada, seria necessária a colaboração das autoridades do Reino Unido, para proteção de S. C. de si própria, com vista à sua recondução ao estabelecimento, ainda que contra a sua vontade e com recurso à força pública. O órgão jurisdicional de reenvio refere, a este propósito, que logo que isso seja pedagogicamente defensável, se deve permitir a S. C. participar em excursões do estabelecimento. A participação nas mesmas é decisiva para o êxito do programa, apesar de as mesmas implicarem um risco acrescido de fuga.

64.      Todas estas medidas privativas e restritivas da liberdade constituem aplicação direta de coerção para imposição da decisão de colocação.

65.      Neste contexto, não estarão em causa meios de execução clássicos de direito processual civil, aceites como tal em todas as ordens jurídicas nacionais. Mas do mesmo modo que o Tribunal de Justiça interpreta de forma ampla o âmbito de aplicação do regulamento, fazendo com que também abranja medidas de direito público (36), importa também, paralelamente a esse entendimento, proceder a uma interpretação ampla no âmbito da definição de medidas executórias, como pressuposto da exigência de uma declaração de executoriedade. O artigo 47.°, n.° 1, do regulamento, que estatui que o processo de execução é regulado pela lei do Estado‑Membro de execução, não obsta a uma definição autónoma, pelo direito da União, do conceito de execução. Pois aqui não se suscitam questões relativas ao processo de execução, mas sim acerca da determinação das circunstâncias que tornam necessário um processo de declaração de executoriedade. E isto é algo que tem de vigorar uniformemente em todo o território da União.

66.      Execução, neste sentido, é a imposição pela autoridade pública, ou por ela legitimada, de uma decisão em matéria de responsabilidade parental.

67.      Segundo estas considerações, a imposição coerciva em relação a uma criança, de uma decisão através da qual se ordenou a sua colocação em regime de internamento, também carece, por regra, de uma declaração de executoriedade.

68.      A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio e todos os intervenientes no processo principal manifestam preocupação relativamente ao dispêndio de tempo que a tramitação de um processo de exequatur implica. Realçam a especial urgência que caracteriza o processo principal. Tendo em conta a falta de alternativas de colocação na Irlanda, só se revelou possível proceder à colocação em Inglaterra, e esta, tendo em conta o perigo iminente de a criança se autoinfligir ferimentos, não pôde continuar a ser adiada. A argumentação aponta, pois, no sentido de que, por motivo de urgência e por razões relacionadas com o superior interesse da criança, a declaração de executoriedade não deveria constituir condição da execução de uma colocação no estrangeiro. Ainda dentro desta linha, a efetividade de uma colocação transfronteiriça seria posta em causa caso se entenda que a declaração de executoriedade constitui condição da mesma.

69.      Os problemas de índole prática na execução de uma colocação transfronteiriça urgente de uma criança, expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, verificam‑se efetivamente. Compreendo, por isso, as reservas manifestadas pelos intervenientes processuais. E é também fácil de compreender que os casos de colocação transfronteiriça de crianças se caracterizarão frequentemente por uma especial urgência.

70.      O artigo 31.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 manda que a decisão relativa à declaração de executoriedade seja proferida no mais curto prazo. Questionado, o Reino Unido declarou que esta decisão pode ser proferida em menos de uma semana. Mas, por outro lado, o artigo 33.°, n.° 5, prevê o prazo de um ou dois meses para a interposição de recurso contra a declaração de executoriedade.

71.      Todavia, razões de especial urgência não podem, só por si, implicar que num Estado‑Membro sejam adotadas medidas de execução com base numa ordem de colocação em regime de internamento, sem que esta tenha sido declarada executória.

72.      Com efeito, o Regulamento n.° 2201/2003 prescindiu explicitamente, por razões de urgência, da declaração de executoriedade, em relação a dois tipos de decisão, mais concretamente no que toca a decisões relativas ao direito de visita (37), por um lado, e a decisões relativas ao regresso de crianças raptadas (38), por outro lado. A declaração de executoriedade é, em certa medida, substituída por uma certidão, que nestes casos tem de acompanhar a decisão a fim de se poder prescindir do processo de exequatur. Através desta certidão, o tribunal que proferiu a decisão confirma terem sido cumpridas as exigências previstas no regulamento, entre elas, em especial, a de audição da criança.

73.      Ora, deduz‑se a contrario sensu da eliminação do processo de exequatur em relação aos dois tipos de decisão acima referidos, acrescida da previsão da apresentação de uma certidão em sua substituição, que em relação a outros tipos de decisão em matéria de responsabilidade parental importa cumprir, sem exceção, o processo de exequatur, ainda que estejam em causa casos urgentes. É que, caso se entendesse que em relação às decisões de colocação também se poderia prescindir do processo de exequatur, então estar‑se‑ia numa situação em que nem sequer se disporia, em substituição, de certidão emitida pelo tribunal que proferiu a decisão.

74.      Uma execução fora do Estado que proferiu a sentença, sem prévia declaração de executoriedade, suscitaria também problemas práticos muito significativos. Os órgãos de execução internos não estarão em condições de avaliar uma decisão estrangeira que lhes seja apresentada, em especial, no que tange à apreciação dos pressupostos da executoriedade da decisão, do mesmo modo que não saberão extrair dela a forma e a abrangência da execução a levar a cabo. É precisamente também de modo a eliminar este tipo de incertezas que o regulamento prevê o processo de declaração de executoriedade. Estas dificuldades práticas que uma execução sem declaração de executoriedade suscita poderão não ser tão evidentes no processo principal, por causa da semelhança entre as ordens jurídicas em questão e da utilização do mesmo idioma. Mas, evidentemente, a mesma questão relativa à necessidade de declaração de executoriedade pode colocar‑se também em situações em que os órgãos de execução se vejam confrontados com a aplicação de títulos que lhes sejam completamente estranhos.

75.      Portanto, a urgência não é suscetível de justificar uma exceção à regra da necessidade de declaração de executoriedade.

76.      O representante legal de S. C. apresentou ainda um argumento adicional contra a declaração de executoriedade da decisão em apreço. Segundo alega, o regulamento não prevê que a adoção de medidas coercivas contra uma criança careça de declaração de executoriedade; a mesma só é necessária para imposição coerciva de uma decisão contra adultos. Mas no processo principal tanto o HSE como a mãe de S. C. concordam com a colocação. Em audiência, o Governo alemão argumentou dentro desta mesma linha, defendendo que as medidas destinadas à imposição de uma decisão contra a vontade de uma criança não constituem uma execução.

77.      É certo que o caso clássico, quando se pensa na execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, é aquele em que um dos progenitores pretende executar uma decisão contra o outro. Porém, o regulamento também abrange no seu âmbito de aplicação as decisões relativas à colocação de crianças. Em nenhuma parte do regulamento se encontram indícios de que estas decisões, na medida em que tenham de ser impostas contra a vontade da criança, estão excluídas da exigência da declaração de executoriedade.

78.      É certo que o órgão jurisdicional de reenvio, na certidão a emitir ao abrigo do artigo 39.° do regulamento, indica como executado a autoridade central e o Peterborough City Council. Nesta linha, o representante legal de S. C. entende que a sentença não prevê um qualquer direito de atuação ou de omissão contra a criança, sendo antes que a mesma se dirige, isso sim, apenas à instituição, à qual compete proceder à colocação. Porém, a decisão relativa à colocação contém a ordem, dirigida a S. C., de tolerar o transporte para a instituição e a estadia na mesma.

79.      A imposição coerciva de uma ordem de colocação em regime de internamento coarta, de resto, o direito fundamental à liberdade da pessoa a internar, direito esse que, nos termos do artigo 6.° da Carta dos Direitos Fundamentais, cabe a «[t]oda a pessoa» e, por conseguinte, também a um menor (39). O entendimento segundo o qual a imposição coerciva de uma ordem de colocação contra uma criança não careceria de declaração de executoriedade acabaria, em última análise, por significar que os atos executórios contra a criança não careceriam da base de sustentação jurídica, sob a forma da referida declaração de executoriedade através da qual a ordem jurídica do Estado da execução adota a decisão estrangeira, que se encontra prevista em termos gerais e que constitui a justificação da interferência na liberdade da pessoa. A criança tornar‑se‑ia, assim, o mero objeto da força coerciva do Estado.

80.      Este entendimento não é compatível com os direitos fundamentais da criança. Resulta do trigésimo terceiro considerando do regulamento que o mesmo reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta, tendo como objetivo, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.° da Carta (40).

81.      Uma colocação em condições de detenção, tal como é objeto da presente decisão em matéria de responsabilidade parental, e a sua imposição coerciva, constituem uma interferência grave nos direitos da criança. Caso se partisse do princípio de que, na presente situação, a declaração de executoriedade é dispensável, então as medidas coercivas, destinadas a impor a ordem de colocação, basear‑se‑iam exclusivamente no efeito do reconhecimento das decisões, nos termos do artigo 21.° do regulamento. Como foi acertadamente referido pela Comissão, esta situação iria, além de tudo, onerar a criança ou o respetivo representante legal com a obrigação de requerer, ao abrigo do artigo 21.°, n.° 3, a prolação de decisão de não‑reconhecimento da ordem de colocação, a fim retirar às medidas executórias a respetiva base jurídica. Isto não garante de forma suficiente o interesse da criança, numa situação como a que se referiu.

82.      Por fim, o artigo 20.° da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança prevê que criança, temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente, tem direito à proteção e assistência especiais do Estado.

83.      No processo de declaração de executoriedade há um tribunal que, no quadro da apreciação com vista à atribuição do exequatur, verifica se está preenchido algum dos fundamentos para o não‑reconhecimento, tal como previstos no artigo 23.° do regulamento. Entre esses fundamentos contam‑se, para além do incumprimento do procedimento previsto no artigo 56.°, designadamente o desrespeito pela ordem pública, tal como referido no artigo 23.°, alínea a), com expressa referência ao superior interesse da criança. É ainda de salientar, neste contexto, como fundamento do não‑reconhecimento, a falta de audiência da criança, nos termos do artigo 23.°, alínea b).

84.      Ao adotar‑se o Regulamento n.° 2201/2003, aceitou‑se respeitar determinados parâmetros processuais comuns, tal como o cumprimento da regra geral da exigência da declaração de executoriedade, o que sucedeu também para proteção dos intervenientes processuais. Não estaria de acordo com o sentido do regulamento permitir que estes parâmetros processuais não fossem cumpridos em relação a menores que se opõem a processos que visem a sua colocação em regime de internamento, com fundamento na respetiva menoridade.

85.      O processo de aprovação a que se refere o artigo 56.°, n.° 2, do regulamento não pode servir para substituir a declaração de executoriedade. É o que resulta, desde logo, da inserção sistemática do artigo 56.° no regulamento, que se encontra inscrito no capítulo relativo à cooperação entre autoridades centrais e não no capítulo relativo ao reconhecimento e execução. Além disso, ambos os processos visam fins diferentes. Tal como se expôs supra, a aprovação destina‑se a esclarecer, ainda antes de a ordem de colocação ser emitida, dificuldades administrativas que poderiam obstar a uma colocação transfronteiriça. Já a declaração de executoriedade visa possibilitar a execução coerciva da decisão de colocação. O regulamento não contém quaisquer indicações relativas à configuração concreta do processo de aprovação, sendo antes que, nos termos do artigo 56.°, n.° 3, se deixa essa matéria ao cuidado do direito nacional. Também por estas razões não pode a aprovação constituir um substituto bastante do processo de exequatur, o qual se encontra detalhadamente regulado no regulamento.

86.      Por isso, uma decisão relativa à colocação em regime de internamento de uma criança carece de declaração de executoriedade mesmo que deva ser executada contra a criança.

3.      Conclusão intercalar

87.      Importa responder à terceira e à quarta questões prejudiciais no sentido de que uma decisão relativa à colocação em regime de internamento de uma criança carece de declaração de executoriedade, nos termos do artigo 28.° do Regulamento n.° 2201/2003, se no outro Estado‑Membro deverem ser adotadas medidas de autoridade, para executar do conteúdo da decisão, que se baseiem na mesma.

4.      Considerações relativas à excecional urgência

88.      A situação em apreço caracterizou‑se por uma excecional urgência atendendo à necessidade de proteger a criança de si própria e à falta de alternativas de colocação adequadas no território nacional. Por isso, pretendo ainda tecer algumas breves considerações acerca da questão suscitada em audiência, relativa às possibilidades eventuais que permitam atingir soluções pragmáticas em caso de excecional urgência da colocação transfronteiriça.

89.      Uma possibilidade consistiria em os tribunais ingleses, até ao do processo de exequatur, adotarem com base no artigo 20.°, n.° 1, do regulamento, medidas provisórias para cumprimento da colocação. Foi este também o procedimento escolhido pela High Court inglesa.

90.      O artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 exige o preenchimento de três requisitos cumulativos: em primeiro lugar, as medidas em causa devem ser urgentes, nos termos do n.° 1; em segundo lugar, devem ser tomadas relativamente a pessoas presentes no Estado‑Membro onde os tribunais que pretendem aplicar o artigo 20.° têm a sua sede; e, em terceiro lugar, devem ser provisórias, ou seja, deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado‑Membro competente quanto ao mérito tiver «tomado as medidas que considerar adequadas» (41).

91.      No presente caso é inequívoco que o requisito da urgência se encontra preenchido. Também o segundo requisito, segundo o qual a pessoa tem de estar presente no Estado‑Membro do tribunal, se encontra preenchido. Na minha opinião, deve ser possível, num caso excecionalmente urgente, através da adoção no território nacional de medidas destinadas ao cumprimento da ordem de colocação, conduzir a criança para outro Estado‑Membro, de modo a criarem‑se, assim, as condições para que, até ao termo do processo de exequatur, possa ser ordenada uma colocação provisória, na aceção do artigo 20.° A fim de garantir a conjugação harmoniosa das medidas de proteção da criança, os tribunais, num caso destes, podem e devem comunicar antecipadamente entre si, ao abrigo do artigo 55.°, alínea c), do regulamento.

92.      A maioria dos intervenientes processuais alegou, contra a aplicação do procedimento a que se refere o artigo 20.°, que, neste, quem decide não é o tribunal tido como normalmente competente, nos termos do regulamento. É o próprio artigo 20.°, n.° 2, que determina que as medidas provisórias deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado‑Membro competente quanto ao mérito tiver tomado medidas. Todavia, no presente caso o tribunal competente quanto ao mérito já proferiu decisão, sendo que apenas está em causa a questão de saber se a mesma já produz efeitos.

93.      Por isso, discutiu‑se em audiência, como alternativa à adoção de um procedimento ao abrigo do artigo 20.° do regulamento, a possibilidade de se poder dar início à execução com base na declaração de executoriedade ainda antes de ter decorrido o prazo de interposição de recurso contra essa declaração de executoriedade. Isto significaria que logo que o tribunal competente tivesse declarado a executoriedade, nos termos do artigo 31.°, n.° 1, se poderiam adotar medidas de execução, com fundamento nessa declaração. Neste caso, a interposição de recurso não produziria efeito suspensivo. Nos termos do artigo 31.°, n.° 1, do regulamento, é suposto a declaração de executoriedade ser proferida no mais curto prazo; tanto quanto foi dito, em Inglaterra é alegadamente proferida em poucos dias.

94.      Porém, resulta das disposições legais indicadas pelo Governo do Reino Unido e da resposta escrita a uma questão do Tribunal de Justiça que, segundo o direito inglês, não é possível basear medidas de execução em sentença estrangeira antes de decorridos os prazos previstos no regulamento para interposição de recurso contra a declaração de executoriedade (42).

95.      Coloca‑se assim a questão de saber se o regulamento, num caso como o presente, exige que em determinadas circunstâncias tenham de ser admissíveis medidas de execução mesmo antes de a declaração de executoriedade ter transitado em julgado, de acordo com o direito nacional.

96.      É certo que o Regulamento n.° 2201/2003 não contém nenhuma disposição comparável ao artigo 47.° do Regulamento n.° 44/2001 (também conhecido por «Regulamento Bruxelas I») (43). Esta disposição admite expressamente a possibilidade de adoção de medidas cautelares antes do termo do processo de exequatur.

97.      Contudo, o sentido literal do regulamento não obsta a que se adote o entendimento segundo o qual é possível adotar medidas de execução logo que exista a declaração de executoriedade. É que o artigo 28.°, n.° 1, do regulamento estatui que as decisões proferidas sobre o exercício da responsabilidade parental são executadas depois de terem sido declaradas executórias. A partir do momento em que foi proferida a decisão a que se reporta o artigo 31.° existe a declaração de executoriedade. Do texto do regulamento não se extrai que esta realidade seja afetada pelo facto de ser interposto recurso contra a declaração de executoriedade, ao abrigo do artigo 33.°

98.      Tendo em conta o artigo 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a interpretação e a aplicação do regulamento devem orientar‑se primacialmente pelo interesse superior da criança. O interesse superior da criança pode impor que, em casos de necessidade de colocação transfronteiriça de excecional urgência, se deva admitir uma solução flexível enquanto decorrer o processo de exequatur, se de outro modo a ordem de colocação transfronteiriça não for suscetível de atingir o seu objetivo em razão do decurso do tempo.

99.      Dentro deste quadro em que importa assegurar a melhor maneira de se respeitar e concretizar o superior interesse da criança, releva a favor da possibilidade de execução a partir do momento em que exista a declaração de executoriedade, a circunstância de, deste modo, serem criadas condições para que a decisão seja tomada pelo tribunal competente segundo o sistema consagrado pelo regulamento, em vez de se recorrer durante a fase transitória à adoção de medidas urgentes por um tribunal que apenas tem competência a título subsidiário. É que o regulamento considera como principalmente competente o tribunal da residência habitual da criança, uma vez que se parte do princípio de que este, atendendo à maior proximidade com a criança, está mais bem colocado para apreciar o caso (44). Através da declaração de executoriedade obtém‑se já uma decisão judicial no sentido de que a execução com fundamento nesse título deve ser admitida no Estado‑Membro de acolhimento.

100. É certo que através da imediata imposição da decisão, enquanto corre termos o processo de recurso a que se refere o artigo 33.° do regulamento, se criam factos consumados, uma vez que durante este período de tempo se estará irremediavelmente a seguir a ordem do tribunal competente. Não obstante, no presente caso, prevalece a proteção do superior interesse da criança. Com efeito, sem a realização da colocação enquanto corre termos o processo de recurso existe também o perigo de serem criados factos consumados, com possíveis consequências bem mais graves ao nível da saúde ou mesmo da vida da criança. É dentro deste quadro que o tribunal competente, já em momento anterior, depois de ponderar todas as possíveis circunstâncias do caso, identificou a ordem de colocação como constituindo a medida mais adequada. Seria contrário ao sistema de competências consagrado no regulamento e ao princípio da confiança mútua que um tribunal do Estado‑Membro de acolhimento voltasse a proceder a esta apreciação, ainda que indiretamente no âmbito da adoção pelo próprio de medidas urgentes destinadas a vigorar na pendência do processo de recurso.

101. Assim, prefiro a solução segundo a qual, em casos de excecional urgência na colocação transfronteiriça, nos quais essa urgência resulta da própria decisão, a decisão do tribunal competente pode ser cumprida ainda antes do trânsito em julgado da decisão de exequatur.

102. Se, diferentemente, apenas se admitir a via do procedimento a que se refere o artigo 20.° do regulamento, então as considerações antecedentes implicam que, até ao termo do processo de exequatur, as medidas cautelares tenham, em qualquer caso, de assegurar o cumprimento, tanto quanto possível, do conteúdo da decisão do tribunal competente.

103. Estas medidas provisórias e cautelares constituem medidas previstas no direito deste Estado‑Membro. Neste sentido, incumbe ao legislador nacional enunciar as medidas que as autoridades nacionais devem adotar com vista à preservação do superior interesse da criança e fixar as modalidades processuais para a sua execução (45).

104. Porém, num caso como o presente, em que só está em causa o período transitório até ao trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo de exequatur, os tribunais do Estado‑Membro de acolhimento devem usar tanto quanto possível os meios que o respetivo direito nacional coloca à sua disposição para, através da adoção das respetivas medidas urgentes, dar cumprimento material à decisão do tribunal competente. É o que resulta dos efeitos do reconhecimento da decisão de colocação, nos termos do artigo 21.° do regulamento.

D ―    Quinta e sexta questões prejudiciais

105. A quinta e a sexta questões prejudiciais têm como objetivo apurar se em caso de ordens judiciais sucessivas, que renovam por tempo determinado o período de colocação, é necessário, em relação a cada renovação, obter a aprovação a que se refere o artigo 56.°, n.° 2, e a declaração de executoriedade a que alude o artigo 28.° O órgão jurisdicional de reenvio submete esta questão porque pretende ordenar a colocação a título de medida provisória, apenas por um período de tempo tão curto quanto possível, de quatro semanas, renovando a seguir a ordem de colocação por períodos de tempo igualmente curtos, se a necessidade de colocação se mantiver. Neste sentido, o órgão jurisdicional de reenvio considera impraticável repetir pedidos de aprovação e processos de exequatur.

106. A duração prevista da colocação, a fim de fazer jus ao suprarreferido objetivo, deve estar totalmente coberta por uma aprovação, nos termos do artigo 56.°, n.° 2. Por isso, uma aprovação concedida pelo período de um mês não pode produzir ilimitadamente efeitos para o futuro, a menos que tenha sido expressamente concedida de modo a também abranger eventuais renovações da ordem de colocação ou por um período de tempo indeterminado.

107. As medidas de execução só podem basear‑se em certa decisão declarada executória na estrita medida que resulta dessa mesma decisão. Se a colocação só foi ordenada por um determinado período de tempo, então a respetiva decisão, declarada executória, não pode constituir fundamento jurídico para se impor coercivamente essa colocação, por um período de tempo superior ao que vem indicado na decisão. Falta executoriedade em relação ao período de tempo remanescente. Além do período que ultrapasse o período de tempo para o qual se ordenou a colocação, não se verifica o requisito da executoriedade da decisão no Estado em que foi proferida essa decisão, caso fosse instaurado processo de exequatur (46). Por isso, novas ordens de colocação carecerão de novas declarações de executoriedade. Tendo em conta que a colocação em regime de internamento constitui sempre a ultima ratio, afigura‑se evidente que a mesma só deve ser ordenada pelo período de tempo estritamente necessário. Contudo, o tribunal que ordena a colocação pode ponderar a possibilidade de ordenar a colocação por um período de tempo mais longo (sendo então este que será declarado executório), apreciando depois regularmente, a curtos intervalos, se não é de revogar a dita ordem.

108. Importa então reter, a título de conclusão quanto à quinta e à sexta questões, que uma aprovação que tenha sido concedida nos termos do artigo 56.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, para um período de tempo concreto, não abrange também decisões através das quais se renove a colocação; nesse caso importa obter novas aprovações. As medidas de execução só podem basear‑se em certa decisão declarada executória enquanto decorrer o período de tempo pelo qual foi ordenada a colocação.

V ―    Conclusão

109. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais que lhe foram submetidas pela High Court of Ireland nos seguintes termos:

«1.      O âmbito de aplicação material do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 também abrange uma decisão através da qual, para proteção da criança, se ordena a sua colocação, em condições de detenção, numa instituição de outro Estado‑Membro.

2.      A aprovação a que se refere o artigo 56.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser concedida por uma autoridade pública, antes de ser proferida a decisão relativa à colocação. A mera aprovação do estabelecimento, no qual se pretende colocar a criança, não é suficiente. Caso posteriormente se apure que o juiz a quem cabe decidir a colocação, apesar dos seus esforços, não obteve a aprovação da autoridade competente, e que este erro assenta em declarações equívocas ou insuficientes da autoridade central, é de admitir a obtenção da aprovação em momento posterior, sem necessidade de se proferir nova ordem de colocação.

3.      Uma decisão relativa à colocação em regime de internamento de uma criança carece de declaração de executoriedade, nos termos do artigo 28.° do Regulamento n.° 2201/2003, se no outro Estado‑Membro deverem ser adotadas medidas de autoridade, para executar o conteúdo da decisão, que se baseiem na mesma.

4.      Uma aprovação que tenha sido concedida nos termos do artigo 56.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 para um período de tempo concreto, não abrange também decisões através das quais se renove a colocação; nesse caso importa obter novas aprovações. As medidas de execução só podem basear‑se em certa decisão declarada executória enquanto decorrer o período de tempo pelo qual foi ordenada a colocação.»


1 ―      Língua original: alemão.


2 ―      JO L 338, p. 1, na redação do Regulamento (CE) n.° 2116/2004 do Conselho, de 2 de dezembro de 2004 (JO L 367, p. 1), também conhecido por «Regulamento Bruxelas II‑A» (a seguir «Regulamento n.° 2201/2003» ou apenas «regulamento»).


3 ―      Tendo em conta a idade, a expressão «adolescente» afigurar‑se‑ia mais correta. Porém, irei continuar a utilizar a terminologia do regulamento, que apenas fala em «Kind» («criança»; N.T.: a versão portuguesa do regulamento também utiliza a expressão «menor», a par de «criança», sendo contudo que esta efetivamente prevalece). Ao contrário da Convenção da Haia de 1996 relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Proteção das Crianças, de 19 de outubro de 1996 (citada na nota 10), o regulamento não contém qualquer definição do conceito de «criança». Não obstante, afigura‑se desnecessário incidir aqui sobre este assunto, visto que a questão da aplicabilidade pessoal do regulamento não constitui objeto do processo nem foi suscitada por qualquer interveniente processual.


4 ―      «Interlocutory application».


5 ―      Este tipo de medida é conhecido no direito irlandês como «secure care» (prestação de cuidados em regime de segurança).


6 ―      Acórdãos de 27 de novembro de 2007, C (C‑435/06, Colet., p. I‑10141, n.° 53), e de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, Colet., p. I‑2805, n.° 27).


7 ―      Acórdão C (já referido na nota 6, n.os 25 a 36).


8 ―      Acórdão C (já referido na nota 6, n.° 43).


9 ―      A seguir «Relatório Lagarde», disponível em língua alemã em http://www.hcch.e‑vision.nl/upload/expl34d.pdf.


10 ―      Tradução para o alemão também disponível na página da Conferência da Haia: http://www.hcch.e‑vision.nl/upload/text34d.pdf.


11 ―      V., a este propósito, Pirrung, J., «Auslegung der Brüssel IIa‑Verordnung in Sorgerechtssachen», em Festschrift für Jan Kropholler, 2008, pp. 399 e 407.


12 ―      Segundo o artigo 3.°, alínea e), da Convenção da Haia, este âmbito de aplicação abrange a colocação da criança numa família de acolhimento ou numa instituição, ou o seu acolhimento por «kafala» ou instituição análoga. Nos termos do artigo 4.°, alínea i), da Convenção da Haia, ficam excluídas medidas tomadas em consequência de infrações penais cometidas pelas crianças.


13 ―      Ou à Dinamarca, à qual o Regulamento n.° 2201/2003 não se aplica. V., a este propósito, as minhas conclusões apresentadas em 20 de setembro de 2007 no processo C (C‑435/06, Colet., p. I‑10141, n.° 50).


14 ―      Relatório Lagarde (já referido na nota 9, n.° 23).


15 ―      Relatório Lagarde (já referido na nota 9, n.° 35).


16 ―      V., também a este propósito, as minhas conclusões apresentadas no processo C (já referidas na nota 13, n.° 43).


17 ―      V., neste sentido, acórdão C (já referido na nota 6, n. os 48 e segs.).


18 ―      V. o décimo segundo considerando do regulamento.


19 ―      Trata‑se do Lord Chancellor, que delegou esta tarefa na International Child Abduction and Contact Unit (a seguir «ICACU»). A ICACU é também referenciada como a autoridade central da Inglaterra e País de Gales nas páginas da Internet da Comissão Europeia; v. http://ec.europa.eu/justice_home/judicialatlascivil/html/rc_jmm_centralauthorities_uk_en.htm. Segundo as indicações que constam das páginas da Internet do Reino Unido, a ICACU encontra‑se sediada junto do Official Solicitor.


20 ―      V. Documento do Conselho n.° 8281/03, de 30 de abril de 2003, p. 29.


21 ―      Documento do Conselho n.° 12992/03, de 29 de setembro de 2003, p. 37. Na versão linguística italiana até ainda consta a referência à autoridade central: «l’autorità centrale o un’altra autorità competente dello Stato richiesto».


22 ―      Sem prejuízo da exceção prevista na última parte do n.° 1, sobre a qual incidirei no n.° 48 da presente tomada de posição.


23 ―      V., a este propósito, a título de mero exemplo, acórdãos de 17 de julho de 2008, Kozłowski (C‑66/08, Colet., p. I‑6041, n.° 42), e de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau (C‑204/09, n.° 37).


24 ―      O artigo 33.°, n.° 2, da Convenção da Haia determina o seguinte: «A decisão da colocação ou de acolhimento apenas poderá ser efetuada no Estado requerente se a autoridade central ou outra autoridade competente do Estado requerido tiver consentido nessa colocação ou acolhimento, tomando em consideração os melhores interesses da criança».


25 ―      No contexto do regulamento esta ideia só se aplica na medida em que isso não afete o direito de residência que no caso possa emanar da cidadania da União.


26 ―      Relatório Lagarde (já referido na nota 9, n.° 143).


27 ―      A «relevant local authority». No caso da colocação em regime de internamento de crianças menores de treze anos o Secretary of State for Education tem de aceitar a aprovação.


28 ―      Ofício de 21 de outubro de 2011.


29 ―      Ofício de 7 de novembro de 2011.


30 ―      V., neste sentido, acórdão de 9 de novembro de 2010, Purrucker (C‑296/10, Colet., p. I‑11163, n.os 82 e 86).


31 ―      Com exceção do Estado‑Membro ao qual pertence o órgão jurisdicional que apresenta o pedido de decisão prejudicial.


32 ―      V., também, a este propósito, as conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas em 20 de maio de 2010 no processo Purrucker (já referido na nota 30, n. os 132 e segs.).


33 ―      Defende‑se na doutrina que as decisões em matéria de guarda, que não têm conteúdo suscetível de ser executado, também devem eventualmente ser declaradas executórias, a fim de impedir medidas de autodefesa no contexto da transmissão do direito de guarda através da deslocação da criança para outro Estado‑Membro, sem declaração de executoriedade; v. Rauscher, Th., em Th. Rauscher (ed.), Europäisches Zivilprozess‑ und Kollisionsrecht, Kommentar Brüssel IIa‑VO, Munique, 2010, artigo 28.°, n.° 8.


34 ―      Em termos literais: «Orders ‘that S. C., a Minor, be detained in the custody of the Diretor of […]’»


35 ―      V., em relação à Convenção de Bruxelas, acórdão de 29 de abril de 1999, Coursier (C‑267/97, Colet., p. I‑2543, n.° 28).


36 ―      Acórdãos C e A (já referidos na nota 6).


37 ―      Artigo 40.°, n.° 1, alínea a), e artigo 41.° do regulamento.


38 ―      Artigo 40.°, n.° 1, alínea b), e artigo 42.° do regulamento.


39 ―      V., quanto à titularidade de direitos fundamentais por menores, em relação ao direito à liberdade tal como consagrado na CEDH, v. TEDH, acórdão Nielsen e Dinamarca de 28 de novembro de 1988, série A, n.° 144, § 58.


40 ―      Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Detiček (C‑403/09 PPU, Colet., p. I‑12193, n.os 53 a 55).


41 ―      Acórdãos A (já referido na nota 6, n.° 47); Detiček (já referido na nota 40, n.° 39);e Purrucker (já referido na nota 30, n.° 77).


42 ―      V. artigo 31.17 das Family Procedure Rules 2010.


43 ―      Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1).


44 ―      A transmissão da competência para os tribunais ingleses, com fundamento no artigo 15.° do regulamento, pelo facto de a mãe de S. C. residir em Londres, afigurar‑se‑ia desajustada, uma vez que apesar disso não se pode afirmar que os tribunais ingleses estejam mais bem colocados para apreciar o caso.


45 ―      Acórdão A (já referido na nota 6, n.° 51).


46 ―      V., a este propósito, as conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas no processo Purrucker (já referidas na nota 32, n. os 148 e segs.).