Language of document : ECLI:EU:C:2011:465

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 7 de Julho de 2011 (1)

Processo C‑214/10

KHS AG

contra

Winfried Schulte

[pedido de decisão prejudicial do Landesarbeitsgericht Hamm (Alemanha)]

«Condições de trabalho – Organização do tempo de trabalho – Artigo 7.° da Directiva 2003/88/CE – Direito a férias anuais remuneradas – Indemnização por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho – Extinção do direito a férias anuais remuneradas que não foram gozadas por motivo de doença após o decurso de um prazo previsto por uma disposição nacional»






Índice


I –   Introdução

II – Quadro jurídico

A –   Direito da União 

B –   Direito nacional

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

V –   Principais argumentos das partes

VI – Apreciação jurídica

A –   Considerações gerais

B –   Quanto às questões prejudiciais em concreto

1.     Os elementos‑chave da jurisprudência que decorrem do acórdão Schultz‑Hoff e o.

2.     Em relação à questão de saber se o sentido e a finalidade do artigo 7.° da Directiva 2003/88 impõem uma cumulação dos direitos a férias e a compensação

a)     Argumentos a favor de uma cumulação dos direitos

b)     Argumentos contra a cumulação dos direitos

i)     Necessidade de um exercício rápido dos direitos

ii)   Falta de aumento manifesto do efeito do repouso (Erholungswirkung)

iii) Inconvenientes para a reintegração económica e social do trabalhador

–       Riscos para a reintegração do trabalhador nos processos laborais

–       Risco para a manutenção da relação de trabalho

iv)   Risco de encargos organizacionais e financeiros para as pequenas e médias empresas

v)     Risco de desvirtuação do direito à remuneração compensatória pelas férias não gozadas

c)     Conclusão provisória

3.     Compatibilidade com o direito da União de uma limitação temporal da possibilidade de reporte dos direitos a férias e a compensação

a)     O acórdão Schultz‑Hoff e. o. como ponto de partida

b)     Quanto à limitação temporal do período de reporte

c)     Margem de apreciação do Estado‑Membro para a fixação de um prazo

d)     Conclusão provisória

4.     Conclusão final

VII – Conclusão

I –    Introdução

1.        No presente pedido de decisão prejudicial, apresentado ao abrigo do artigo 267.° TFUE, o Landesarbeitsgericht Hamm (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») submete ao Tribunal de Justiça duas questões sobre a interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (2).

2.        Estas questões colocam‑se no âmbito de um litígio que opõe W. Schulte, antigo trabalhador, que foi considerado incapaz para o trabalho devido a uma doença grave, à sua antiga entidade patronal, a sociedade KHS AG (de seguida: «KHS»), relativamente à compensação financeira correspondente às férias que não pôde gozar por motivo de doença. O órgão jurisdicional de reenvio suscita com o seu pedido de decisão prejudicial, no essencial, a questão de saber se o direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência, permite que os trabalhadores possam cumular compensações financeiras por férias não gozadas em relação a vários anos, mesmo no caso de este não ter estado apto para gozar o seu direito a férias anuais remuneradas por sofrer de uma incapacidade para o trabalho prolongada.

3.        O Tribunal de Justiça é agora chamado a desenvolver a sua jurisprudência referente à relação entre as férias anuais e a baixa por doença, que teve início com o acórdão nos processos Schultz‑Hoff e Stringer (3), assim como, eventualmente, a precisar as fronteiras entre o direito a férias anuais remuneradas garantido pelo direito da União, e o seu corolário, o direito a compensação financeira por férias não gozadas, em caso de cessação da relação de trabalho, e isso tendo em conta a forma como os interesses respectivos dos trabalhadores e das entidades patronais devem ser conciliados.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União (4)

4.        O artigo 1.° da Directiva 2003/88 dispõe o seguinte:

«Objectivo e âmbito de aplicação

1.      A presente directiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.      A presente directiva aplica‑se:

a)      Aos períodos mínimos de descanso […] anual […]

[…]»

5.        O artigo 7.° desta directiva prevê:

«Férias anuais

1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.      O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

6.        Segundo o artigo 17.° da Directiva 2003/88 os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações a certas disposições desta directiva. Em relação ao artigo 7.° da dita directiva não é admitida qualquer derrogação.

B –    Direito nacional

7.        A lei federal relativa às férias (Bundesurlaubsgesetz), de 8 de Janeiro de 1963, na redacção de 7 de Maio de 2002 (a seguir «BUrlG»), determina o seguinte no seu § 1, «Direito a férias»:

«Todos os trabalhadores têm direito, em cada ano civil, a férias remuneradas.»

8.        O § 3, «Duração das férias», da BUrlG determina no seu n.° 1 o seguinte:

«As férias serão de, pelo menos, 24 dias úteis por ano.»

9.        O § 7, «Aquisição, reporte e remuneração das férias», da BUrlG prevê nos seus n.os 3 e 4 o seguinte:

«3)      As férias devem ser concedidas e gozadas durante o ano civil em curso. Só podem ser gozadas no ano civil seguinte quando tal se justifique por motivos imperiosos de conveniência do serviço ou relacionados com o trabalhador. Caso não sejam gozadas, as férias devem ser concedidas e gozadas nos primeiros três meses do ano civil seguinte.

4)      Caso as férias não possam ser concedidas total ou parcialmente devido à cessação da relação de trabalho, devem ser substituídas por uma remuneração compensatória.»

10.      O § 13 da BUrlG prevê que as convenções colectivas podem derrogar certas disposições desta lei, entre as quais o § 7 n.° 3 BUrlG, desde que essas derrogações não sejam desfavoráveis aos trabalhadores.

11.      A convenção colectiva de trabalho unitária para a indústria metalúrgica e electrónica da Renânia do Norte‑Vestefália [Einheitlicher Manteltarifvertrag (EMTV) für die Metall‑ und Elektroindustrie Nordrhein‑Westfalens], de 18 de Dezembro de 2003 (a seguir «convenção colectiva»), prevê, no seu § 11, intitulado «Princípios da concessão de férias»:

«1)      Os trabalhadores/estagiários têm direito a férias remuneradas em cada ano nos termos das disposições seguintes. O ano de vencimento das férias corresponde ao ano civil.

O direito a férias extingue‑se três meses após o decurso do ano civil, a menos que tenha sido reclamado sem êxito ou que as férias não possam ter sido gozadas por motivos de serviço.

Se as férias não puderem ter sido gozadas por doença, o direito a férias extingue‑se 12 meses após o decurso do período de tempo referido no segundo parágrafo.

[…]

3)      Só é permitido compensar as férias após a cessação da relação de trabalho/estágio.»

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

12.      Segundo indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, as partes no processo principal estão em desacordo sobre a questão de saber se, após a cessão da relação de trabalho, a KHS deve ou não pagar uma compensação financeira a W. Schulte pelas férias não gozadas relativas aos anos de 2006 a 2008.

13.      W. Schulte trabalhou como serralheiro para a sociedade KHS, e para a empresa sua antecessora, desde Abril de 1964. Ao contrato de trabalho celebrado entre as partes aplicava‑se a convenção colectiva. O direito a férias anuais remuneradas assegurado por esta convenção colectiva era de 30 dias úteis por ano.

14.      Em 23 de Janeiro de 2002, W. Schulte sofreu um enfarte. Entre 26 de Fevereiro e 16 de Abril de 2002 foi sujeito a um tratamento de reabilitação, após o qual foi considerado incapaz para o trabalho. W. Schulte sofre de uma deficiência grave desde 2002. A partir de 1 de Outubro de 2003, recebeu uma pensão por incapacidade total para o trabalho, assim como uma pensão de invalidez, ambas por períodos de tempo determinados.

15.      Em 25 de Agosto de 2008, as partes cessaram a relação de trabalho por acordo, com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2008.

16.      Em 18 de Março de 2009, W. Schulte intentou no Arbeitsgericht Dortmund (Tribunal de Trabalho de Dortmund) uma acção destinada a obter uma compensação financeira pelas férias correspondentes aos anos de 2006 a 2008, de 35 dias úteis por cada ano, reclamando um montante total de € 9 162,30. O Arbeitsgericht reconheceu‑lhe, por acórdão de 20 de Agosto de 2009, o direito a um pagamento ilíquido de € 6 544,50 e julgou a acção improcedente quanto ao restante. A condenação proferida corresponde a uma compensação financeira, em relação aos anos de 2006 a 2008, pelo direito a um período mínimo de férias previsto na lei de 20 dias úteis por ano, e de 5 dias por ano aos quais o interessado tem direito pelo facto de sofrer de uma deficiência grave.

17.      A KHS interpôs recurso desta condenação no órgão jurisdicional de reenvio. Alega que os direitos a férias já estavam, em todo caso, extintos, pelo menos relativamente aos anos de 2006 e 2007, pelo facto de o período de reporte ter expirado, em aplicação do § 11, n.° 1, terceiro parágrafo, da convenção colectiva. Segundo a KHS, seria excessivo atribuir a um trabalhador que ficou doente a totalidade dos seus direitos a férias sem tomar em consideração os períodos de reporte e os prazos de extinção – neste caso, um período de referência de três anos.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio assinala que, no presente caso, o direito a férias de W. Schulte relativo ao ano de 2006 se extinguiu em 3 de Março de 2008, com base no § 11, n.° 1, terceiro parágrafo, da convenção colectiva. Acrescenta que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 20 de Janeiro de 2009, no processo Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06), declarou que a perda de um direito a férias, no fim de um período de referência ou de um período de reporte, é compatível com o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, mas apenas na condição de o trabalhador em causa ter tido efectivamente a possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere. Uma tal possibilidade, como refere o acórdão mencionado, não é conferida aos trabalhadores que tiverem estado de baixa por doença durante todo o período de referência e para além do período de reporte fixado na lei nacional.

19.      No entender do órgão jurisdicional de reenvio, W. Schulte não esteve apenas, para além do período de reporte e até ao termo da sua relação de trabalho, totalmente incapaz para o trabalho por motivos de saúde, mas também impossibilitado de trabalhar. Por conseguinte, como aconteceu no processo Schultz‑Hoff, não pôde, até ao termo da relação de trabalho, gozar o seu direito a férias anuais remuneradas.

20.      Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas se, em tal caso, deve deixar de aplicar as disposições nacionais, por violarem o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88. De facto, o órgão jurisdicional de reenvio entende que não é certo que o Tribunal de Justiça, no acórdão Schultz‑Hoff e. o., também se tenha pronunciado sobre a questão de saber se o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 reconhece a trabalhadores que sofrem de uma incapacidade para o trabalho prolongada a possibilidade de cumular os seus direitos a férias sem limitação temporal. Indica que, se assim fosse, o demandante no processo principal teria direito a uma compensação financeira correspondente a 60 dias de férias e que, se tivesse reclamado a totalidade dos seus direitos a férias correspondentes ao período total da incapacidade para o trabalho, o demandante teria mesmo um direito a uma compensação equivalente a 140 dias de férias.

21.      Nestas circunstâncias, o Landesarbeitsgericht Hamm decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Deve o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88/CE ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições e/ou práticas nacionais segundo as quais o direito ao período mínimo de férias anuais remuneradas se extingue após o decurso do período de referência e/ou do período de reporte, mesmo no caso de o trabalhador sofrer de uma incapacidade para o trabalho prolongada (tendo esta incapacidade para o trabalho prolongada por consequência poder o trabalhador [cumular] direitos a períodos mínimos de férias remuneradas em vários anos se a possibilidade de [cumular] esses direitos não estiver limitada no tempo)?

Em caso de resposta negativa a esta questão, deve o reporte destes direitos ser possível durante um período mínimo de dezoito meses?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

22.      O pedido de decisão prejudicial, datado de 15 de Abril de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de Maio de 2010.

23.      A KHS, os Governos alemão e dinamarquês, e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

24.      O Tribunal de Justiça, no âmbito do exercício das suas competências em matéria de instrução do processo, colocou a W. Schulte e à KHS algumas questões em relação aos factos, a serem respondidas por escrito, às quais estes responderam dentro do prazo fixado.

25.      Na audiência de 3 de Maio de 2011 compareceram para apresentar alegações os representantes da KHS, de W. Schulte, dos Governos alemão e dinamarquês, e da Comissão.

V –    Principais argumentos das partes

26.      As alegações das partes no processo são convergentes em vários aspectos, tanto em relação aos argumentos como em relação às conclusões.

27.      Assim, todas as partes no processo partilham o entendimento de que deve ser dada resposta negativa à primeira questão prejudicial. Propõem, no essencial, que a resposta a dar à primeira questão prejudicial deve ser no sentido de que o artigo 7.° da Directiva 2003/88 não se opõe a disposições e/ou práticas nacionais nos termos das quais o direito a férias ou a compensação financeira correspondente às férias que o trabalhador não pôde gozar até ao termo da sua relação laboral por razões de doença prolongada se extingue após o decurso de um determinado prazo.

28.      Tanto a KHS como o Governo alemão são a favor de uma limitação a 18 meses do período de reporte, durante o qual o trabalhador ainda pode gozar as suas férias anuais, uma vez que a Directiva 2003/88 não prevê uma cumulação ilimitada de direitos a férias. Baseiam‑se, a este respeito, no artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 24 de Junho de 1970, sobre as férias anuais remuneradas (nova versão) (a seguir «Convenção n.° 132»), que prevê a fixação de tal prazo. Entendem que este prazo se justifica tanto do ponto de vista do objectivo de protecção da Directiva 2003/88 como salvaguarda os interesses dos trabalhadores e do empregador. A fixação de um prazo não só permitiria afastar dificuldades sentidas pelo empregador no que respeita à organização do tempo de trabalho como evitaria que estes se tivessem eventualmente de separar de trabalhadores que padecem de doenças prolongadas.

29.      O Governo dinamarquês também é a favor de um limite temporal adequado para evitar que a cumulação de férias sem limite temporal. No seu entender, a finalidade da Directiva 2003/88, que é garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores, não assegura o direito a férias na sua totalidade para vários anos consecutivos. Tal como a KHS, o Governo dinamarquês também refere os encargos financeiros que isso implicaria para as empresas, se, em aplicação do artigo 7.°, n.° 2, fosse reconhecido um direito a compensação financeira ilimitado. Contrariamente à KHS e ao Governo alemão, o Governo dinamarquês prescinde de fixar um determinado limite temporal, e remete a este respeito para a margem de apreciação dos Estados–Membros.

30.      A Comissão alega que não há indícios de que o legislador da União tenha pretendido, ao adoptar a Directiva 2003/88, recorrendo à analogia, aplicar, nos casos de doença prolongada, o prazo máximo de cumulação de 18 meses após o decurso do ano de referência, previsto na Convenção n.° 132, procedendo desta forma a uma harmonização das disposições e práticas nacionais. Pelo contrário, compete aos Estados‑Membros a fixação de um prazo máximo de reporte máximo, e a definição das modalidades de aplicação do artigo 7.° da Directiva 2003/88. No entanto, este prazo deveria ser adequado para garantir a realização dos objectivos da directiva. Em todo caso, um prazo de 18 meses é, no entender da Comissão, compatível com a directiva. A Comissão indica que estas observações também abrangem o direito a uma compensação ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, uma vez que esta representa uma compensação secundária e acessória do direito principal a férias e por isso apenas existe na medida em que é possível dela deduzir um direito a férias.

31.      Nas observações que apresentou na audiência, W. Schulte declarou que, embora requeresse uma compensação pelas férias que não pôde gozar nos anos de 2006 a 2008, o seu entendimento jurídico a este respeito é que o direito a férias, como qualquer outro direito subjectivo, também não pode ser garantido sem limite temporal. A este respeito, referiu a lei alemã que prevê um prazo de prescrição de três anos do direito a férias. Apoiando‑se nesta disposição, reconheceu que os órgãos jurisdicionais nacionais incumbidos do processo principal podem, sendo caso disso, reduzir os direitos a compensação invocados. Na réplica, a KHS contestou estas observações feitas em relação ao direito alemão e negou a admissibilidade legal de os órgãos jurisdicionais nacionais, por sua iniciativa, procederem a uma redução dos direitos em questão.

32.      W. Schulte propõe que seja dada às questões prejudiciais uma resposta no sentido de que cabe aos Estados‑Membros fixarem, nas disposições de direito interno, em que momento preciso os direitos a férias de um trabalhador se extinguem, devendo, em todo o caso, prever uma possibilidade de reporte de pelo menos dezoito meses.

VI – Apreciação jurídica

A –    Considerações gerais

33.      Com as suas questões prejudiciais, que serão tratadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se os princípios jurisprudenciais estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Schultz‑Hoff e. o. no que respeita à interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88 também se aplicam ao caso de uma baixa por doença prolongada de um trabalhador durante vários anos que se mantém até à cessação da relação de trabalho. Estas questões visam, no essencial, esclarecer se o direito da União, no caso de uma doença de um trabalhador que se prolonga durante vários anos, aceita a possibilidade de uma cumulação de direitos a férias ou à indemnização compensatória das férias não gozadas ou se, pelo contrário, os Estados‑Membros podem estabelecer um limite temporal para os direitos em questão.

34.      Para resolver esta questão, há que submeter o artigo 7.° da Directiva 2003/88 a um exame aprofundado e interpretá‑lo recorrendo para tal à jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida até à data no que respeita à relação entre, por um lado, o direito a férias anuais assegurado pelo direito da União e, por outro, a baixa por doença. Esta jurisprudência – sobretudo o referido acórdão – deve ser, em primeiro lugar, analisada nos seus pontos cruciais, sendo em seguida necessário apurar as conclusões que dele resultam para as questões aqui em análise.

35.      Antes de mais, são pertinentes alguns esclarecimentos em relação ao objecto da análise. O teor de ambas as questões prejudiciais refere‑se ao direito a férias anuais remuneradas tal como previsto pelo artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, embora seja claramente possível deduzir do pedido de decisão prejudicial que aquilo que o órgão jurisdicional de reenvio na verdade pretende é um esclarecimento em relação à extensão do pagamento das férias não gozadas previsto no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, uma vez que, no processo principal, apenas está em causa a indemnização que W. Schulte agora reclama em virtude da cessação da relação de trabalho. Independentemente disto, parece‑me fazer sentido começar directamente por analisar as questões prejudiciais e, no âmbito dessa análise, partir do próprio direito a férias anuais remuneradas, tal como previsto no artigo 7.°, n.° 1. A favor desta abordagem está a circunstância de que este direito (a férias remuneradas) foi concebido como um direito principal, ao passo que o direito ao pagamento das férias não gozadas deve ser qualificado de direito secundário, uma vez que apenas deve ser concedido nas situações em que o direito a férias anuais remuneradas, por motivo de cessação da relação de trabalho, já não pode ser gozado (5). A isto acresce que o direito ao pagamento das férias não gozadas é, de certa forma, acessório em relação ao direito a férias anuais remuneradas, o que se pode, nomeadamente, verificar pela circunstância de a remuneração habitual do trabalhador, que deve continuar a ser paga durante o período de repouso correspondente às férias anuais remuneradas também dever servir de referência, no entender do Tribunal de Justiça, para o cálculo da compensação financeira pelas férias anuais não gozadas por motivo de cessação da relação de trabalho (6). As conclusões que poderiam resultar da interpretação do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, terão por isso forçosamente repercussões sobre a interpretação do artigo 7.°, n.° 2.

B –    Quanto às questões prejudiciais em concreto

1.      Os elementos‑chave da jurisprudência que decorrem do acórdão Schultz‑Hoff e o.

36.      Como já afirmei na introdução, abordarei, em primeiro lugar, a questão de saber quais são as conclusões que se devem retirar do acórdão Schultz‑Hoff e. o. para a limitação temporal da possibilidade de reclamação de direitos a férias e do pagamento de férias não gozadas já vencidos.

37.      Para começar, há que fazer referência aos n.os 22 a 25 do acórdão Schultz‑Hoff, nos quais o Tribunal de Justiça sublinha a importância que a jurisprudência atribui ao direito a férias anuais remuneradas. Segundo jurisprudência assente, este direito deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste particular importância, que não pode ser derrogado e cuja transposição pelas autoridades nacionais competentes só pode ser efectuada dentro dos limites expressamente previstos na própria Directiva 2003/88 (7). Com a consagração legal do direito a férias anuais remuneradas ao nível do direito derivado, o legislador da União quis assegurar que o trabalhador pudesse beneficiar de descanso efectivo em todos os Estados‑Membros, para «assegurar uma protecção eficaz da sua segurança e da sua saúde» (8). Como o Tribunal de Justiça referiu na sua jurisprudência, a finalidade do direito a férias anuais remuneradas é permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontracção e de lazer (9).

38.      No n.° 43 do acórdão Schultz‑Hoff e o., o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional que prevê modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas expressamente conferido por essa directiva «incluindo mesmo a perda do direito no final de um período de referência ou de um período de reporte». Dito de outra forma, cabe em princípio aos Estados‑Membros, no entender do Tribunal de Justiça, preverem livremente nas suas ordens jurídicas que o direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador apenas pode ser exercido dentro de um determinado período e que após o decurso deste o mesmo se extingue. O Tribunal de Justiça referiu‑se expressamente à possibilidade de os Estados‑Membros determinarem um período de reporte no decurso do qual deve ser conferida ao trabalhador, impedido de gozar as suas férias anuais no período de referência uma possibilidade adicional de as gozar. O Tribunal de Justiça fundamentou as suas conclusões essencialmente com o facto de «a fixação desse período faz[er] parte das condições de exercício e da aplicação do direito a férias anuais remuneradas, pelo que, em princípio, é da competência dos Estados‑Membros» (10). Assim, a Directiva 2003/88 permite, em princípio, a extinção do direito a férias anuais remuneradas.

39.      É no entanto importante referir que o Tribunal de Justiça faz depender esta faculdade dos Estados‑Membros de preverem a extinção do direito a férias anuais remuneradas de uma condição essencial, isto é, que o trabalhador que perdeu o direito «tenha efectivamente tido a possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere» (11).

40.      O Tribunal de Justiça considerou que esta condição não se verificou nas circunstâncias que deram origem ao processo Schultz‑Hoff e o. Estava neste processo em causa uma possibilidade de reporte de apenas seis meses (12). O Tribunal de Justiça declarou, fazendo referência às circunstâncias especiais naquele processo, que «um trabalhador, que esteve de baixa por doença durante todo o período de referência e para além do período de reporte previsto no direito nacional, fica privado de qualquer período que confira a possibilidade de gozar as suas férias anuais remuneradas» (13). A argumentação do Tribunal de Justiça parece claramente inspirada pela ideia de garantir uma eficácia prática o mais abrangente possível do direito a férias anuais remuneradas previsto no direito da União, cuja concretização não pode ser impedida por obstáculos de direito nacional. A mesma está baseada em duas grandes linhas de argumentação, que abordarei rapidamente.

41.      Por um lado, o Tribunal de Justiça tomou como ponto de partida a circunstância de que a baixa por doença visa exclusivamente o restabelecimento (14) e que o trabalhador está, durante o período da doença, em regra, incapacitado de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. Caso se admitisse, como o Tribunal de Justiça refere no n.° 45 do acórdão, que as disposições legais nacionais pertinentes, nomeadamente as que fixam o período de reporte, nas circunstâncias específicas da incapacidade para o trabalho descritas no número anterior, pudessem prever a extinção do direito do trabalhador a férias anuais remuneradas assegurado pelo artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, sem que o trabalhador tivesse tido efectivamente a possibilidade de exercer o direito que lhe é conferido por esta directiva, isso significaria que essas disposições violariam o direito social directamente conferido pelo artigo 7.° da referida directiva a cada trabalhador.

42.      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declara, no n.° 48 do acórdão, que, numa situação como a do autor no processo principal, que ficou de baixa por doença durante todo o período de referência e de reporte, os Estados‑Membros não podem obstar ao nascimento deste direito a férias anuais remuneradas nem prever a extinção desse direito. Esta linha de argumentação provém da jurisprudência do Tribunal de Justiça desde o acórdão BECTU (15), segundo a qual «os Estados‑Membros têm a possibilidade de definir, na respectiva legislação interna, as condições do exercício e da execução do direito a férias anuais remuneradas, sem, no entanto, sujeitar a qualquer condição a própria constituição do direito, que resulta directamente da Directiva 93/104».

43.      O Tribunal de Justiça considera, por isso, a questão do reporte temporal dos direitos a férias como uma modalidade de aplicação, cuja regulação cabe aos Estados‑Membros. A referida competência de regulação dos Estados‑Membros tem, no entanto, um limite quando a medida escolhida tiver uma influência sobre o carácter efectivo do direito a férias anuais remuneradas, uma vez que fica comprometida realização do objectivo o direito a férias visa.

44.      Das considerações que antecedem, o Tribunal de Justiça concluiu no n.° 49 do acórdão que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que prevêem que o direito a férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo o período de referência e que a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

45.      O Tribunal de Justiça declarou no n.° 62 do acórdão que isto se deve aplicar também à compensação financeira prevista no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88. Como justificação, remeteu essencialmente para a identidade funcional dos direitos previstos no artigo 7.° da Directiva 2003/88. O pagamento de uma compensação financeira ao trabalhador no momento da cessação da relação de trabalho evita que este, pelo facto de não ter podido gozar o direito a férias anuais, seja privado do gozo deste seu direito. O Tribunal de Justiça considera que a Directiva 2003/88 trata o direito a férias anuais e o direito a remuneração compensatória como «dois componentes de um direito único». Foi por esta razão que decidiu que esta disposição da directiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que prevêem que, no momento da cessação da relação de trabalho, o trabalhador, nas condições acima referidas, não recebe nenhuma compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas.

46.      Há, no entanto, que observar que – diversamente do que sucede no presente processo – não havia a necessidade para o Tribunal de Justiça, no processo Schultz‑Hoff e o., de se pronunciar sobre a questão de saber se o facto de limitar a dezoito meses o período de reporte representa ou não uma condição conforme com o direito da União para requerer o período mínimo de férias anuais, previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88. Importa recordar, a este respeito, que o objecto do processo naquele caso eram os direitos a férias do trabalhador relativos aos anos de 2004 e 2005, tendo a relação de trabalho cessado em finais de Setembro de 2005. Assim, naquele caso, apenas se poderia ter levantado a questão de saber se os direitos a férias em questão para o ano de 2004 poderiam extinguir‑se no prazo de nove meses. Isto não foi, no entanto, objecto do pedido de decisão prejudicial apresentado. O ponto de partida neste processo é totalmente diferente. Tendo em conta que W. Schulte reclama no processo principal o pagamento de férias não gozadas relativas aos anos de 2006 (a partir de 1 de Janeiro de 2006) (16) a 2008 (até à cessação da relação de trabalho em 31 de Agosto de 2008) e que a concessão destes direitos exigiria um período de reporte superior a dezoito meses, a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, em relação à possibilidade de um limite temporal, carece, evidentemente, de clarificação.

47.      Por fim, há que registar que o Tribunal de Justiça, até à data, ainda não se pronunciou expressamente em relação à questão de saber se uma cumulação, ilimitada no tempo, de direitos a férias e de direitos a remuneração compensatória de férias, que resultam da ausência do trabalhador por motivos de doença, é permitida ao abrigo do direito actual, visto que o acórdão Schultz‑Hoff e o. tem, até à data, sido interpretado nesse sentido. O presente processo confere agora ao Tribunal de Justiça a possibilidade de clarificar a sua jurisprudência até à data e de clarificar esta questão controvertida.

2.      Em relação à questão de saber se o sentido e a finalidade do artigo 7.° da Directiva 2003/88 impõem uma cumulação dos direitos a férias e a compensação

48.      Tendo em conta as circunstâncias especiais no processo principal, nomeadamente os interesses opostos das partes, coloca‑se a questão legitima de saber se uma cumulação dos direitos a férias e a compensação se impõe de facto do ponto de vista jurídico para alcançar os objectivos visados pela directiva. Ao desenvolver a sua jurisprudência em matéria de direito a férias, o Tribunal de Justiça deve ter em atenção que a solução a encontrar deve ser apropriada e deve igualmente ter em consideração os interesses dos trabalhadores e dos empregadores. Parece‑me útil uma clarificação, por meio de interpretação, do âmbito dos direitos reconhecidos ao trabalhador no artigo 7.° da Directiva 2003/88, para evitar que estes direitos acabem por não corresponder aos objectivos a que se destinam.

49.      Em seguida, abordarei esta questão, apresentando uma série de argumentos a favor e contra uma imposição de uma cumulação dos direitos a férias, que serão analisados quanto à sua validade e, caso seja necessário, efectuando uma ponderação entre os seus méritos respectivos.

a)      Argumentos a favor de uma cumulação dos direitos

50.      O próprio acórdão Schultz‑Hoff e o. poderia facultar alguns argumentos a favor da tese de que, pelo menos em alguns casos que se caracterizam pelos longos períodos de doença dos trabalhadores, deveria ser permitida uma cumulação sem limite temporal dos direitos a férias e a compensação financeira durante um longo período de tempo.

51.      Neste sentido, poderia invocar‑se, por um lado, o facto de que este acórdão deixou em aberto a possibilidade teórica de uma extinção ou prescrição destes direitos em caso de doença prolongada do trabalhador. No entanto, raciocinando assim, não seria tomado em consideração que nesse processo nada justificava que se tomasse uma decisão sobre este aspecto. É por esta razão que este argumento não convence.

52.      Por outro lado, pode invocar‑se o argumento da incerteza que está habitualmente ligado ao estado de doença. Embora este aspecto seja de ordem prático, deve no entanto ser tomado em consideração na análise, devido às consequências jurídicas que dele advêm. O Tribunal de Justiça também fez referência a este aspecto no n.° 51 do referido acórdão, no qual declarou, e bem, que «a ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por razões de doença é imprevisível.». A ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por razões de doença é no entanto muitas vezes tão imprevisível como a recuperação da própria doença. É, entre outras, por esta razão que uma incapacidade para o trabalho deve ser comprovada positivamente através de um atestado médico, como o órgão jurisdicional de reenvio refere no seu pedido prejudicial (17). Há que assegurar a segurança jurídica na relação entre o trabalhador e o empregador. Isto porque, se, como no processo principal, existir uma incerteza em relação à questão de saber se o trabalhador algum dia voltará a recuperar, não é possível excluir totalmente à partida a eventualidade de os direitos a férias e a compensação de férias serem cumulados durante anos, sem que seja possível a reintegração do trabalhador na vida laboral. Seja como for, deve admitir‑se que, tal como o trabalhador não pode ser culpado pela doença que lhe provocou a ausência do local de trabalho, também a doença não pode servir de pretexto para lhe retirar o direito a férias que lhe é conferido pelo direito da União. Segundo esta argumentação, seria coerente, numa situação como a do processo principal, considerar que se impõe a cumulação ilimitada dos direitos a férias.

53.      A tese segundo a qual uma cumulação ilimitada dos direitos a férias e a remuneração compensatória deveria ser admitida não pode, em todo o caso, ser recusada com o argumento de que é a própria doença que priva o trabalhador da possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere. Como o Tribunal de Justiça indicou no acórdão Schultz‑Hoff e o. de forma muito clara, um trabalhador dispõe dos direitos previstos no artigo 7.° da directiva independentemente de ter estado doente ou não durante o período de referência ou de cumulação. O exposto resulta do n.° 40 do referido acórdão, no qual o Tribunal de Justiça declara que a Directiva 2003/88 «não faz qualquer distinção entre os trabalhadores ausentes do trabalho por se encontrarem de baixa por doença, de curta ou de longa duração, durante o período de referência e os que efectivamente trabalharam nesse período». Como o acórdão ainda refere no n.° 41, isto implica, para o Tribunal de Justiça, que, «quanto a trabalhadores que se encontrem de baixa por doença devidamente certificada um Estado‑Membro não pode fazer depender o direito a férias anuais remuneradas conferido pela própria Directiva 2003/88 a todos os trabalhadores da obrigação de terem trabalhado efectivamente durante o período de referência instituído por esse Estado» (18). Assim, esta jurisprudência poderia também ser entendida no sentido de que um estado de doença prolongada do trabalhador, cujo termo não esteja à partida previsto, não representa um motivo legítimo para recusar a cumulação ilimitada dos direitos a férias e a remuneração compensatória.

54.      Permita‑se‑me a este respeito um reparo de outra natureza, para dissipar um mal‑entendido que está manifestamente na base da argumentação da KHS. Devido ao ponto de vista inequívoco do Tribunal de Justiça em relação à inviolabilidade do direito a férias anuais mesmo nos casos de doença prolongada devem ser rejeitadas as observações da KHS preconizam que seja recusado ao trabalhador o direito a férias devido à sua ausência por motivos de doença. Dada a referida ligação estreita entre os dois direitos (19), o mesmo deveria valer para o direito à indemnização compensatória das férias anuais não gozadas, conforme previsto no artigo 7.°, n.° 2, que não pode ser recusado com a justificação de que, em razão de uma longa doença (20), as circunstâncias tornaram inexequível o direito à indemnização compensatória.

55.      O acórdão Schultz‑Hoff e o. poderia assim, consoante o modo como seja lido, fornecer indícios a favor da tese segundo a qual, em certos casos, caracterizados por períodos de doença prolongada dos trabalhadores, uma cumulação ilimitada dos direitos a férias e a remuneração compensatória, deveria ser permitida mesmo durante longos períodos (21). Tal interpretação desta jurisprudência teria como consequência, no presente caso, que W. Schulte teria direito à remuneração compensatória pelas férias não gozadas relativas aos anos de 2006 a 2008.

b)      Argumentos contra a cumulação dos direitos

56.      Para antecipar a conclusão da minha análise: não considero que uma cumulação dos direitos a férias se imponha juridicamente para alcançar o fim visado, o repouso. Uma interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88 neste sentido parece‑me, em definitivo, contrária aos interesses do trabalhador e do empregador. Em seguida, exporei uma série de argumentos nos quais a minha conclusão se baseia.

i)      Necessidade de um exercício rápido dos direitos

57.      Para que as férias possam produzir plenamente o seu efeito positivo para a segurança e a saúde do trabalhador, devem, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Federatie Nederlandse Vakbeweging (22), ser gozadas, em princípio, no ano previsto para o efeito, ou seja, no ano em curso, embora este período de repouso não perca o seu interesse se for gozado em período subsequente, por exemplo durante o período de reporte. O Governo alemão (23), a Comissão (24) e a KHS (25) referem, no entanto, com razão, que esta jurisprudência deve ser entendida no sentido de que exige uma certa proximidade temporal entre o período de referência e o exercício efectivo do direito a férias anuais (26). Embora as ausências por motivos de doença, como também a jurisprudência confirmou, não representem certamente um motivo juridicamente admissível para que o empregador recuse a concessão de férias anuais, o direito a férias está indiscutivelmente ligado a uma certa finalidade. Esta consiste na existência de uma relação, tanto temporal como causal, entre o trabalho anteriormente executado e as férias. Nestas condições, não se percebe de que modo as férias cumprem a sua função se apenas forem gozadas passados vários anos de ausência do local de trabalho. A finalidade das férias anuais, que é descansar dos esforços e do stress do ano de trabalho e retirar do descanso e do lazer durante as férias novas forças para o que resta desse ano, não é alcançada caso estas férias apenas sejam gozadas passados vários anos.

ii)    Falta de aumento manifesto do efeito do repouso (Erholungswirkung)

58.      Além disso, não é visível por que razão uma cumulação dos direitos a férias durante vários anos é obrigatoriamente necessária para garantir a finalidade do repouso. Em regra, o repouso que as férias visam ainda existe quando são concedidas novas férias no ano seguinte. No entanto, as partes no processo não demonstraram que a duplicação ou até a triplicação do direito mínimo a férias aumente o efeito de repouso (27) e isso não parece verificar‑se objectivamente. Pelo contrário, parece sensato e adequado colocar as férias numa relação quantitativamente adequada com a necessidade efectiva de repouso. Embora tal relação adequada possa passar pela concessão de férias cuja duração ultrapasse o direito mínimo a férias de quatro semanas previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, as mesmas não devem ser uma simples multiplicação deste.

iii) Inconvenientes para a reintegração económica e social do trabalhador

–       Riscos para a reintegração do trabalhador nos processos laborais

59.      Além disso, parece‑me necessário, a fim de determinar se uma eventual cumulação dos direitos a férias se impõe juridicamente, abordar outro aspecto, para o qual a KHS, no meu entender bem, alertou. O repouso que as férias anuais do trabalhador visam corresponde, do ponto de vista económico, ao interesse de ambos, trabalhador e empregador. Se considerarmos o trabalho humano, seja sob a forma de mão‑de‑obra seja pelo uso dos conhecimentos (capital humano), como um factor de produção, existe sem dúvida um interesse por parte do empregador em que o trabalhador, depois de gozado o seu direito a férias anuais, reintegre a vida profissional e coloque de novo as suas capacidades ao serviço da empresa. Esse interesse deve coincidir precisamente com o do trabalhador, uma vez que se pode razoavelmente presumir que, após um tempo de ausência por motivos de doença, a reintegração do trabalhador na vida laboral estará, em regra, em primeiro lugar. A KHS tem por isso razão ao afirmar que deve ser dada ao trabalhador em convalescença uma oportunidade para se reintegrar nos processos laborais. Se o trabalhador voltar a abandonar o seu meio laboral através do gozo de férias longas e contínuas que ultrapassem as respectivas férias anuais, há o risco de que tal situação tenha repercussões negativas para a sua carreira (28).

60.      Não pode, no entanto, ter sido intenção do legislador da União conferir ao trabalhador um direito social cujo gozo favorece indirectamente a sua exclusão económica e social. Basta apenas recordar a este respeito que a Directiva 2003/88 foi adoptada com base no artigo 137.°, n.° 2, CE, com vista à protecção da segurança e da saúde do trabalhador, e que a actividade regulamentar do legislador da União tem como finalidade, segundo o artigo 137.°, n.° 1, CE, contribuir para a realização dos objectivos enunciados no artigo 136.° CE. É certo que esta disposição do Tratado tem carácter programático, o que não implica que seja desprovida de efeitos jurídicos. Com efeito, a disposição em causa constitui um elemento importante, nomeadamente para a interpretação de outras disposições do Tratado e do direito derivado no domínio social (29). Esta disposição do Tratado prevê como objectivos obrigatórios uma «protecção social adequada» do trabalhador, mas também a «promoção do emprego» assim como «o desenvolvimento dos recursos humanos, que permita um nível de emprego elevado e duradouro, e a luta contra as exclusões». Consequentemente, há que recusar uma interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88 que esteja em contradição com a reintegração no mercado de trabalho do trabalhador que sofreu de uma doença prolongada.

–       Risco para a manutenção da relação de trabalho

61.      Uma interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88 que favoreça uma cumulação ilimitada no tempo de direitos a férias e a remunerações poderia, além disso, ter consequências graves que poderiam pôr em causa o carácter à primeira vista vantajoso para o trabalhador de tal interpretação. Como resulta das observações que antecedem, a relação de trabalho é, e continua a ser, a chave para a reintegração económica e social do trabalhador. Há que ter em consideração, a este respeito, que os inconvenientes que resultam para o empregador tanto da longa ausência do trabalhador como do encargo financeiro que representa a cumulação dos direitos a férias e a remuneração compensatória – as quais analisarei em detalhe nas minhas observações seguintes – são potencialmente susceptíveis, em certas condições, de incentivar o empregador a separar‑se o mais cedo possível de trabalhadores com incapacidade prolongada para o trabalho, para evitar esses inconvenientes (30). Neste aspecto pode concordar‑se com a apreciação da KHS (31) que considera não ser improvável que sejam justamente as pequenas e médias empresas a recorrer ao despedimento de trabalhadores com doenças prolongadas. Tal evolução, prejudicial para a integração económica e social do trabalhador, estaria claramente em contradição com os objectivos enunciados no artigo 136.° CE.

iv)    Risco de encargos organizacionais e financeiros para as pequenas e médias empresas

62.      A ausência de trabalhadores por motivos de doença prolongada está, em regra, como o governo dinamarquês refere (32) com razão, relacionada com dificuldades importantes do ponto de vista da organização do tempo de trabalho na empresa, uma vez que esta circunstância a obriga a tomar as medidas organizacionais necessárias para substituir, de forma satisfatória, o trabalhador doente (33). Caso o trabalhador exerça de uma só vez, imediatamente após o seu regresso da baixa por doença, todos os seus direitos a férias anuais, mesmo os relativos a vários anos de referência, a situação inicialmente considerada temporária, poderia acabar por se perpetuar. Estas dificuldades poderiam ser tanto mais graves quanto mais pequenas fossem as empresas (34).

63.      Não podem, além disso, ser ignorados os encargos financeiros que as empresas teriam eventualmente de suportar se fossem obrigadas, após a cessação da relação de trabalho de um trabalhador com uma doença prolongada, a pagar uma compensação financeira referente a vários anos consecutivos ao longo dos quais fossem acumulados direitos a férias (35). Esses encargos seriam elevados, como a KHS (36) assinalou por diversas vezes nas suas observações escritas.

64.      Uma análise das disposições do direito primário em matéria de política social da União – essencialmente os artigos 136.° CE e 137.°, n.° 2, CE – demonstra que os aspectos económicos também são importantes ao pôr em prática objectivos de política social. É possível retirar de ambas as disposições que uma melhoria das condições de trabalho por meio da harmonização das legislações não pode ter lugar sem que, simultaneamente, seja tida em conta a necessidade de preservar a competitividade da economia. Acresce que resulta do artigo 137.°, n.° 2, alínea b), CE que as directivas baseadas nesta disposição «devem evitar impor disciplinas administrativas, financeiras e jurídicas contrárias à criação e ao desenvolvimento de pequenas e médias empresas». É também este o sentido do segundo considerando da Directiva 2003/88. O legislador da União pretende com esta disposição proteger as pequenas e médias empresas (37), porque parte do pressuposto implícito de que as empresas mais pequenas são, por diversas razões, comparativamente mais afectadas em termos de custos pelas medidas estatais que regulem as condições de trabalho (38). As disposições em questão apontam no sentido de que, no momento da adopção de directivas no domínio do direito social, devem necessariamente ser tomadas em consideração as consequências económicas destas disposições. No meu entender, o Tribunal de Justiça também deve assim proceder no exercício das suas competências, fornecendo a sua interpretação tanto do conteúdo como do âmbito de uma disposição do direito da União. Incumbe‑lhe interpretar o artigo 7.° da Directiva 2003/88 tendo em conta os imperativos acima mencionados estabelecidos pelo direito primário, de forma a estabelecer uma relação equilibrada entre os interesses do trabalhador e do empregador.

65.      Os argumentos convincentes do governo dinamarquês e da KHS levam a considerar que um direito ilimitado à concessão da totalidade das férias relativas a vários anos consecutivos poderia, em certos casos, representar um encargo financeiro, na acepção do artigo 137.°, n.° 2, alínea b), CE que pesaria excessivamente sobre o desenvolvimento das pequenas e médias empresas. Tendo em conta as desvantagens já descritas para a reintegração económica e social do trabalhador bem como os elementos que demonstram que a cumulação dos direitos a férias e a remuneração compensatória não contribuiria necessariamente para a finalidade de repouso, não vejo nenhuma razão para impor tal encargo às empresas.

v)      Risco de desvirtuação do direito à remuneração compensatória pelas férias não gozadas

66.      Os argumentos até aqui invocados contra a cumulação diziam no essencial respeito ao direito a férias anuais remuneradas e – apenas na medida em que fosse pertinente – ao direito à compensação financeira pelas férias não gozadas, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88. Exige‑se, no entanto, uma análise mais atenta das consequências de uma cumulação de direitos compensatórios, em particular devido à objecção apresentada pela KHS, segundo a qual uma cumulação dessa natureza levaria, em última análise, à «transformação das férias num simples bem económico» (39). Importa, de facto, evitar uma interpretação dessa disposição da directiva que não tenha em consideração a finalidade da compensação financeira que nela está prevista. A objecção da KHS não pode, sem mais, ser recusada, se se tiver em conta a finalidade desta disposição.

67.      O direito à remuneração compensatória pelas férias não gozadas em que se transforma o direito a férias com a cessação da relação de trabalho, não constitui um direito a indemnização nem um direito pecuniário de ordem geral, mas um substituto das férias que, devido à cessação da relação de trabalho, já não podem ser gozadas (40). Essa natureza jurídica do direito à remuneração compensatória das férias não gozadas como substituto também tem o seu suporte na letra do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88. Segundo esta disposição, as férias podem ser «substituídas» e não «compensadas» por uma remuneração financeira. O objectivo que este visa é colocar o trabalhador financeiramente numa situação que lhe permita gozar as suas férias anuais mais tarde, em condições comparáveis às que existiriam se ainda estivesse a trabalhar e beneficiasse de férias remuneradas nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 (41). É por esta razão que a remuneração habitualmente paga, e que deve continuar a ser paga durante os períodos de descanso correspondentes às férias anuais remuneradas, também é determinante para o cálculo desta remuneração financeira. O Tribunal de Justiça insiste nesse aspecto financeiro importante da remuneração compensatória das férias não gozadas no n.° 56 do acórdão Schultz‑Hoff e. o., no qual constata que, a fim de evitar que, devido à impossibilidade que se prende com a cessação da relação de trabalho, o trabalhador não seja privado, «mesmo sob forma pecuniária», seja excluído, o artigo 7.°, n.° 2 dispõe que o trabalhador tem direito a uma compensação financeira.

68.      A perspectiva de uma cumulação ilimitada dos direitos a compensação poderia, no entanto, levar o trabalhador, para o qual esta relação não é perfeitamente evidente, a compreender o sentido desta disposição de maneira diferente, e criar‑lhe a expectativa errada de que tem direito a uma compensação pela cessação da relação de trabalho, em vez de ter direito a um substituto das férias remuneradas. Tal entendimento levaria a atribuir um valor ao direito à remuneração compensatória das férias que a lei não lhe atribui. Esse entendimento errado do carácter jurídico da compensação financeira poderia, em função da ordem jurídica e da situação inicial, ter repercussões negativas para o empregador, nomeadamente se o trabalhador, ao negociar acordos de rescisão por mútuo acordo ou transacções judiciais tendo em vista a cessação da relação de trabalho, insistisse em que os direitos à remuneração compensatória não fossem expressamente apresentados como tal, sendo no entanto pagos como compensações, a fim de evitar que estes montantes fossem tributados ou sujeitos a descontos para a segurança social. Na verdade, caso os direitos à remuneração compensatória não sejam expressamente previstos como tal no acordo, os trabalhadores mantêm, mesmo depois de concluído o acordo, a possibilidade de os reclamar novamente (42). O empregador tem, por isso, um direito legítimo a que não se levantem dúvidas em relação à natureza jurídica dos direitos a remuneração compensatória e que exista segurança jurídica após a cessação da relação de trabalho.

69.      Estes riscos podem ser dissipados através de uma interpretação estrita do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, baseada no sentido e na finalidade da disposição. A compensação financeira que a disposição prevê não pode ter outra função que não seja proteger a saúde e a segurança do trabalhador, como se deduz indirectamente do segundo considerando e do artigo 1.°, n.° 1, da directiva. Esta finalidade da compensação financeira explica também por que razão o legislador da União apenas permite uma compensação financeira pelo não gozo das férias anuais no caso específico da cessação da relação de trabalho e, de resto, não admite nenhuma derrogação a esta regra nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da directiva (43). Assim, tendo em consideração que há que se ater estritamente à finalidade da regra, uma cumulação de direitos a férias não garante, como já foi exposto, uma multiplicação do efeito de repouso das férias, não se percebendo de que modo uma cumulação dos direitos compensatórios seria indispensável para alcançar o fim referido. Pelo contrário, uma cumulação de direitos compensatórios teria como consequência favorecer o trabalhador e penalizar o empregador, sem que a finalidade legal da disposição o justifique.

70.      Consequentemente, uma cumulação ilimitada no tempo de direitos a compensação durante vários anos não se impõe para cumprir a função de repouso associada ao direito a férias anuais remuneradas.

c)      Conclusão provisória

71.      Atendendo a todas estas considerações, concluo que uma cumulação ilimitada no tempo de direitos a férias e a compensação não é exigida pelo direito da União para garantir que os objectivos do artigo 7.° da Directiva 2003/88 sejam alcançados.

3.      Compatibilidade com o direito da União de uma limitação temporal da possibilidade de reporte dos direitos a férias e a compensação

a)      O acórdão Schultz‑Hoff e. o. como ponto de partida

72.      Na primeira parte da minha análise constatei que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou, até à data, sobre a questão de saber se uma cumulação ilimitada no tempo de direitos a férias e a compensação, resultante da ausência do trabalhador por motivos de doença, se impõe à luz do direito da União. Na segunda parte abordei esta questão e cheguei à conclusão, através de uma interpretação sistemática e teleológica do artigo 7.° da Directiva 2003/88, de que tal cumulação não é exigida pelo direito da União. Analisarei agora a questão que o órgão jurisdicional de reenvio colocou e analisarei se uma limitação a dezoito meses da possibilidade de reporte está em conformidade com o direito da União.

73.      O reconhecimento da possibilidade de limitar no tempo os direitos a férias de trabalhadores com doenças prolongadas tornará necessária uma evolução da jurisprudência. O acórdão Schultz‑Hoff e o. deverá, a este respeito, ser o ponto de partida das reflexões, visto que deu os primeiros passos necessários para tal. Este acórdão baseia‑se na ideia essencial de que deve ser reconhecida ao trabalhador, em qualquer circunstância, a possibilidade de exercer o direito às férias anuais que lhe é conferido pela directiva para que esse princípio do direito social da União, considerado particularmente importante, não seja, em definitivo, afectado na sua aplicação concreta. Não é possível apreciar de uma forma geral em que medida este princípio é afectado: isso depende sobretudo das condições particulares do caso concreto. É verdade que o estado de doença do trabalhador constitui indubitavelmente uma circunstância importante, susceptível de afectar o exercício do direito a férias anuais, mas não é possível retirar do acórdão que o estado de doença deva ser considerado a única circunstância determinante. Pelo contrário, é claro que são particularmente determinantes as disposições legais e as práticas jurídicas nacionais aplicáveis ao trabalhador e a questão de saber se estas permitem ou não um exercício efectivo do direito às férias anuais.

74.      As considerações do Tribunal de Justiça no acórdão Schultz‑Hoff e o. devem, por isso, ser vistas no contexto das disposições nacionais aplicáveis ao litígio naquele processo. As razões pelas quais se considerou que não havia a possibilidade de exercer efectivamente o direito a férias anuais foram, por um lado, o período de reporte especialmente curto (alguns meses) e, por outro, a extinção do direito a férias prevista pela convenção colectiva não tinha suficientemente em consideração as circunstâncias excepcionais, como por exemplo a incapacidade para o trabalho do trabalhador.

75.      Vistas as coisas deste ângulo, não se pode excluir, à partida, que, noutras circunstâncias, em que sejam adequadamente tidas em conta as necessidades do trabalhador de gozar férias e que não levem a uma negação do seu direito, uma extinção desses direitos após um determinado prazo possa estar em conformidade com o direito da União à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça (44). Se as condições para tal se verificassem, estaríamos perante o caso que o Tribunal de Justiça considera constituir a regra, à qual fiz referência no n.° 38 das presentes conclusões. Apenas se coloca a questão de saber em que condições isso pode acontecer. Encontrar uma resposta implica analisar os limites que o artigo 7.° da directiva estabelece à margem de apreciação dos Estados‑Membros.

b)      Quanto à limitação temporal do período de reporte

76.      A perda total desses direitos deve em absoluto ser excluída, segundo a perspectiva aqui defendida, uma vez que isto significaria uma perda irreversível para o trabalhador. O acórdão Schultz‑Hoff e o. deve ser entendido no sentido de que o exercício do direito a ferias não deve ser entravado através da fixação de requisitos difíceis de cumprir. Tal situação, porém, verifica‑se, em regra, no casos de trabalhadores com doenças prolongadas, uma vez que o trabalhador doente não poderá evitar a extinção automática e total dos direitos a férias devido ao decurso do tempo. Regra geral, é a data do seu restabelecimento que determina a possibilidade de exercer ou não o seu direito a férias. São a este respeito necessárias medidas especiais por parte dos Estados‑Membros. Para evitar que os objectivos da directiva sejam postos em causa, parece por isso necessário conceder ao trabalhador pelo menos uma parte do direito a férias, que poderia eventualmente gozar no caso de recuperar e após o seu regresso ao local de trabalho. O Governo alemão (45) também salientou com razão esta necessidade nas suas observações escritas. Assim, só uma perda parcial dos direitos a férias poderia ser considerada.

77.      As considerações que antecedem levantam a questão tanto da duração do prazo após o qual o direito a férias se pode extinguir como da importância do saldo das férias. Após uma análise mais aprofundada, afigura‑se que ambos os aspectos estão intimamente ligados, uma vez que a fixação de um prazo superior a, por exemplo, doze meses, teria em todo o caso como consequência, durante um determinado período, ao longo do qual o prazo de reporte para o primeiro ano e o ano de referência seguinte se sobrepõem, que os direitos a férias pelo menos em relação a dois anos se adicionassem. Apenas depois de decorrido o prazo de caducidade aplicável às férias do primeiro ano é que os direitos a férias seriam novamente reduzidos a um número de dias de férias correspondente às férias anuais mínimas.

78.      As partes no processo, com excepção de W. Schulte, sublinharam unanimemente a necessidade de um limite temporal dos direitos a férias. Um método possível seria, como sugeriram tanto o órgão jurisdicional de reenvio como algumas partes no processo, a aplicação por analogia das regras da Convenção n.° 132 da OIT. Esta Convenção, cuja relevância para a interpretação da Directiva 2003/88 foi expressamente confirmada pelo Tribunal de Justiça no recente acórdão Schultz‑Hoff e o. (46), prevê, no seu artigo 9.°, n.° 1, que as férias anuais remuneradas deverão «ser concedida[s] e gozada[s] […] num prazo de dezoito meses, o máximo, a contar do fim do ano que conferir o direito às férias.» Esta regra deve ser entendida como um limite temporal máximo (47), que leva a que, após o decurso do prazo para tal concedido, os direitos a férias existentes se extinguem.

79.      Dado que a fixação de um limite temporal para o reporte dos direitos a férias para o ano seguinte faz parte da competência dos Estados‑Membros para fixarem as modalidades de exercício do direito a férias anuais do trabalhador, a competência do Tribunal de Justiça limita‑se a determinar se um limite temporal está em conformidade com o direito da União, tendo em conta, em particular, a necessidade de realizar os objectivos da directiva (48).

80.      Em princípio, o direito da União não se opõe à limitação temporal dos direitos a férias do trabalhador conforme prevista no artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132, dado que o artigo 7.° da Directiva 2003/88 não institui expressamente o princípio da concessão de um direito a férias ilimitado. Isto corresponde também, como já referi, à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no n.° 43 do acórdão Schultz‑Hoff e o., no qual declarou que os Estados‑Membros dispõem do poder de estabelecer modalidades, que prevejam mesmo a perda do direito a férias anuais remuneradas, na condição, porém, de que o trabalhador «tenha tido efectivamente a possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere». A favor de uma aceitação do princípio da limitação temporal, já há muito prevista nessa disposição internacional, está também o sexto considerando da directiva, segundo o qual devem ser tidos em conta os princípios da OIT em matéria de organização do tempo de trabalho.

81.      Um prazo como o previsto no artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132 respeitaria, em todo o caso, o objectivo do artigo 7.° da Directiva 2003/88, uma vez que o trabalhador disporia assim de até dois anos e meio (49) para gozar o seu direito a férias mínimo referente a um determinado ano. De um ponto de vista objectivo, este prazo parece suficientemente longo para possibilitar um exercício efectivo do direito. Além disso, o trabalhador teria sempre a garantia, após uma doença prolongada, de dispor de um período suficientemente longo para recuperar. Em caso de regresso ao trabalho, beneficiaria ainda de um direito a pelo menos oito semanas de férias (50), e, se regressasse na primeira metade do terceiro ano, teria mesmo direito a doze semanas de férias (51). Por conseguinte, um saldo de férias estaria sempre garantido. Tendo em vista as vantagens que a adopção destas disposições oferece ao trabalhador, há que admitir que o requisito que o legislador nacional deve respeitar, estabelecido pelo Tribunal de Justiça, para poder legalmente fixar a perda do direito a férias, seria efectivamente cumprida.

82.      Uma limitação temporal da possibilidade de reporte dos direitos a férias do trabalhador a dezoito meses também corresponderia aos interesses do empregador e contribuiria assim, em definitivo, para garantir um equilíbrio adequado entre ambos. Com efeito, enquanto o trabalhador teria a garantia de beneficiar, em qualquer caso, de um período de repouso apropriado, o empregador teria a certeza de não ser confrontado com uma cumulação ilimitada dos direitos a férias nem com as dificuldades daí resultantes para a organização do trabalho. O mesmo se aplicaria aos encargos financeiros resultantes dos direitos a remuneração compensatória acumulados durante longos períodos. A previsibilidade e a possibilidade de calcular esses encargos financeiros resultantes de uma limitação temporal dos direitos a férias permitiriam ao empregador constituir reservas financeiramente razoáveis. Tendo em conta as vantagens resultantes de uma limitação temporal dos direitos a férias, os empregadores já não teriam razões para desistir da «reserva social» (52), que até à data praticaram em relação a trabalhadores com doenças graves, em fases da vida complicadas, nem de recorrer ao meio de política de pessoal e social indesejado do despedimento ou da rescisão do contrato.

c)      Margem de apreciação do Estado‑Membro para a fixação de um prazo

83.      Embora na estrutura global do direito da União em matéria de organização do tempo trabalho nada se oponha à adopção da ideia geral de uma limitação temporal do direito a férias anuais – como prevê o artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132 – são, no entanto, justificadas dúvidas sobre se a adopção do prazo de 18 meses naquela previsto também se impõe juridicamente. Trata‑se de uma norma muito específica que não é fundamentada em detalhe. Pelo contrário, reflecte um certo consenso entre os Estados signatários da Convenção. À adopção desta regra tal como existe – ou seja, unicamente o prazo de dezoito meses – opor‑se‑ia o próprio teor do sexto considerando da Directiva 2003/88, que, em relação à organização do tempo de trabalho, obriga a «ter […] em conta os princípios da OIT». Como de seguida irei expor, esta formulação permite pensar que não foi intenção do legislador da União retomar todas as regras adoptadas em direito internacional no domínio do direito do trabalho, independentemente de cumprirem ou não suficientemente as especificidades da ordem jurídica da União.

84.      Em primeiro lugar, refira‑se que para a transposição da Directiva 2003/88 basta «ter […] em conta» os princípios da OIT, o que, do ponto de vista semântico, parece conferir uma certa margem de apreciação na transposição. Além disso, há o termo «princípio» utilizado pela directiva. «Princípios» caracterizam‑se, no sentido metodológico do direito, pelo facto de tornarem obrigatório alguma coisa, que pode consistir numa ordem, numa autorização ou numa proibição (53). Exigem que algo seja realizado na medida em que seja permitido pelas possibilidades legais e práticas. Princípios são, assim, obrigações de optimização que se caracterizam pelo facto de poderem ser observados em diferentes graus e cuja parte imperativa da sua realização não depende apenas das possibilidades práticas, mas também jurídicas. O domínio das possibilidades jurídicas é determinado por princípios e regras contraditórios (54).

85.      No meu entender, a autonomia da ordem jurídica instituída pelos Tratados (55), cujo guardião é o Tribunal de Justiça, constitui uma barreira essencial. Independentemente da colaboração de muitos anos entre a União Europeia e a OIT no domínio da política económica e social e da participação de vários Estados‑Membros, a própria União Europeia não dispõe, como organização supranacional, do estatuto de parte contratante (56) nem de observador junto da OIT. Assim, os actos jurídicos da União, em princípio, apenas podem ser examinados, do ponto de vista da sua conformidade com o direito da OIT, com base na vinculação da União às suas próprias decisões.

86.      Além disso, há que observar que uma aplicação por analogia do prazo de dezoito meses, como a Comissão refere com razão, contribuiria em definitivo para uma harmonização parcial das disposições e das práticas de direito nacional, embora o artigo 7.° da Directiva 2003/88 não permita saber relativamente a que período temporal devem ser concedidos os direitos a férias e, em caso de cessação da relação de trabalho, quais as compensações financeiras a conceder em caso de doença prolongada. Também não há indícios que permitam concluir que o legislador da União tenha pretendido aplicar por analogia o prazo máximo de reporte de dezoito meses previsto no artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132, após o final do ano de referência. Na falta de regulamentação para toda a União no artigo 7.° da Directiva 2003/88, este prazo deve ser considerado como fazendo parte das modalidades de aplicação (57) desta disposição e, portanto, das regras e/ou práticas nacionais, embora estas devam ser adequadas para garantir a realização dos objectivos da directiva.

87.      No estado actual do direito da União, há que verificar no caso concreto se uma disposição ou uma prática nacional permite ao trabalhador exercer os direitos que lhe são conferidos pela Directiva 2003/88, sendo a extensão destes direitos a determinar à luz dos objectivos do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

88.      Uma limitação a dezoito meses do período de reporte, como prevê o artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132, após o qual os direitos a férias do trabalhador se extinguem, parece‑me, em todo caso, suficientemente longo e adequado para permitir a este o exercício efectivo do direito a férias anuais, nos termos do acórdão Schultz‑Hoff e o. A este respeito, há que sublinhar que esse prazo representa um valor de referência no qual os Estados‑Membros se devem inspirar, na medida do possível, para a transposição para direito nacional. É, no meu entender, o que é imposto pelo já referido sexto considerando da Directiva 2003/88, o qual estabelece uma ligação entre o direito da União e da OIT.

89.      No entanto, esta ligação, pelos motivos (58) acima referidos, não vai ao ponto de impor juridicamente que apenas o limite máximo fixado pelo artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132 é vinculativo para o direito da União. Pelo contrário, parece que os Estados‑Membros têm a possibilidade jurídica de se afastarem desse prazo. Se considerarmos que a Directiva 2003/88, no seu artigo 1.°, n.° 1, apenas fixa «prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho» e que, nos termos do seu artigo 15.°, não impede «os Estados‑Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores», parece lógico reconhecer aos Estados‑Membros, no âmbito da ordem jurídica da União, a possibilidade de adoptarem disposições que prevejam eventualmente prazos mais favoráveis para os trabalhadores. Os Estados‑Membros não podem, em todo o caso, recusar a fixação de prazos mais favoráveis invocando o limite máximo previsto no artigo 9.°, n.° 1, da Convenção n.° 132, porque a Convenção da OIT apenas fixa padrões mínimos internacionais (59), podendo o direito da União ir além destes. Isto vale, em particular, também para a Directiva 2003/88, que por vezes vai mais longe do que as exigências mínimas da Convenção n.° 132, ao prever, por exemplo, férias anuais mínimas de quatro semanas em vez das três semanas previstas pelo artigo 3.°, n.° 3 da Convenção.

90.      Para efeitos do presente processo prejudicial, resulta do que precede que a possibilidade de reporte dos direitos a férias anuais pode corresponder a um período mínimo de dezoito meses, mas que não é imperativo que assim seja. A resposta à segunda questão prejudicial deve, por isso, também ser neste sentido.

d)      Conclusão provisória

91.      Em resumo, há que concluir que, numa situação como a do processo principal, que se caracteriza por longos períodos de doença do trabalhador, os interesses do trabalhador e do empregador podem ser conciliados da melhor forma, respeitando os objectivos da directiva, se existir uma limitação temporal dos períodos de reporte, que tenha como consequência que os direitos a férias gerados no ano de referência se extinguem após o decurso de um certo prazo, desde que seja garantido que o objectivo do direito a férias seja preservado também no caso de trabalhadores com doenças prolongadas. Isto implica que, no momento da cessação da relação de trabalho, os direitos a compensação financeira correspondentes também se extinguem da mesma maneira. O saldo das férias corresponde então ao direito a férias que se vence de novo no ano seguinte.

92.      A fixação de um prazo no termo do qual os direitos a férias e a compensação se extinguem representa uma modalidade de aplicação a estabelecer pelas disposições e/ou práticas nacionais, embora estas devam ser susceptíveis de garantir a realização dos objectivos da directiva. Nesse caso, devem ser tomados em consideração os objectivos do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88. Em todo o caso, uma limitação temporal a dezoito meses satisfaz esses objectivos. Em contrapartida, uma possibilidade de reporte de apenas seis meses, como acontecia no processo Schultz‑Hoff e o., não respeita essas exigências (60).

4.      Conclusão final

93.      Para terminar, é necessário, na perspectiva de um desenvolvimento da jurisprudência, enquadrar a interpretação que resulta da presente análise no contexto das considerações do Tribunal de Justiça no acórdão Schultz‑Hoff e o.

94.      No referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que:

«O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais o direito às férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.»

95.      No meu entender, a fim de tomar em conta as circunstâncias particulares do caso em análise e de prever a possibilidade de uma limitação temporal de direitos, esta declaração do Tribunal de Justiça deve ser completada do seguinte modo:

«O artigo 7.°, n.os 1 e 2, da directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições ou práticas nacionais que prevejam que o direito a férias ou o direito a remuneração compensatória das férias se extingue no termo do período de referência ou de um período de reporte, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante um longo período, desde que o período de reporte seja fixado de forma a preservar o objectivo do direito primário ao repouso.»

Uma possibilidade de reporte durante um período de pelo menos dezoito meses após o termo do ano de referência satisfaz esta exigência, mas não é, no entanto, imposta pelo direito da União. Pelo contrário, os Estados‑Membros têm a liberdade de adoptar outras disposições, desde que respeitem os limites fixados pela directiva.

96.      A primeira afirmação da minha proposta de decisão é de cariz geral e exprime a ideia de que uma limitação do direito a férias anuais e a remuneração compensatória das férias é, em princípio, possível do ponto de vista do direito da União, desde que seja compatível com a finalidade de repouso que as férias anuais visam. Tal limitação permite, nomeadamente, uma extinção parcial desses direitos após o decurso de um prazo que deve ser estabelecido pelo Estado‑Membro. A minha segunda afirmação visa responder à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio, declarando que a limitação da possibilidade de reporte dos direitos a férias a um período de dezoito meses é compatível com o direito da União.

VII – Conclusão

97.      À luz das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Landesarbeitsgericht Hamm declarando que:

1)      O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que prevêem que o direito a férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

2)      O artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições ou práticas nacionais que prevejam que o direito a férias ou o direito a remuneração compensatória das férias se extingue no termo do período de referência ou de um período de reporte, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante um longo período, desde que o período de reporte seja fixado de forma a preservar o objectivo do direito primário ao repouso.

3)      Uma possibilidade de reporte durante um período de pelo menos dezoito meses após o termo do ano de referência satisfaz esta exigência, mas não é, no entanto, imposta pelo direito da União. Pelo contrário, os Estados Membros têm a liberdade de adoptar outras disposições, desde que respeitem os limites fixados pela directiva.


1 – Língua original das conclusões e língua do processo: alemão.


2 – JO L 299, p. 9.


3 – Acórdão de 20 de Janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, Colect., p. I‑179).


4 – Com base nas designações utilizadas no TUE e no TFUE, o termo «direito da União» é utilizado como termo geral que abrange tanto o direito comunitário como o direito da União. Caso sejam relevantes em seguida algumas disposições de direito primário, serão referidas as disposições em vigor ratione temporis.


5 – V. acórdãos Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 23), de 26 de Junho de 2001, BECTU (C‑173/99, Colect., p. I‑4881, n.° 44), e de 18 de Março de 2004, Merino Gómez (C‑342/01, Colect., p. I‑2605, n.° 30).


6 – V. acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 61).


7 – V. acórdãos BECTU (já referido na nota 5, n.° 43), Merino Gómez (já referido na nota 5, n.° 29), e de 16 de Março de 2006, Robinson‑Steele e o. (C‑131/04 e C‑257/04, Colect., p. I‑2531, n.° 48); em relação à Directiva 2003/88, v. acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 22), de 10 de Setembro de 2009, Vicente Pereda (C‑277/08, Colect., p. I‑8405, n.° 18), e de 22 de Abril de 2010, Zentralbetriebsrat der Landeskrankenhäuser Tirols (C‑486/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28).


8 – V. acórdãos BECTU (já referido na nota 5, n.° 44), Merino Gómez (já referido na nota 5, n.° 30), Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 23) e Vicente Pereda (já referido na nota 7, n.° 21).


9 – V. acórdãos Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 25) e Zentralbetriebsrat der Landeskrankenhäuser Tirols (já referido na nota 7, n.° 30).


10 – V. acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 42).


11 – V. acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 43).


12 – A Bundesurlaubsgesetz de 8 de Janeiro de 1963, conforme alterada em 7 de Maio de 2002, previa no seu § 7, n.° 3, que, em caso de cumulação, as férias teriam de ser concedidas e gozadas nos primeiros três meses do ano civil seguinte. No entanto, naquele processo, a convenção colectiva aplicável (Manteltarifvertrag für die Angestellten der Bundesversicherungsanstalt für Angestellte) (convenção colectiva geral dos trabalhadores do organismo federal de segurança social dos trabalhadores), previa no seu § 47, n.° 7, que as férias deviam ser gozadas até 30 de Abril (ou seja, no prazo de quatro meses) do ano seguinte, caso não pudessem ser gozadas até ao fim do ano em que se venceram. Caso as férias não pudessem ser gozadas até 30 de Abril, por razões de serviço, devido a incapacidade para o trabalho ou devido aos períodos de protecção previstos na Mutterschutzgesetz (Lei relativa à protecção da maternidade), deviam sê‑lo até 30 de Junho (ou seja, no prazo de seis meses).


13 – V. acórdão Schultz‑Hoff e. o. (já referido na nota 3, n.° 44).


14 – V. acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 25).


15 – V. acórdão BECTU (já referido na nota 5, n.° 53).


16 – Em conformidade com as respostas dadas pelas partes no processo principal às questões colocadas pelo Tribunal de Justiças.


17 – V. pedido prejudicial, p. 9.


18 – Esta afirmação do Tribunal de Justiça está em consonância com o direito laboral internacional, como referi em pormenor nas minhas conclusões de 24 de Janeiro de 2008 no processo Schultz‑Hoff e o. (v. processo já referido na nota 3, n.os 66 e seg.). À indicação que o direito a férias depende da capacidade para trabalhar do trabalhador opõe‑se além disso o facto de que, de acordo com a redacção inequívoca do artigo 5.°, n.° 4, da Convenção n.° 132 da OIT, «as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade da pessoa empregada interessada, tais como as faltas por motivo de doença, de acidente ou de licença de maternidade, serão contadas no período de serviço». Por outro lado, o artigo 6.°, n.° 2, desta mesma Convenção dispõe expressamente que «os períodos de incapacidade de trabalho resultantes de doenças ou de acidentes não podem ser contados nas férias anuais pagas no mínimo previstas». Neste sentido, v. também Leinemann, W., «Reformversuche und Reformbedarf im Urlaubsrecht», Betriebs‑Berater, 1995, p. 1958, no qual é referido que é irrelevante para a existência do direito se o trabalhador prestou algum serviço ou não. O direito a férias não está, nem no direito alemão, nem na Convenção n.° 132 da OIT, dependente de prestações do trabalhador, nem as férias são devidas como contrapartida da actividade.


19 – V. n.° 35 dessas conclusões.


20 – V. Dornbusch, G./Ahner, L., «Urlaubsanspruch und Urlaubsabgeltung bei fortdauernder Arbeitsunfähigkeit des Arbeitnehmers», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, 4/2009, p. 182, segundo os quais o direito a remuneração compensatória das férias tem limites no sentido de que o direito a férias a compensar deveria, no momento da cessação do contrato de trabalho, ter sido susceptível de ser gozado. Os autores defendem que, se o direito a férias não pôde ser gozado devido a uma incapacidade para o trabalho por motivos de doença continuada do trabalhador, também não poderia ser possível beneficiar da sua compensação.


21 – V. Eppinger, C., «Zur Bilanzierung von Urlaubsrückstellungen im Lichte der aktuellen arbeitsrechtlichen Rechtsprechung», Der Betrieb, 1/2010, p. 10, que entende a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça no sentido de que os dias de férias não gozados por um trabalhador, e, consequentemente, também adquiridos durante períodos de ausência, não caducam no ano seguinte. Bauckhage‑Hoffer, F./Buhr, M./Roeder, J.‑J., «Aktuelle Entwicklungen im deutschen Urlaubsrecht unter europarechtlichem Einfluss», Betriebs‑Berater, 8/2011, p. 505, defendem que a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça leva a um alargamento ilimitado dos direitos a férias de trabalhadores doentes Gaul, B./Josten, D./Strauf, H., «EuGH: Urlaubsanspruch trotz Dauerkrankheit», Betriebs‑Berater, 2009, S. 489, deduzem da falta de possibilidade de caducidade dos direitos a férias devido a doença prolongada do trabalhador que estes direitos, após o decurso do período de cumulação, são reportados para o ano seguinte.


22 – V. acórdão de 6 de Abril de 2006, Federatie Nederlandse Vakbeweging (C‑124/05, Colect., p. I‑3423, n.° 30), e acórdão Schultz‑Hoff e. o. (já referido na nota 3, n.° 30).


23 – V. n.° 29 das observações do Governo alemão.


24 – V. n.° 27 das observações da Comissão.


25 – V. pp. 11 e 12 das observações da KHS.


26 – V. também Dornbusch, G./Ahner, L., op. cit. (nota 20), p. 182.


27 – V., neste sentido, Gaul, B./Josten, D./Strauf, H., já referido na nota 21, p. 501, que apontam para o facto de uma multiplicação das férias anuais não provocar um correspondente aumento do repouso do trabalhador; esse repouso nem é, em todo o caso, imperativo, tendo em conta a possibilidade de outras actividades que podem ser levadas a cabo durante as férias.


28 – V. pp. 11 e 12 da petição da KHS.


29 – V. acórdãos de 17 de Março de 1993, Sloman Neptun (C‑72/91 e C‑73/91, Colect., p. I‑887, n.° 26), e de 29 de Setembro de 1987, Gimenez Zaera (126/86, Colect., p. 3697, n.° 14). Neste sentido, Krebber, S., EUV/EGV – Kommentar (Hrsg. von Christian Calliess/Matthias Ruffert), 3ª Ed., Munique, 2007, artigo 136.° CE, n.os 31 e 38, p. 1578 e seg., bem como Rebhahn, R./Reiner, M., EU‑Kommentar (Hrsg. von Jürgen Schwarze), 2ª ed., artigo 136.° CE, n.° 6, p. 1328, que apontam para o facto de a função principal do artigo 136.° CE consistir em facultar um apoio na interpretação do direito derivado e também de outras disposições do direito primário.


30 – V. Dornbusch, G./Ahner, L., já referido na nota 20, p. 183, explicam que os empregadores irão no futuro ponderar mais seriamente se devem continuar a relação de trabalho com o trabalhador com incapacidade prolongada para o trabalho ou se não preferirão antes provocar uma separação, no caso de o trabalhador, de modo permanente e sem limites temporais claros, cumular direitos a férias que devem ser compensados no momento da cessação da relação de trabalho. Os autores entendem que o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Schultz‑Hoff protege os trabalhadores de forma deficiente, porque os trabalhadores em causa poderiam contar com um despedimento mais rápido por motivo de doença. No entendimento de Krieger, S./Arnold, C., «Urlaub 1. + 2. Klasse – Das BAG folgt der Schultz‑Hoff‑Entscheidung des EuGH», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, 10/2009, p. 533, as empresas devem ponderar, no caso de trabalhadores com doenças prolongadas, se, para evitarem encargos futuros resultantes da compensação das férias e da constituição das respectivas reservas, não deveriam atempadamente cessar a relação de trabalho. No entanto, os autores não excluem que continuarão a existir casos no futuro em que os empregadores, por razões sociais, não põem termo a tais relações de trabalho. Straube, G./Hilgenstock, C., «Jeder Urlaub ist eine kleine Kündigung – Schultz‑Hoff in der Praxis», Arbeitrecht Aktuell, 2010, p. 333, entendem que não são infundados os receios de que os empregadores ponham termo prematuramente às relações laborais por motivos de doença com o objectivo de evitar uma «cumulação de outros direitos». Glaser, R./Lüders, H., «§ 7 BUrlG auf dem Prüfstand des EuGH», Betriebs‑Berater, 2006, p. 2692, defendem que, no caso de trabalhadores aptos para o trabalho, a cumulação ilimitada poderia criar uma pressão sobre os empregadores ao incentivá‑los a separarem‑se mais cedo de trabalhadores com doenças prolongadas pondo termo ao vínculo laboral. No caso contrário, acumular‑se‑iam direitos a férias consideráveis que, em certas condições, teriam de ser compensados no momento da cessação da relação de trabalho, o que poderia comprometer gravemente os interesses da empresa.


31 – V. observações da KHS, p. 11.


32 – V. observações do governo dinamarquês, n.° 15.


33 – Também a advogada‑geral J. Kokott menciona esta situação no n.° 32 das suas conclusões de 12 de Janeiro de 2006 no processo Federatie Nederlandse Vakbeweging (acórdão já referido no n.° 22 supra). Refere que uma acumulação excessiva de férias pode, com efeito, colocar problemas práticos quando estas são gozadas. Em especial, no caso de férias mais longas fora do período normal de férias é difícil assegurar uma substituição.


34 – V., neste contexto, Durán López, F., «Notas sobre la incidencia de la situación de incapacidad temporal en el disfrute del derecho a vacaciones – Comentario a las Sentencias del Tribunal de Justicia UE de 20 de enero de 2009 y de 10 de septiembre de 2009, y del Tribunal Supremo, Social, de 24 de junio de 2009», Revista española de Derecho del Trabajo, 2010, p. 125, que evoca os interesses contraditórios do trabalhador e do empregador. No entender do autor, o direito a férias anuais remuneradas deve ser sempre exercido de maneira conforme aos interesses do empregador. Assim, por exemplo, para determinar o período de férias, deveriam ser tomadas em consideração as razões imperativas que decorrem dos interesses da empresa.


35 – V. Eppinger, C., já referido na nota 21, p. 10, que menciona os encargos que as empresas terão de suportar com os futuros direitos a férias. Straube, G./Hilgenstock, C., já referido na nota 30, p. 333, também referem que a possibilidade de cumulação de direitos a férias consideráveis durante vários anos implicaria grandes riscos financeiros para os empregadores. Gaul, B./Josten, D./Strauf, H., já referido na nota 21, p. 500, partem do princípio que a cumulação ao longo de vários anos dos direitos a férias e a remuneração compensatória das mesmas pode provocar encargos económicos importantes.


36 – V. observações da KHS, pp. 10 a 13.


37 – V. acórdão BECTU (já referido na nota 5, n.° 60).


38 – V. Rebhahn, R./Reiner, M., já referido na nota 29, artigo 137.° TCE, n.° 73, p. 1369.


39 – V. observações da KHS, p. 14.


40 – V., neste sentido, Dornbusch, G./Ahner, L., já referido na nota  20, p. 182, que recusam a classificação do direito à remuneração compensatória como um direito a compensação ou um direito pecuniário de carácter geral. Gaul, B./Josten, D./Strauf, H., já referido na nota 21, p. 489, classifica o direito à remuneração compensatória como substituto do direito a férias. No entender de Glaser, R./Lüders, H., já referido na nota 30, p. 2693, o direito à remuneração compensatória das férias é um substituto do direito específico a férias. Não se trata de um direito compensatório mas de um direito ao pagamento de um montante em dinheiro que está relacionado com as regras em matéria de férias. O direito do trabalhador de ser dispensado da obrigação da prestação do trabalho que, devido à cessação do vínculo laboral, já não pode ser exigida, deve ser compensado . O direito à remuneração compensatória está por isso – independentemente da dispensa da obrigação de prestação do trabalho que já não pode ser exigida – vinculado às mesmas condições que o direito a férias que substitui.


41 – Esta conclusão resulta dos acórdãos Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 60) e Robinson‑Steele e o. (já referido na nota 7, n.° 58), nos quais o Tribunal de Justiça declarou, por um lado, que o objectivo da exigência do pagamento das férias anuais é colocar o trabalhador, no momento em que as goza, numa situação que, do ponto de vista do salário, seja comparável aos períodos de trabalho, bem como também do princípio enunciado no acórdão Schultz‑Hoff e o. (n.° 61), segundo o qual a compensação financeira prevista no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 deve ser calculada de forma a que o trabalhador fique numa situação comparável àquela em que estaria se tivesse exercido o referido direito durante o período da relação de trabalho.


42 – Straube, G./Hilgenstock, C., já referido na nota 30, p. 333, apontam através do recurso à lei alemã, para o facto de que os direitos à remuneração compensatória das férias devem ser sujeitos à tributação e a descontos para a segurança social.


43 – V. acórdãos Federatie Nederlandse Vakbeweging (já referido na nota 22, n.° 29), Merino Gómez (já referido na nota 5, n.° 30) e BECTU (já referido na nota 5, n.° 44).


44 – V., neste sentido, Mestre, B., «Evolution in continuity – the ECJ reinforces its protection of the right to annual leave», European Law Reporter, n.° 2, 2009, p. 62, que observa que a extinção do direito a férias anuais remuneradas, após um certo prazo, não é necessariamente contrária ao direito da União, desde que o trabalhador tenha efectivamente tido a possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere.


45 – V. n.° 35 das observações do governo alemão.


46 – Acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 3, n.° 38). V. a discussão na literatura acerca da importância que a Convenção do OIT tem no âmbito da ordem jurídica da União. Korda, M./Pennings, F., «The legal character of international social security standards», European Journal of Social Security, Band 10 (2008), n.° 2, p. 132, considera que a União Europeia não tem competência para criar padrões jurídicos vinculativos em matéria de segurança social. Por essa razão, as Convenções assinadas no âmbito da OIT e do Conselho de Europa têm uma importância fundamental para o desenvolvimento de padrões internacionais em matéria de segurança social. Bercusson, B., «The European Court of Justice, Labour Law and ILO Standards», 50 Jahre EU – 50 Jahre Rechtsprechung des Europäischen Gerichtshofs zum Arbeits‑ und Sozialrecht, Baden‑Baden 2008, pp. 58 e segs., está a favor de uma posição mais activa do Tribunal de Justiça na constitucionalizarão do modelo social europeu, que deve respeitar os padrões da OIT quando interpreta o direito primário e o direito derivado da União. Murray, J., «The Working Time Directive and Future Prospects for ILO Rules on Working Time», Transnational Labour Regulation – The ILO and EC compared, p. 175, entende que existe uma grande convergência entre a directiva relativa ao tempo de trabalho e o direito da OIT no que respeita ao objecto e à finalidade das regulamentações.


47 – V. também Dornbusch, G./Ahner, L., já referido na nota 20, p. 182, Glaser, R./Lüders, H., já referido na nota 30, p. 2692, e Leinemann, W., já referido na nota 18, p. 1959.


48 – V. n.° 43 destas conclusões.


49 – Composto por doze meses no ano em que vencem as férias (período de referência) acrescido de 18 meses após decurso do ano em que as férias se venceram (período de reporte).


50 – Composto por férias do ano em curso e do ano anterior.


51 – Composto pelas férias do ano em curso e dos dois anos anteriores.


52 – Termo utilizado por Gaul, B./Josten, D./Strauf, H., já referido da nota  21, p. 501.


53 – V. Alexy, R., Theorie der Grundrechte, Baden‑Baden 1985, p. 72.


54 – V. Alexy, R., já referido na nota 53, pp. 75 e segs; no mesmo sentido, Röthel, A., Europäische Methodenlehre (editado por Karl Riesenhuber), § 12, n.° 37, p. 289, que indica que os princípios não oferecem referências «fixas» e que, em regra, se encontram num jogo de interacção, formando um «sistema móvel». Larenz, K., Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6ª ed., Heidelberg 1991, p. 169, afirma que os princípios não são válidos sem excepções e que podem entrar reciprocamente em conflito ou oposição. Não respondem a uma exclusividade – o que significa que não podem ser formulados segundo o esquema «apenas se […] é que». O autor observa que os princípios apenas revelam o seu verdadeiro sentido num jogo de complementaridade e de limitação recíprocas. Necessitam, para a sua aplicação, de ser concretizados através de subprincípios e de avaliações individuais tendo em conta situações autónomas. No entender de Frenz, W., Handbuch Europarecht, Band 4 (Europäische Grundrechte), Berlim, 2009, §11, p. 133, n.° 438, os princípios caracterizam‑se pelo facto de o seu conteúdo não ter de ser totalmente realizado. Situam‑se antes ao nível da optimização. Devem ser tomadas medidas para que os objectivos fixados pelos princípios sejam alcançados.


55 – V. acórdãos de 5 de Fevereiro de 1963, Van Gend & Loos (26/62, Colect. 1963‑1964, p. 205, 207), e de 15 de Julho de 1964, Costa (6/64, Colect. 1963‑1964., p. 549). V. pareceres 1/91, de 14 de Dezembro de 1991 (Colect., p. I‑6079, n.° 35) e 1/09, de 8 de Março de 2011 (ainda não publicado na Colectânea, n.° 67).


56 – V. Böhmert, S., Das Recht der ILO und sein Einfluss auf das deutsche Arbeitsrecht im Zeichen der europäischen Integration, p. 211, que aborda a questão de uma eventual habilitação da então Comunidade Europeia em relação à OIT.


57 – V. n.° 43 das presentes conclusões.


58 – V. n.os 84 e 85 destas conclusões.


59 – V. Korda, M./Pennings, F., já referido na nora 46, p. 134, que apontam para o facto de que a Convenção, que no âmbito da OIT foi celebrada no pós‑guerra, apenas prevê standards mínimos. No mesmo sentido também Böhmert, S., já referido na nota 56, p. 211, que prevê como finalidade do OIT garantir em todos os Estados‑Membros um mínimo de direitos. Esta conclusão retira‑se do artigo 19.°, n.° 8, da Constituição da OIT, segundo a qual «em nenhum caso [pode] a adopção de uma convenção ou de uma recomendação pela qual a conferência ou a ratificação de uma convenção por um membro seja interpretado de tal forma, que qualquer uma lei, decisão judicial, uso ou contrato seja afectado, que aos trabalhadores afectados garante condições mais favoráveis do que estão previstas na Convenção ou na recomendação são previstas.» Os membros da OIT não são, assim, impedidos de manter ou adoptar standards mais elevados. Por outro lado, podem reduzir regulamentações nacionais que vão mais longe até ao nível dos standards da OIT.


60 – V. n.os 40 e 74 das presentes conclusões.