ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4 de Maio de 1999 (1)
«Acordo de associação CEE-Turquia Decisão do Conselho de Associação
Segurança social Princípio da não discriminação em razão da nacionalidade
Efeito directo Nacional turco autorizado a residir num Estado-Membro
Direito às prestações familiares nas mesmas condições que os nacionais desse
Estado»
No processo C-262/96,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 234.° CE (ex-artigo 177.°), pelo Sozialgericht Aachen (Alemanha), destinado
a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Sema Sürül
e
Bundesanstalt für Arbeit,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de determinadas disposições
da decisão n.° 3/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980,
relativa à aplicação dos regimes de segurança social dos Estados-Membros das
Comunidades Europeias aos trabalhadores turcos e aos membros da sua família
(JO 1983, C 110, p. 60),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, G. Hirsch e
P. Jann, presidentes de secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann,
J. L. Murray, D. A. O. Edward, H. Ragnemalm, L. Sevón e R. Schintgen (relator),
juízes,
advogado-geral: A. La Pergola,
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,
vistas as observações escritas apresentadas:
em representação de Sema Sürül, por Rainer M. Hofmann, advogado em
Aachen,
em representação do Governo alemão, por Ernst Röder e Bernd Kloke,
respectivamente, Ministerialrat e Oberregierungsrat no Ministério Federal
da Economia, na qualidade de agentes,
em representação do Governo francês, por Catherine de Salins e Anne de
Bourgoing, respectivamente, subdirectora e encarregada de missão na
Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
na qualidade de agentes,
em representação do Governo austríaco, por Wolf Okresek, Ministerialrat
na Chancelaria, na qualidade de agente,
em representação do Governo do Reino Unido, por John E. Collins,
Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Eleanor
Sharpston, barrister,
em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Peter
Hillenkamp e Pieter van Nuffel, consultores jurídicos, na qualidade de
agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Sema Sürül, representada pelo advogado Rainer M.
Hofmann, do Governo alemão, representado por Claus-Dieter Quassowski,
Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,
do Governo francês, representado por Kareen Rispal-Bellanger, subdirectora na
Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na
qualidade de agente, do Governo neerlandês, representado por Marc Fierstra,
consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade
de agente, do Governo do Reino Unido, representado por Eleanor Sharpston, e
da Comissão, representada por Peter Hillenkamp, na audiência de 25 de Novembro
de 1997,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de
Fevereiro de 1998,
visto o despacho de reabertura dos debates de 23 de Setembro de 1998,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Sema Sürül, representada pelo advogado Rainer M.
Hofmann, do Governo alemão, representado por Claus-Dieter Quassowski, do
Governo francês, representado por Anne de Bourgoing, do Governo neerlandês,
representado por Marc Fierstra, do Governo do Reino Unido, representado por
John E. Collins, assistido por Mark Hoskins, barrister, e da Comissão, representada
por Peter Hillenkamp, na audiência de 11 de Novembro de 1998,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de
Fevereiro de 1998,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por despacho de 24 de Julho de 1996, que deu entrada no Tribunal de Justiça em
26 de Julho seguinte, o Sozialgericht Aachen colocou, nos termos do artigo 234.°
CE (ex-artigo 177.°), três questões prejudiciais sobre a interpretação de
determinadas disposições da decisão n.° 3/80 do Conselho de Associação, de 19 de
Setembro de 1980, relativa à aplicação dos regimes de segurança social dos
Estados-Membros das Comunidades Europeias aos trabalhadores turcos e aos
membros da sua família (JO 1983, C 110, p. 60).
- 2.
- Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Sema Sürül,
nacional turca, ao Bundesanstalt für Arbeit, relativamente à recusa de este último
lhe pagar o abono de família a partir de 1 de Janeiro de 1994.
Associação CEE-Turquia
- 3.
- O acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a
Turquia foi assinado, em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da
Turquia, por um lado, e pelos Estados-Membros da CEE e a Comunidade, por
outro lado, e foi concluído, aprovado e confirmado, em nome da Comunidade, pela
Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217,
p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir «acordo»).
- 4.
- Em conformidade com o seu artigo 2.°, n.° 1, o acordo tem por objecto promover
o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as
partes contratantes. Para este efeito, o acordo comporta uma fase preparatória que
permite à República da Turquia reforçar a sua economia com o auxílio da
Comunidade (artigo 3.°), uma fase transitória consagrada ao estabelecimento
progressivo de uma união aduaneira e à aproximação das políticas económicas
(artigo 4.°) e uma fase definitiva que assenta na união aduaneira e implica o
reforço da coordenação da políticas económicas (artigo 5.°).
- 5.
- O artigo 6.° do acordo tem a seguinte redacção:
«Para assegurar a aplicação e o desenvolvimento progressivo do regime de
associação, as partes contratantes reúnem-se no âmbito de um Conselho de
Associação que age nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo acordo.»
- 6.
- Nos termos do artigo 8.°, inserido no título II intitulado «realização da fase
transitória», do acordo,
«Para a realização dos objectivos enunciados no artigo 4.°, o Conselho de
Associação fixará, antes do início da fase transitória, e de acordo com o
procedimento previsto no artigo 1.°, do protocolo provisório, as condições, regras
e calendário da aplicação das medidas adequadas aos domínios abrangidos pelo
Tratado que institui a Comunidade que devem ser tomados em consideração,
nomeadamente os referidos no presente título, bem como qualquer cláusula de
protecção que se revelar útil.»
- 7.
- O artigo 9.°, que faz parte do mesmo título II, dispõe em seguida:
«As partes contratantes reconhecem que, no domínio da aplicação do acordo e
sem prejuízo das disposições especiais susceptíveis de serem adoptadas em
aplicação do artigo 8.°, é proibida qualquer discriminação exercida com base na
nacionalidade, nos termos do princípio enunciado no artigo 7.° do Tratado que
institui a Comunidade.»
- 8.
- Nos termos do artigo 12.° do acordo,
«As partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do
Tratado que institui a Comunidade na realização progressiva entre si da livre
circulação de trabalhadores.»
- 9.
- Segundo o artigo 22.°, n.° 1, do acordo,
«Para a realização dos objectivos fixados pelo acordo e nos casos por ele previstos,
o Conselho de Associação dispõe de poder de decisão. Cada uma das partes deve
tomar as medidas necessárias à execução das medidas tomadas...»
- 10.
- O protocolo adicional assinado em 23 de Novembro de 1970 em Bruxelas e
concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento
(CEE) n.° 2760/62 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1;
EE 11 F1 p. 213, a seguir «protocolo»), aprova, nos termos do seu artigo 1.°, as
condições, modalidades e calendário realização da fase transitória referida no artigo
4.° do acordo. Em conformidade com o seu artigo 62.°, o protocolo faz parte
integrante do acordo.
- 11.
- Este protocolo contém um título II intitulado «Circulação de pessoas e de
serviços» cujo capítulo I é consagrado aos «trabalhadores».
- 12.
- No seu artigo 36.°, o protocolo que estabelece os prazos da realização gradual da
livre circulação dos trabalhadores entre os Estados-Membros da Comunidade e a
República da Turquia, em conformidade com os princípios enunciados do artigo
12.° do acordo, e estipula que o Conselho de Associação decidirá as modalidades
necessárias para o efeito.
- 13.
- O artigo 39.° do protocolo tem a seguinte redacção:
«1. Até ao final do primeiro ano após a entrada em vigor do presente
Protocolo, o Conselho de Associação adoptará as disposições em matéria de
segurança social em favor dos trabalhadores de nacionalidade turca que se
desloquem no interior da Comunidade e da sua família que resida na Comunidade.
2. Tais disposições devem permitir aos trabalhadores de nacionalidade turca,
segundo modalidades a fixar, a totalização dos períodos de seguro ou de emprego
que tenham sido cumpridos nos diferentes Estados-Membros no que respeita às
pensões de velhice, morte e invalidez, bem como aos cuidados de saúde do
trabalhador e da sua família que resida na Comunidade. Tais disposições não
podem estabelecer uma obrigação para os Estados-Membros da Comunidade de
ter em consideração os períodos cumpridos na Turquia.
3. As disposições acima referida devem permitir assegurar o pagamento das
prestações familiares sempre que a família do trabalhador resida na Comunidade.
...»
- 14.
- Foi com base neste artigo 39.° do protocolo que o Conselho de Associação
instituído pelo acordo adoptou em 19 de Setembro de 1980 a decisão n.° 3/80.
- 15.
- Esta decisão tem em vista coordenar os regimes de segurança social dos
Estados-Membros para que os trabalhadores que trabalham ou trabalharam num
ou vários Estados-Membros da Comunidade, assim como os membros da família
desses trabalhadores e os seus sucessores, possam beneficiar de prestações nos
sectores tradicionais da segurança social.
- 16.
- Para este efeito, as disposições da decisão n.° 3/80 remetem, no essencial, para
determinadas disposições do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14
de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos
trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no
interior da Comunidade (Jo L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98) e, mais raramente, do
Regulamento (CEE) n.° 574/72 do Conselho, de 21 de Março de 1972, que
estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.° 1408/71 (JO L 74, p. 1;
EE 05 F1 p. 156).
- 17.
- Os artigos 1.° a 4.° da decisão n.° 3/80 que figuram no título I, intitulado
«Disposições gerais».
- 18.
- O artigo 1.°, intitulado «Definições», tem a seguinte redacção:
«Para efeitos de aplicação da presente decisão:
a) os termos... 'membro da família, 'sobreviventes, 'residência...
'prestações familiares, 'abonos de família... têm o significado que lhes é
dado pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71...
b) o termo 'trabalhador designa qualquer pessoa:
i) que esteja abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo
continuado contra uma mais eventualidades correspondentes aos
ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores
assalariados, sem prejuízo das restrições constantes do Anexo V,
Ponto A. Bélgica, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71;
ii) que esteja abrangida por um seguro obrigatório contra uma ou mais
eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica a presente
decisão, no quadro de um regime de segurança social aplicável a
todos os residentes ou ao conjunto da população activa;
quando os modos de gestão ou financiamento desse regime
permitem identificá-la como trabalhador assalariado, ou,
na falta de tais critérios, quando estiver abrangida por um
seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou
outra eventualidade mencionada no anexo, no âmbito de um
regime organizado em beneficio dos trabalhadores
assalariados».
- 19.
- No que se refere à Alemanha, o anexo referido no artigo 1.°, alínea b), subalínea
ii), segundo travessão, da decisão n.° 3/80 não contém qualquer precisão relativa
à definição do conceito de trabalhador.
- 20.
- Nos termos do artigo 2.° da decisão n.° 3/80 intitulada «Âmbito de aplicação
pessoal»:
«A presente decisão aplica-se:
aos trabalhadores de nacionalidade turca que estão ou estiveram sujeitas à
legislação de um ou mais Estados-Membros;
aos membros da família desses trabalhadores que residam no território de
um Estado-Membro;
aos sobreviventes desses trabalhadores».
- 21.
- O artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80, intitulado «Igualdade de tratamento», que
reproduz a redacção do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, dispõe:
«As pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se
aplicam as disposições da presente decisão estão sujeitas às obrigações e
beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que
os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes da
presente decisão.»
- 22.
- O artigo 4.° da decisão n.° 3/80, intitulado «Âmbito de aplicação material» é, prevê
no seu n.° 1:
«A presente decisão aplica-se a todas as legislações relativas aos ramos da
segurança social que respeitam a:
a) prestações de doença e de maternidade;
b) prestações de invalidez, incluindo as que são destinadas a manter ou a
melhorar a capacidade de ganho;
c) prestações de velhice;
d) prestações de sobrevivência;
e) prestações por acidente de trabalho e por doença profissional;
f) subsídios por morte;
g) prestações de desemprego;
h) prestações familiares».
- 23.
- O título III, intitulado «Disposições especiais para as diferentes categorias de
prestações», da decisão n.° 3/80 compreende disposições de coordenação,
inspiradas no Regulamento n.° 1480/71, relativas às prestações de doença e de
maternidade, de invalidez, de velhice e por morte (pensões), por acidentes de
trabalho e doenças profissionais, de subsídios por morte, assim como de prestações
familiares e abonos de família.
- 24.
- Diferentemente das duas outras decisões adoptadas na mesma data pelo Conselho
de Associação CEE-Turquia, ou seja, a Decisão 1/80, relativa ao desenvolvimento
da associação, e a Decisão 2/80, que determina as condições para a implementação
do auxílio especial à Turquia (não publicadas), a decisão n.° 3/80 não precisa em
que data entra em vigor.
- 25.
- Nos termos do artigo 32.° da decisão n.° 3/80:
«A Turquia e a Comunidade, cada uma de seu lado, devem tomar as medidas
necessárias para o cumprimento da presente decisão».
- 26.
- Em 8 de Fevereiro de 1983 a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de
Regulamento (CEE) com vista a aplicar, na Comunidade Económica Europeia, a
decisão n.° 3/80 (JO C 110, p. 1), nos termos da qual esta decisão «é aplicável na
Comunidade» (artigo 1.°) e que estabelece as «modalidades de aplicação
complementares» desta decisão.
- 27.
- Até ao presente o Conselho não adoptou esta proposta de regulamento.
A regulamentação nacional
- 28.
- Na Alemanha, os abonos de família são concedidos nos termos da
Bundeskindergeldgesetz de 14 de Abril de 1964 (lei federal em matéria de abonos
de família, BGBl. I, p. 265, a seguir «BKGG»).
- 29.
- Os abonos de família previstos na BKGG, inscrevem-se num conjunto de medidas
em matéria de política familiar, destinadas a aliviar o encargo financeiro ligado à
educação dos filhos. Assim, em conformidade com os §§ 10 e 11A da BKGG, uma
família com um filho recebe mensalmente um montante de 70 DM, acrescido de
uma determinada soma a título de complemento para as pessoas de modestos
rendimentos.
- 30.
- A BKGG prevê, nos seus §§ 1, n.° 1, e 2, n.° 5, que pode requerer abono de família
qualquer pessoa que tenha o seu domicílio e o seu lugar de residência habitual no
território abrangido por esta lei, desde que o filho a seu cargo tenha o domicílio
e a sua residência habitual no mesmo território.
- 31.
- Todavia, na sequência de uma alteração que entrou em vigor em 1 de Janeiro de
1994 e publicada em 31 de Janeiro de 1994 no BGBl. I, p. 168, a BKGG dispõe no
seu § 1, n.° 3, que os cidadãos estrangeiros que vivem na Alemanha só têm direito
ao abono de família se possuírem uma autorização de residência
(Aufenthaltsberechtigung) ou uma autorização de estadia (Aufenthaltserlaubnis).
- 32.
- Neste contexto, o artigo 42.° da BKGG apenas equipara aos alemães os nacionais
dos outros Estados-Membros da Comunidade Europeia, os refugiados e a os
apátridas.
- 33.
- Nos termos das Ausländergesetz (lei alemã relativa à residência de estrangeiros),
a autorização de residência (Aufenthaltsberechtigung) e a autorização de estadia
(Aufenthaltserlaubnis) conferem ao estrangeiro um direito de residência autónomo
ilimitado ou de duração determinada, mas susceptível de prorrogação. Em
contrapartida, a autorização acessória de estadia (Aufenthaltsbewilligung) é um
título de residência concedido com uma finalidade determinada, limitada no tempo
e que exclui a obtenção posterior de uma autorização permanente.
O litígio na causa principal
- 34.
- Resulta do despacho de reenvio que o Sr. e a Sra. Sürül são nacionais turcos que
residem legalmente na Alemanha.
- 35.
- Assim, em 1987, o Sr. Sürül foi autorizado a entrar neste Estado-Membro para aí
estudar.
- 36.
- A seguir, em 1991, a sua esposa beneficiou de uma autorização para se juntar ao
marido a título do reagrupamento familiar.
- 37.
- No Estado-Membro em causa ambos os cônjuges Sürül são titulares de uma
autorização acessória de estadia (Aufenthaltsbewilligung).
- 38.
- Além disso, o Sr. Sürül obteve autorização para, à margem dos seus estudos,
trabalhar como auxiliar para uma entidade patronal determinada num limite de
dezasseis horas por semana e exerce efectivamente essa actividade ao abrigo da
autorização de trabalho requerida. O Sr. Sürül não paga contribuições para os
seguros legais de doença e de velhice a título desta actividade, mas está seguro pela
sua entidade patronal contra os acidentes de trabalho.
- 39.
- Em contrapartida, S. Sürül não foi autorizada a exercer um trabalho assalariado.
- 40.
- Em 14 de Setembro de 1992 a S. Sürül deu à luz em território alemão uma filha
a quem assegura os cuidados e a educação no domicílio conjugal. Nesta situação
o Sozialgericht Aachen entende que, em conformidade com a regulamentação
alemã, as contribuições obrigatórias de seguro de pensão legal são consideradas
pagas em benefício da pessoa que se ocupa da educação do seu filho de menos de
três anos.
- 41.
- O Bundesanstalt für Arbeit pagou então abono de família a S. Sürül, que
beneficiou igualmente, relativamente ao ano de 1993, do complemento de abono
reservado às pessoas de modestos rendimentos.
- 42.
- Todavia, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1994, o Bundesanstalt für Arbeit
suprimiu o pagamento daquele abono de família com fundamento em que a S.
Sürül deixou de preencher, a partir dessa data, as condições de concessão previstas
pela BKGG, uma vez que não era titular de uma autorização de residência
(Aufenthaltsberechtigung) nem de uma autorização de estadia
(Aufenthaltserlaubnis). Em Março de 1994 o Bundesanstalt für Arbeit recusou,
pelo mesmo motivo, continuar a pagar a S. Sürül o complemento do abono de
família.
- 43.
- Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou conta estas
decisões, a S. Sürül recorreu para o Sozialgericht Aachen, alegando que as normas
relativas à associação CEE-Turquia lhe conferiram o direito de ser tratada da
mesma maneira que os nacionais alemães, de forma que a natureza do título de
residência que lhe tinha sido passado pelo Estado-Membro em causa era destituída
de importância.
- 44.
- Segundo este órgão jurisdicional, nenhuma disposição do direito alemão permite
a S. Sürül continuar a beneficiar dos abonos de família, uma vez que a BKGG, na
versão em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1994, apenas assimila aos alemães os
nacionais dos outros Estados-Membros da Comunidade Europeia, os refugiados e
os apátridas. Contudo, interroga-se sobre se S. Sürül poderá basear nas normas
relativas à associação CEE-Turquia o direito a que lhe seja concedido o abono de
família nas mesmas condições que os nacionais alemães.
As questões prejudiciais
- 45.
- Considerando que a solução do litígio requeria desde logo uma interpretação do
direito comunitário, o Sozialgericht Aachen suspendeu a instância e submeteu ao
Tribunal de Justiça as três questões prejudiciais seguintes:
«1) Um nacional turco residente na Alemanha, abrangido pelo âmbito de
aplicação pessoal do artigo 2.° da decisão n.° 3/80, de 19 de Setembro de
1980, do Conselho de Associação instituído pelo acordo que cria uma
Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia (decisão
n.° 3/80) e que apenas tem autorização acessória de estadia
(Aufenthaltsbewilligung) beneficia do direito ao abono de família
(Kindergeld) por aplicação directa do artigo 3.° em conjugação com o artigo
4.°, n.° 1, alínea h), da referida decisão, que prevê que aquele direito
depende apenas das condições aplicáveis aos cidadãos alemães e não do
preenchimento das condições mais amplas impostas aos estrangeiros pelo
§ 1, n.° 3, primeiro parágrafo, da Bundeskindergeldgesetz (BKGG), na
versão publicada em 31 de Janeiro de 1994 (BGBl., p. 168)?
A mesma pergunta numa formulação mais geral:
É proibido a um Estado-Membro recusar a um cidadão turco abrangidopelo âmbito de aplicação pessoal do artigo 2.° da decisão n.° 3/80 uma
prestação familiar prevista no direito interno, com o fundamento de este
não ser titular de autorização de residência (Aufenthaltsberechtigung) ou
de autorização de estadia (Aufenthaltserlaubnis)?
2) Um cidadão turco que reside no território de um Estado-Membro, durante
o período em que é oficiosamente considerado beneficiário do regime de
segurança social obrigatório de pensão legal previsto no direito interno
desse Estado, relacionado com o período de criação de um filho
(Kindererziehungszeit), é considerado trabalhador na acepção do artigo 2.°
conjugado com o artigo 1.°, alínea b), da decisão n.° 3/80?
3) Um cidadão turco que reside no território de um Estado-Membro e, a par
dos seus estudos, com a necessária autorização de trabalho, exerce uma
actividade assalariada, como auxiliar, até dezasseis horas semanais, é só por
isso considerado trabalhador na acepção do artigo 2.° em conjugação com
o artigo 1.°, alínea b), da decisão n.° 3/80 ou, em todo o caso, por ser
beneficiário do regime legal de seguro de acidentes de trabalho?»
- 46.
- Com as três questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão
jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 3.°, n.° 1, da decisão
n.° 3/80 deve ser interpretado no sentido de que proíbe que um Estado-Membro
exija que um nacional turco abrangido pelo âmbito de aplicação desta decisão e
que está autorizado a residir no seu território, mas que apenas é titular neste
Estado-Membro de acolhimento de uma autorização provisória de estadia, passada
com uma finalidade determinada e por uma duração limitada, possua uma
autorização de residência ou uma autorização de estadia para beneficiar de abono
de família para o seu filho que habita com ele no referido Estado-Membro, onde
os nacionais deste último são para este efeito unicamente obrigados a ter aí a sua
residência.
- 47.
- Para responder utilmente às questões assim reformuladas, importa examinar, antes
de mais, se o artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80 é susceptível de criar directamente
na esfera jurídica de um particular direitos que este possa invocar perante o órgão
jurisdicional de um Estado-Membro. Em caso afirmativo, há que determinar
seguidamente se esta decisão abrange a situação duma nacional turca como a
recorrente na causa principal que requer, no Estado-Membro em que está
autorizada a residir, o benefício de uma prestação do tipo da que está em causa
no processo principal e, finalmente, se o princípio da não discriminação no domínio
da segurança social inscrito na referida disposição da decisão n.° 3/80 constitui
obstáculo a que o Estado-Membro de acolhimento faça depender a concessão desta
prestação de condições mais restritivas para os migrantes turcos do que para os
nacionais.
Quanto ao efeito directo do artigo 3.°, n.° 1 da decisão n.° 3/80
- 48.
- Os Governos alemão, francês, neerlandês austríaco e do Reino Unido consideram
que, embora o Tribunal de Justiça não se tenha pronunciado sobre o efeito directo
do artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80 no acórdão de 10 de Setembro de 1996,
Taflan-Met e o. (C-277/94, Colect., p. I-4085), resulta contudo dos fundamentos
deste acórdão que o mesmo reveste um alcance geral.
- 49.
- Com efeito, neste acórdão o Tribunal de Justiça declarou que a decisão n.° 3/80 se
destina, por natureza, a ser completada e executada na Comunidade por um acto
posterior do Conselho (n.° 33) e que, mesmo se algumas das suas disposições são
claras e precisas, esta decisão não pode ser aplicada enquanto não forem
adoptadas pelo Conselho medidas complementares de execução (n.° 37).
- 50.
- Daqui resulta que nenhuma disposição da decisão n.° 3/80 tem efeito directo no
território de um Estado-Membro enquanto não tiverem sido adoptadas pelo
Conselho as medidas complementares indispensáveis para aplicação concreta desta
decisão, tais como as que figuram na proposta de regulamento apresentada pela
Comissão.
- 51.
- Neste contexto,importa recordar que, no referido acórdão Taflan-Met e o., o
Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 21 e 22, que resulta do carácter obrigatório
que o acordo atribui às decisões do Conselho de Associação CEE-Turquia que a
decisão n.° 3/80 entrou em vigor na data da sua adopção, ou seja, em 19 de
Setembro de 1980 e que vincula desde então, as partes contratantes.
- 52.
- No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, enquanto não forem
adoptadas pelo Conselho as medidas complementares indispensáveis para a
execução da decisão n.° 3/80, os artigos 12.° e 13.° desta decisão não têm efeito
directo no território dos Estados-Membros e não são, assim, susceptíveis de criar,
em relação aos particulares, o direito de estes os invocarem nos órgãos
jurisdicionais nacionais.
- 53.
- Com efeito, no referido processo Taflan-Met e o., os demandantes nos processos
principais solicitavam o benefício de pensões de invalidez ou de sobrevivência com
base nas normas de coordenação constantes dos artigos 12.° e 13.° da decisão
n.° 3/80. Assim, este processo dizia respeito ao direito de trabalhadores migrantes
turcos, que trabalharam sucessivamente em vários Estados-Membros, ou ao dos
cônjuges sobrevivos desse trabalhadores, a determinadas prestações de segurança
social com fundamento em disposições técnicas de coordenação das diferentes
legislações nacionais aplicáveis enunciadas no capítulo 2, intitulado «Invalidez» e
no capítulo 3, intitulado «Velhice e morte (pensões)», do título III desta decisão.
- 54.
- Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça salientou nos n.os 29 e 30 do referido
acórdão Taflan-Met e o. que a comparação do Regulamento n.° 1408/71 e do seu
regulamento de aplicação n.° 574/72 com a decisão n.° 3/80 mostra que, embora os
termos desta última remetam para determinadas disposições destes dois
regulamentos, a referida decisão não contém um grande número de disposições
precisas e detalhadas que foram, no entanto, consideradas indispensáveis para a
execução, no interior da Comunidade, do Regulamento n.° 1408/71. O Tribunal de
Justiça sublinhou, no n.° 32, em particular, que embora a decisão n.° 3/80 enuncie
o princípio fundamental da totalização dos períodos nos ramos doença e
maternidade, invalidez, velhice, subsídios por morte e prestações familiares
remetendo para as disposições pertinentes do Regulamento n.° 1408/71, a aplicação
deste princípio exige contudo a adopção prévia de medidas complementares de
execução como as que constam do Regulamento n.° 574/72. Ora, o Tribunal de
Justiça declarou nos n.os 35 e 36 que medidas deste tipo, bem como precisões
relativas nomeadamente à não cumulação de prestações e à determinação da
legislação aplicável, só constavam da proposta de Regulamento (CEE) do
Conselho, apresentada em 8 de Fevereiro de 1983 pela Comissão, com vista a
aplicar a decisão n.° 3/80 da Comunidade, mas ainda não adoptada pelo Conselho.
Daqui o Tribunal de Justiça deduziu que, antes da adopção destas medidas de
execução, as regras de coordenação da decisão n.° 3/80 nas quais os demandantes
nos processos principais tinham fundamentado as suas pretensões não eram
susceptíveis de ser invocadas directamente perante os órgãos jurisdicionais de um
Estado-Membro.
- 55.
- O presente processo, em contrapartida, não incide sobre tais disposições de
coordenação inscritas no título III da decisão n.° 3/80. Com efeito, S. Sürül
baseia-se unicamente no princípio da não discriminação em razão da nacionalidade,
enunciado no artigo 3.°, n.° 1, desta decisão, com vista a beneficiar, no
Estado-Membro da sua residência e a título unicamente da legislação deste Estado,
duma prestação de segurança social nas mesmas condições que as previstas para
os nacionais do Estado-Membro de acolhimento.
- 56.
- Além disso, a proposta de regulamento apresentada pela Comissão e que tem em
vista promover a aplicação da decisão n.° 3/80 na Comunidade não comporta
nenhuma disposição relativa à aplicação do referido artigo 3.°, n.° 1, textualmente
reproduzido do Regulamento n.° 1408/71, cujo Regulamento de aplicação n.° 574/72
também não contém medidas de execução desta disposição.
- 57.
- Daqui resulta que, embora a fundamentação que levou o Tribunal de Justiça a
negar, no estado actual do direito comunitário, efeito directo aos artigos 12.° e 13.°
da decisão n.° 3/80 deva aplicar-se por analogia a todas as outras disposições desta
decisão que necessitam de medidas complementares para a sua aplicação prática,
a mesma não é, contudo, transponível para o princípio da igualdade de tratamento
no domínio da segurança social que figura no seu artigo 3.°, n.° 1.
- 58.
- Com efeito, numa hipótese como a do processo principal, não é susceptível de se
colocar qualquer problema de ordem técnica respeitante, nomeadamente, à
totalização dos períodos cumpridos em vários Estados-Membros, à não cumulação
das prestações pagas pelas diversas instituições competentes e à determinação da
legislação nacional aplicável, uma vez que a recorrente na causa principal se limita
a invocar a aplicação conjugada da regulamentação do Estado-Membro de
acolhimento e do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade
inscrito no artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80. Este pedido pode ser examinado
sem que seja necessário recorrer a medidas de coordenação que o Conselho ainda
não adoptou.
- 59.
- Nestas condições, a tese defendida pelos Governos alemão, francês, neerlandês,
austríaco e do Reino Unido não pode ser acolhida, de modo que importa verificar
se o referido artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80, preenche as condições para ter
efeito directo no território dos Estados-Membros.
- 60.
- Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma disposição de um
acordo celebrado pela Comunidade com um país terceiro deve ser considerada
directamente aplicável sempre que, atendendo aos seus termos bem como ao
objecto e à natureza do acordo, contém uma obrigação clara e precisa, que não
está dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de qualquer
acto posterior (v., nomeadamente, acórdão de 30 de Setembro de 1987 Demirel,
12/86, Colect., p. 3719, n.° 14, de 31 de Janeiro de 1991, Kziber, C-18/90, Colect.,
p. I-199, n.° 15 e de 16 de Junho de 1998, Racke, C-162/96, Colect., p. I-3655,
n.° 31). No acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C-192/89, Colect.,
p. I-3461, n.os 14 e 15), o Tribunal de Justiça especificou que os mesmos critérios
são válidos quando se trata de determinar se as disposições de uma decisão do
Conselho de Associação CEE- Turquia podem ter efeito directo.
- 61.
- Para decidir se o artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80 corresponde a estes critérios,
importa antes de mais analisar os seus termos.
- 62.
- Neste contexto, verifica-se que esta disposição consagra, em termos claros, precisos
e incondicionais, a proibição de discriminar, em razão da sua nacionalidade, as
pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais são
aplicáveis as disposições da decisão n.° 3/80.
- 63.
- Como sublinhou com razão a Comissão, esta regra da igualdade de tratamento
impõe uma obrigação de resultado precisa e é, por essência, susceptível de ser
invocada por um particular num órgão jurisdicional nacional para lhe pedir que
afaste a aplicação das disposições discriminatórias de uma regulamentação de umEstado-Membro que faz depender a concessão de um direito de uma condição que
não é imposta aos cidadãos nacionais, sem que seja exigida para este efeito a
adopção de medidas de aplicação complementares (v. n.os 56 e 58 do presente
acórdão).
- 64.
- Esta afirmação é corroborada pela circunstância de o artigo 3.°, n.° 1, da decisão
n.° 3/80 apenas constituir a aplicação e a concretização, no domínio específico da
segurança social, do princípio geral de não discriminação em razão da
nacionalidade inscrito no artigo 9.° do acordo que opera uma remissão para o
artigo 7.° do Tratado CEE, que passou a artigo 6.° do Tratado CE (e, após
alteração, a artigo 12.° CE).
- 65.
- Esta interpretação é, aliás, confirmada pela jurisprudência constante no Tribunal
de Justiça (v. acórdão Kziber, já referido, n.os 15 a 23, confirmado pelos acórdãos
de 20 de Abril de 1994, Yousfi, C-58/93, Colect., p. I-1356, n.os 16 a 19; de 5 de
Abril de 1995, Krid, C-103/94, Colect., p. I-719, n.os 21 a 24; de 3 de Outubro de
1996, Hallouzi-Cholo, C-126/95, Colect., p. I-4807, n.os 19 e 20, e de 15 de Janeiro
de 1998, Babahenini, C-113/97, Colect., p. I-183, n.os 17 e 18) relativa ao princípio
da igualdade de tratamento inscrito no artigo 39.°, n.° 1, do acordo de cooperação
entre a Comunidade Económica Europeia e a República Democrática e Popular
da Argélia, assinado em Argel em 26 de Abril de 1976 e aprovado em nome da
Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.° 2210/78 do Conselho, de 26 de
Setembro de 1978 (JO L 263, p. 1; EE 11 F8 p. 70), assim como o artigo 41.°, n.° 1,
do acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de
Marrocos, assinado em Rabat, em 27 de Abril de 1976, e aprovado, em nome da
Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.° 2211/78 do Conselho, de 26 de
Setembro de 1978 (JO L 264, p. 1; EE 11 F9 p. 3).
- 66.
- Com efeito, em conformidade com esta jurisprudência, estas disposições que
prevêem a proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade no
domínio da segurança social dos nacionais argelinos e marroquinos relativamente
aos nacionais do Estado-Membro de acolhimento, têm efeito directo não obstante
o facto de o Conselho de Cooperação não ter adoptado medidas de aplicação dos
artigos 40.°, n.° 1, do acordo CEE-Argélia e 42.°, n.° 1, do acordo CEE-Marrocos
relativos à aplicação dos princípios enunciados respectivamente no artigo 39.° e no
artigo 41.°
- 67.
- A interpretação que precede não é posta em causa pelo facto de o artigo 3.°, n.° 1
da decisão n.° 3/80 especificar que a proibição da discriminação em razão da
nacionalidade aí enunciada produz os seus efeitos «sob reserva das disposições
especiais da presente decisão».
- 68.
- Neste contexto, basta realçar que, no que se refere ao abono de família em causa
no processo principal, a decisão n.° 3/80 não prevê qualquer derrogação ou
restrição ao princípio da igualdade de tratamento enunciado no seu artigo 3.°, n.° 1.
Tendo em conta o caráter fundamental deste princípio, a existência da referida
reserva, que foi textualmente reproduzida do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento
n.° 1408/71 e que figura, aliás, também no artigo 9.° do acordo assim como no
artigo 6.° do Tratado CE, não é em si mesma susceptível de afectar a aplicabilidade
directa que a disposição à qual permite derrogar implica (v., neste sentido, acórdão
Sevince, já referido, n.° 25) retirando à regra de tratamento nacional o seu carácter
incondicional.
- 69.
- A conclusão de que o princípio da não discriminação, inscrito no artigo 3.°, n.° 1,
da decisão n.° 3/80, é susceptível de regular directamente a situação dos
particulares, não é, aliás, contrariada pelo exame do objecto e da natureza do
acordo em que essa disposição se insere.
- 70.
- Com efeito, o acordo tem por objecto instituir uma associação destinada a
promover o desenvolvimento das relações comerciais e económicas entre as partes
contratantes, incluindo no domínio da mão-de-obra, pela realização global da livre
circulação de trabalhadores, com vista a melhorar o nível de vida do povo turco e
a facilitar posteriormente a adesão da República da Turquia à Comunidade (v.
quarto considerando do acordo).
- 71.
- O protocolo que, em conformidade com os seu artigo 62.°, faz parte integrante do
acordo, prevê no artigo 36.° os prazos para a realização gradual da livre circulação
de trabalhadores e dispõe no artigo 39.° que o Conselho de Associação adoptará
as disposições em matéria de segurança social a favor dos trabalhadores de
nacionalidade turca que se desloquem no interior da Comunidade e da sua família
que resida nos Estados-Membros. Foi com este fundamento que o Conselho de
Associação adoptou a decisão n.° 3/80 que tem por objectivo garantir o pagamento
de prestações de segurança social aos migrantes turcos na Comunidade.
- 72.
- Além disso, a circunstância de o acordo ter em vista essencialmente favorecer o
desenvolvimento económico da Turquia e comportar, portanto, um desequilíbrio
nas obrigações assumidas pela Comunidade para com o país terceiro em causa, não
é susceptível de impedir o reconhecimento pela Comunidade do efeito directo de
algumas das suas disposições (v. por analogia, acórdãos de 5 de Fevereiro de 1976,
Bresciani, 87/75, Colect., p. 61, n.° 23; Kziber, já referido, n.° 21, e de 12 de
Dezembro de 1995, Chiquita Italia, C-469/93, Colect., p. I-4533, n.° 34).
- 73.
- Finalmente, como decorre dos n.os 55, 56 e 58 do presente acórdão, a aplicação
num processo como o da causa principal da regra da equiparação aos nacionais do
Estado-Membro de acolhimento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação
da decisão n.° 3/80 que residem neste Estado-Membro, através da proibição de
qualquer discriminação em razão da nacionalidade dos interessados e resultante da
regulamentação do Estado-Membro em causa, que figura no artigo 3.°, n.° 1, da
referida decisão, não está condicionada pelas outras disposições desta última.
- 74.
- Resulta das considerações que antecedem que o artigo 3.° n.° 1 da decisão n.° 3/80
estabelece no domínio da aplicação desta um princípio preciso e incondicional
suficientemente operacional para ser aplicado por um tribunal nacional e, portanto,
susceptível de regular a situação jurídica dos particulares. O efeito directo que
deve, em consequência, ser reconhecido a esta disposição implica que os
particulares aos quais a mesma se aplica têm o direito de a invocar perante os
órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros.
Quanto ao âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80
- 75.
- Embora esteja assente que os abonos de família em causa no processo principal
constituem prestações familiares na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea h), da
decisão n.° 3/80 e, em consequência, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação
material desta, o Governo alemão contesta, contudo, a inclusão de S. Sürül no
âmbito de aplicação pessoal desta decisão.
- 76.
- Assim, a recorrente na causa principal, não poderia ser considerada trabalhadora
na acepção das disposições conjugadas nos artigos 1.°, alínea b) e 2.°, primeiro
travessão, da decisão n.° 3/80.
- 77.
- O Governo alemão sublinha, quanto a este ponto, nas suas alegações escritas que
a inscrição num ramo da segurança social não basta para conferir a qualidade de
trabalhador relativamente a outros ramos da segurança social, uma vez que as
definições que figuram no artigo 1.°, alínea b), e subalínea ii), da decisão n.° 3/80
não devem ser interpretadas como alternativas mas, pelo contrário, como aplicáveis
especificamente a riscos e a regimes determinados e distintos. Assim, mesmo
admitindo que S. Sürül estivesse abrangida pelo seguro de pensão legal durante os
três primeiros anos após o nascimento da sua filha, (v. n.° 40 do presente acórdão),
esta simples circunstância não era susceptível de a incluir nos outros ramos da
segurança social, nomeadamente para beneficiar do abono de família.
- 78.
- Este governo acrescenta que, na Alemanha, o direito ao abono de família não
depende de uma inscrição obrigatória ou facultativa na segurança social, pois
pertence a todos os residentes independentemente do seu estatuto profissional.
Embora o anexo da decisão n.° 3/80 referido no artigo 1.°, alínea b), subalínea ii),
segundo travessão, não preveja regras de aplicação especiais no que se refere à
Alemanha, deveria aplicar-se por analogia no caso concreto, em conformidade com
o artigo 25.°, n.° 1, da referida decisão, o anexo I, ponto I, C («Alemanha»), do
Regulamento n.° 1408/71.
- 79.
- Segundo o Governo alemão, daqui resulta que, no domínio das prestações
familiares em que se integra o abono de família em causa no processo principal,
só a pessoa que está obrigatoriamente segura contra o risco de desemprego ou que
recebe, no quadro deste regime de seguro, prestações pecuniárias do seguro de
doença ou prestações análogas pode ser qualificada como trabalhador. Ora, S.
Sürül, não preenche nenhuma destas condições.
- 80.
- O Governo alemão acrescenta que a recorrente na causa principal também não
pode ser considerada membro da família de um trabalhador, na acepção das
disposições conjugadas nos artigos 1.°, alínea a), e 2.°, segundo travessão, da
decisão n.° 3/80
- 81.
- É certo que o cônjuge de S. Sürül exerceu na Alemanha uma actividade assalariada
à margem dos seus estudos mas, em conformidade com a legislação alemã, não foi
obrigado a ter seguro contra os riscos de desemprego, de doença e de velhice. Só
eram obrigatórias as contribuições para o regime legal do seguro contra acidentes
de trabalho, pagas na totalidade pela entidade patronal do Sr. Sürül. Pelos mesmos
motivos que os enunciados no n.° 77 do presente acórdão, o Sr. Sürül estava,
portanto, abrangido unicamente pelas disposições da decisão n.° 3/80 respeitantes
ao seguro de acidentes, mas não pelas que regem os outros ramos da segurança
social e, nomeadamente, o abono de família. Nestas condições, o Sr. Sürül não
poderia ser considerado um trabalhador nem a sua esposa membro da família de
um trabalhador, na acepção desta decisão, para beneficiar do abono de família.
- 82.
- Para decidir sobre a procedência desta argumentação, importa sublinhar, em
primeiro lugar, que a definição que o artigo 1.°, alínea b) da decisão n.° 3/80 dá,
para efeitos de aplicação desta aos «trabalhadores», corresponde muito largamente
à do conceito de «trabalhador» que figura no artigo 1.°, alínea a), do Regulamento
n.° 1408/71.
- 83.
- Em conformidade com o artigo 1.°, alínea a), da decisão n.° 3/80, a expressão
«membro da família», tem o significado que lhe é dado pelo artigo 1.°, alínea f),
do Regulamento n.° 1408/71.
- 84.
- A definição do âmbito de aplicação pessoal da decisão n.° 3/80 que figura no seu
artigo 1.° é inspirada na mesma definição enunciada no artigo 2.°, n.° 1, do
Regulamento n.° 1408/71.
- 85.
- Importa salientar, em segundo lugar, que segundo a jurisprudência a definição do
conceito de «trabalhador» que figura no artigo 1.°, alínea a), do Regulamento
n.° 1408/71, «para efeitos de aplicação do presente regulamento», tem um alcance
geral e abrange, face a esta consideração, qualquer pessoa que, exercendo ou não
uma actividade profissional, possui a qualidade de segurado nos termos dalegislação de segurança social de um ou vários Estados-Membros (v. acórdão de
31 de Maio de 1979, Pierik II, 182/78, Recueil, p. 1977, n.° 4). Este termo designa
qualquer pessoa segurada no âmbito de um dos regimes de segurança social
mencionados na alínea a) do artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71 contra as
eventualidades e nas condições previstas nessa disposição (v. acórdão de 3 de Maio
de 1990, Kits van Heijningen, C-2/89, Colect., p. I-1755, n.° 9).
- 86.
- Daqui resulta, como o Tribunal de Justiça recordou ainda a propósito do
Regulamento n.° 1408/71 nos acórdãos de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala
(C-85/96, Colect., p. I-2691, n.° 36), e de 11 de Junho de 1998 (Kuusijärvi
(C-275/96, Colect., p. I-3419, n.° 21), que uma pessoa tem a qualidade de
trabalhador quando está segurada, mesmo que contra um só risco, a título de um
seguro obrigatório ou facultativo no âmbito de um regime geral ou especial de
segurança social, isto independentemente da existência de uma relação de trabalho.
- 87.
- No que se refere à objecção do Governo alemão que consiste na aplicação por
analogia do anexo I, ponto I, C («Alemanha»), do Regulamento n.° 1408/71,
importa recordar que o artigo 25.° da decisão n.° 3/80 dispõe, no seu n.° 1, que os
«anexos I, III e IV do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 são válidos para a aplicação
da presente decisão», de forma que o referido anexo é aplicável no quadro da
decisão n.° 3/80.
- 88.
- Nos termos do anexo I, ponto I «Trabalhadores assalariados e/ou trabalhadores
não assalariados [alínea a), subalíneas ii) e iii), do artigo 1.° do regulamento]» ,
C («Alemanha»), do Regulamento n.° 1408/71:
«Se uma instituição alemã for a instituição competente para a concessão das
prestações familiares, de acordo com o capítulo VII, título III do regulamento, é
considerada, na acepção da alínea a), subalínea ii) do artigo 1.° do regulamento:
a) trabalhador assalariado, qualquer pessoa abrangida por um seguro
obrigatório contra o risco de desemprego ou qualquer pessoa que obtenha
em consequência desse seguro, prestações pecuniárias do seguro de doença
ou prestações análogas;
...»
- 89.
- Neste contexto, importa salientar que, como resulta claramente da redacção desta
disposição, é unicamente para a concessão de prestações familiares em
conformidade com o título III, capítulo 7, do Regulamento n.° 1408/71 que o anexo
I, ponto I, C, precisou ou limitou o conceito de trabalhador assalariado na acepção
do artigo 1.°, alínea a), subalínea ii), deste mesmo regulamento (acórdão Martínez
Sala, já referido, n.° 43).
- 90.
- Ora, como o advogado-geral desenvolveu nos n.os 57 e 58 das suas conclusões de
12 de Fevereiro de 1998, a situação de uma pessoa como a referida no processo
principal não está prevista em nenhuma das disposições do título III, capítulo 7.
Com efeito, no caso concreto do processo principal, todos os elementos relevantes
se situam no interior do Estado-Membro de acolhimento no qual os cônjuges Sürül
residem com a sua filha e a recorrente no processo principal reclama o abono de
família a título da regulamentação do referido Estado (v. n.os 55 e 58 do presente
acórdão).
- 91.
- Nestas condições, a restrição prevista no anexo I, ponto I, C, do Regulamento
n.° 1408/71 não pode ser aplicada à recorrente no processo principal, de modo que
a sua qualidade de trabalhador na acepção da decisão n.° 3/80 deve ser
determinada apenas à luz do artigo 1.°, alínea b), desta mesma decisão.
- 92.
- Resulta, aliás, dos autos da causa principal que as autoridades alemãs competentes,
num primeiro tempo, pagaram abono de família a S. Sürül, não obstante o facto
de esta não preencher as condições deste anexo do Regulamento n.° 1408/71 e que
só suprimiram este pagamento na sequência da entrada em vigor, em 1 de Janeiro
de 1994, de nova regulamentação nacional que fez depender o benefício deste tipo
de prestação para os estrangeiros residentes na Alemanha da posse de um
determinado tipo de título de residência.
- 93.
- Perante as considerações que antecedem, uma nacional turca como a recorrente
na causa principal poderá, portanto, beneficiar dos direitos inerentes à qualidade
de trabalhadora na acepção da decisão n.° 3/80 desde que se demonstre que está
segurada, nem que seja contra um único risco, a título de um seguro obrigatório
ou facultativo num regime geral ou especial de segurança social mencionado no
artigo 1.°, alínea b), desta decisão. Tal é o caso relativamente ao período durante
o qual a interessada estava abrangida pelo seguro de pensão legal, como indica o
órgão jurisdicional nacional na sua segunda questão prejudicial.
- 94.
- Da mesma forma, no que se refere ao período durante o qual a interessada não
estava inscrita num regime de segurança social, poderá beneficiar dos direitos
inerentes à qualidade de membro da família de um trabalhador na acepção da
decisão n.° 3/80 desde que se demonstre que o seu marido está segurado, ainda que
contra um único risco, a título do seguro obrigatório ou facultativo num regime
geral ou especial de segurança social mencionado no artigo 1.°, alínea b), da
referida decisão. Esta condição mostra-se preenchida se, como o órgão jurisdicional
de reenvio salienta na sua terceira questão prejudicial, o interessado estiver
abrangido pelo seguro legal contra acidentes de trabalho.
- 95.
- Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para verificar e
apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido assim como para interpretar e
aplicar o direito nacional, decidir se, durante o período controvertido, S. Sürül pode
assim ser considerada ela própria como trabalhadora. Na hipótese de não ser esse
o caso relativamente à totalidade ou a uma parte do referido período, incumbe
ainda a este órgão jurisdicional determinar se, no que se refere ao período em
causa, o marido de S. Sürül preenche a condição mencionada no n.° 94 do presente
acórdão para ser considerado trabalhador, de modo que S. Sürül, na sua qualidade
de esposa de um trabalhador turco ao qual foi autorizada a juntar-se no
Estado-Membro de acolhimento a título do reagrupamento familiar, é um membro
da família de um trabalhador na acepção da decisão n.° 3/80.
Quanto ao alcance do princípio de não discriminação inscrito no artigo 3.°, n.° 1 da
decisão n.° 3/80
- 96.
- Na hipótese de uma pessoa como a recorrente no processo principal estar
abrangida pelo âmbito de aplicação ratione personae da decisão n.° 3/80, importa
finalmente determinar se o artigo 3.°, n.° 1, desta decisão deve ser interpretado no
sentido de que se opõe à aplicação de uma regulamentação de um Estado-Membro
que exige de um nacional turco, que foi autorizado a residir no seu território e aí
permanece legalmente, que o mesmo seja titular de um determinado título de
residência para beneficiar do abono de família.
- 97.
- Neste contexto importa sublinhar antes de mais que o princípio, inscrito no artigo
3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80, da ausência de qualquer discriminação em razão da
nacionalidade no domínio de aplicação desta decisão, implica que um nacional
turco a quem esta decisão se refere deve ser tratado da mesma maneira que os
nacionais do Estado-Membro de acolhimento, de modo que a legislação deste
Estado-Membro não poderá fazer depender a concessão de um direito a esse
nacional turco de condições suplementares ou mais rigorosas do que as aplicáveis
aos seus próprios nacionais (v., por analogia acórdão de 2 de Fevereiro de 1989,
Cowan, 186/87, Colect., p. 195, n.° 10, e acórdãos, já referidos, Kziber, n.° 28, e
Hallouzi-Cholo, n.os 35 e 36).
- 98.
- Daqui resulta que um nacional turco, que seja autorizado a entrar no território de
um Estado-Membro a título do reagrupamento familiar com um trabalhador
migrante turco e que aí reside legalmente com este último, deve poder obter no
Estado de acolhimento o benefício de uma prestação de segurança social prevista
na regulamentação deste Estado nas mesmas condições que os nacionais do
Estado-Membro em causa.
- 99.
- Importa salientar em seguida que, nos termos de uma legislação como a BKGG,
qualquer pessoa que tenha o seu domicílio e o seu lugar de residência habitual no
território regido pela referida legislação pode requerer o abono de família desde
que os seus filhos a cargo tenham o seu domicílio ou a sua residência habitual no
mesmo território.
- 100.
- Contudo, a partir de 1 de Janeiro de 1994, a BKGG dispõe que os cidadãos
estrangeiros residentes na Alemanha, que não podem ser equiparados aos alemães,
só têm direito ao abono de família se forem titulares de um determinado título de
residência.
- 101.
- Assim, a uma nacional turca como a recorrente na causa principal, que foi
autorizada a residir no território do Estado-Membro de acolhimento, e aí reside
efectivamente com a sua filha e preenche todas as condições que a regulamentação
pertinente impõe aos cidadãos nacionais, é recusado o benefício do abono de
família para a sua filha pelo simples facto de não satisfazer a condição relativa à
posse de uma autorização de residência ou de uma autorização de estadia.
- 102.
- Ora, não sendo susceptível de ser oposta a um nacional do Estado-Membro em
causa, mesmo na hipótese de este aí residir apenas temporariamente, esta
condição, por natureza, apenas visa os estrangeiros e a sua aplicação conduz,
portanto, a uma desigualdade de tratamento praticada em razão da nacionalidade.
- 103.
- Nestas condições, deve considerar-se que o facto de um Estado-Membro exigir de
um nacional turco abrangido pelo âmbito de aplicação da decisão n.° 3/80 que este
possua um determinado tipo de título de residência para beneficiar de uma
prestação como a que está em causa no processo principal, quando nenhum
documento desta natureza é exigido aos nacionais do referido Estado, constitui uma
discriminação na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da referida decisão.
- 104.
- Na medida em que não foi invocado no Tribunal de Justiça qualquer argumento
susceptível de justificar objectivamente esta diferença de tratamento, tal
discriminação é incompatível com aquela disposição da decisão n.° 3/80.
- 105.
- Perante o conjunto das considerações que antecedem, deve responder-se às
questões colocadas que o artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80 deve ser interpretado
no sentido de que proíbe que um Estado-Membro exija de um nacional turco
abrangido pelo âmbito de aplicação desta decisão e que está autorizado a residir
no seu território mas que apenas é titular deste Estado-Membro de acolhimento
de uma autorização provisória de estadia, emitida com uma finalidade determinada
e com uma duração limitada, que o mesmo possua uma autorização de residência
ou uma autorização de estadia para beneficiar do abono de família para o seu filho
que com ele habita no referido Estado-Membro, quando os nacionais deste último
estão para esse efeito unicamente obrigados a ter aí a sua residência.
Quanto ao efeito do presente acórdão no tempo
- 106.
- Nas suas alegações em audiência, os Governos alemão, francês e do Reino Unido
pediram ao Tribunal de Justiça que limitasse no tempo os efeitos do presente
acórdão, na hipótese de ser declarado que o princípio da não discriminação em
razão da nacionalidade inscrito no artigo 3.°, n.° 1 da decisão n.° 3/80 deve ser
interpretado no sentido de que permite a uma nacional turca como a recorrente
na causa principal requerer no Estado-Membro de acolhimento o abono de família
nas mesmas condições que os nacionais deste Estado. Estes Governos sublinhamque tal acórdão seria susceptível de pôr em causa um número importante de
relações jurídicas estabelecidas com base numa regulamentação nacional em vigor
desde há algum tempo e de implicar graves consequências financeiras para os
sistemas de segurança social dos Estados-Membros.
- 107.
- Neste contexto importa recordar que jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo
a qual a interpretação que faz de uma norma de direito comunitário, no exercício
da competência que lhe confere o artigo 234.° CE (ex-artigo 177.°) do Tratado,
esclarece e precisa, quando é necessário, o significado e ao alcance dessa norma,
tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua
entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve
ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de
ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se se encontrarem
também reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais
competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., nomeadamente,
acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Blaizot, 24/86, Colect., p. 379, n.° 27).
- 108.
- Só a título excepcional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio
geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a
limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja
sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas
de boa-fé. Esta limitação só pode ser admitida, segundo jurisprudência constante
do Tribunal de Justiça, no próprio acórdão que decide sobre a interpretação
solicitada (v., nomeadamente, acórdão de 24 de Setembro de 1998,
Comissão/França, C-35/97, Colect., p. I-5325, n.° 49).
- 109.
- Neste caso concreto, em primeiro lugar, verifica-se sem dúvida que é a primeira
vez que o Tribunal de Justiça é levado a interpretar o artigo 3.°, n.° 1 da decisão
n.° 3/80.
- 110.
- Depois, o acórdão Taflan Met e o., já referido, pode razoavelmente ter criado uma
situação de incerteza quanto à faculdade dos particulares de invocarem num órgão
jurisdicional nacional o artigo 3.°, n.° 1, da referida decisão.
- 111.
- Nestas condições, considerações imperiosas de segurança jurídica impedem que
sejam postas em causa relações jurídicas que foram definitivamente liquidadas
antes de ser proferido o presente acórdão, pois o facto de serem postas em causa
perturbaria retroactivamente o financiamento dos sistemas de segurança social dos
Estados-Membros.
- 112.
- Todavia, sob pena de afectar indevidamente a protecção jurisdicional dos direitos
que os particulares fundam no direito comunitário, é de prever-se uma excepção
a esta limitação dos efeitos deste acórdão em benefício das pessoas que, antes da
data da sua prolação, intentaram uma acção judicial ou deduziram uma reclamação
equivalente.
- 113.
- Por conseguinte, deve decidir-se que o efeito directo do artigo 3.°, n.° 1 da decisão
n.° 3/80, não pode ser invocado em apoio de reivindicações relativas a prestações
referentes a períodos anteriores à data do presente acórdão, salvo no que se refere
às pessoas que, antes desta data, intentaram uma acção judicial ou apresentaram
uma reclamação equivalente.
Quanto às despesas
- 114.
- As despesas efectuadas pelos Governos alemão, francês, neerlandês, austríaco e do
Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram
observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às
partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão
jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Sozialgericht Aachen, por
despacho de 24 de Julho de 1996, declara:
1) O artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80 do Conselho de Associação, de 19 de
Dezembro de 1980, relativa à aplicação dos regimes de segurança social dos
Estados-Membros das Comunidades Europeias aos trabalhadores turcos e
aos membros da sua família, deve ser interpretado no sentido de que proíbe
que um Estado-Membro exija de um nacional turco abrangido pelo âmbito
de aplicação desta decisão e que está autorizado a residir no seu território
mas que apenas é titular neste Estado-Membro de acolhimento de uma
autorização provisória de estadia, emitida com uma finalidade determinada
e com uma duração limitada, que o mesmo possua uma autorização de
residência ou uma autorização de estadia para beneficiar do abono de
família para o seu filho que com ele habita no referido Estado-Membro,
quando os nacionais deste último estão para esse efeito unicamente
obrigados a ter aí a sua residência.
2) O efeito directo do artigo 3.°, n.° 1, da decisão n.° 3/80 não pode ser
invocado em apoio de reivindicações relativas a prestações referentes a
períodos anteriores à data do presente acórdão, salvo no que se refere às
pessoas que, antes desta data, intentaram uma acção judicial ou
apresentaram uma reclamação equivalente.
Rodríguez Iglesias Puissochet Hirsch Jann
Moitinho de Almeida Gulmann Murray Edward
Ragnemalm Sevón Schintgen
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Maio de 1999.
O secretário
O presidente
R. Grass
G. C. Rodríguez Iglesias