Language of document : ECLI:EU:T:2019:820

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

28 de novembro de 2019 (*)

«Função pública — Agentes contratuais — Remuneração — Decisão que recusa o subsídio de expatriação — Artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto — Serviços prestados a um outro Estado — Estatuto diplomático — Período quinquenal de referência»

No processo T‑592/18,

Katarzyna WywiałPrząda, residente em Wezembeek‑Oppem (Bélgica), representada por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Bohr e D. Milanowska, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido nos termos do artigo 270.o TFUE e destinado a obter a anulação da Decisão da Comissão de 23 de novembro de 2017, pela qual foi recusado à recorrente o subsídio de expatriação,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente, A. Marcoulli e R. Frendo (relator), juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente é de nacionalidade polaca. Chegou à Bélgica em 22 de setembro de 2010 na sequência da nomeação do seu marido como conselheiro diplomático da Delegação Permanente da República da Polónia junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).

2        Desde 2 de julho de 2010 que a recorrente era titular de um passaporte diplomático emitido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros polaco.

3        De 7 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2011, a recorrente exerceu funções de secretária na Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia.

4        De 9 de novembro de 2012 a 11 de janeiro de 2013, moderou grupos de conversação em Bruxelas (Bélgica) por conta de uma associação sem fins lucrativos, tendo‑lhe sido paga uma nota de despesas relativa a essa atividade.

5        A recorrente devolveu o seu passaporte diplomático e inscreveu‑se no registo de estrangeiros de Woluwe‑Saint‑Pierre (Bélgica) a partir de 7 de junho de 2013.

6        De 16 de junho de 2014 a 31 de dezembro de 2015, e posteriormente de 4 de janeiro de 2016 a 31 de agosto de 2017, a recorrente foi sucessivamente contratada por duas sociedades belgas no âmbito de prestações de serviços para a Comissão Europeia.

7        Em 9 de setembro de 2016, o marido da recorrente regressou à Polónia no final da sua missão diplomática. A recorrente permaneceu na Bélgica com o filho de ambos.

8        Em 1 de setembro de 2017, a recorrente foi contratada pela Comissão como agente contratual.

9        Por Decisão de 23 de novembro de 2017, a autoridade habilitada para celebrar contratos de trabalho da Comissão (a seguir «AHCC») recusou à recorrente o subsídio de expatriação (a seguir «decisão impugnada»).

10      A recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão impugnada em 21 de fevereiro de 2018. Essa reclamação foi indeferida por Decisão da AHCC de 18 de junho de 2018, notificada na mesma data. Em primeiro lugar, a AHCC determinou o «período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções» (a seguir «período de referência»), previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), tornado aplicável aos agentes contratuais pelos artigos 21.o e 92.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia. A AHCC determinou que esse período de referência era o período compreendido entre 1 de março de 2012 e 28 de fevereiro de 2017. Em seguida, a AHCC justificou o indeferimento da reclamação apresentada pela recorrente pelo facto de esta residir na Bélgica desde 22 de setembro de 2010, de aí ter exercido atividades profissionais e de aí ter continuado a residir após a partida do seu marido, em setembro de 2016.

 Tramitação processual e pedidos das partes

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de setembro de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso.

12      A Comissão apresentou a contestação em 14 de dezembro de 2018.

13      Em 14 de fevereiro de 2019, a recorrente apresentou a réplica.

14      Em 1 de abril de 2019, a Comissão apresentou a tréplica.

15      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, colocar questões escritas às partes, convidando‑as a responder‑lhes na audiência.

16      As partes apresentaram alegações e responderam às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 9 de julho de 2019.

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

19      A recorrente invoca um único fundamento, relativo à violação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto. O referido fundamento pode ser dividido em duas partes, a primeira relativa a não ter sido tomado em consideração o seu estatuto diplomático, a segunda relativa a um erro na aplicação do conceito de residência habitual.

 Quanto à primeira parte, relativa a não ter sido tomado em consideração o estatuto diplomático da recorrente

20      A recorrente alega que beneficiou de estatuto diplomático, na qualidade de cônjuge de um agente diplomático, entre 22 de setembro de 2010, data da sua chegada à Bélgica, e 16 de junho de 2013, data em que devolveu o seu passaporte diplomático. Devido a esse estatuto diplomático e em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, segundo período, do anexo VII do Estatuto, alega que deveria ter beneficiado da neutralização desse período de tempo. Considera que, em consequência dessa neutralização, o período de referência começou em 1 de maio de 2009, numa altura em que residia e trabalhava na Polónia e não tinha qualquer vínculo com a Bélgica. Ora, um agente só perde o subsídio de expatriação se tiver tido a sua residência habitual ou exercido a sua atividade profissional principal no país do local da sua afetação durante todo o período de referência. Como não é esse o caso, a recorrente considera que lhe devia ter sido concedido o subsídio de expatriação.

21      O artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto dispõe:

«O subsídio de expatriação do país igual a 16 % do montante total do vencimento‑base, bem como do abono de lar e do abono por filho a cargo, pagos ao funcionário, é concedido:

a)      Ao funcionário:

–        que não tenha e não tiver tido nunca a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, e

–        que não tenha, habitualmente, durante um período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território europeu do referido Estado. Não serão tomadas em consideração, para efeitos desta disposição, as situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional.

b)      Ao funcionário que, tendo ou tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, tenha, habitualmente, durante um período de dez anos expirando à data do início de funções, residido fora do território europeu do dito Estado, por motivo diferente do exercício de funções num serviço de qualquer Estado ou organização internacional.»

22      O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto comporta, pois, duas partes. A primeira define os dois requisitos cumulativos que o funcionário deve, em princípio, preencher para beneficiar do subsídio de expatriação: nunca ter tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação e não ter, habitualmente, durante um período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território europeu do referido Estado; a segunda parte prevê, como exceção a este princípio, que não serão tomadas em consideração as situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional. Deste modo, os períodos correspondentes a esses serviços são neutralizados.

23      Além disso, o subsídio de expatriação só pode ser recusado ao funcionário ou agente em causa, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto, se este tiver tido a sua residência habitual ou exercido a sua atividade profissional principal no país do local da sua afetação durante todo o período de referência (v. neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2015, Pondichie/Comissão, F‑50/14, EU:F:2015:62, n.o 35). Ora, no caso em apreço, a neutralização do período compreendido entre 22 de setembro de 2010 e 16 de junho de 2013, durante o qual a recorrente residiu na Bélgica com o estatuto diplomático de cônjuge de um agente diplomático, teria por efeito antecipar o início do período de referência para 6 de junho de 2009, e não para 1 de maio de 2009, como alega a recorrente, ou seja, para um momento em que residia e trabalhava na Polónia e não tinha qualquer vínculo com a Bélgica.

24      Por conseguinte, é necessário decidir se o conceito de «situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado», utilizado no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, do anexo VII do Estatuto, deve ser interpretado no sentido de que abrange o período durante o qual a recorrente beneficiou do estatuto diplomático de cônjuge de um agente diplomático.

25      A neutralização do período correspondente a uma situação resultante de serviços prestados no Estado de afetação, a outro Estado ou a uma organização internacional, explica‑se pelo facto de se presumir que a prestação desses serviços tem por consequência a manutenção de um vínculo específico do interessado com esse outro Estado ou essa organização internacional, que impede, assim, a criação de um vínculo duradouro com o Estado de afetação e, por conseguinte, a integração suficiente do interessado na sociedade deste último Estado (Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 49).

26      Feita esta precisão, a recorrente alega que, na sua qualidade de cônjuge de um agente diplomático, beneficiou de vários privilégios e imunidades ao abrigo da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961 (a seguir «Convenção de Viena»). Segundo a recorrente, este estatuto diplomático impede, por si mesmo, a criação de vínculos duradouros com o país de afetação. Por conseguinte, deve ser qualificado de «situaç[ão] resultant[e] de serviços prestados a um outro Estado» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, segundo período, do anexo VII do Estatuto.

27      Todavia, no n.o 14 do seu Acórdão de 2 de maio de 1985, De Angelis/Comissão (246/83, EU:C:1985:165), o Tribunal de Justiça considerou que esta disposição apenas se referia às situações resultantes de serviços prestados pelo próprio funcionário que entra em funções e não podia ser alargada a outra pessoa.

28      A recorrente alega, no entanto, que esta jurisprudência não lhe é aplicável porque, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de maio de 1985, De Angelis/Comissão (246/83, EU:C:1985:165), a interessada, que se tinha deslocado para a Bélgica acompanhando o marido, funcionário da Comunidade Europeia, não beneficiava, a esse título, de qualquer estatuto diplomático.

29      Impõe‑se, todavia, observar que, no Acórdão de 2 de maio de 1985, De Angelis/Comissão (246/83, EU:C:1985:165), o Tribunal de Justiça não utilizou, de modo nenhum, essa falta de estatuto diplomático como argumento para recusar à interessada o direito ao subsídio de expatriação.

30      É certo que, no seu Acórdão de 21 de junho de 2007, Comissão/Hosman‑Chevalier (C‑424/05 P, EU:C:2007:367, n.os 42 e 43), referido pela recorrente, o Tribunal de Justiça evocou os privilégios, imunidades e estatuto especial de que a interessada beneficiava para admitir que esta tinha um vínculo específico com um outro Estado que impedia a sua integração no país de afetação. No entanto, a questão a decidir naquele processo era a de saber se a recorrente, que trabalhava no gabinete de ligação dos Länder da República da Áustria, prestava serviços a esse Estado e, portanto, estava vinculada a ele. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça deduziu esse vínculo de uma série de elementos. O primeiro destes elementos consistia no facto de o pessoal de uma representação permanente dever ser considerado ao serviço do Estado‑Membro em causa e, consequentemente, numa situação de expatriação, por pertencer às estruturas dessa representação. O segundo elemento residia no facto de, apesar da sua afetação ao gabinete de ligação dos Länder, a interessada ser membro do pessoal da Representação Permanente da República da Áustria e estar sujeita à autoridade hierárquica do embaixador austríaco, pelo que se devia considerar que tinha prestado serviços ao Estado austríaco. Por último, o terceiro elemento resultava do facto de o seu estatuto ser o mesmo que o dos outros funcionários afetos à referida Representação (Acórdão de 21 de junho de 2007, Comissão/Hosman‑Chevalier, C‑424/05 P, EU:C:2007:367, n.os 41 e 42). Do mesmo modo, não se pode entender que o estatuto particular evocado pelo Tribunal de Justiça no n.o 43 do referido acórdão decorre unicamente dos privilégios e imunidades de que a interessada beneficiava. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça deu maior ênfase ao facto de esta ter prestado serviços à República da Áustria no âmbito da sua Representação Permanente.

31      No seu Acórdão subsequente de 29 de novembro de 2007, Salvador García/Comissão (C‑7/06 P, EU:C:2007:724, n.o 51), também invocado pela recorrente, o Tribunal de Justiça remeteu para o Acórdão de 21 de junho de 2007, Comissão/Hosman‑Chevalier (C‑424/05 P, EU:C:2007:367), para considerar que o estatuto particular da interessada, enquanto membro do pessoal de uma Representação Permanente, estava na origem do seu vínculo específico com o Estado‑Membro em causa, e para considerar igualmente que esse estatuto privilegiado, que lhe permitiu beneficiar de diferentes privilégios e imunidades, criava, em si mesmo, um obstáculo que impedia que o interessado pudesse estabelecer um vínculo duradouro com o Estado de afetação e, portanto, integrar‑se suficientemente na sociedade desse Estado. Todavia, no n.o 50 do Acórdão de 29 de novembro de 2007, Salvador García/Comissão (C‑7/06 P, EU:C:2007:724), o Tribunal de Justiça precisou, ainda à luz do Acórdão de 21 de junho de 2007 Comissão/Hosman‑Chevalier (C‑424/05 P, EU:C:2007:367), que a integração funcional na Representação Permanente constituía um elemento determinante para considerar que o funcionário tinha prestado serviços a um outro Estado (v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2008, Adam/Comissão, C‑211/06 P, EU:C:2008:34, n.o 45).

32      Por último, na sequência do Acórdão de 29 de novembro de 2007, Salvador García/Comissão (C‑7/06 P, EU:C:2007:724), o Tribunal de Justiça decidiu, no seu Acórdão de 24 de janeiro de 2008, Adam/Comissão (C‑211/06 P, EU:C:2008:34, n.o 49), que, para efeitos da interpretação da expressão «serviços prestados a um outro Estado», referida no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, do anexo VII do Estatuto, só deve ser considerado pertinente o facto de os serviços serem prestados no âmbito de uma Representação Permanente de um Estado distinto do Estado de afetação.

33      Daqui resulta que, mesmo na jurisprudência invocada pela recorrente, o único elemento que impede a criação de um vínculo com o país de afetação é a prestação de serviços numa situação de integração funcional numa representação diplomática de um outro Estado ou de uma organização internacional.

34      A recorrente contrapõe, no entanto, que a expressão «situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional», utilizada no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, segundo período, do anexo VII do Estatuto, abrange situações diferentes das que resultam unicamente do exercício de funções para esse Estado ou para essa organização.

35      A jurisprudência está efetivamente fixada no sentido de que esta disposição não pode estar limitada unicamente às pessoas que tenham feito parte do pessoal de um Estado diferente do Estado de afetação ou de uma organização internacional, uma vez que abrange todas as «situações resultantes de serviços prestados» a esse Estado ou organização (Acórdãos de 25 de outubro de 2005, Salazar Brier/Comissão, T‑83/03, EU:T:2005:371, n.o 45, e de 25 de outubro de 2005, De Bustamante Tello/Conselho, T‑368/03, EU:T:2005:372, n.o 42). Como salienta a recorrente, esta jurisprudência explica‑se pelo facto de esta expressão ter um alcance mais amplo do que a expressão «exercício de funções», utilizada no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto (Acórdão de 30 de março de 1993, Vardakas/Comissão, T‑4/92, EU:T:1993:29, n.o 36).

36      Daqui decorre que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, último período, do anexo VII do Estatuto não abrange apenas os casos em que o interessado se encontrou numa relação laboral em sentido estrito (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2001, Liaskou/Conselho, T‑60/00, EU:T:2001:129, n.o 50). É igualmente certo que, segundo a mesma jurisprudência, o conceito de «situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional» corresponde unicamente às situações em que o serviço resulta de um vínculo jurídico direto entre o interessado e o Estado ou a organização internacional em causa, no âmbito de um estágio ou de um contrato de perito, por exemplo (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de outubro de 2005, Salazar Brier/Comissão, T‑83/03, EU:T:2005:371, n.o 45, e de 25 de outubro de 2005, De Bustamante Tello/Conselho, T‑368/03, EU:T:2005:372, n.o 42).

37      Consequentemente, o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, último período, do anexo VII do Estatuto não pode ser alargado ao cônjuge de um agente diplomático que, nessa qualidade, beneficiou de certos privilégios e imunidades ao abrigo da Convenção de Viena, mas que não pode invocar esse vínculo jurídico direto. A este respeito, a Comissão recorda, com razão, que o direito da recorrente a um estatuto diplomático não é um direito próprio, mas um direito derivado, destinado a facilitar a vida familiar dos agentes diplomáticos, que lhe advinha das funções do seu marido.

38      A recorrente alega ainda que, na apreciação do seu grau de integração na Bélgica, que, em última análise, determina a concessão do subsídio de expatriação, não se pode ignorar que, nos termos da Convenção de Viena e de uma circular do Estado belga de 15 de maio de 2014, relativa ao exercício de uma atividade profissional ou comercial lucrativa pelos membros das missões diplomáticas ou postos consulares de carreira ou pelos membros das suas famílias (a seguir «circular do Estado belga»), não podia exercer qualquer atividade profissional na Bélgica, salvo se devolvesse o seu passaporte diplomático e, consequentemente, renunciasse ao estatuto diplomático concedido aos membros da família de um agente diplomático.

39      Recorde‑se, a este respeito, que o conceito de expatriação depende designadamente da situação pessoal do funcionário, ou seja, do seu grau de integração no Estado de afetação resultante, por exemplo, do exercício de uma atividade profissional nesse Estado (v. Acórdão de 24 de janeiro de 2008, Adam/Comissão C‑211/06 P, EU:C:2008:34, n.o 38, e de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, UE:T:2018:480, n.o 44). Consequentemente, a impossibilidade de exercer tal atividade profissional, se comprovada, poderia ser um elemento suscetível de contradizer essa integração e de demonstrar, a contrario, a existência de uma expatriação.

40      Cumpre, no entanto, salientar que o artigo 42.o da Convenção de Viena prevê que «[o] agente diplomático não exercerá no Estado acreditador nenhuma atividade profissional ou comercial em proveito próprio» e que nenhuma disposição alarga o âmbito de aplicação dessa proibição aos membros da família desse agente. Por conseguinte, contrariamente aos agentes diplomáticos, estes podem exercer uma atividade profissional ou comercial no Estado acreditador nos termos das leis e regulamentações do mesmo, e portanto, se for o caso, mediante as autorizações exigidas a qualquer estrangeiro da mesma nacionalidade, como, por exemplo, uma autorização de trabalho. No entanto, na sua qualidade de nacional de um Estado‑Membro da União, a recorrente estava mesmo isenta dessa obrigação. Além disso, apesar do exercício de uma atividade profissional ou comercial, os membros da família de um agente diplomático conservam, em princípio, os seus privilégios e imunidades, conforme previstos e circunscritos pelos artigos 29.o a 36.o da referida convenção, que lhes são aplicáveis por força do artigo 37.o, n.o 1, da mesma. Com efeito, nos termos do artigo 31.o, n.o 1, alínea c), da Convenção de Viena, só é levantada a imunidade da sua jurisdição civil e administrativa em relação a uma ação referente a qualquer atividade profissional ou comercial. A imunidade penal, por sua vez, não é suspensa de forma antecipada.

41      Embora posterior ao período que, segundo a recorrente, deveria ter sido neutralizado, a circular do Estado belga corrobora o que precede.

42      Impõe‑se igualmente observar, tendo em conta o que antecede, que, diferentemente da recorrente, o seu marido não podia, em caso algum, exercer uma atividade profissional ou comercial na Bélgica. Assim, a recorrente e o marido não se encontravam na mesma situação jurídica.

43      A recorrente invoca ainda o artigo 57.o da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 24 de abril de 1963. No entanto, a interessada descreve as funções do seu marido como as de um agente diplomático e, mais especificamente, como as de «conselheiro da Delegação Permanente da República da Polónia junto da NATO». Por conseguinte, sem fundamentação sobre a forma como essas funções poderiam estar abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida convenção, esta deverá ser considerada como desprovida de pertinência para o presente processo.

44      A recorrente alega também que não existe qualquer explicação para o facto de um agente que exerce funções para um Estado ou para uma organização internacional no país de afetação ter um nível de expropriação superior ao seu cônjuge, que também aí viveu sem exercer essas funções, mas que aí beneficiou também de estatuto diplomático.

45      Conforme anteriormente exposto (n.o 39, supra), o conceito de expatriação depende designadamente do grau de integração do interessado no país de afetação. Ora, embora se possa presumir que uma pessoa mantém um vínculo específico com o seu Estado de origem quando o serve na sua delegação ou embaixada e que essa situação dificulta a criação de um vínculo duradouro ao país de afetação (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2007, Comissão/Hosman‑Chevalier, C‑424/05 P, EU:C:2007:367, n.o 38, e de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 49), não acontece necessariamente o mesmo com o seu cônjuge, que não partilha o mesmo ambiente profissional dedicado ao serviço do referido Estado e que, consequentemente, dispõe de um leque mais vasto de possibilidades para se integrar na sociedade do país de acolhimento.

46      Por último, a recorrente alega em vão que, se o seu marido tivesse sido recrutado pelas instituições da União na mesma data que ela, o período durante o qual beneficiou do estatuto diplomático teria sido neutralizado. Com efeito, contrariamente ao que a recorrente alega, resulta dos n.os 27 a 37, 40 e 45, supra, que ela e o seu marido não se encontravam na mesma situação jurídica e factual.

47      Em conclusão, a expatriação de uma pessoa, que confere o direito a um subsídio de expatriação, é independente do estatuto particular de que a mesma beneficia nos termos do direito internacional (v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 1993, Vardakas/Comissão, T‑4/92, EU:T:1993:29, n.o 40). O mesmo acontece, por maioria de razão, quando, como a recorrente no presente processo, essa pessoa beneficia do referido estatuto sem ser membro do pessoal de uma organização internacional ou da representação de um Estado distinto do Estado de afetação.

48      Consequentemente, a AHCC não infringiu o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, último período, do anexo VII do Estatuto ao fixar o período de referência entre 1 de março de 2012 e 28 de fevereiro de 2017, não o antecipando a 6 de junho de 2009.

49      Resulta do que precede que a primeira parte do fundamento da recorrente deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa a um erro na aplicação do conceito de residência habitual

50      A recorrente alega, a título subsidiário, que, mesmo que o período durante o qual beneficiou de um estatuto diplomático especial não possa ser neutralizado, não teve, durante esse período, a intenção de conferir à sua presença na Bélgica o caráter estável necessário para ficar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, primeiro período, do anexo VII do Estatuto. A esse respeito, enumera elementos materiais que são todos indicadores da sua expatriação.

51      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a sua permanência na Bélgica estava indissociavelmente ligada à missão diplomática do marido e que a sua presença no território belga, devido a tal facto, tinha caráter precário e provisório. Esse caráter precário e provisório retirou o interesse a qualquer tentativa de criar vínculos duradouros com a Bélgica.

52      Todavia, na medida em que a aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, do anexo VII do Estatuto depende do grau de integração da pessoa em causa no país de afetação antes da sua entrada em funções (n.o 39, supra) e na medida em que o grau de integração é independente do estatuto diplomático de que essa pessoa beneficia nos termos do direito internacional (n.o 47, supra), o facto de a permanência da recorrente na Bélgica ter tido origem na missão diplomática do seu marido é, em si mesmo, irrelevante.

53      No que respeita ao caráter alegadamente precário e provisório da referida permanência, recorde‑se que cabe à recorrente demonstrar que se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:F:2018:480, n.o 51 e jurisprudência referida). Ora, o facto de o pessoal diplomático ser chamado a mudar periodicamente de afetação não pode dar lugar à presunção de falta de integração. Salvo em circunstâncias excecionais, os agentes diplomáticos permanecem em funções durante vários anos num país. No caso vertente, o marido da recorrente permaneceu em Bruxelas durante seis anos.

54      Em segundo lugar, a recorrente invoca o caráter especial da sua residência na Bélgica, na medida em que esteve alojada com a família num apartamento disponibilizado pela Delegação Permanente da República da Polónia junto da NATO, a qual pagava as rendas e as faturas de consumo de energia.

55      Importa recordar, a este respeito, que o conceito de residência habitual é interpretado de forma constante pela jurisprudência como sendo o lugar onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um caráter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses. Além disso, o conceito de residência implica, independentemente do elemento meramente quantitativo do tempo passado pela pessoa no território de um ou de outro país, além do facto físico de permanência num determinado lugar, a intenção de conferir a esse facto a continuidade resultante de um hábito de vida e do desenvolvimento de relações sociais normais (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 48).

56      No caso em apreço, deve notar‑se que a recorrente reside na Bélgica desde 22 de setembro de 2010. O facto de ter recebido prestações materiais que consistiram num alojamento oficial cuja renda e consumo de energia eram pagos pela Delegação Permanente da República da Polónia junto da NATO não pode constituir prova da manutenção de tal vínculo com o seu país de origem que exclua qualquer integração na Bélgica. Por outras palavras, a assunção daquelas despesas pela República da Polónia não implica que este alojamento não pudesse ser, de maneira estável, o centro permanente ou habitual dos interesses da recorrente na Bélgica.

57      Essa assunção das despesas também não impedia a recorrente de estabelecer relações sociais com a Bélgica. Assim, o facto de, após o regresso do marido à Polónia, a recorrente ter permanecido na Bélgica com o seu filho para este aí prosseguir a sua escolaridade constitui um indício que demonstra uma integração. Constitui igualmente indício dessa integração o facto de, apesar de continuar com estatuto diplomático, a recorrente ter colaborado temporariamente com uma associação de Bruxelas com atividade no domínio da formação e ter, assim, participado na rede associativa do seu futuro país de afetação.

58      A este respeito, e em terceiro lugar, a recorrente alega precisamente que a moderação de grupos de conversação não constituía uma atividade profissional na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto e não permitia que se presumisse que pretendia transferir o centro permanente dos seus interesses para a Bélgica. Afirma que essa atividade foi muito limitada e só deu lugar origem a pagamento de despesas.  Por seu lado, a Comissão considera que se tratava de uma atividade remunerada.

59      No entanto, não pode deixar de se ter presente que uma atividade profissional é certamente um critério objetivo referido pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto para apreciar a situação dos funcionários e agentes recentemente contratados (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Pozza/Parlamento, T‑216/18, não publicado, EU:T:2019:118, n.o 25), mas que este critério é válido unicamente a título exemplificativo (Acórdãos de 21 de junho de 2007, Comissão/Hosman‑Chevalier, C‑424/05 P, EU:C:2007:367, n.o 35, e de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 44). Do mesmo modo, a própria contribuição de um funcionário ou agente para a atividade de um ator do mundo associativo no país da sua futura afetação pode, em determinadas circunstâncias, constituir um indício, entre outros, da integração do interessado.

60      Em quarto lugar, a recorrente observa que só depois de ter devolvido o seu passaporte diplomático, em 16 de junho de 2013, se inscreveu nos registos da população belga.

61      Todavia, embora a inscrição como residente num município revele a vontade do interessado e a sua intenção de estabelecer o centro estável e permanente da sua residência e interesses nesse local (Despacho de 26 de setembro de 2007, Salvador Roldán/Comissão, F‑129/06, EU:F:2007:166, n.o 60), essa inscrição continua a ser um elemento formal do qual não se pode deduzir, no presente processo, que a recorrente não tinha anteriormente residência efetiva na Bélgica, especificamente nas circunstâncias do caso vertente, quando a existência dessa residência não é aliás contestada.

62      Em quinto lugar, a recorrente alega que, durante o período em que o seu marido exerceu na Bélgica a função de agente da embaixada, manteve vínculos duradouros com a Polónia.

63      A recorrente alega, assim, que continuou a ser proprietária de um imóvel na Polónia e que manteve um número de telefone polaco. Alega que aí manteve mesmo uma atividade profissional como professora de línguas e tradutora ajuramentada até 2013 e continuou a pagar impostos.

64      No entanto, o facto de ter domicílio fiscal no país de origem e de aí dispor de interesses e de bens patrimoniais não permite demonstrar que a residência habitual da recorrente se situa nesse país (v., neste sentido, Despacho de 26 de setembro de 2007, Salvador Roldán/Comissão, F‑129/06, EU:F:2007:166, n.o 59). Isso é tanto mais válido quanto os rendimentos declarados para efeitos fiscais no país de origem resultam de uma atividade profissional exercida no estrangeiro. Na audiência, a recorrente declarou precisamente que tinha exercido a profissão independente de tradutora ajuramentada para os tribunais polacos a partir da Bélgica e que foi nessa qualidade que declarou, relativamente ao ano de 2012, um rendimento profissional de 2 664,64 PLN (aproximadamente 650 euros). A recorrente declarou igualmente na audiência que tinha pedido a sua retirada do registo comercial polaco em 2014 e que o montante de 54 289,16 PLN (aproximadamente 12 700 euros) declarado relativamente a esse ano correspondia ao salário que tinha recebido na Bélgica pelo seu emprego nesse ano numa sociedade belga que prestava serviços à Comissão.

65      O facto de a recorrente ter mantido um número de telefone polaco também não permite demonstrar que manteve o seu centro de interesses na Polónia, a fortiori porque, como indicou na audiência, se tratava de um número de telefone móvel, que, consequentemente, podia ser utilizado a partir do território belga.

66      Em sexto lugar, a recorrente alega que sempre trabalhou num ambiente público internacional, primeiro na Representação Permanente da República da Polónia junto da União, de 7 de janeiro a 31 de dezembro de 2011, e depois na Comissão, de 16 de junho de 2014 a 31 de agosto de 2017. Argumenta que o facto de ter trabalhado num contexto internacional e de não ter exercido qualquer atividade no setor privado reduz qualquer presunção de integração na sociedade belga.

67      Todavia, como a própria recorrente reconhece, apenas exerceu uma atividade profissional na Comissão através de dois contratos sucessivos com duas sociedades belgas que prestam serviços a esta instituição. Ora, a jurisprudência excluiu do âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, último período, do anexo VII do Estatuto as situações triangulares em que, na verdade, o novo funcionário ou agente tinha trabalhado anteriormente em instituições da União, mas por conta de empresas privadas das quais era assalariado (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Pozza/Parlamento, T‑216/18, não publicado, EU:T:2019:118, n.o 51). Por conseguinte, o facto de a recorrente ter exercido uma atividade profissional junto da Comissão nestas condições não pode ser considerado como um indício de falta de integração da recorrente na Bélgica durante o período de referência.

68      No que respeita aos serviços prestados pela recorrente na Representação Permanente da República da Polónia junto da União, os mesmos são anteriores ao período de referência. Por conseguinte, não podiam ter uma influência decisiva na apreciação da AHCC sobre se a recorrente se tinha ou não integrado na Bélgica durante o referido período.

69      Tendo em conta o que precede, a segunda parte do fundamento não tem fundamento e este deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

70      Por conseguinte, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

71      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Nestes termos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Katarzyna WywiałPrząda é condenada nas despesas.

Gratsias

Marcoulli

Frendo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de novembro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.