Language of document : ECLI:EU:C:2018:986

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

6 de dezembro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Direitos aduaneiros — Encargos de efeito equivalente — Contribuição sobre o transporte de eletricidade produzida no território nacional e destinada à exportação — Compatibilidade dessa legislação com o princípio da livre circulação de mercadorias»

No processo C‑305/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Okresný súd Bratislava II (Tribunal de Primeira Instância de Bratislava II, Eslováquia), por decisão de 28 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2017, no processo

FENS spol. s.r.o.

contra

Slovenská republika — Úrad pre reguláciu sieťových odvetví,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Juhász (relator) e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de abril de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da FENS spol. s.r.o., por A. Čižmáriková, advokátka,

–        em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e A. Tokár, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 5 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 28.o e 30.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a FENS spol. s. r. o., uma sociedade por quotas estabelecida na Eslováquia, à Slovenská republika (República Eslovaca), representada pelo Úrad pre reguláciu sieťových odvetví [Instituto de Regulação Energética, a seguir «ÚRSO»), a respeito da taxa sobre a prestação de serviços de transporte de eletricidade de que o ÚRSO tinha pedido o pagamento à sociedade predecessora da FENS.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 28.o, n.o 1, TFUE prevê:

«A União compreende uma união aduaneira que abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre os Estados‑Membros, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer encargos de efeito equivalente, bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas suas relações com países terceiros.»

4        Nos termos do artigo 30.o TFUE:

«São proibidos entre os Estados‑Membros os direitos aduaneiros de importação e de exportação ou os encargos de efeito equivalente. Esta proibição é igualmente aplicável aos direitos aduaneiros de natureza fiscal.»

5        A Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37, e retificação no JO 2004, L 16, p. 74), compreende um artigo 11.o, sob a epígrafe «Despacho e compensação», que prevê, no seu n.o 7:

«As regras adotadas pelos operadores da rede de transporte para assegurar a compensação da rede de eletricidade, incluindo as regras para a faturação dos desequilíbrios energéticos aos utilizadores da rede, devem ser objetivas, transparentes e não discriminatórias. As condições, incluindo as regras e as tarifas, de prestação de tais serviços pelos operadores da rede de transporte devem ser estabelecidas de acordo com uma metodologia compatível com o disposto no n.o 2 do artigo 23.o, de forma não discriminatória e que reflita os custos, e devem ser publicadas.»

6        A Diretiva 2005/89/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de janeiro de 2006, relativa a medidas destinadas a garantir a segurança do fornecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas (JO 2006, L 33, p. 22), dispõe, no seu artigo 1.o, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»:

«1.      A presente diretiva estabelece medidas que têm por objetivo garantir a segurança do fornecimento de eletricidade, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno da eletricidade e de assegurar:

a)      Um nível adequado de capacidade de produção;

b)      Um equilíbrio adequado entre a oferta e a procura;

e

c)      Um nível apropriado de interligação entre os Estados‑Membros, tendo em vista o desenvolvimento do mercado interno.

2.      A presente diretiva estabelece um quadro no qual os Estados‑Membros devem definir políticas, transparentes, estáveis e não discriminatórias para a segurança do fornecimento de eletricidade, compatíveis com os requisitos de um mercado interno concorrencial da eletricidade.»

7        O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Manutenção do equilíbrio entre a oferta e a procura», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas adequadas para manter o equilíbrio entre a procura de eletricidade e a disponibilidade de capacidade de produção.

Os Estados‑Membros devem, em especial:

a)      Incentivar, sem prejuízo dos requisitos específicos de pequenos sistemas isolados, a criação de um enquadramento para o mercado grossista que forneça sinais de preços adequados em termos de produção e consumo;

b)      Exigir que os operadores das redes de transporte assegurem um nível adequado de capacidade de produção de reservas para manter esse equilíbrio e/ou adotem medidas equivalentes que respeitem os princípios do mercado.

2.      Sem prejuízo dos artigos 87.o e 88.o do Tratado, os Estados‑Membros podem também tomar medidas suplementares, incluindo, entre outras, as seguintes:

a)      Disposições que facilitem a criação de novas capacidades de produção e a entrada de novas empresas de produção no mercado;

b)      Remoção dos obstáculos à utilização de contratos de interruptibilidade;

c)      Remoção dos obstáculos à celebração de contratos de duração variável, tanto para os produtores como para os clientes;

d)      Medidas de incentivo à adoção de tecnologias de gestão da procura em tempo real, tais como sistemas de medição tecnologicamente avançados;

e)      Medidas de incentivo à conservação de energia;

f)      Concursos públicos ou outros procedimentos equivalentes em termos de transparência e não discriminação, de acordo com o n.o 1 do artigo 7.o da Diretiva 2003/54/CE.

3.      Os Estados‑Membros devem publicar as medidas tomadas nos termos do presente artigo, assegurando uma difusão tão vasta quanto possível.»

 Direito eslovaco

8        O Nariadenie vlády Slovenskej republiky č. 317/2007 Z. z., ktorým sa ustanovujú pravidlá pre fungovanie trhu s elektrinou (Regulamento n.o 317/2007 do Governo da República Eslovaca, que fixa as regras sobre o funcionamento do mercado de eletricidade), na versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Regulamento n.o 317/2007 do Governo»), dispõe no seu artigo 12.o, sob a epígrafe «Condições de prestação dos serviços da rede»:

«1.      Os serviços da rede são prestados pelo operador da rede de transporte em função das condições técnicas e das instruções do centro de distribuição da energia elétrica, mediante os serviços auxiliares adquiridos.

2.      Se o consumidor final de eletricidade estiver ligado à rede de transporte, deve pagar a tarifa para os serviços de rede e a tarifa para a exploração do sistema ao operador da rede de transporte com base num contrato de transporte e de acesso à rede de transporte.

3.      Se o consumidor final de eletricidade não estiver ligado à rede de transporte, deve pagar a tarifa para os serviços de rede e a tarifa para a exploração do sistema através do operador da rede de distribuição ao qual o local de consumo está ligado, com base no contrato de distribuição e de acesso à rede de distribuição.

[…]

9.      O pagamento pelos serviços de rede em caso de exportação de eletricidade deve ser pago pelo exportador de eletricidade, se não demonstrar que a eletricidade exportada foi importada no território definido.

10.      O pagamento a título da exploração do sistema não é faturado para a eletricidade para efeitos da exportação de eletricidade.»

9        Nos termos do artigo 2.o, alínea a), ponto 2, da Zákon č. 251/2012 Z. z. o energetike a o zmene a doplnení niektorých zákonov (Lei n.o 251/2012 da Energia, que altera e completa determinadas leis), o território definido é o território da República Eslovaca em que o gestor da rede de transporte ou o gestor da rede de distribuição está obrigado a garantir o transporte ou a distribuição de eletricidade, ou no qual o gestor da rede de transporte ou o gestor da rede de distribuição está obrigado a garantir o transporte ou a distribuição de gás.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      A FENS sucedeu à Korlea Invest a.s. (a seguir «Korlea»), sociedade que foi declarada insolvente durante o processo judicial em que o presente pedido de decisão prejudicial foi submetido.

11      A Korlea tinha sido autorizada a operar como fornecedor no mercado da eletricidade eslovaca. As suas atividades incluem a aquisição, a venda e a exportação de eletricidade. Neste contexto, a Korlea celebrou um contrato‑quadro de compra e venda de eletricidade com a Slovenské elektrárne a.s., uma sociedade eslovaca que atua no setor da produção de eletricidade, que entrou em vigor em 15 de agosto de 2006, bem como vários contratos de fornecimento de eletricidade a particulares. Em 16 de janeiro de 2008, a Korlea celebrou com a Slovenská elektrizačná prenosová sústava, a.s. (a seguir «SEPS»), uma sociedade eslovaca que gere a rede nacional de transporte de eletricidade, um contrato de transporte de eletricidade em virtude do qual esta sociedade se comprometeu a garantir, por conta da Korlea, o transporte de eletricidade através de linhas de interligação e a gestão e a prestação de serviços de transporte. O referido contrato de transporte previa que, para a prestação de serviços de rede em caso de exportação de eletricidade, a Korlea devia pagar uma taxa, calculada em conformidade com o artigo 12.o, n.o 9, do Regulamento n.o 317/2007 do Governo, exceto no caso de demonstrar que a eletricidade exportada tinha previamente sido importada para a Eslováquia.

12      A Korlea pagou, a título dessa taxa, um montante de 6 815 853,415 euros à SEPS pelo período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2008. Este montante foi calculado com base numa decisão do ÚRSO de 4 de dezembro de 2007.

13      Por carta de 13 de outubro de 2008, a Korlea pediu à SEPS a suspensão da cobrança da referida taxa e o reembolso dos montantes já pagos a esse título. Por carta de 30 de outubro de 2008, a SEPS recusou este pedido.

14      Em 2010, a Korlea intentou no Okresný súd Bratislava II (Tribunal de Primeira Instância de Bratislava II, Eslováquia) uma ação de indemnização contra a ÚRSO, alegando nomeadamente que a taxa em causa constituía um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro. O ÚRSO sustentou que essa taxa não era suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, mas que tinha por objetivo garantir a segurança de abastecimento, a fiabilidade e a estabilidade da rede elétrica da República Eslovaca, especialmente no período anterior ao ano de 2009, durante o qual a estabilidade da rede foi afetada pelo encerramento de dois blocos da central nuclear de Jaslovské Bohunice (Eslováquia). O ÚRSO indicou igualmente que, quando o mercado eslovaco ficou de novo estável — a saber, a partir de 1 de abril de 2009 —, deixou de aplicar a referida taxa.

15      Por sentença de 4 de fevereiro de 2011, o referido órgão jurisdicional julgou a ação improcedente. A Korlea recorreu desta decisão para o Krajský súd Bratislava (Tribunal Regional de Bratislava, Eslováquia), o qual, por despacho de 15 de agosto de 2012, anulou essa sentença e devolveu o processo ao órgão jurisdicional de primeira instância.

16      Neste contexto, o Okresný súd Bratislava II (Tribunal de Primeira Instância de Bratislava) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 30.o TFUE ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como o artigo 12.o, n.o 9, do [Regulamento n.o 317/2007 do Governo], que institui uma taxa específica em caso de exportação de eletricidade a partir do território da República Eslovaca, sem distinguir se se trata de uma exportação de eletricidade a partir do território eslovaco para outros Estados‑Membros da União Europeia ou para países terceiros, no caso de o produtor de eletricidade não [demonstrar] que a eletricidade exportada foi importada para o território da República Eslovaca, ou seja, um encargo pecuniário aplicado exclusivamente à eletricidade produzida no território da República Eslovaca e daí exportada?

2)      Deve ser qualificada de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro na aceção do artigo 28.o, n.o 1, TFUE também uma taxa pecuniária como a instituída pela disposição do artigo 12.o, n.o 9, do [Regulamento n.o 317/2007 do Governo], ou seja, uma taxa aplicada exclusivamente à eletricidade produzida na República Eslovaca e simultaneamente exportada do território da República Eslovaca, sem distinguir entre exportação para países terceiros e exportação para Estados‑Membros da União Europeia?

3)      Uma disposição nacional como o artigo 12.o, n.o 9, do [decreto governamental n.º 317/2007] é compatível com o princípio da livre circulação de mercadorias consagrado no artigo 28.o TFUE?»

 Quanto às questões prejudiciais

17      Com as suas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 28.o e 30.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que prevê um encargo pecuniário, como o que está em causa no processo principal, que incide sobre a eletricidade exportada para outro Estado‑Membro ou para um país terceiro apenas quando a eletricidade tiver sido produzida no território nacional.

18      Nos termos do artigo 12.o, n.o 9, do Regulamento n.o 317/2007 do Governo, o pagamento a título dos serviços de rede em caso de exportação de eletricidade é feito pelo exportador de eletricidade, a menos que possa provar que a eletricidade exportada tinha sido importada para o território da República Eslovaca. Resulta igualmente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o encargo pecuniário que constitui esse pagamento só foi imposto temporariamente e deixou de ser aplicado a partir de 1 de abril de 2009.

 Quanto à aplicabilidade dos artigos 28.o e 30.o TFUE

19      Os Governos neerlandês e eslovaco defendem que a situação em causa no processo principal é regulada pelo direito derivado. O primeiro refere‑se a determinadas disposições da Diretiva 2003/54 e o segundo refere‑se a algumas das disposições da Diretiva 2005/89.

20      Segundo o Governo neerlandês, o encargo pecuniário em causa está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 11.o, n.o 7, da Diretiva 2003/54, que permite que os operadores da rede instituam taxas a pagar pelos utilizadores do transporte de eletricidade em caso de desequilíbrio. A conformidade de tal encargo com o direito da União deveria, por isso, ser apreciada à luz desta diretiva e não do direito primário.

21      Por seu turno, o Governo eslovaco alega que o artigo 5.o da Diretiva 2005/89 prevê expressamente que os Estados‑Membros devem tomar as medidas adequadas para manter o equilíbrio entre a capacidade de produção disponível e a procura de eletricidade. A introdução temporária de encargo pecuniário em causa no processo principal, de que são devedores os exportadores de eletricidade doméstica, responde precisamente aos objetivos prosseguidos por esse artigo.

22      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, toda e qualquer medida nacional, num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União, deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do direito primário (v., designadamente, Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 57 e jurisprudência aí referida).

23      No caso vertente, importa, pois, determinar se o artigo 11.o, n.o 7, da Diretiva 2003/54 e/ou o artigo 5.o da Diretiva 2005/89 procederam a uma harmonização exaustiva que permita excluir o exame da compatibilidade de uma legislação como a que está em causa no processo principal com os artigos 28.o e 30.o TFUE.

24      A este respeito, há que salientar que a Diretiva 2003/54, aplicável à data dos factos no processo principal, constituía uma das fases da realização progressiva do mercado interno da eletricidade em toda a União. Embora tenha contribuído para a criação desse mercado, não concluiu de forma alguma a realização do mercado interno da eletricidade. O facto de a Diretiva 2003/54 ter sido revogada pela Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 2009 L 211, p. 55), corrobora esta conclusão.

25      No que respeita, nomeadamente, ao artigo 11.o, n.o 7, da Diretiva 2003/54, resulta dos próprios termos dessa disposição que as regras para a faturação das taxas a pagar pelos utilizadores da rede de eletricidade em caso de desequilíbrio devem ser objetivas, transparentes e não discriminatórias. Deste modo, esta disposição limita‑se a definir o quadro em que os operadores da rede de transporte estabelecem essas taxas cuja imposição não é, portanto, exaustivamente harmonizada. Assim, os artigos 28.o e 30.o TFUE devem ser tidos em conta para determinar a conformidade com o direito da União de medidas nacionais, como as que estão em causa no processo principal.

26      Quanto à Diretiva 2005/89, esta visa, tal como decorre do seu artigo 1.o, n.o 2, estabelecer um quadro no qual os Estados‑Membros devem definir políticas transparentes, estáveis e não discriminatórias para a segurança do fornecimento de eletricidade, compatíveis com os requisitos de um mercado interno concorrencial da eletricidade. O artigo 5.o desta diretiva, invocado pelo Governo eslovaco, refere‑se à adoção, pelos Estados‑Membros, de «medidas adequadas». Resulta destas disposições que os Estados‑Membros conservam uma importante margem de apreciação neste contexto e que a harmonização feita pela referida diretiva não tem caráter exaustivo.

27      Daqui resulta que o artigo 11.o, n.o 7, da Diretiva 2003/54 e o artigo 5.o da Diretiva 2005/89 não levaram a cabo uma harmonização completa do domínio que regulam.

28      Tendo em conta as considerações que precedem, há que interpretar os artigos 28.o e 30.o TFUE.

 Quanto à existência de um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro

29      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro qualquer encargo pecuniário unilateralmente imposto, ainda que mínimo, sejam quais forem as suas designação e técnica, que incida sobre mercadorias por passarem a fronteira, quando não seja um direito aduaneiro propriamente dito. Em contrapartida, os encargos pecuniários que decorrem de um regime geral de imposições internas que compreende sistematicamente, segundo os mesmos critérios objetivos, categorias de produtos independentemente da sua origem ou do seu destino são abrangidos pelo artigo 110.o TFUE, que proíbe as imposições internas discriminatórias (Acórdão de 14 de junho de 2018, Lubrizol France, C‑39/17, EU:C:2018:438, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

30      Neste contexto, há que recordar, por um lado, que as disposições do Tratado FUE relativas aos encargos de efeito equivalente e as relativas às imposições internas discriminatórias não são aplicáveis cumulativamente, de modo que uma medida que se insira no âmbito de aplicação do artigo 110.o TFUE não pode, no sistema do referido Tratado, ser qualificada de «encargo de efeito equivalente» (v., neste sentido, Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 20 e jurisprudência aí referida) e, por outro, que o artigo 110.o TFUE visa não só as mercadorias importadas, mas também as que são exportadas (v., neste sentido, Acórdão de 22 de maio de 2003, Freskot, C‑355/00, EU:C:2003:298, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

31      Um encargo pecuniário escapa à qualificação de «encargo de efeito equivalente» se for cobrado, em determinadas condições, em virtude de controlos efetuados para se conformar com obrigações impostas pelo direito da União ou se constitui a contrapartida de um serviço efetivamente prestado ao operador que está obrigado a pagá‑lo, de um montante proporcionado ao referido serviço (Acórdão de 14 de junho de 2018, Lubrizol France, C‑39/17, EU:C:2018:438, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

32      Por conseguinte, deve determinar‑se se o encargo pecuniário em causa no processo principal responde à definição de um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, tal como decorre dos elementos indicados nos n.os 29 a 31 do presente acórdão.

33      A este respeito, cabe salientar, em primeiro lugar, que o encargo em causa no processo principal constitui um encargo pecuniário unilateralmente imposto por um Estado‑Membro. Não sendo relevante o objetivo da sua imposição, pouco importa que se trate de um encargo por determinados serviços de rede para o transporte de eletricidade (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.o 14 e jurisprudência aí referida).

34      Em segundo lugar, há que salientar que a eletricidade é uma mercadoria na aceção do direito da União e que um encargo que não é cobrado sobre a mercadoria enquanto tal, mas sim sobre uma atividade necessária relacionada com essa mercadoria, tal como, no processo principal, serviços de rede, pode ser abrangido pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias. Assim, quando uma taxa é calculada com base nos quilowatts‑hora transportados, e não na distância percorrida ou com base em qualquer outro critério diretamente relacionado com o transporte, deve considerar‑se que incide sobre a própria mercadoria (v., nesse sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.os 43 e 44 e jurisprudência aí referida).

35      No processo principal, uma vez que o encargo em causa é calculado sobre a quantidade de quilowatts‑hora transportados, deve considerar‑se que incide sobre as mercadorias.

36      Em terceiro lugar, há que verificar se esse encargo incide sobre estas mercadorias por atravessarem uma fronteira ou se, pelo contrário, resulta de um sistema geral de imposições internas que onera sistematicamente, segundo os mesmos critérios objetivos, categorias de produtos independentemente da sua origem ou do seu destino.

37      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a característica essencial de um encargo de efeito equivalente, que o distingue de uma imposição interna de natureza geral, reside na circunstância de o primeiro incidir exclusivamente sobre o produto importado como tal, enquanto a segunda incide quer sobre os produtos importados, quer sobre os produtos exportados, quer sobre os produtos nacionais (Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 28).

38      No caso em apreço, resulta da redação das questões submetidas que o encargo em causa no processo principal incide unicamente sobre a eletricidade produzida na Eslováquia e exportada posteriormente. Daqui resulta que é cobrado pelo facto de a eletricidade atravessar a fronteira.

39      O Governo eslovaco alega, no entanto, que o Regulamento n.o 317/2007 do Governo prevê um encargo idêntico que incide sobre a eletricidade consumida na Eslováquia pelo consumidor ou pelo cliente final, independentemente da origem da eletricidade. Por esta razão, a eletricidade produzida na Eslováquia e exportada posteriormente é, na realidade, tratada da mesma forma que a eletricidade produzida na Eslováquia e consumida nesse país.

40      Todavia, admitindo que as duas categorias de eletricidade estejam sujeitas a um mesmo regime, importa ainda observar que, para ser abrangido por um sistema geral de «imposições internas», na aceção do artigo 110.o TFUE, o encargo fiscal considerado deve atingir o produto interno e o produto exportado idêntico com o mesmo imposto no mesmo estádio da comercialização, e que o facto gerador do imposto deve, também ele, ser idêntico (Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

41      Ora, embora, segundo as indicações do Governo eslovaco, seja nomeadamente o cliente final quem paga o encargo pecuniário em causa para a eletricidade consumida na Eslováquia, é pacífico que, para a eletricidade exportada, esse encargo é devido pelo exportador de eletricidade. Assim, o encargo em causa no processo principal incide sobre a eletricidade produzida na Eslováquia devido ao seu consumo nesse país ou, quando esta seja exportada para poder ser consumida posteriormente noutro país, devido à sua exportação. Nestas condições, há que observar que esse encargo pecuniário não incide sobre a eletricidade exportada e a consumida no interior desse Estado‑Membro no mesmo estádio de comercialização.

42      Em quarto lugar, importa salientar que não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o encargo pecuniário em causa no processo principal é cobrado devido a controlos efetuados para dar cumprimento a obrigações impostas pelo direito da União ou que constitui a contrapartida de um serviço efetivamente prestado ao operador, de um montante proporcional ao referido serviço.

43      A este respeito, cumpre esclarecer que, embora o Tribunal de Justiça tenha reconhecido que um encargo que constitui a remuneração de um serviço efetivamente prestado ao operador económico obrigado a pagar esse encargo, de montante proporcional ao referido serviço, não constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro (Acórdão de 9 de setembro de 2004, Carbonati Apuani, C‑72/03, EU:C:2004:506, n.o 31), não é menos certo que, como recordou a advogada‑geral no n.o 66 das suas conclusões, para que o encargo escape ao âmbito de aplicação do artigo 28.o TFUE, o serviço prestado deve conferir uma vantagem específica e certa ao exportador individual, uma vantagem de interesse público é demasiado genérica e incerta para poder ser considerada uma remuneração que constitui a contrapartida de uma vantagem específica efetivamente conferida (v., nesse sentido, Acórdãos de 1 de julho de 1969, Comissão/Itália, 24/68, EU:C:1969:29, n.o 16, e de 27 de setembro de 1988, Comissão/Alemanha, 18/87, EU:C:1988:453, n.o 7).

44      Ora, o Governo eslovaco, embora tenha indicado, nas suas observações escritas, que esse encargo pecuniário foi cobrado por um serviço de rede que foi efetivamente prestado aos exportadores, não fundamentou esta parte da sua argumentação em elementos suplementares suscetíveis de demonstrar que o encargo controvertido constituía a remuneração de tal vantagem específica e certa.

45      Também não resulta dos outros elementos dos autos que um encargo pecuniário imposto com vista a manter o equilíbrio entre a capacidade de produção disponível e a procura de eletricidade poderia constituir a remuneração em contrapartida de um serviço que confere uma vantagem específica e certa.

46      Nestas condições, um encargo pecuniário, como o que está em causa no processo principal, que incide sobre a eletricidade exportada tanto para um Estado‑Membro diferente da República Eslovaca como para países terceiros, constitui um encargo de efeito equivalente, na aceção do artigo 28.o TFUE.

47      Esta constatação é aplicável tanto para a eletricidade exportada para outro Estado‑Membro como para a eletricidade exportada para países terceiros.

48      Com efeito, na medida em que tal encargo pecuniário incide sobre as exportações para outros Estados‑Membros, está abrangido pelos artigos 28.o e 30.o TFUE e, na medida em que incida sobre as exportações para países terceiros, é abrangido pelo artigo 28.o TFUE.

49      No que respeita mais especificamente às exportações para países terceiros, importa recordar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e e), TFUE, a União dispõe de competência exclusiva no domínio da união aduaneira e da política comercial comum e que, em conformidade com o artigo 207.o, n.o 1, TFUE, a política comercial comum assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito às modificações pautais, e à celebração de acordos pautais e comerciais sobre o comércio de mercadorias e serviços.

50      Ora a uniformidade da política comercial comum seria gravemente afetada se os Estados‑Membros fossem autorizados a impor, unilateralmente, encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre as exportações para países terceiros.

51      Daqui resulta que, como observou a Comissão Europeia, os Estados‑Membros não dispõem de competência que lhes permita instituir unilateralmente encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de exportação no caso de exportações para países terceiros (v., por analogia, Acórdão de 26 de outubro de 1995, Siesse, C‑36/94, EU:C:1995:351, n.o 17).

 Quanto à eventual justificação deste encargo à exportação

52      O Governo neerlandês sustenta que o objetivo que consiste em garantir a segurança do abastecimento constitui, como o Tribunal de Justiça já reconheceu no seu Acórdão de 22 de outubro de 2013, Essent e o. (C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 59 e jurisprudência aí referida), uma razão imperiosa de interesse geral.

53      A este respeito, é jurisprudência constante que a proibição prevista no artigo 28.o TFUE tem um caráter geral e absoluto (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.o 14 e jurisprudência aí referida). O Tratado FUE não prevê nenhuma derrogação e o Tribunal de Justiça declarou que resulta da clareza, do caráter imperativo e do alcance sem reservas das disposições do direito primário aplicáveis que a proibição dos direitos aduaneiros constitui uma regra essencial e que, em consequência, qualquer eventual exceção deve estar claramente prevista. O Tribunal precisou igualmente que o conceito de «encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro» é o complemento necessário da regra geral de proibição dos direitos aduaneiros (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1962, Comissão/Luxemburgo e Bélgica, 2/62 e 3/62, EU:C:1962:45, p. 827).

54      O Tribunal de Justiça considerou ainda que as derrogações aos artigos 34.o e 35.o TFUE previstas no artigo 36.o TFUE não são aplicáveis, por analogia, no quadro dos direitos aduaneiros e dos encargos de efeito equivalente (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália, 7/68, EU:C:1968:51, p. 628).

55      Estas considerações impõem‑se tanto para a proibição dos encargos de efeito equivalente a um direito aduaneiro de exportação para outros Estados‑Membros como para a proibição desses encargos à exportação para países terceiros.

56      Daqui resulta que, devendo o encargo pecuniário em causa ser qualificado de encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros, este não é suscetível de justificação.

57      Resulta das considerações precedentes que os artigos 28.o TFUE e 30.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que prevê um encargo pecuniário, como o que está em causa no processo principal, que incide sobre a eletricidade exportada para outro Estado‑Membro ou para um país terceiro apenas quando a eletricidade tiver sido produzida no território nacional.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 28.o e 30.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EstadoMembro que prevê um encargo pecuniário, como o que está em causa no processo principal, que incide sobre a eletricidade exportada para outro EstadoMembro ou para um país terceiro apenas quando a eletricidade tiver sido produzida no território nacional.

Assinaturas


*      Língua do processo: eslovaco.