Language of document : ECLI:EU:C:2007:433

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 18 de Julho de 2007 1(1)

Processo C‑64/05 P

Reino da Suécia

contra

Comissão das Comunidades Europeias e o.

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Acesso aos documentos das instituições – Documentos das autoridades alemãs relativos à desclassificação de um local protegido pela directiva sobre a preservação dos habitats naturais – Recusa»





1.        O Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre o recurso que o Reino da Suécia interpôs do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 30 de Novembro de 2004, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão (2) (a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal negou provimento ao recurso interposto pela IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds gGmbH (a seguir «IFAW»), destinado a obter a anulação da decisão da Comissão de 26 de Março de 2002 que lhe recusou o acesso a determinados documentos relativos à desclassificação de um local protegido.

2.        Segundo o recorrente no presente recurso, o Tribunal considerou erradamente que o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (3) (a seguir «regulamento»), no qual se baseou a decisão controvertida, obriga uma instituição a indeferir qualquer pedido de acesso a um documento emanado de um Estado‑Membro, que essa instituição tenha em sua posse, no caso de este último se opor à sua divulgação.

3.        Como resultará da análise do processo, o problema jurídico que lhe está subjacente e os debates a que simultaneamente deu lugar põem em evidência as diferenças culturais em matéria de transparência, confrontando‑as. Diferença entre a cultura comunitária, que só recentemente se converteu com maior ou menor entusiasmo à exigência de transparência, e a cultura dos países nórdicos, que gozam de uma tradição antiga e particularmente forte na matéria (4). Diferença também entre as culturas dos Estados‑Membros, de que o presente processo é testemunho, uma vez que seis Estados‑Membros nele se defrontam, quatro como intervenientes no Tribunal de Primeira Instância e/ou no Tribunal de Justiça, para se oporem à interpretação acolhida pelo Tribunal de Primeira Instância, e dois para a defender. O processo e o problema jurídico que o mesmo suscita atestam também as interacções recíprocas entre os diferentes direitos relativos à transparência: «alimentadas pelas transparências nacionais, as transparências europeias geram, por sua vez, mutações que afectam os Estados‑Membros» (5). Por último, o processo diz respeito a uma disposição do regulamento particularmente sujeita a impugnações contenciosas: em dois anos de aplicação do referido regulamento, dos onze recursos interpostos no Tribunal de Primeira Instância contra decisões negativas da Comissão, seis tiveram por objecto a aplicação do artigo 4.°, n.° 5 (6).

I –    Quadro do presente recurso

4.        Para uma compreensão correcta do processo, daquilo que está em causa e da solução que lhe venha a ser dada, impõe‑se recordar as principais disposições aplicáveis, os factos e a solução adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância.

A –    Disposições aplicáveis

5.        O artigo 255.°, n.os 1 e 2, CE prevê:

«1.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos dos n.os 2 e 3.

2.      Os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o exercício do direito de acesso aos documentos são definidos pelo Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.°, no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.»

6.        A Declaração n.° 35, anexa à Acta Final do Tratado de Amesterdão (a seguir «Declaração n.° 35»), enuncia:

«A Conferência acorda em que os princípios e condições a que se refere o n.° 1 do artigo 255.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia permitirão que um Estado‑Membro solicite à Comissão ou ao Conselho que não faculte a terceiros um documento emanado desse Estado sem o seu prévio acordo.»

7.        Com base no artigo 255.°, n.° 2, CE, o Conselho adoptou o regulamento. Os considerandos 4, 6, 9, 10 e 15 do referido regulamento têm a seguinte redacção:

«(4)      O presente regulamento destina‑se a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respectivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 255.° do Tratado CE.

[...]

(6)      Deverá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam no exercício dos seus poderes legislativos, incluindo por delegação, embora simultaneamente, preservando a eficácia do processo decisório institucional. O acesso directo a estes documentos deverá ser tão amplo quanto possível.

[...]

(9)      Em razão do seu conteúdo extremamente sensível, determinados documentos deverão receber um tratamento especial. Serão adoptadas por acordo interinstitucional modalidades de informação do Parlamento Europeu sobre o conteúdo desses documentos.

(10)      A fim de melhorar a transparência dos trabalhos das instituições, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão deverão conceder acesso não só aos documentos elaborados pelas instituições mas também a documentos por elas recebidos. Neste contexto, recorda‑se que a Declaração n.° 35 anexa à Acta Final do Tratado de Amesterdão prevê que qualquer Estado‑Membro pode solicitar à Comissão ou ao Conselho que não faculte a terceiros um documento emanado desse Estado sem o seu prévio acordo.

[...]

(15)      Embora o presente regulamento não tenha por objecto nem por efeito alterar a legislação nacional em matéria de acesso aos documentos, é óbvio que, por força do princípio de cooperação leal que rege as relações entre as instituições e os Estados‑Membros, estes últimos deverão fazer o possível por não prejudicar a boa aplicação do presente regulamento e respeitar as regras de segurança das instituições.»

8.        O artigo 1.°, alínea a), do regulamento dispõe:

«Objectivo

O presente regulamento tem por objectivo:

a)      Definir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (adiante designados ‘instituições’), previsto no artigo 255.° do Tratado CE, de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível.»

9.        O artigo 2.° deste regulamento estabelece:

«Beneficiários e âmbito de aplicação

1.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

[...]

3.      O presente regulamento é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia.

[...]

5.      Os documentos sensíveis na acepção do n.° 1 do artigo 9.° serão sujeitos a tratamento especial.

[...]»

10.      Nos termos do artigo 3.°, alínea b), do referido regulamento, para efeitos deste, entende‑se por «terceiros» «qualquer pessoa singular ou colectiva ou qualquer entidade exterior à instituição em causa, incluindo os Estados‑Membros, as restantes instituições ou órgãos comunitários e não comunitários e os Estados terceiros».

11.      O artigo 4.° do regulamento prevê:

«Excepções

1.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção:

a)      Do interesse público, no que respeita:

–      à segurança pública,

–      à defesa e às questões militares,

–      às relações internacionais,

–      à política financeira, monetária ou económica da Comunidade ou de um Estado‑Membro;

b)      Da vida privada e da integridade do indivíduo, nomeadamente nos termos da legislação comunitária relativa à protecção dos dados pessoais.

2.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção de:

–        interesses comerciais das pessoas singulares ou colectivas, incluindo a propriedade intelectual,

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

–        objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria,

excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.      O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

4.      No que diz respeito a documentos de terceiros, a instituição consultará os terceiros em causa tendo em vista avaliar se qualquer das excepções previstas nos n.os 1 ou 2 é aplicável, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado.

5.      Qualquer Estado‑Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo.

[...]

7.      As excepções previstas nos n.os 1 a 3 só são aplicáveis durante o período em que a protecção se justifique com base no conteúdo do documento. As excepções podem ser aplicadas, no máximo, durante 30 anos. No que se refere aos documentos abrangidos pelas excepções relativas à vida privada ou a interesses comerciais e aos documentos sensíveis, as excepções podem, se necessário, ser aplicáveis após aquele período.»

12.      O artigo 5.° do referido regulamento prevê:

«Documentos nos Estados‑Membros

Sempre que um Estado‑Membro receba um pedido de acesso a um documento emanado de uma instituição que esteja na sua posse, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado, consultará a instituição em causa, a fim de tomar uma decisão que não prejudique a realização dos objectivos do presente regulamento.

O Estado‑Membro pode, em alternativa, remeter o pedido para a instituição.»

13.      Nos termos do artigo 9.° deste regulamento:

«1.      Documentos sensíveis são os documentos emanados das instituições ou das agências por elas criadas, dos Estados‑Membros, de Estados terceiros ou de organizações internacionais, classificados como ‘TRÈS SECRET/TOP SECRET’, ‘SECRET’, ou ‘CONFIDENTIEL’ por força das regras em vigor no seio da instituição em causa que protegem os interesses essenciais da União Europeia ou de um ou vários dos seus Estados‑Membros abrangidos pelo n.° 1, alínea a), do artigo 4.°, em especial a segurança pública, a defesa e as questões militares.

2.      Os pedidos de acesso a documentos sensíveis no âmbito dos procedimentos previstos nos artigos 7.° e 8.° serão tratados exclusivamente por pessoas autorizadas a tomar conhecimento do conteúdo desses documentos. Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 11.°, cabe a estas pessoas precisar as referências dos documentos sensíveis que poderão ser inscritas no registo público.

3.      Os documentos sensíveis só serão registados ou divulgados mediante acordo da entidade de origem.

4.      Qualquer instituição que decida recusar o acesso a um documento sensível deve fundamentar essa decisão de forma que não prejudique os interesses protegidos ao abrigo do artigo 4.°

5.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para assegurar o respeito dos princípios previstos no presente artigo e no artigo 4.° no âmbito do tratamento dos pedidos de documentos sensíveis.

6.      As regras previstas nas instituições relativas aos documentos sensíveis serão tornadas públicas.

7.      A Comissão e o Conselho informarão o Parlamento Europeu sobre os documentos sensíveis, em conformidade com as modalidades acordadas entre as instituições.»

B –    Matéria de facto

14.      Em 19 de Abril de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias emitiu um parecer que autorizava a República Federal da Alemanha a proceder à desclassificação do local de Mühlenberger Loch, até então uma zona protegida nos termos da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (7), para efeitos da realização de um projecto que consistia na ampliação da fábrica da Daimler Chrysler Aerospace Airbus e na recuperação de uma parte do estuário com vista ao prolongamento de uma pista de aterragem.

15.      Por carta de 20 de Dezembro de 2001, dirigida à Comissão, a IFAW, organização não governamental que actua no domínio da preservação do bem‑estar dos animais e da protecção da natureza, pediu o acesso, nomeadamente, à correspondência trocada entre a República Federal da Alemanha e a cidade de Hamburgo, relativa ao referido local e ao respectivo projecto, bem como à correspondência do Chanceler alemão.

16.      Uma vez que a República Federal da Alemanha, consultada pela Comissão a respeito deste pedido, se opôs à divulgação dos referidos documentos, a Comissão considerou que o artigo 4.°, n.° 5, do regulamento a impedia, nestas condições, de permitir o acesso aos documentos e, consequentemente, em 26 de Março de 2002, adoptou a decisão impugnada que indeferiu o pedido da IFAW.

17.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Junho de 2002, a IFAW interpôs um recurso de anulação da decisão da Comissão de 26 de Março de 2002.

C –    Acórdão recorrido

18.      Em apoio dos seus pedidos de anulação, a recorrente suscitou, nomeadamente, o fundamento relativo à violação do artigo 4.° do regulamento. Alega que é errada a interpretação do artigo 4.°, n.° 5, do referido regulamento feita pela Comissão, segundo a qual esta instituição é obrigada a recusar o acesso a um documento recebido de um Estado‑Membro, se este se opuser à sua divulgação. A faculdade de que dispõe o Estado‑Membro do qual emana um documento, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, de pedir à instituição que está na posse dele que não o divulgue, não pode ser considerada um direito de veto, uma vez que a decisão final deve pertencer à instituição.

19.      Com base na argumentação desenvolvida nos n.os 50 a 65 do seu acórdão, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou este fundamento, tendo, portanto, negado provimento ao recurso de anulação.

20.      Nos termos do acórdão recorrido, a faculdade reconhecida a um Estado‑Membro pelo artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, de solicitar a uma instituição que não autorize, sem o seu acordo prévio, o acesso a um documento que ele lhe tenha transmitido, consubstancia uma injunção a essa instituição, de não divulgar o documento em questão no caso de o Estado‑Membro se opor a isso. O Estado‑Membro não tem o dever de fundamentar o seu pedido, e a instituição é obrigada a obedecer à injunção, sem poder examinar se a não divulgação do documento em causa se justifica, designadamente, por razões de interesse público.

21.      Deste ponto de vista, segundo o Tribunal de Primeira Instância, o artigo 4.°, n.° 5, do regulamento enuncia, a favor dos Estados‑Membros, uma lex specialis em relação ao artigo 4.°, n.° 4, desse regulamento, que apenas reconhece a outros terceiros o direito de serem consultados pelas instituições, a fim de determinar se o documento que eles lhes comunicaram está abrangido por alguma das excepções previstas no artigo 4.°, n.os 1 ou 2, do regulamento, e ainda desde que não seja claro se o documento deve ou não ser divulgado.

22.      O Tribunal de Primeira Instância baseia a sua interpretação do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento na consideração segundo a qual a obrigação de obter o acordo prévio do Estado‑Membro correria o risco de se tornar letra morta se não lhe fosse concedido um direito de veto. Baseia‑se igualmente na Declaração n.° 35, segundo a qual a Conferência acorda em que os princípios e condições fixados no artigo 255.° CE permitirão que um Estado‑Membro solicite à Comissão ou ao Conselho da União Europeia que não faculte a terceiros um documento emanado desse Estado, sem o seu acordo prévio. Daí resulta, ainda segundo o Tribunal de Primeira Instância, que a faculdade prevista no artigo 4.°, n.° 5, do regulamento se explica pelo facto de este regulamento não ter por objecto nem por efeito modificar as legislações nacionais em matéria de acesso aos documentos, como recorda, aliás, o considerando 15 do referido regulamento. Em consequência, quando um Estado‑Membro tenha formulado um pedido relativo a um documento ao abrigo do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, o acesso a esse documento não se rege pelo regulamento, mas pelas disposições nacionais pertinentes do Estado‑Membro em causa, disposições que não foram alteradas pela adopção do regulamento.

23.      O Tribunal de Primeira Instância acrescenta que, «[a] fim de garantir às disposições do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento uma interpretação que seja conforme à Declaração n.° 35 e facilitar o acesso ao documento em causa, permitindo ao Estado‑Membro, eventualmente, autorizar a sua divulgação, cabe à instituição consultar esse Estado‑Membro quando lhe for apresentado um pedido de autorização relativo a um documento emanado desse Estado‑Membro. Se esse Estado‑Membro, após ter sido consultado, não apresentar um pedido nos termos do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, cabe sempre à instituição apreciar, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do regulamento, se o documento deve ser divulgado ou não» (8).

24.      Tendo concluído que os documentos cuja divulgação tinha sido pedida pela recorrente são documentos emanados de um Estado‑Membro, na acepção do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, e que a República Federal da Alemanha tinha pedido à Comissão para não os divulgar, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a decisão da Comissão não padecia do vício de violação do artigo 4.° do referido regulamento.

II – Análise do presente recurso

25.      É deste acórdão do Tribunal de Primeira Instância, proferido em 30 de Novembro de 2004, que o Reino da Suécia, que já era interveniente em apoio dos pedidos da recorrente no processo no Tribunal de Primeira Instância, interpõe recurso para o Tribunal de Justiça. O ora recorrente invoca um fundamento único de recurso, relativo à violação do direito comunitário resultante da inobservância do alcance do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento: longe de consagrar um direito de veto a favor dos Estados‑Membros, conforme considerou o Tribunal de Primeira Instância, o artigo 4.°, n.° 5, apenas lhes reconhece o direito de serem consultados antes de uma instituição divulgar um documento que eles lhe tenham transmitido; esta mantém, no entanto, a responsabilidade de decidir se convém ou não torná‑lo público, e só num dos casos excepcionais previstos no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do regulamento é que, por razões de confidencialidade, se justifica uma decisão de não autorizar o acesso.

26.      Como se pode ver, confrontam‑se aqui duas teses diametralmente opostas sobre o alcance do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento. Para tentar clarificar a interpretação desta disposição, importa verificar a sua pertinência. Nesta perspectiva, demonstrarei que nem a interpretação literal do artigo 4.°, n.° 5, nem o respeito da vontade dos Estados‑Membros expressa na Declaração n.° 35 exigiam, contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, a solução por este adoptada. Pelo contrário, a interpretação sistemática e teleológica impõe uma outra solução.

A –    Inexistência de resposta probatória relativa à interpretação literal e à indagação da intenção das partes

1.      Teor do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento

27.      Importa recordar desde logo que, na situação jurídica anterior à resultante do regulamento, o direito de acesso aos documentos apenas abrangia os documentos elaborados pelas instituições (9). Ao invés, para os documentos na posse de uma instituição mas elaborados por terceiros, isto é, por uma pessoa singular ou colectiva, um Estado‑Membro, outra instituição ou órgão comunitário ou qualquer outro organismo nacional ou internacional, era a regra dita «regra do autor» que prevalecia. Por força desta regra, uma instituição não podia divulgar os documentos originários de terceiros, e o pedido de acesso devia ser dirigido directamente ao autor do documento (10). Embora entendida pela jurisprudência, desde o início, como uma limitação ao princípio geral do direito de acesso, devendo, nesta medida, ser interpretada e aplicada restritivamente (11), esta regra do autor foi, no entanto, qualificada como «derrogação absoluta no que respeita aos documentos cujo autor seja um terceiro» (12).

28.      Um dos maiores contributos do regulamento foi, assim, ter alargado o campo de aplicação do direito comunitário de acesso aos documentos das instituições através da supressão da referida regra do autor. Doravante, por força do artigo 2.°, n.° 3, do referido regulamento, o direito de acesso refere‑se a «todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse». Em consequência, as instituições podem ter de comunicar documentos emanados de terceiros, incluindo‑se nestes, designadamente, os Estados‑Membros, em conformidade com a definição do conceito de terceiros que consta do artigo 3.°, alínea b), do regulamento. No entanto, este abandono da regra do autor foi contrabalançado por um tratamento especial concedido pelo artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, em particular, aos documentos emanados dos Estados‑Membros. Determinar em que consiste este tratamento especial é precisamente o fulcro do presente litígio.

29.      Se os termos da disposição em causa fossem claros, poder‑se‑ia legitimamente entender que se deve aplicar simplesmente a regra tal como foi enunciada: in claris non fit interpretatio. No entanto, inferir a resposta da redacção é, no caso em apreço, impossível, dado que esta está longe de ser unívoca. Esta enuncia que «qualquer Estado‑Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo». Como a própria Comissão admitiu, esta «formulação do n.° 5 do artigo 4.° não especifica em que medida as instituições são obrigadas a respeitar o parecer negativo de um Estado‑Membro quanto à divulgação de um documento seu» (13). De facto, o ênfase colocado na circunstância de que qualquer divulgação, por uma instituição, de um documento que um Estado‑Membro lhe transmitiu possa depender, a pedido deste, do seu «acordo prévio» milita a favor do reconhecimento de um direito de veto em proveito do Estado‑Membro. Ao invés, a utilização da palavra «solicitar» leva a concluir que a decisão de divulgação cabe, em definitivo, à instituição na posse do documento, dado que, como alegou correctamente a recorrente no processo no Tribunal de Primeira Instância, o termo «solicitar», que pode ser definido como o acto ou o facto de pedir algo, implica que a parte que apresentou um pedido espera uma resposta a este, bem como o exercício de um poder de apreciação por parte de quem lhe responde. Esta ambiguidade da letra do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento é acentuada pelo contraste proporcionado pela leitura dos termos do artigo 9.°, n.° 3, de que resulta indubitavelmente a afirmação de um direito de veto, uma vez que esta disposição enuncia que «os documentos sensíveis só serão registados ou divulgados mediante acordo da entidade de origem». Por conseguinte, não posso estar de acordo com o Tribunal de Primeira Instância quando, no acórdão recorrido, considerou que a obrigação imposta à instituição na posse de um documento emanado de um Estado‑Membro, de obter o acordo prévio deste antes de qualquer divulgação do referido documento, está «claramente consagrada» no artigo 4.°, n.° 5, do regulamento (14).

30.      De qualquer modo, as alterações efectuadas pelas três instituições nos seus regulamentos internos, em execução da obrigação de adaptação às disposições do regulamento que lhes é imposta pelo artigo 18.° deste, confirmam, se tal fosse necessário, o carácter equívoco da redacção do artigo 4.°, n.° 5. Da sua leitura decorre que a Comissão parecia não se privar da possibilidade de divulgar um documento emanado de um Estado‑Membro, contra a opinião explícita do seu autor, apesar de o Estado‑Membro lhe ter pedido que não o fizesse sem o seu acordo prévio (15). O Conselho, por sua vez, limitou‑se a reproduzir a redacção do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento (16). Quanto ao Parlamento Europeu, as suas regras internas não fazem nenhuma referência particular aos documentos emanados dos Estados‑Membros e limitam‑se a prever, no caso dos documentos provenientes de terceiros, a consulta destes, «a fim de determinar se aos documentos em questão é ou não aplicável uma das excepções previstas nos artigos 4.° ou 9.° do Regulamento (CE) n.° 1049/2001» (17).

31.      A própria doutrina está dividida quanto ao significado a dar aos termos do artigo 4.°, n.° 5, relativos ao alcance desta disposição. Alguns estavam persuadidos de que resultava da redacção desta disposição a afirmação explícita de um direito de veto em proveito dos Estados‑Membros (18). Outros, pelo contrário, defenderam uma interpretação diferente, reservando à instituição que está na posse do documento um direito à última palavra sobre o pedido de acesso (19).

32.      Na realidade, a ambiguidade dos termos do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento corresponde, como sublinhou com pertinência o Governo dinamarquês, a um «equívoco construtivo» que, só por si, permitiu a sua adopção pelo legislador comunitário (20). Com efeito, este equívoco é o resultado das tensões que acompanharam a génese do regulamento, tendo uma oposição entre os partidários da manutenção de um relativo sigilo e os adeptos de uma maior transparência dividido os diferentes protagonistas do processo legislativo (21). A Comissão queria que os Estados‑Membros conservassem um controlo da divulgação dos documentos que transmitem às instituições. Assim, a sua proposta inicial previa, no seu artigo 4.°, alínea d), que «as instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação possa prejudicar significativamente a protecção da confidencialidade solicitada pelo terceiro que tenha fornecido o documento ou a informação em causa ou da confidencialidade exigida pela legislação do Estado‑Membro em causa» (22). O Parlamento, por sua vez, defendia que a decisão de divulgação de um documento emanado de um Estado‑Membro devia caber à instituição que o tem em sua posse e, consequentemente, tinha sugerido uma modificação, nesse sentido, da proposta de regulamento da Comissão (23). No Conselho, os próprios Estados‑Membros estavam divididos, como ilustra o facto de uma proposta da P residência Francesa, apresentada em Dezembro de 2000, que reconhecia claramente aos Estados‑Membros um direito de veto, acabar por não ser adoptada.

2.      Âmbito da Declaração n.° 35

33.      Assim, a solução de compromisso consistiu em retomar no artigo 4.°, n.° 5, de forma quase literal, o texto da Declaração n.° 35, como o próprio Tribunal de Primeira Instância assinalou (24) e como refere o considerando 10 do regulamento, segundo o qual, no essencial, a extensão do direito de acesso aos documentos recebidos pelas instituições deve ser entendido à luz da Declaração n.° 35.

34.      Como medir, então, o alcance desta remissão para a Declaração n.° 35? O estatuto das declarações anexas aos Tratados é ainda relativamente incerto. Embora o artigo 311.° CE disponha que os protocolos que, de comum acordo entre os Estados‑Membros, foram anexos aos Tratados institutivos «fazem dele parte integrante» e têm, portanto, o mesmo valor jurídico (25), o Tratado nada diz quanto às declarações. A doutrina dominante (26) é unânime em negar qualquer efeito normativo vinculativo às declarações inseridas na Acta Final dos Tratados comunitários, considerando‑as apenas a expressão de um compromisso político. Durante muito tempo, a jurisprudência não se pronunciou sobre o assunto. Só recentemente reconheceu às declarações um alcance interpretativo (27). Esta solução corresponde às adoptadas em direito internacional. O artigo 31.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de Maio de 1969 enuncia que um tratado deve ser interpretado atendendo ao seu contexto, o qual compreende, «além do texto, preâmbulo e anexos incluídos: […] qualquer instrumento estabelecido por uma ou mais partes quando da conclusão do tratado e aceite pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado». São, portanto, visadas, como bases de interpretação, as declarações formuladas pelas partes (28). Poderá a interpretação de um tratado, assim dada de comum acordo pelos Estados partes numa declaração, ir a ponto de modificar as estipulações do mesmo tratado? Embora o direito internacional já tenha podido fornecer disso alguns exemplos na medida em que os Estados signatários são os intérpretes autênticos do tratado (29), o mesmo não acontece em direito comunitário, devido ao carácter rígido dos Tratados institutivos que constituem a carta constitucional das Comunidades (30).

35.      Dado que a Declaração n.° 35 pode legitimamente servir de base de interpretação do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, resta determinar se permite clarificar o sentido deste. Segundo o Reino Unido, a referida declaração revela que, ao adoptarem o artigo 255.° CE, cujo âmbito é extensivo aos documentos elaborados por terceiros e na posse das instituições comunitárias, os Estados‑Membros exigiram garantias de que os documentos deles emanados não fossem divulgados pelas instituições sem o seu consentimento. O Tribunal de Primeira Instância reconheceu‑lhe o mesmo alcance, uma vez que, após recordar os seus termos, inferiu desta disposição a existência de um direito de veto dos Estados‑Membros sobre quaisquer pedidos de acesso a um documento por eles transmitido a uma instituição (31). Contudo, redigida nos mesmos termos que o artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, a Declaração n.° 35 está impregnada da mesma ambiguidade. Por conseguinte, pouco ajuda na clarificação do seu significado: não é possível ver na sua redacção, da mesma forma que na letra do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, a afirmação clara e indubitável de um direito de veto dos Estados‑Membros.

36.      Há que reconhecer que a letra do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento sofre de um equívoco irredutível. É certo que não exclui a leitura que dela fez o Tribunal de Primeira Instância: os termos desta disposição não reduzem expressamente a uma simples consulta as garantias concedidas aos Estados‑Membros no caso de a uma instituição ser feito um pedido de divulgação de um documento emanado deles. A este respeito, o artigo 4.°, n.° 5, do regulamento não pode ser visto, de um ponto de vista puramente literal, como o equivalente do artigo 5.°, que prevê que «sempre que um Estado‑Membro receba um pedido de acesso a um documento emanado de uma instituição que esteja na sua posse, […] consultará a instituição em causa, a fim de tomar uma decisão que não prejudique a realização dos objectivos do presente regulamento». No entanto, a redacção do artigo 4.°, n.° 5, não impõe a interpretação que dele faz o Tribunal de Primeira Instância. Ora, a faculdade concedida aos Estados‑Membros por esta disposição, de pedir a não divulgação dos seus documentos a terceiros sem o seu acordo prévio, foi expressamente qualificada pelo Tribunal de Primeira Instância como «excepção» ao direito de acesso aos documentos das instituições (32). Segundo jurisprudência assente, qualquer excepção ao direito de acesso aos documentos das instituições deve ser interpretada e aplicada de modo estrito (33). A interpretação que reconhece aos Estados‑Membros um direito de veto incondicional sobre o acesso aos documentos por eles transmitidos a uma instituição só poderia, por conseguinte, ser admitida se tivesse encontrado apoio suficiente na própria letra do artigo 4.°, n.° 5.

B –    Interpretação sistemática e teleológica

37.      Na falta de resposta incontestável decorrente da interpretação literal do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, deve tentar precisar‑se o sentido da disposição em causa, situando‑a no contexto normativo global em que se insere e recorrendo aos objectivos da regulamentação de que faz parte. A este respeito, a disposição em causa inscreve‑se num contexto jurídico marcado pelo lento mas inexorável fortalecimento, em direito comunitário, da exigência de transparência em geral e do direito de acesso aos documentos das instituições em particular.

38.      O direito de acesso do público aos documentos das instituições foi, durante muito tempo, desconhecido do direito comunitário. Mas a evolução foi a de uma «progressiva afirmação» (34) do direito de acesso do público aos documentos na posse das autoridades públicas, de que me limitarei a recordar brevemente os principais marcos. O compromisso de transparência do processo decisório foi, pela primeira vez, solenemente expresso na Declaração n.° 17 relativa ao direito de acesso à informação anexa à Acta Final do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, que recomenda, para este efeito, a adopção de medidas destinadas a facilitar o acesso do público à informação de que dispõem as instituições. Na falta de regulamentação comunitária geral que determinasse o alcance deste direito de acesso, coube às instituições romper com o princípio tradicional do sigilo administrativo, decidindo elas próprias se pretendiam ou não conceder o solicitado acesso a um documento que se encontrava na sua posse. Após a adopção, de comum acordo, em 6 de Dezembro de 1993, de um código de conduta que enumera os princípios do acesso do público aos documentos em sua posse (35), o Conselho e a Comissão adoptaram, com fundamento no seu poder de organização interna (36), respectivamente, uma decisão de aplicação dos referidos princípios (37) e uma decisão que adoptava formalmente o referido código (38). Não obstante esta afirmação progressiva do direito de acesso do público aos documentos das instituições, os convites lançados pelos seus advogados‑gerais (39) ou por alguns dos seus membros (40), o incentivo de algumas posições do Tribunal de Primeira Instância (41), e embora ele próprio tenha reconhecido que o direito de acesso do público aos documentos na posse das autoridades públicas está consagrado, na maioria dos Estados‑Membros, como princípio constitucional ou legislativo (42), o Tribunal de Justiça não o erigiu formalmente em princípio geral do direito comunitário (43).

39.      Contudo, a evolução não parou aí. A etapa seguinte foi a consagração pelo Tratado de Amesterdão, por um lado, no artigo 1.°, segundo parágrafo, UE, de um «princípio de abertura» e, por outro, no artigo 255.° CE, de um direito de acesso aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão. É certo que, por não serem de efeito directo, estas disposições não podem servir de fundamento a um pedido de divulgação de um documento de uma instituição; o exercício de um direito de acesso continua dependente da adopção de legislação que o regule (44). A este respeito, o artigo 255.°, n.° 2, CE, introduzido pelo Tratado de Amesterdão, fornece uma base jurídica para tal, confiando ao Conselho, em co‑decisão com o Parlamento, a missão de precisar os princípios gerais e os limites do direito de acesso aos documentos das instituições. E foi com base neste fundamento jurídico que foi adoptada a legislação comunitária geral relativa ao direito de acesso aos documentos na posse das instituições, que constitui o Regulamento n.° 1049/2001. Não é menos verdade que, doravante, a existência do direito de acesso aos documentos das instituições já não assenta em medidas de ordem interna decretadas pelas instituições, que estas devem respeitar em conformidade com o provérbio patere legem quam ipse fecisti, nem sequer no regulamento, mas numa disposição de valor constitucional.

40.      Esta ascensão normativa do direito de acesso foi acompanhada de uma promoção material. Um simples favor concedido ao particular pelas instituições no exercício do seu poder discricionário transformou‑se num verdadeiro direito subjectivo com carácter fundamental atribuído ao indivíduo. Com efeito, enquanto o acesso do público aos documentos das instituições fosse deixado à discricionariedade destas, as medidas que estas adoptassem para precisar o tratamento desses pedidos destinavam‑se unicamente a assegurar o seu funcionamento interno no interesse de uma boa administração. Estas medidas não atribuíam aos particulares nenhum direito subjectivo que lhes permitisse obter as informações pedidas, ainda que pudessem exigir o respeito das referidas medidas adoptadas (45). Com a introdução do artigo 255.° CE pelo Tratado de Amesterdão, o acesso aos documentos das instituições transforma‑se num direito subjectivo reconhecido a «todos os cidadãos da União e [a] todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro». E este direito de acesso apresenta o carácter de um direito fundamental como confirma o facto de ter sido reproduzido no artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais (46).

41.      Este reforço do estatuto do direito de acesso está estreitamente ligado à mutação dos objectivos prosseguidos pelo «imperativo de transparência» (47). As raras obrigações que, em maior ou menor medida, partilham do referido imperativo, que incumbem às instituições desde o início, destinavam‑se, antes de mais, a assegurar a eficácia da acção comunitária e o controlo da sua legalidade. Basta pensar no respeito dos direitos de defesa ou nos deveres de fundamentação e de publicidade dos actos comunitários. Com a instituição do direito de acesso aos documentos na posse das autoridades públicas, a transparência destina‑se antes a reforçar a legitimidade democrática da acção comunitária (48). Poder‑se‑ia sem dúvida, querendo ser provocador, pôr em causa a relação reclamada entre transparência e democracia. Não seria esta relação o sintoma de um sentimento geral de desconfiança do cidadão a respeito dos governantes e do sistema democrático representativo? Por outro lado, há o risco de que a transparência não seja utilizada do mesmo modo para todos os cidadãos e de que sirva para promover um acesso privilegiado de determinados grupos de interesses ao sistema político. Seja como for, esta relação com o princípio da democracia, em que assenta a União (49), foi sublinhada de imediato. Desde logo, a Declaração n.° 17 relativa ao direito de acesso à informação, anexa à Acta Final do Tratado da União Europeia, observa que «a transparência do processo decisório reforça o carácter democrático das instituições». A jurisprudência recordará diversas vezes os termos da referida declaração (50) e, posteriormente, esclarecerá que a transparência visando conferir ao público o acesso mais amplo possível aos documentos garante, «num sistema democrático, uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos» (51), na medida em que permite a estes «exercerem um controlo efectivo e eficaz quanto ao exercício do poder de que estão investidas as instituições comunitárias» (52). «Com efeito, será apenas quando esteja assegurada uma adequada publicidade das actividades do poder legislativo, do executivo e da Administração pública em geral, que será possível o exercício de um efectivo e eficaz controlo, também ao nível da opinião pública, do funcionamento da organização do poder e, ainda, o desenvolvimento, nas relações entre a Administração e os administrados, de modelos organizativos realmente participativos» (53). As relações entre transparência e democracia postas assim em evidência foram, por último, recordadas no segundo considerando do regulamento.

42.      Ora, recorde‑se que, enquanto o princípio do acesso mais amplo possível aos documentos na posse das instituições apenas esteve previsto por medidas de organização interna, a jurisprudência tinha daí inferido que as excepções e as restrições previstas pelas referidas medidas deviam ser interpretadas e aplicadas de forma restritiva, a fim de não porem em causa a aplicação do princípio (54). Dado que o direito de acesso aos documentos das instituições se tornou um direito fundamental de valor constitucional ligado aos princípios da democracia e da abertura, é à luz deste que deve ser interpretado, em particular, qualquer acto de direito derivado que tenha por objecto regulamentar o seu exercício, e os limites que por este lhe sejam impostos devem ser interpretados de forma ainda mais restritiva (55). Daí resulta designadamente que, enquanto o direito de acesso aos documentos das instituições apenas esteve reconhecido por medidas de organização interna, estas podiam excluir do seu âmbito de aplicação determinadas categorias de documentos, em particular aqueles de que as instituições não eram autoras; porém, a existência de um direito fundamental de acesso aos documentos das instituições garantido por uma disposição de grau superior proíbe doravante ao legislador comunitário restringir o seu campo de aplicação (56). Ora, semelhante restrição resulta de uma interpretação que consiste em ver no artigo 4.°, n.° 5, do regulamento o reconhecimento, em proveito dos Estados‑Membros, de um direito de veto sobre a divulgação de documentos emanados destes. Neste caso, com efeito, declarou o Tribunal de Primeira Instância, um documento a respeito do qual o Estado‑Membro fez um pedido de não divulgação não se rege pelo direito comunitário, mas pelas disposições nacionais pertinentes do Estado‑Membro em causa (57). Além disso e de qualquer modo, o reconhecimento aos Estados‑Membros de um direito de veto incondicional sobre a divulgação, pelas instituições, de documentos que eles lhes tivessem comunicado constituiria uma violação demasiado grave do direito fundamental de acesso aos documentos e da transparência do processo decisório comunitário que este se destina a garantir. Com efeito, em primeiro lugar, grande número dos documentos utilizados na tomada de decisão comunitária emana dos Estados‑Membros. Em segundo lugar, dado que a maioria dos direitos dos Estados‑Membros em matéria de transparência prevê uma excepção ao direito de acesso quando os documentos solicitados se relacionam com a política externa do Estado, isto é, com as relações que este mantém com outros Estados ou organizações internacionais, há fortes razões para recear que estes invoquem quase sistematicamente o artigo 4.°, n.° 5, para impedir a divulgação dos documentos que transmitiram às instituições da União.

43.      Por outro lado, importa assinalar que decorre da relação estabelecida na União Europeia entre o princípio da transparência e o sistema democrático que o acesso a determinado documento deve ser determinado em função, não tanto da identidade do seu autor mas da importância do referido documento para o conhecimento e a atribuição de responsabilidades no processo comunitário de decisão.

44.      Acresce que o regulamento tem precisamente por objecto concretizar o direito de acesso aos documentos das instituições consagrado no artigo 255.° CE, fixando os seus princípios gerais, as condições e os limites. Como resulta do seu artigo 1.°, nomeadamente quando interpretado à luz do considerando 4, e como o próprio Tribunal de Justiça assinalou, o seu «objectivo é conferir o mais amplo efeito possível ao direito de acesso do público aos documentos na posse das instituições» (58). Nesta óptica, como já observei e o próprio Tribunal de Primeira Instância declarou no acórdão recorrido (59), um dos progressos mais significativos em relação à situação jurídica anterior alcançada pelo referido regulamento é o abandono da regra do autor. Por conseguinte, reconhecer aos Estados‑Membros, como fez o Tribunal de Primeira Instância, um direito de veto incondicional sobre a divulgação, pelas instituições, de documentos que eles lhes transmitiram, equivaleria a reintroduzir, pelo menos parcialmente, através de um artifício, a regra do autor. Semelhante interpretação não me parece compatível com o objecto nem com a finalidade do regulamento.

45.      No entanto, segundo a Comissão e o Reino Unido, recusar um direito de veto ao Estado‑Membro do qual emana o documento solicitado, confiando à instituição na posse deste a decisão sobre a sua divulgação, conduziria a uma harmonização, através de um artifício, das legislações nacionais relativas ao direito de acesso em desrespeito do objecto manifesto do regulamento e em violação do princípio da subsidiariedade. É também a opinião do Tribunal de Primeira Instância, que baseou a sua solução no considerando 15 do referido regulamento, segundo o qual este «não te[m] por objecto nem por efeito alterar a legislação nacional em matéria de acesso aos documentos» (60). Assim, para preservar a aplicação dos direitos nacionais em matéria de transparência, declarou que qualquer pedido de recusa de acesso formulado por um Estado‑Membro em aplicação do artigo 4.°, n.° 5, na medida em que «consubstancia uma injunção a essa instituição de não divulgar o documento em questão» (61), tem por efeito subtrair o documento que ele lhe transmitiu ao âmbito de aplicação do direito comunitário em matéria de acesso, para o submeter ao direito nacional do Estado‑Membro em causa (62).

46.      Porém, esta análise não é coerente com os termos explícitos do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, segundo o qual o referido regulamento «é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse». Também é dificilmente conciliável com o artigo 2.°, n.° 2, segundo o qual «as instituições podem conceder acesso aos documentos […], a qualquer pessoa singular ou colectiva que não resida ou não tenha a sua sede social num Estado‑Membro». Da leitura conjugada destas duas disposições resulta que um documento transmitido por uma autoridade nacional a uma instituição fica, a partir desse momento, exclusivamente sujeito ao direito comunitário e sob a responsabilidade dessa instituição. A leitura em paralelo do artigo 5.° revela então claramente a lógica subjacente ao regulamento: o direito aplicável a um pedido de acesso e a autoridade competente para decidir da sua divulgação dependem não da origem do documento, da qualidade do seu autor, mas da identidade do seu depositário ou, mais exactamente, da qualidade do órgão ao qual foi submetido o pedido de acesso.

47.      E não parece fundado o receio de pôr em causa as legislações nacionais em matéria de transparência, no caso de o poder de decidir da divulgação de um documento emanado de um Estado‑Membro ser concedido à instituição na posse dele. A regulamentação comunitária e as regulamentações nacionais permanecem autónomas, uma vez que têm por objecto domínios diferentes. É certo que pode haver interferências e que um mesmo documento possa ser simultaneamente abrangido pelo direito nacional e pelo direito comunitário. Mesmo neste caso, a decisão adoptada por uma instituição com base no regulamento não vincula o Estado‑Membro do qual emana o documento solicitado, se também lhe tiver sido directamente submetido um pedido de comunicação deste; este pedido será examinado com base no direito nacional. Assim, um Estado‑Membro, quando as suas regras nacionais em matéria de transparência sejam mais generosas, poderá divulgar um documento ao qual a instituição comunitária recusou o acesso, desde que, como impõe o artigo 5.° do regulamento, ao fazê‑lo, não comprometa os objectivos do referido regulamento. Inversamente, uma instituição pode, nas condições ou nos limites que adiante precisaremos, conceder acesso a um documento cuja comunicação foi recusada pelo Estado‑Membro que lho transmitiu, quando as regras comunitárias que os Estados‑Membros acordaram, em conjunto, impor às instituições permitirem um acesso aos documentos mais amplo do que o direito nacional do Estado‑Membro em causa. Não deve ser dada demasiada importância a estas divergências de apreciação, de que o processo Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido, constitui um exemplo emblemático (63). Tais divergências são, precisamente, o sinal e o resultado do facto de a regulamentação comunitária relativa ao direito de acesso não ter por objecto nem por efeito harmonizar os direitos nacionais na matéria.

48.      Embora, como acabo de expor, a interpretação teleológica e sistemática não permita ver no artigo 4.°, n.° 5, o reconhecimento de um direito de veto aos Estados‑Membros, importa atribuir um efeito útil a esta disposição. Nesta óptica, deve concordar‑se com o Tribunal de Primeira Instância (64) em que o artigo 4.°, n.° 5, enuncia uma lex specialis ao colocar os Estados‑Membros numa situação diferente da dos outros terceiros, que é regida, esta, pelo artigo 4.°, n.° 4. No entanto, para assegurar um efeito útil ao artigo 4.°, n.° 5, basta considerar que este prevê o direito de um Estado‑Membro, caso o tenha solicitado, ser obrigatoriamente consultado pela instituição à qual foi dirigido o pedido de divulgação do documento por ele transmitido. O Estado‑Membro que pretende invocar o artigo 4.°, n.° 5, encontra‑se assim numa posição privilegiada em relação aos outros terceiros, uma vez que tem a garantia de poder expor à instituição na posse do documento dele emanado as razões que, na sua opinião, se opõem à sua divulgação, ainda que, para a referida instituição, seja claro se o documento deve ou não ser divulgado. Por outras palavras, o Estado‑Membro de que emana o documento solicitado não faz o pedido nos termos do artigo 4.°, n.° 5, e apenas será consultado pela instituição na posse do documento, por força do artigo 4.°, n.° 4, e à semelhança de outros terceiros, quando não seja claro se o referido documento deve ou não ser comunicado; ou então formula o pedido e a sua consulta prévia pela instituição impõe‑se de qualquer modo.

49.      É verdade que o Reino Unido objecta que reduzir o artigo 4.°, n.° 5, a uma simples obrigação processual de consulta sistemática do Estado‑Membro de que emana o documento pedido, aos casos em que este o solicitou, não confere a esta disposição o seu real alcance em relação ao artigo 4.°, n.° 4, dado que a consulta nos termos do artigo 4.°, n.° 5, que é efectuada nos casos em que é claro que o documento em questão deve ou não ser divulgado, não tem interesse. Esta objecção não procede, pois as razões que um Estado‑Membro pode invocar para justificar a não divulgação do documento por ele transmitido, pela instituição de posse do mesmo, não estão limitadas às excepções ao direito de acesso enunciadas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, que são as únicas que podem esclarecer a instituição sobre se o documento em questão deve ou não ser divulgado.

50.      É certo que o Estado‑Membro do qual emana o documento solicitado não pode invocar umas razões quaisquer para se opor à divulgação do referido documento pela instituição à qual o pedido de acesso é dirigido. Resulta do artigo 255.°, n.° 2, CE que estas razões devem necessariamente remeter para interesses públicos ou privados. Mas as «razões de interesse público ou privado» que o Estado‑Membro pode invocar não se limitam às excepções ao direito de acesso enunciadas pelo regulamento, podendo igualmente ser extraídas do direito nacional do Estado‑Membro em causa.

51.      Porém, em última análise, é à instituição na posse do documento que cabe decidir do pedido de acesso, sem estar vinculada pelo parecer dado pelo Estado‑Membro de que emana o documento. A este respeito, não é possível, também aqui, seguir a interpretação do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual o Estado‑Membro não é obrigado a fundamentar o seu pedido de não divulgação apresentado ao abrigo do artigo 4.°, n.° 5 (65). Se o Estado‑Membro não expuser as razões que, na sua opinião, justificariam uma recusa de acesso, de que forma poderia a instituição saber e, a fortiori, estar convencida da existência de uma necessidade específica de confidencialidade?

52.      No entanto, embora, no âmbito do exame da fundamentação apresentada pelo Estado‑Membro, a instituição se possa afastar da apreciação, efectuada por este, de uma necessidade específica de confidencialidade ao abrigo de uma das excepções ao direito de acesso enunciadas pelo regulamento, não lhe é manifestamente possível fazê‑lo quando o pedido de não divulgação formulado pelo Estado‑Membro seja fundamentado na protecção de um interesse público ou privado prevista pelo direito nacional.

53.      No entanto, a instituição poderia, em minha opinião, indeferir o pedido de não divulgação baseado na necessidade específica de confidencialidade resultante do direito nacional, se considerasse que a transparência do processo decisório comunitário o impõe. Dito de outra forma, se uma boa compreensão das razões que conduziram à tomada de decisão comunitária em causa o exigir, a instituição deve ter a possibilidade – ou até a obrigação – de permitir o acesso ao documento emanado de um Estado‑Membro a quem o tenha requerido, ainda que o referido Estado‑Membro a isso se tenha oposto em nome de um sigilo protegido pelo seu direito nacional. E isto porque está em causa a observância do objectivo de transparência de que o direito fundamental de acesso aos documentos faz parte (66). Está também em causa a efectividade do princípio da democracia, ao qual, como vimos, a transparência está hoje estreitamente associada. Por fim, está em causa a exigência de congruência estrutural, na medida em que a transferência de competências para a Comunidade não deve levar a uma diminuição do controlo democrático do poder pelos cidadãos dos Estados‑Membros. Ora, isso poderia designadamente ocorrer se um Estado‑Membro invocasse, em relação a todos os documentos que comunica às instituições para efeitos de tomada de decisão comunitária, a excepção ao direito de acesso baseada no direito nacional, relativa à política externa do Estado. Se bastasse a um Estado‑Membro invocar uma excepção deste tipo para se subtrair de forma sistemática a qualquer pedido de acesso a um documento relativo à sua participação no processo decisório da Comunidade, seria posto em causa o papel que o princípio da transparência deve desempenhar no controlo democrático do processo político. Na realidade, não se pode permitir que certos poderes, que estavam submetidos a mecanismos de controlo democrático a nível nacional, se eximam sistematicamente, por efeito da sua transferência para a Comunidade, a mecanismos equivalentes de controlo democrático, pelo facto de passarem a pertencer ao domínio da «política externa dos Estados».

54.      Ao proceder à apreciação do imperativo de transparência do processo decisório comunitário para se pronunciar sobre o pedido, que lhe foi dirigido, de acesso a um documento emanado de um Estado‑Membro, uma instituição deve, contudo, ter também em atenção a integralidade do direito nacional, para cujo respeito o referido Estado‑Membro solicitou a não divulgação nos termos do artigo 4.°, n.° 5. E, deve reiterar‑se, a instituição será tanto mais sensível a este ponto, na sua apreciação, quanto o Estado‑Membro, na fundamentação do seu pedido de não divulgação, lhe tenha permitido compreender a razão pela qual a confidencialidade é necessária para o respeito do direito nacional e dos objectivos deste. Esta ponderação é exigida pelo princípio da cooperação leal que rege as relações entre as instituições e os Estados‑Membros, recordado no considerando 15 do regulamento, e que impõe igualmente aos Estados‑Membros que comuniquem às instituições os documentos necessários à tomada de decisão comunitária e, sobretudo, que obriga os Estados‑Membros a não comprometerem a realização dos objectivos do referido regulamento quando, em conformidade com o previsto no artigo 5.° do regulamento, decidem, com base no seu direito nacional, sobre um pedido de acesso a um documento, emanado de uma instituição, que se encontra na sua posse.

55.      Devemos insistir que só o reconhecimento de um direito de última palavra, assim enquadrado, à instituição na posse de um documento emanado de um Estado‑Membro, sobre o pedido de acesso que lhe foi dirigido, está em sintonia com a natureza de direito fundamental do direito de acesso aos documentos das instituições. Com efeito, recorde‑se que qualquer restrição a um direito fundamental só pode ser justificada se tiver por objecto a protecção de um interesse legítimo e se, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não ultrapassar os limites do que é adequado e necessário para atingir o fim prosseguido (67).

56.      Por último, saliento que a interpretação do artigo 4.°, n.° 5, do regulamento, que sugiro, embora se imponha do ponto de vista jurídico, terá, se não juridicamente, pelo menos, na prática, pouco impacto no alcance da consulta ao Estado‑Membro. Com efeito, pode prever‑se que, na maior parte dos casos, o parecer dado pelo Estado‑Membro de que emana o documento solicitado será seguido pela instituição (68).

57.      Resulta de todas as considerações precedentes que o acórdão recorrido está ferido de erro de direito na medida em que interpretou o artigo 4.°, n.° 5, do regulamento no sentido de que confere aos Estados‑Membros um direito de veto sobre a divulgação, pela instituição à qual foi dirigido um pedido de acesso, dos documentos que eles lhe transmitiram e que estão na posse desta.

58.      Caso o Tribunal de Justiça não acolha a minha proposta, entendendo dever confirmar a solução consagrada no acórdão recorrido, conviria, de qualquer modo, mediante a substituição dos fundamentos, corrigir a fundamentação exposta pelo Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, parece‑me que a leitura (69) que aquele Tribunal fez do artigo 4.°, n.° 5, segundo a qual esta disposição obrigaria sistematicamente a instituição na posse do documento solicitado a consultar o Estado‑Membro de que emana o referido documento, antes de tomar qualquer decisão sobre a sua divulgação, mesmo que o Estado‑Membro não tivesse formulado anteriormente um pedido de confidencialidade, a fim de, na realidade, segundo parece, interrogá‑lo precisamente sobre a questão de saber se pretende apresentar esse pedido nos termos do artigo 4.°, n.° 5, é contrária ao teor claro desta disposição, que subordina expressamente a obrigação de consulta do Estado‑Membro à formulação prévia por este de um pedido de não divulgação. É certo que, no caso em apreço, os documentos nacionais solicitados tinham sido transmitidos à Comissão pelas autoridades alemãs, antes da entrada em vigor do regulamento. Em casos como este, as disposições de aplicação do referido regulamento, introduzidas pela Comissão no seu regulamento interno (70), prevêem a consulta da autoridade de origem, independentemente da formulação prévia de um pedido nos termos do artigo 4.°, n.° 5. É, portanto, pouco relevante para a legalidade do acórdão recorrido que a consulta das autoridades alemãs pela Comissão tenha, no caso em apreço, sido efectuada sem pedido prévio destas. Contudo, a generalidade dos termos utilizados pelo Tribunal de Primeira Instância leva a crer que o convite que ele dirige às instituições para consultarem o Estado‑Membro de que emana o documento solicitado, a fim de lhe perguntarem se pretende invocar o artigo 4.°, n.° 5, vale tanto para os documentos por ele transmitidos às instituições antes da aplicação do regulamento como para os documentos comunicados após essa data. Quanto a este aspecto, a fundamentação do acórdão é contrária à redacção expressa do artigo 4.°, n.° 5, e não pode, portanto, ser admitida. Por conseguinte, sugiro ao Tribunal de Justiça que a rectifique de forma a limitar a consulta do Estado‑Membro em causa pela instituição à qual é submetido um pedido de acesso a um documento dele emanado, para determinar se pretende invocar o artigo 4.°, n.° 5, na situação em que lhe tenha transmitido o referido documento antes da entrada em vigor do regulamento.

III – Conclusão

59.      Por estas razões, sugiro ao Tribunal de Justiça que considere procedente o fundamento do recurso relativo à violação do direito comunitário e, consequentemente, que anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 30 de Novembro de 2004, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão (T‑168/02).


1 – Língua original: português.


2 – T‑168/02, Colect., p. II‑4135.


3 – JO L 145, p. 43.


4 – Quanto ao modo como este contraste é posto em evidência, v. Ragnemalm, H. – «Démocratie et transparence: sur le droit général d’accès des citoyens de l’Union européenne aux documents détenus par les institutions communautaires», Mél. G. F. Mancini, vol. II, ed. Dott. A. Giuffrè, Milão, 1998, p. 809. Recorde‑se simplesmente que o direito de acesso do público aos documentos oficiais está consagrado na Constituição sueca desde 1766.


5 – Rideau, J. – «Jeux d’ombres et de lumières en Europe», em La transparence dans l’Union européenne: mythe ou principe juridique?, LGDJ, Paris, 1998, p. 1.


6 – V. Relatório da Comissão sobre a aplicação dos princípios do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, de 30 de Janeiro de 2004 [COM(2004) 45 final, n.° 3.5.2].


7 – JO L 206, p. 7.


8 – Acórdão recorrido, n.° 60.


9 – V., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Outubro de 2000, JT’s Corporation/Comissão (T‑123/99, Colect., p. II‑3269, n.° 53), e de 11 de Dezembro de 2001, Petrie e o./Comissão (T‑191/99, Colect., p. II‑3677, n.° 47).


10 – V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho (T‑110/03, T‑150/03 e T‑405/03, Colect., p. II‑1429, n.° 92).


11 – V. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Julho de 1999, Rothmans/Comissão (T‑188/97, Colect., p. II‑2463, n.° 55), e de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão, (T‑92/98, Colect., p. II‑3521, n.° 69).


12 – V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Outubro de 2003, Co‑Frutta/Comissão (T‑47/01, Colect., p. II‑4441, n.° 59).


13 – Relatório da Comissão sobre a aplicação dos princípios do regulamento, de 30 de Janeiro de 2004, n.° 3.5.2.


14 – N.° 58 do acórdão recorrido.


15 – V. artigo 5.°, n.os 4, alínea b), e 6, da Decisão 2001/937/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, que altera o seu regulamento interno (JO L 345, p. 94).


16 – V. artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do anexo II da Decisão 2001/840/CE do Conselho, de 29 de Novembro de 2001, que altera o Regulamento Interno do Conselho (JO L 313, p. 40).


17 – V. artigo 9.°, n.° 3, da Decisão da Mesa relativa ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu de 28 de Novembro de 2001 (JO C 374, p. 1).


18 – V., designadamente, neste sentido, Cabral, P. – «Access to Member State documents in EC law», ELR, vol. 31 (2006), n.° 3, pp. 378, 385; v., também, De Leeuw, M. E. – «The regulation on public access to European Parliament, Council and Commission documents in the European Union: are citizens better off?» ELR, vol. 28 (2003), n.° 3, pp. 324, 337 e 338.


19 – V., designadamente, Harden, I. – «Citizenship and Information», European Public Law, vol. 7 (2001), n.° 2, pp. 165, 192; e Peers, S. – «The new regulation on access to documents: a critical analysis», YEL 21 (2001‑2002), pp. 385, 407 e 408.


20 – V., também, no mesmo sentido: Heliskoski, J.; Leino, P. – «Darkness at the break of noon: the case law on Regulation n.° 1049/2001 on access to documents», CMLR, vol. 43 (2006), n.° 3, pp. 735, 771e 772.


21 – Para uma evocação das divisões entre os diferentes intervenientes no processo legislativo, remete‑se para: Bjurulf, B.; Elgström, O. – «Negociating transparency: the role of institutions», JCMS, vol. 42 (2004), n.° 2, p. 249.


22 – Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2000, C 177 E, p. 70).


23 – V. alteração n.° 36, no relatório A5 – 0318/2000 de 27 de Outubro de 2000.


24 – N.° 57 do acórdão recorrido; v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 2003, Messina/Comissão (T‑76/02, Colect., p. II‑3203, n.° 41), e de 17 de Março de 2005, Scippacercola/Comissão (T‑187/03, Colect., p. II‑1029, n.° 56).


25 – Como o Tribunal de Justiça desde há muito reconheceu (acórdão de 23 de Abril de 1956, Groupement des industries sidérurgiques luxembourgeoises/Alta Autoridade, 7/54 e 9/54, Recueil, pp. 53, 90, Colect. 1954‑1961, p. 33): «nos termos do artigo 84.° do Tratado, a expressão ‘o presente Tratado’ deve entender‑se como abrangendo as disposições do Tratado e dos seus anexos, as disposições dos protocolos anexos e da Convenção relativa às disposições transitórias; […] consequentemente, as disposições contidas em todos estes textos têm a mesma força imperativa [...]».


26 – V. Thot, A. – «The legal status of the declarations annexed to the Single european act», CMLR, 1986, p. 803; Constantinesco, V. – «La structure du Traité instituant l’Union européenne», CDE, 1993, n.° 3‑4, pp. 251, 261; Petit, Y. – «Commentaire de l’article R», em Constantinesco, V., Kovar, R.,e Simon, D., Traité sur l’Union européenne: commentaire article par article, ed. Economica, Paris, 1995, pp. 913, 922 a 924, e Simon, D., Le système juridique communautaire, 3.a ed., PUF, 2001, p. 306.


27 – V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2001, Agrana Zucker und Stärke/Comissão (T‑187/99, Colect., p. II‑1587), e despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2002, Agrana Zucker und Stärke/Comissão (C‑321/01 P, Colect., p. I‑10027).


28 – V. Combacau, J.; Sur, S. – Droit international public, 7.ª ed. Paris: Montchrestien, 2006, pp. 174 e 175.


29 – Ibidem.


30 – Acórdão de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 23).


31 – V. acórdão recorrido (n.os 57 e 58).


32 – Acórdão Messina/Comissão (já referido, n.° 55).


33 – V., designadamente, acórdãos de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e van der Wal/Comissão (C‑174/98 P e C‑189/98 P, Colect., p. I‑1, n.° 27), de 6 de Dezembro de 2001, Conselho/Hautala (C‑353/99 P, Colect., p. I‑9565, n.° 25), de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão (C‑41/00 P, Colect., p. I‑2125, n.° 48), de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho (C‑266/05 P, Colect., p. I‑0000, n.° 63); e do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão (T‑105/95, Colect., p. II‑313, n.° 56).


34 – Para empregar os termos do próprio Tribunal de Justiça (acórdãos de 30 de Abril de 1996, Países Baixos/Conselho, C‑58/94, Colect., p. I‑2169, n.° 36, e de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão, já referido, n.° 38).


35 – Código de conduta 93/730/CE, em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão (JO L 340, p. 41).


36 – A legalidade deste fundamento foi reconhecida (v. acórdão Países Baixos/Conselho, já referido).


37 – Decisão 93/731/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, relativa ao acesso do público aos documentos do Conselho (JO L 340, p. 43).


38 – Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom da Comissão, de 8 de Fevereiro de 1994, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58).


39 – V. conclusões do advogado‑geral A. Tesauro no processo Países Baixos/Conselho (já referido, n.° 19) e do advogado‑geral P. Léger no processo Conselho/Hautala, já referido.


40 – V., designadamente, Ragnemalm, H. – «Démocratie et transparence: sur le droit général d’accès des citoyens de l’Union européenne aux documents détenus par les institutions communautaires», já referido, pp. 826 e 827.


41 – Que evoca, designadamente, um «princípio do direito à informação» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Julho de 1999, Hautala/Conselho, T‑14/98, Colect., p. II‑2489, n.° 87) ou o «princípio da transparência» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2002, Kuijer/Conselho, T‑211/00, Colect., p. II‑485, n.° 52).


42 – V. acórdão Países Baixos/Conselho (já referido, n.° 34).


43 – V., designadamente, o acórdão Conselho/Hautala (já referido, n.° 31), no qual o Tribunal de Justiça considera inútil pronunciar‑se sobre a «existência de um princípio do direito à informação», e a declaração feita pelo advogado‑geral P. Léger (conclusões no processo Interporc/Comissão, já referido, n.os 75 a 80).


44 – V., neste sentido, acórdão Petrie e o./Comissão (já referido, n.os 34 a 38).


45 – V. conclusões do advogado‑geral A. Tesauro no processo Países Baixos/Conselho (já referido, n.os 18 a 20).


46 – Sobre o valor da Carta enquanto critério de interpretação de instrumentos relativos à protecção dos direitos referidos no artigo 6.°, n.° 2, UE, v. as minhas conclusões de 14 de Dezembro de 2006 no processo Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (acórdão de 26 de Junho de 2007, C‑305/05, Colect., p. I‑0000, n.° 48).


47 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Abril de 2007, WWF European Policy Programme/Conselho (T‑264/04, Colect., p. II‑0000, n.° 61).


48 – Para pôr em evidência a relação entre transparência e democracia, v. Lequesne, Ch. – «La transparence, vice ou vertu des démocraties?», em La transparence dans l’Union européenne, mythe ou principe juridique?, op. cit., p. 11; Meisse, E. – «La démocratie administrative dans le traité établissant une Constitution pour l’Europe», em Constantinesco, V., Gautier, Y., e Michel, V. (sob a direcção de), Le traité établissant une Constitution pour l’Europe, Analyses et commentaires, PUS, 2005, p. 397.


49 – Como recordado no artigo 6.°, n.° 1, UE.


50 – V. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho (T‑174/95, Colect., p. II‑2289, n.° 66); de 14 de Outubro de 1999, Bavarian Lager/Comissão (T‑309/97, p. II‑3217, n.° 36); e Petrie e o./Comissão (já referido, n.° 64).


51 – Acórdãos, já referidos, Kuijer/Conselho (n.° 52) e de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão (n.° 39).


52 – Acórdão de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão (já referido, n.° 39).


53 – Conclusões do advogado‑geral A. Tesauro no processo Países Baixos/Conselho (já referido, n.° 14).


54 – V., designadamente, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, WWF UK/Comissão (já referido, n.° 56); de 6 de Fevereiro de 1998, Interporc/Comissão (T‑124/96, Colect., p. II‑231, n.° 49); e, ainda, acórdãos, já referidos, Svenska Journalistförbundet/Conselho (n.° 110); Bavarian Lager/Comissão (n.° 39); Kuijer/Conselho (n.° 55); WWF European Policy Programme/Conselho (n.° 39); e acórdãos, já referidos, do Tribunal de Justiça, Países Baixos e van der Wal/Comissão (n.° 27); Conselho/Hautala (n.° 25); e de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão (n.° 48).


55 – Para recordar a obrigação de interpretação da legislação comunitária de forma compatível com os direitos fundamentais garantidos na ordem jurídica comunitária, v. acórdão de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão (46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n.° 12), e conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Conselho/Hautala, já referido.


56 – Tal é a lição que resulta de uma leitura a contrario da jurisprudência: v. acórdão de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão (já referido, n.os 41 a 43), acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão (já referido, n.° 66); e acórdãos, já referidos, JT’s Corporation/Comissão (n.° 53) e Petrie e o./Comissão (n.° 47).


57 – Acórdão recorrido (n.° 61).


58 – Acórdão de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho (já referido, n.° 61).


59 – Nos 53 e 54 do acórdão recorrido.


60 – N.° 57 do acórdão recorrido.


61 – N.° 58 do acórdão recorrido.


62 – N.° 61 do acórdão recorrido.


63 – Recorde‑se que, neste processo, as autoridades suecas tinham comunicado 18 dos 20 documentos do Conselho solicitados, relativos à instituição da Europol, enquanto o Conselho apenas tinha divulgado 4.


64 – N.° 58 do acórdão recorrido.


65 – N.° 59 do acórdão recorrido.


66 – Para uma confirmação, remetemos, como último corolário, para a leitura esclarecedora do artigo I‑50 do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.


67 – V., por exemplo, acórdão de 15 de Maio de 1986, Johnston (222/84, Colect., p. 1651, n.° 38).


68 – Como já resulta de um primeiro balanço realizado pela Comissão (v. Relatório da Comissão sobre a aplicação dos princípios do regulamento, n.° 3.5.1.), foram raros os casos em que as instituições actuaram contra um parecer dado por um terceiro nos termos do artigo 4, n.° 4.


69 – N.° 60 do acórdão recorrido.


70 – V. artigo 5.°, n.° 4, alínea a), da Decisão 2001/937. Para reavivar esta exigência, v. acórdão Messina/Comissão (já referido, n.° 42).