Language of document : ECLI:EU:T:2018:881

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

6 de dezembro de 2018 (*)

«Feader — Despesas excluídas do financiamento — Despesas efetuadas por Portugal — Artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 — Inexistência de um elemento de prova da dúvida séria e razoável — Controlos‑chave — Controlos ancilares»

No processo T‑22/17,

República Portuguesa, representada por P. Estêvão, L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e J. Saraiva de Almeida, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Rechena, A. Sauka e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.° TFUE e destinado à anulação da Decisão de Execução (UE) 2016/2018 da Comissão, de 15 de novembro de 2016, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2016, L 312, p. 26), na parte em que exclui os pagamentos efetuados a título do Feader pelo organismo pagador acreditado da República Portuguesa, no montante total de 1 990 810,30 euros,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, K. Kowalik‑Bańczyk (relatora) e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Por Decisão de 4 de dezembro de 2007, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou o Programa de Desenvolvimento Rural da Região Autónoma dos Açores (Portugal) 2007‑2013, o Prorural, elaborado pela República Portuguesa, em conformidade com o artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2005, L 277, p. 1).

2        Em aplicação do artigo 37.° do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO 2005, L 209, p. 1), a Comissão organizou, entre 17 e 21 de junho de 2013, controlos em Ponta Delgada (Portugal) relativos à execução do Prorural.

3        Por carta de 12 de setembro de 2013, com a referência Ares 3036530 (a seguir «carta de 12 de setembro de 2013»), a Comissão, com base no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 885/2006 da Comissão, de 21 de junho de 2006, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1290/2005 no respeitante à acreditação dos organismos pagadores e de outros organismos e ao apuramento das contas do FEAGA e do FEADER (JO 2006, L 171, p. 90), comunicou as suas conclusões às autoridades portuguesas. A Comissão informou assim estas últimas das deficiências que tinha verificado no que respeita a determinados controlos administrativos por elas efetuados nos termos do artigo 24.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento (UE) n.° 65/2011 da Comissão, de 27 de janeiro de 2011, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1698/2005 relativas aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural (JO 2011, L 25, p. 8), que substituiu o artigo 26.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento (CE) n.° 1975/2006 da Comissão, de 7 de dezembro de 2006, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1698/2005 relativas aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural (JO 2006, L 368, p. 74).

4        Mais precisamente, a Comissão considerou que os controlos administrativos efetuados pelas autoridades portuguesas não tinham permitido avaliar devidamente a razoabilidade dos custos apresentados por três beneficiários do apoio relativo à competitividade dos setores agrícola e florestal que diz respeito a medidas destinadas a reestruturar e desenvolver o potencial físico e a promover a inovação através do aumento do valor dos produtos agrícolas e florestais, previsto no artigo 20.°, alínea b), iii), do Regulamento n.° 1698/2005 e que corresponde à medida 123 codificada no Anexo II do Regulamento (CE) n.° 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 1698/2005 (JO 2006, L 368, p. 15) (a seguir «medida 123»), que têm, respetivamente, os números de identificação 4715781, 4716022 e 5221903 (a seguir «três beneficiários em causa»).

5        Por ofício de 16 de dezembro de 2013, as autoridades portuguesas responderam às observações da Comissão.

6        Em 18 de fevereiro de 2014, realizou‑se uma reunião entre os representantes das autoridades portuguesas e da Comissão, em conformidade com o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006.

7        Por carta de 26 de setembro de 2014, com a referência Ares 3174958 (a seguir «carta de 26 de setembro de 2014»), a Comissão, nos termos do artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento n.° 885/2006, comunicou formalmente às autoridades portuguesas as conclusões a que tinha chegado com base nas informações recebidas no âmbito do procedimento de apuramento da conformidade. Nesta comunicação, por um lado, a Comissão, referindo‑se ao documento n.° VI/5330/97, de 23 de dezembro de 1997, intitulado «Diretrizes para o cálculo das consequências financeiras aquando da preparação da decisão de apuramento das contas do FEOGA‑Garantia» (a seguir «documento n.° VI/5330/97»), apresentou a avaliação das despesas relacionadas, designadamente, com a medida 123 que previa excluir do financiamento da União Europeia com base no artigo 31.° do Regulamento n.° 1290/2005. Por outro lado, recordou às autoridades portuguesas que estas podiam recorrer ao procedimento de conciliação previsto no artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006.

8        Por carta de 7 de novembro de 2014, as autoridades portuguesas informaram a Comissão da sua intenção de recorrer a este procedimento de conciliação.

9        Na sequência do procedimento de conciliação, a Comissão adotou a Decisão de Execução (UE) 2016/2018, de 15 de dezembro de 2016, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2016, L 312, p. 26, a seguir «decisão impugnada»), que excluiu do financiamento da União os pagamentos efetuados pelo organismo pagador acreditado da República Portuguesa ao abrigo do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) no âmbito da medida 123, no montante total de 1 990 810,30 euros.

 Tramitação processual e pedidos das partes

10      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de janeiro de 2017, a República Portuguesa interpôs o presente recurso.

11      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na parte em que exclui do financiamento da União pagamentos efetuados a título do Feader pelo seu organismo pagador acreditado, no montante total de 1 990 810,30 euros;

–        condenar a Comissão nas despesas.

12      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        Condenar a República Portuguesa nas despesas.

 Questão de direito

13      Em apoio do recurso, a República Portuguesa invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005 e, o segundo, a uma «falta de fundamentação» resultante, em substância, por um lado, da inexistência de dúvida séria e razoável quanto à razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 e, por outro, da desconformidade face ao documento n.° VI/5330/97.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005

14      A República Portuguesa sustenta que a Comissão aplicou erradamente uma correção financeira às despesas efetuadas nos exercícios de 2010 e 2011, na medida em que essas despesas tinham sido efetuadas mais de 24 meses antes da notificação da carta de 12 de setembro de 2013.

15      A Comissão contesta os argumentos da República Portuguesa.

16      Nos termos do artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005, uma recusa de financiamento não pode incidir em «[d]espesas relativas às medidas previstas nos programas a que se refere o artigo 4.° [deste regulamento] que não sejam as referidas [no artigo 31.°, n.° 4, alínea b), do referido regulamento], relativamente às quais o pagamento ou, eventualmente, o pagamento do saldo pelo organismo pagador tenha sido efetuado mais de 24 meses antes de a Comissão comunicar por escrito ao Estado‑Membro em causa o resultado das verificações».

17      Resulta, portanto, do artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005 que a Comissão pode excluir do financiamento da União despesas não efetuadas em conformidade com as regras do direito da União, relativamente às quais o pagamento ou, eventualmente, o pagamento do saldo tenha sido efetuado nos 24 meses que antecedem a comunicação por escrito pela Comissão ao Estado‑Membro em causa dos resultados das suas verificações.

18      O Regulamento n.° 885/2006, que é o regulamento de aplicação do Regulamento n.° 1290/2005, precisa, no seu artigo 11.°, n.° 1, o conteúdo da comunicação escrita pela qual a Comissão informa os Estados‑Membros do resultado das suas verificações.

19      A este respeito, há que salientar que a data determinante para apreciar a questão de saber se um pagamento foi efetuado dentro do prazo de 24 meses é aquela em que o montante definitivo do apoio é fixado e o saldo pago pelo Estado‑Membro em causa (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 3 de maio de 2012, Espanha/Comissão, C‑24/11 P, EU:C:2012:266, n.° 45 e jurisprudência referida). Daqui decorre, aliás em conformidade com os termos utilizados no artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005, que refere «despesas» relativamente às quais o «pagamento» ou, eventualmente, o «pagamento do saldo» tenha sido efetuado antes do início do período de 24 meses pertinente, que a Comissão pode aplicar uma correção financeira aos pagamentos efetuados antes do início desse período quando se referem a despesas relativamente às quais o montante definitivo é fixado e o saldo pago pelo Estado‑Membro em causa após o início do período de 24 meses pertinente.

20      No caso vertente, em primeiro lugar, as partes estão de acordo que, através da carta de 12 de setembro de 2013, a Comissão comunicou, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006, o resultado das suas verificações à República Portuguesa.

21      Daqui decorre que o período de 24 meses previsto no artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005 começou em 12 de setembro de 2011 (a seguir «período de 24 meses pertinente»).

22      Em segundo lugar, cabe salientar que a Comissão considerou que a correção financeira devia aplicar‑se a determinados pagamentos efetuados pelas autoridades portuguesas antes de 12 de setembro de 2011, na medida em que esses pagamentos se referiam a projetos relativamente aos quais tinham sido efetuados outros pagamentos durante o período de 24 meses pertinente.

23      A República Portuguesa alega que a Comissão não pode tomar em consideração para efeitos do cálculo do montante da correção financeira os adiantamentos ou pagamentos intercalares efetuados antes do período de 24 meses pertinente, na medida em que esses adiantamentos ou pagamentos intercalares não foram previstos pelo direito português nem pelo artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005.

24      A este respeito, em primeiro lugar, há que observar, conforme se referiu no n.° 16 supra, e contrariamente ao que alega a República Portuguesa, que o artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005 faz expressamente referência ao pagamento do saldo das despesas em causa, o que implica necessariamente a possibilidade de pagamentos provisórios antecipados do apoio pedido, independentemente do facto de tal possibilidade não ser prevista pelo direito nacional em causa.

25      Em segundo lugar, resulta da carta de 26 de setembro de 2014, conforme explicou a Comissão em resposta a uma medida de organização do processo que lhe foi dirigida, que certos beneficiários da medida 123 receberam efetivamente pagamentos antecipados, cuja natureza provisória é confirmada pelo facto de os referidos beneficiários deverem, sendo caso disso, reembolsar uma parte desses pagamentos caso o montante dos mesmos fosse superior ao montante final do apoio devido.

26      Em terceiro lugar, cabe salientar que a República Portuguesa não contesta que os pagamentos anteriores a 12 de setembro de 2011 identificados pela Comissão na carta de 26 de setembro de 2014 diziam efetivamente respeito às despesas relativamente às quais o pagamento do saldo foi efetuado pelo organismo pagador em causa ou, pelo menos, o montante definitivo foi fixado após o início do período de 24 meses pertinente.

27      Por conseguinte, resulta do que precede que a Comissão verificou, corretamente, que os pagamentos anteriores a 12 de setembro de 2011 que tinha identificado na carta de 26 de setembro de 2014 eram suscetíveis de serem excluídos do financiamento da União, pelo que o primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005, deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma «falta de fundamentação»

28      O segundo fundamento da República Portuguesa divide‑se em dois argumentos, sendo que o primeiro diz respeito à inexistência de dúvidas sérias e razoáveis quanto à conformidade dos controlos efetuados pelas autoridades portuguesas com as regras da União e o segundo à desconformidade face ao documento n.° VI/5330/97.

29      A Comissão contesta os argumentos da República Portuguesa.

 Quanto ao primeiro argumento do segundo fundamento, relativo à inexistência de provas da dúvida séria e razoável

30      A República Portuguesa sustenta que a Comissão não pode invocar a existência de uma dúvida séria e razoável relativamente aos controlos, efetuados pelas autoridades portuguesas, quanto à razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 para justificar a aplicação de uma correção financeira.

31      Nos termos do artigo 26.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1975/2006, ao qual sucedeu o artigo 24.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 65/2011, o controlo administrativo dos pedidos de apoio pelos Estados‑Membros inclui o caráter razoável dos custos propostos, que serão avaliados através de um sistema de avaliação adequado, tais como custos de referência, comparação de diferentes propostas ou um comité de avaliação.

32      Ora, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o Feader apenas financia as intervenções efetuadas em conformidade com as disposições do direito da União (v. Acórdão de 4 de setembro de 2015, Reino Unido/Comissão, T‑503/12, EU:T:2015:597, n.° 52 e jurisprudência referida). A este respeito, compete à Comissão provar a existência de uma violação dessas disposições. Por conseguinte, a Comissão tem a obrigação de justificar a sua decisão que declare verificada a falta ou as insuficiências dos controlos instituídos pelo Estado‑Membro em causa. Todavia, a Comissão não está obrigada a demonstrar, de modo exaustivo, a insuficiência dos controlos efetuados pelas Administrações nacionais ou a irregularidade dos dados por estas transmitidos, mas a apresentar um elemento de prova da dúvida séria e razoável que tem quanto a estes controlos efetuados ou a estes dados (v., por analogia, Acórdãos de 9 de janeiro de 2003, Grécia/Comissão, C‑157/00, EU:C:2003:5, n.os 15, 16 e jurisprudência referida, e de 24 de fevereiro de 2005, Grécia/Comissão, C‑300/02, EU:C:2005:103, n.os 32 a 34 e jurisprudência referida).

33      O Estado‑Membro em causa, por seu turno, não pode pôr em causa as conclusões da Comissão através de simples alegações não baseadas em elementos que provem a existência de um sistema fiável e operacional de controlo. Se o Estado‑Membro não conseguir demonstrar que são inexatas as conclusões da Comissão, estas constituem elementos suscetíveis de fazer surgir dúvidas sérias quanto à existência de um conjunto adequado e eficaz de medidas de vigilância e de controlo (v., por analogia, Acórdãos de 9 de janeiro de 2003, Grécia/Comissão, C‑157/00, EU:C:2003:5, n.° 18, e de 24 de fevereiro de 2005, Grécia/Comissão, C‑300/02, EU:C:2005:103, n.° 35 e jurisprudência referida).

34      Esta atenuação da exigência da prova pela Comissão explica‑se pelo facto de o Estado‑Membro estar mais bem colocado para recolher e verificar os dados necessários ao apuramento das contas do Feader, incumbindo‑lhe, consequentemente, apresentar a prova mais circunstanciada e completa possível da veracidade dos seus controlos ou dos seus números e, sendo caso disso, da inexatidão das afirmações da Comissão (v., por analogia, Acórdãos de 9 de janeiro de 2003, Grécia/Comissão, C‑157/00, EU:C:2003:5, n.° 17 e jurisprudência referida, e de 24 de fevereiro de 2005, Grécia/Comissão, C‑300/02, EU:C:2005:103, n.° 36 e jurisprudência referida).

35      No caso vertente, a Comissão considerou que os controlos instituídos pelas autoridades portuguesas não tinham permitido avaliar de forma adequada a razoabilidade dos custos apresentados pelos três beneficiários em causa.

36      A República Portuguesa alega que a Comissão não identificou qualquer deficiência no que se refere à avaliação da razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 e que, apesar dos constrangimentos inerentes ao mercado dos Açores, as autoridades portuguesas aplicaram um sistema adequado de avaliação da razoabilidade dos custos apresentados pelos mesmos beneficiários, conforme ao artigo 26.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1975/2006 e ao artigo 24.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 65/2011, na medida em que este sistema se baseava em custos de referência. Além disso, a República Portuguesa alega que a Comissão não invocou qualquer irregularidade quanto à verificação da realidade das despesas declaradas pelos referidos beneficiários e à realização de controlos aos locais da operação objeto do apoio ou aos locais do investimento.

37      A este respeito, em primeiro lugar, há que salientar que, contrariamente ao que defende a República Portuguesa, a Comissão, na carta de 12 de setembro de 2013, identificou de forma concreta e detalhada deficiências relativamente à avaliação, pelas autoridades portuguesas, da razoabilidade dos custos apresentados pelos três beneficiários em causa.

38      Assim, a Comissão concluiu, nomeadamente, em primeiro lugar, que as listas dos custos de referência elaboradas pelas autoridades portuguesas se baseavam, por vezes exclusivamente, nos preços das empresas finalmente selecionadas pelos beneficiários, pelo que as autoridades portuguesas se satisfaziam, nalguns casos, com a comparação de preços provenientes de uma mesma empresa com vista a determinar se os preços desta empresa eram ou não razoáveis, em segundo lugar, que os custos de referência podiam ser até 4,5 vezes superiores aos das empresas selecionadas pelos beneficiários, o que, segundo a Comissão, indicava que não existia nenhuma relação entre os custos de referência e os preços do mercado, e, em terceiro lugar, que a justificação para certos pagamentos cujo montante representava várias centenas de milhares de euros podia ser inexistente ou insuficiente.

39      Ora, importa referir que a República Portuguesa não contesta a exatidão das conclusões da Comissão mencionadas no n.° 38 supra.

40      Em segundo lugar, o facto de as autoridades portuguesas terem aplicado um sistema de avaliação baseado na comparação dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 com os custos de referência não significa que o referido sistema seja adequado na aceção das disposições referidas no n.° 31 supra.

41      Com efeito, resulta expressamente dessas disposições que as autoridades portuguesas podiam escolher o sistema de avaliação que pretendiam implementar, pelo que podiam escolher outro sistema de avaliação se, na prática, não fosse possível definir os custos de referência.

42      Como tal, embora não se conteste que a aplicação de um sistema de avaliação baseado na comparação dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 com os custos de referência tenha sido dificultada pelos constrangimentos inerentes à insularidade e à dimensão limitada do mercado dos Açores, as autoridades portuguesas podiam, não obstante, aplicar outro sistema de avaliação que fosse simultaneamente fiável e operacional para controlar a razoabilidade dos custos apresentados pelos referidos beneficiários, como, por exemplo, um sistema em que interviesse um comité de avaliação.

43      Ora, no caso vertente, a República Portuguesa não apresenta nenhum elemento suscetível de provar a existência de um sistema de controlo fiável e operacional conforme com as disposições referidas no n.° 31 supra.

44      Em terceiro lugar, o facto de as deficiências identificadas pela Comissão não dizerem respeito à verificação da realidade das despesas declaradas pelos beneficiários da medida 123 nem à realização de controlos aos locais da operação objeto do apoio ou aos locais do investimento não é suscetível de pôr em causa a dúvida séria e razoável que a Comissão podia ter em relação aos controlos, efetuados pelas autoridades portuguesas, da razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123.

45      Por conseguinte, resulta do que precede que, atendendo às deficiências mencionadas no n.° 38 supra, a Comissão apresentou elementos de prova da dúvida séria e razoável, na aceção da jurisprudência referida no n.° 32 supra, que a mesma tinha, quanto aos controlos, efetuados pelas autoridades portuguesas, da razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123.

46      Nestas condições, e atendendo à jurisprudência referida nos n.os 32 a 34 supra, a República Portuguesa não pode, de forma útil, censurar à Comissão o facto de não ter podido, ela própria, identificar os custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 que não eram razoáveis.

47      Assim, há que julgar improcedente o primeiro argumento do segundo fundamento.

 Quanto ao segundo argumento do segundo fundamento, relativo à desconformidade com o documento n.° VI/5330/97

48      A República Portuguesa alega que, no que se refere às deficiências verificadas, a correção forfetária aplicada pela Comissão é contrária ao documento n.° VI/5330/97 e ao artigo 31.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1290/2005.

49      A título preliminar, há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 32 supra, o Feader apenas financia as intervenções efetuadas em conformidade com as disposições do direito da União.

50      Assim, o artigo 31.° do Regulamento n.° 1290/2005 dispõe, no seu n.° 1, que a Comissão decide dos montantes a excluir do financiamento da União sempre que constate que determinadas despesas não foram efetuadas de acordo com as regras da União e, no seu n.° 2, que a Comissão avalia os montantes a excluir, tendo nomeadamente em conta a importância da falta de conformidade constatada, precisando, a esse respeito, que a Comissão toma em consideração a natureza e a gravidade da infração, bem como o prejuízo financeiro para a União.

51      Todavia, embora incumba à Comissão provar a existência de uma violação das regras da União, compete ao Estado‑Membro, uma vez provada essa violação, demonstrar, sendo caso disso, que a Comissão cometeu um erro relativamente às consequências financeiras que daí advêm (Acórdãos de 24 de abril de 2008, Bélgica/Comissão, C‑418/06 P, EU:C:2008:247, n.° 135, e de 4 de setembro de 2015, Reino Unido/Comissão, T‑503/12, EU:T:2015:597, n.° 53).

52      Com efeito, conforme se recordou, em substância, no n.° 34 supra, a gestão do financiamento do Feader cabe principalmente às Administrações nacionais encarregadas de zelar pela estrita observância das regras da União e tem por base a confiança entre as autoridades nacionais e as autoridades da União. Só o Estado‑Membro está em condições de conhecer e de determinar com precisão os dados necessários à elaboração das contas do Feader, não dispondo a Comissão da proximidade necessária para obter as informações de que precisa junto dos agentes económicos (v., por analogia, Acórdãos de 7 de outubro de 2004, Espanha/Comissão, C‑153/01, EU:C:2004:589, n.° 133 e jurisprudência referida, e de 4 de setembro de 2015, Reino Unido/Comissão, T‑503/12, EU:T:2015:597, n.° 54).

53      Quanto ao tipo de correção aplicada, há que recordar que, à luz do documento n.° VI/5330/97, quando não seja possível avaliar com precisão as perdas sofridas pela União, a Comissão pode aplicar uma correção forfetária (Acórdãos de 18 de setembro de 2003, Reino Unido/Comissão, C‑346/00, EU:C:2003:474, n.° 53, e de 24 de abril de 2008, Bélgica/Comissão, C‑418/06 P, EU:C:2008:247, n.° 136). A este título, importa acrescentar que, embora o documento n.° VI/5330/97 tenha sido emitido pela Comissão no contexto do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) e contenha, como indica o seu título, diretrizes relativas ao cálculo das consequências financeiras na preparação da decisão de apuramento das contas do FEOGA, Secção «Garantia», nada impede a Comissão de aplicar este documento igualmente no exercício das competências que o artigo 31.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1290/2005 lhe atribui com vista ao apuramento das contas do Feader (Acórdão de 4 de setembro de 2015, Reino Unido/Comissão, T‑503/12, EU:T:2015:597, n.° 55; v., também, neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2013, Bulgária/Comissão, T‑335/11, não publicado, EU:T:2013:262, n.° 86), o que, de resto, a República Portuguesa admite na réplica.

54      A este respeito, há ainda que salientar, à luz do documento n.° VI/5330/97, que, quando todos os controlos‑chave são efetuados, mas sem respeitar, nomeadamente, o rigor preconizado pelos regulamentos, há que aplicar uma correção forfetária de 5%, uma vez que se pode razoavelmente concluir que estes controlos não fornecem o nível esperado de regularidade dos pedidos e que o risco de perdas para o Feader é significativo (v. Acórdão de 4 de setembro de 2015, Reino Unido/Comissão, T‑503/12, EU:T:2015:597, n.° 56 e jurisprudência referida).

55      Resulta igualmente do documento n.° VI/5330/97 que a taxa de correção deve ser aplicada à parte das despesas que constituíram um risco. Quando a deficiência resulta da não adoção, por um Estado‑Membro, de um sistema de controlo adequado, a correção deve, devido ao seu caráter forfetário, ser aplicada a todas as despesas abrangidas pela medida em causa (v. Acórdão de 4 de setembro de 2015, Reino Unido/Comissão, T‑503/12, EU:T:2015:597, n.° 57 e jurisprudência referida).

56      No caso vertente, resulta dos elementos dos autos que a Comissão aplicou, com referência ao documento n.° VI/5330/97, uma correção forfetária de 5% às despesas relativas à medida 123 para as quais foram realizados pagamentos durante o período de 24 meses pertinente. Justificou a aplicação dessa correção com as deficiências observadas no que respeita à avaliação da razoabilidade dos custos apresentados pelos três beneficiários em causa.

57      A República Portuguesa contesta a correção forfetária de 5%, pelo facto de a Comissão não ter identificado no decurso do apuramento da conformidade, e designadamente na carta de 12 de setembro de 2013, qualquer omissão de controlos‑chave, na aceção do documento n.° VI/5330/97, relativos à razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123, quer relativamente ao seu número quer à sua frequência ou ao seu rigor, violando assim a «garantia processual» prevista pelo artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005. Além disso, a República Portuguesa considera que a Comissão lhe imputou, erradamente, uma obrigação de resultado no que se refere à avaliação da razoabilidade dos referidos custos e que, em todo o caso, as deficiências observadas pela Comissão só dizem respeito a controlos ancilares, na aceção do documento n.° VI/5330/97, pelo que só era aplicável uma correção forfetária de 2%.

58      A este respeito, em primeiro lugar, cabe salientar que, como alega, em substância, a República Portuguesa, a violação do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006, mencionado no n.° 18 supra, com base no qual a Comissão notificou a carta de 12 de setembro de 2013, poderia esvaziar da sua substância a garantia processual concedida aos Estados‑Membros pelo artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005, que, como se referiu no n.° 16 supra, limita no tempo as despesas que podem ficar abrangidas pela recusa de financiamento pelo Feader (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 24 de fevereiro de 2005, Grécia/Comissão, C‑300/02, EU:C:2005:103, n.° 70).

59      Todavia, conforme se referiu no n.° 37 supra, através da carta de 12 de setembro de 2013, a Comissão informou as autoridades portuguesas de que os controlos que estas últimas tinham efetuado, nos termos do artigo 24.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 65/2011, que substituiu o artigo 26.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1975/2006, não tinham permitido avaliar de forma adequada a razoabilidade dos custos apresentados pelos três beneficiários em causa. Assim, embora seja certo que a Comissão não pôs em causa o número ou a frequência dos controlos efetuados pelas autoridades portuguesas, não se pode defender que o rigor desses controlos, na aceção do documento n.° VI/5330/97 e da jurisprudência referida no n.° 54 supra, não tenha sido posto em dúvida pela Comissão.

60      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de a Comissão não ter identificado com precisão, na carta de 12 de setembro de 2013, que custos, entre os apresentados pelos três beneficiários em causa, não eram razoáveis. Com efeito, atendendo ao que se referiu nos n.os 45 e 46 supra, bastava à Comissão provar a existência de uma dúvida séria e razoável de que os controlos efetuados pelas autoridades portuguesas não permitiam avaliar de forma adequada a razoabilidade dos custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 para considerar que esses controlos não respeitavam o rigor, na aceção do documento n.° VI/5330/97 e da jurisprudência referida no n.° 54 supra, preconizado pelos Regulamentos n.os 1975/2006 e 65/2011.

61      Daqui decorre que a Comissão não violou a garantia processual concedida à República Portuguesa pelo artigo 31.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 1290/2005.

62      Em segundo lugar, importa recordar que, embora o facto de um procedimento ser perfectível não justifique, em si, uma correção financeira, uma carência significativa na aplicação das regras explícitas da União que exponha o Feader a um risco efetivo de perda ou de irregularidade pode justificar a aplicação de uma correção financeira (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 7 de julho de 2005, Grécia/Comissão, C‑5/03, EU:C:2005:426, n.° 51).

63      Ora, conforme se referiu no n.° 45 supra, a Comissão provou que podia existir uma dúvida séria e razoável quanto ao rigor dos controlos efetuados pelas autoridades portuguesas, pelo que não se podia excluir que os custos apresentados pelos beneficiários da medida 123 tivessem sido sobreavaliados e que, consequentemente, estivesse provada a existência de um risco de perda para o Feader.

64      Daqui decorre que, embora as autoridades portuguesas pudessem escolher, como se recordou no n.° 42 supra, o sistema de avaliação que pretendiam aplicar, estavam, não obstante, obrigadas a efetuar um controlo fiável e operacional a fim de não expor o Feader a um risco real de perda.

65      Em terceiro lugar, há que referir que as autoridades portuguesas não apresentaram um método de cálculo capaz de estabelecer o montante real das despesas irregulares ou de demonstrar, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 51 supra, que a Comissão tinha cometido um erro quanto às consequências financeiras a retirar daí, sendo certo que, além do mais, a República Portuguesa não contesta, em si mesma, a aplicação de uma correção forfetária.

66      Por conseguinte, na medida em que, como se mencionou no n.° 59 supra, a Comissão censurou às autoridades portuguesas o facto de não terem respeitado o rigor preconizado pelos regulamentos aplicáveis, há que aplicar, em conformidade com o documento n.° VI/5330/97 e com a jurisprudência referida no n.° 54 supra, uma correção forfetária de 5%, nos termos do artigo 31.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1290/2005.

67      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela alegação da República Portuguesa segundo a qual o controlo sobre a razoabilidade dos custos apresentados constitui apenas um controlo ancilar cuja omissão, em aplicação do documento n.° VI/5330/97, só pode implicar uma correção de 2%.

68      Com efeito, há que recordar que, nos termos do documento n.° VI/5330/97, os controlos‑chave são os controlos físicos e administrativos exigidos para verificar os elementos de fundo, ao passo que os controlos ancilares se referem às operações administrativas requeridas para tratar corretamente os pedidos, como a verificação do respeito dos prazos de apresentação, a identificação de pedidos em duplicado com o mesmo objeto, a análise do risco, a aplicação de sanções e a supervisão adequada dos procedimentos.

69      Ora, importa salientar, em primeiro lugar, que a República Portuguesa não fundamenta a sua afirmação de que os controlos previstos no artigo 26.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1975/2006 e no artigo 24.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 65/2011 devem ser considerados controlos ancilares, e não controlos‑chave.

70      Em seguida, há que referir que o controlo da razoabilidade dos custos constitui uma verificação administrativa exigida para evitar a sobreavaliação dos pedidos. Trata‑se, portanto, do controlo de um dos elementos de fundo desses pedidos, que se deve distinguir das operações administrativas necessárias para o tratamento dos referidos pedidos.

71      Por último, resulta do documento n.° VI/5330/97 que, embora se possa presumir a existência de um risco de perda que justifique uma correção de 5% quando se verificam deficiências nos controlos‑chave, é a existência de um risco de perda para o Feader que justifica, a título definitivo, a aplicação dessa correção (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 12 de setembro de 2007, Finlândia/Comissão, T‑230/04, não publicado, EU:T:2007:259, n.° 71, e de 30 de setembro de 2009, Portugal/Comissão, T‑183/06, não publicado, EU:T:2009:370, n.° 99). Ora, à luz da jurisprudência referida no n.° 51 supra, a República Portuguesa não apresenta nenhum elemento suscetível de provar que as consequências financeiras a retirar das deficiências verificadas relativamente aos controlos efetuados pelas autoridades portuguesas nos termos do artigo 26.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1975/2006 e do artigo 24.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 65/2011 são inferiores a 5%.

72      Resulta do que precede que há que julgar improcedente o segundo argumento do segundo fundamento e, portanto, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

73      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

74      Tendo a República Portuguesa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.


Gervasoni

Kowalik‑Bańczyk

Mac Eochaidh


Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de dezembro de 2018.


O Secretário

 

      O Presidente

E. Coulon

 

      S. Gervasoni


*      Língua do processo: português.