Language of document : ECLI:EU:C:2019:312

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 11 de abril de 2019 (1)

Processo C324/17

Processo penal

contra

Ivan Gavanozov

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva 2014/41/UE — Decisão judicial europeia de investigação — Procedimentos e garantias no Estado‑Membro de emissão — Fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação — Inexistência de vias de recurso no Estado‑Membro de emissão — Autonomia processual — Princípios da equivalência e da efetividade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Artigo 14.o da Diretiva 2014/41 — Conceito de “pessoa em causa” — Pessoa contra a qual foi deduzida acusação e medidas de instrução aplicadas em relação a um terceiro»






I.      Introdução

1.        A abertura das fronteiras na União Europeia teve, inevitavelmente, o efeito de facilitar a dimensão transfronteiriça da criminalidade, ou até criar novas possibilidades de criminalidade. Um tal fenómeno necessita que o quadro legal em que se efetuam as investigações e, em especial, os poderes de investigação de que dispõem as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros possam atravessar as fronteiras nacionais.

2.        Assim, os Estados‑Membros têm trabalhado no sentido de implementar uma cooperação judiciária em matéria de prova (2).

3.        Embora a judicialização crescente dos processos de cooperação entre as autoridades dos Estados‑Membros tenha permitido aumentar a eficácia da cooperação em matéria de obtenção de elementos de prova, não é menos verdade que, como salientou o legislador da União, o quadro jurídico europeu se tinha tornado, devido, designadamente, à acumulação de instrumentos específicos, ao mesmo tempo excessivamente fragmentado e complexo (3). Destinada a substituir os instrumentos de cooperação em matéria de prova, a Diretiva 2014/41 procura tanto simplificar o quadro legal de obtenção de elementos de prova nos processos de investigação, como melhorar a eficácia destes últimos.

4.        A Diretiva 2014/41 tem um âmbito de aplicação genérico e especialmente amplo face aos diplomas que visa substituir. Assim, resulta do artigo 1.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva que a decisão europeia de investigação é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro (a seguir «Estado de emissão») para que sejam executadas noutro Estado‑Membro (a seguir «Estado de execução») uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a referida diretiva.

5.        Além disso, as autoridades dos Estados‑Membros são, em princípio, obrigadas a executar as decisões europeias de investigação com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o quadro estabelecido na Diretiva 2014/41 (4).

6.        Uma vez que as medidas de investigação decretadas pelas autoridades competentes para efeitos de obtenção de elementos de provas em matéria penal podem revelar‑se particularmente intrusivas, na medida em que são suscetíveis de violar o direito ao respeito pela vida privada das pessoas em causa, a legislação da União deve imperativamente encontrar um equilíbrio entre a eficácia e a celeridade dos processos de investigação, por um lado, e a proteção dos direitos das pessoas afetadas por essas medidas de investigação, por outro.

7.        Embora o presente processo convide o Tribunal de Justiça a interpretar a Diretiva 2014/41 pela primeira vez, este oferece‑lhe, sobretudo, a possibilidade de tomar posição sobre esse equilíbrio delicado, mas crucial.

8.        Assim, as questões prejudiciais têm, essencialmente, por objeto o artigo 14.o desta diretiva e as vias de recurso contra os fundamentos materiais das medidas de investigação referidas na decisão judicial que emite uma decisão europeia de investigação.

9.        Exporemos, nas presentes conclusões, as razões pelas quais, em primeiro lugar, consideramos que o artigo 14.o da Diretiva 2014/41 se opõe à legislação de um Estado‑Membro que não permite que uma testemunha abrangida por medidas de investigação, tais como uma busca, uma apreensão e uma inquirição, intente uma ação para impugnar os fundamentos materiais subjacentes a essas medidas de investigação ou para pedir a reparação. Nestas circunstâncias, consideramos também que esta disposição, interpretada à luz dos direitos fundamentais, se opõe a que uma autoridade nacional emita uma decisão europeia de investigação.

10.      Em segundo lugar, é nossa opinião que, na falta de vias de recurso previstas pelo direito nacional no âmbito de processos nacionais semelhantes, o artigo 14.o da Diretiva 2014/41 não pode ser invocado por um particular num órgão jurisdicional nacional a fim de impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação.

11.      Em terceiro lugar, pensamos que o conceito de «pessoa em causa», na aceção da Diretiva 2014/41, inclui, por um lado, uma testemunha abrangida por medidas de investigação solicitadas numa decisão europeia de investigação, quando o seu domicílio seja objeto de uma busca e de uma apreensão e essa testemunha seja sujeita a uma inquirição e, por outro, a pessoa contra a qual seja deduzida acusação, caso as medidas de instrução decididas no processo em que é arguida tenham por objeto um terceiro.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

12.      O artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (5) tem a seguinte redação:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal.»

13.      Em conformidade com o artigo 48.o, n.o 2, da Carta, «[é] garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa».

14.      O artigo 52.o, n.o 3, da Carta prevê que:

«Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção […] para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[(6)], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

2.      Diretiva 2014/41

15.      Os considerandos 2, 11, 12, 18, 19, 22 e 39 da Diretiva 2014/41 estabelecem:

«(2)      Nos termos do artigo 82.o, n.o 1, [TFUE], a cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais, princípio esse comummente referido, desde o Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, como a pedra angular da cooperação judiciária em matéria penal na União.

[…]

(11)      A [decisão europeia de investigação] deverá ser escolhida quando a execução de uma medida de investigação parecer proporcionada, adequada e aplicável no caso concreto. A autoridade de emissão deverá, por conseguinte, confirmar se os elementos de prova procurados são necessários e proporcionados para efeitos do processo, se as medidas de investigação escolhidas são necessárias e proporcionadas para a recolha dos elementos de prova em causa e se, no âmbito da emissão da [decisão europeia de investigação], outro Estado‑Membro deveria participar na recolha desses elementos de prova. […]

(12)      Ao emitir uma [decisão europeia de investigação], a autoridade de emissão deverá prestar especial atenção a que fique assegurada a plena observância dos direitos consagrados no artigo 48.o da [Carta]. A presunção de inocência e o direito à defesa em processo penal são uma pedra angular dos direitos fundamentais reconhecidos na Carta no domínio do direito penal. Qualquer limitação desses direitos por uma medida de investigação ordenada nos termos da presente diretiva deverá obedecer aos requisitos estabelecidos no artigo 52.o da Carta no que diz respeito à necessidade, à proporcionalidade e aos objetivos dessa medida, em especial a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

[…]

(18)      Tal como sucede com outros instrumentos de reconhecimento mútuo, a presente diretiva não tem por efeito modificar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o [TUE] e na Carta. Para o tornar claro, deverá ser inserida no texto uma disposição específica nesse sentido.

(19)      A criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União baseia‑se na confiança mútua e na presunção de que os outros Estados‑Membros cumprem o direito da União e, em particular, respeitam os direitos fundamentais. No entanto, essa presunção é refutável. Em consequência, se houver motivos substanciais para supor que a execução de uma medida de investigação indicada na [decisão europeia de investigação] se traduziria na violação de um direito fundamental da pessoa em causa, e que o Estado de execução ignoraria as suas obrigações relativamente à proteção dos direitos reconhecidos na Carta, a execução da [decisão europeia de investigação] deverá ser recusada.

[…]

(22)      As vias de recurso contra uma [decisão europeia de investigação] deverão ser pelo menos idênticas às que existem em processos nacionais contra a medida de investigação em causa. Os Estados‑Membros garantem, de acordo com a lei nacional, a aplicabilidade destas vias de recurso, incluindo a informação em tempo útil a qualquer parte interessada sobre as possibilidades de interpor recurso. Quando as objeções à [decisão europeia de investigação] forem apresentadas pela parte interessada no Estado de execução relativamente aos fundamentos materiais da emissão da [decisão europeia de investigação], é conveniente que a autoridade de emissão seja informada dessa contestação, e disso seja dado conhecimento à parte interessada.

[…]

(39)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e pela Carta, nomeadamente no seu Título VI, pelo direito internacional e pelos acordos internacionais em que a União ou todos os Estados‑Membros são partes, incluindo a [CEDH], e pelas constituições dos Estados‑Membros nos respetivos âmbitos de aplicação. […]»

16.      Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2014/41:

«1.       A decisão europeia de investigação […] é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro […] para que sejam executadas noutro Estado‑Membro […] uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a presente diretiva.

Também pode ser emitida uma [decisão europeia de investigação] para obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes do Estado de execução.

[…]

4.      A presente diretiva não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o [TUE], incluindo os direitos de defesa das pessoas sujeitas a ação penal, nem prejudica quaisquer obrigações que nesta matéria incumbam às autoridades judiciárias.»

17.      O artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva indica que «[a] autoridade de emissão preenche a [decisão europeia de investigação], reproduzida no formulário constante do Anexo A, assina‑a e certifica que as informações dela constantes são exatas e corretas».

18.      O artigo 6.o da referida diretiva prevê:

«1.      A autoridade de emissão só pode emitir uma [decisão europeia de investigação] se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)      A emissão da [decisão europeia de investigação] é necessária e proporcionada para efeitos dos processos a que se refere o artigo 4.o, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido; e

[…]

2.      As condições referidas no n.o 1 são avaliadas pela autoridade de emissão, caso a caso.

3.      Se a autoridade de execução tiver razões para considerar que as condições previstas no n.o 1 não estão preenchidas, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de executar a [decisão europeia de investigação]. Após essa consulta, a autoridade de emissão pode decidir retirar a [decisão europeia de investigação].»

19.      O artigo 11.o da Diretiva 2014/41, sob o capítulo III, intitulado «Procedimentos e garantias no Estado de execução», prevê:

«1.      Sem prejuízo do artigo 1[.°], n.o 4, o reconhecimento ou a execução de uma [decisão europeia de investigação] podem ser recusados no Estado de execução se:

[…]

f)      Se houver motivos substanciais para crer que a execução da medida de investigação indicada na [decisão europeia de investigação] será incompatível com as obrigações do Estado de execução nos termos do artigo 6.o [TUE] e da Carta;

[…]

4.      Nos casos referidos no n.o 1, alíneas a), b), d), e) e f), antes de decidir não reconhecer ou não executar total ou parcialmente uma [decisão europeia de investigação], a autoridade de execução consulta a autoridade de emissão por quaisquer meios adequados e, se necessário, solicita à autoridade de emissão que forneça sem demora as informações necessárias.

[…]»

20.      Nos termos do artigo 14.o desta diretiva:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que sejam aplicáveis às medidas de investigação indicadas na [decisão europeia de investigação] vias de recurso equivalentes às existentes em processos nacionais semelhantes.

2.      Os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma [decisão europeia de investigação] só podem ser impugnados em ação interposta no Estado de emissão, sem prejuízo das garantias dos direitos fundamentais no Estado de execução.

3.      Se tal não comprometer a necessidade de garantir a confidencialidade da investigação, ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, a autoridade de emissão e a autoridade de execução tomam as medidas adequadas para assegurar que seja prestada informação sobre as possibilidades, de interpor recurso existentes ao abrigo da lei nacional, quando forem aplicáveis e em tempo útil para permitir o seu exercício efetivo.

4.      Os Estados‑Membros asseguram‑se de que os prazos para interpor recurso sejam os mesmos que os previstos em processos nacionais semelhantes e sejam aplicados de forma a garantir a possibilidade do exercício efetivo do recurso pelas partes interessadas.

5.       A autoridade de emissão e a autoridade de execução informam‑se mutuamente acerca dos recursos interpostos na sequência da emissão, reconhecimento ou execução de uma [decisão europeia de investigação].

6.      A impugnação não suspende a execução da medida de investigação a não ser que tal esteja previsto em processos nacionais semelhantes.

7.      Se a impugnação do reconhecimento ou execução de uma [decisão europeia de investigação] for procedente, essa decisão será tida em conta pelo Estado de emissão de acordo com a lei nacional. Sem prejuízo do disposto no direito processual nacional, os Estados‑Membros asseguram‑se de que, no processo penal no Estado de emissão, quando da avaliação dos elementos de prova obtidos através da [decisão europeia de investigação], são respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo.»

21.      Nos termos do artigo 24.o da referida diretiva:

«1.      Caso uma pessoa se encontre no território do Estado de execução e deva ser ouvida como testemunha ou perito pelas autoridades competentes do Estado de emissão, a autoridade de emissão pode emitir uma [decisão europeia de investigação] para ouvir a testemunha ou perito por videoconferência ou outros meios de transmissão audiovisual, nos termos dos n.os 5 a 7.

[…]

2.      Além dos motivos de não reconhecimento ou não execução referidos no artigo 11.o, a execução da [decisão europeia de investigação] também pode ser recusada se:

a)      O suspeito ou arguido não der o seu consentimento;

b)      A execução de tal medida de investigação num caso concreto for contrária aos princípios fundamentais da lei do Estado de execução.

[…]»

22.      Nos termos do artigo 34.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2014/41:

«1.      Sem prejuízo da sua aplicação entre Estados‑Membros e Estados terceiros, e das disposições transitórias previstas no artigo 35.o, a presente diretiva substitui, a partir de 22 de maio de 2017, as disposições correspondentes das seguintes convenções aplicáveis às relações entre os Estados‑Membros vinculados à presente diretiva:

a)      Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, do Conselho da Europa, de 20 de abril de 1959, e os seus dois Protocolos Adicionais, bem como os acordos bilaterais celebrados nos termos do artigo 26.o desta Convenção;

b)      Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen[(7)];

c)      Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados‑Membros da União Europeia, e o respetivo Protocolo[(8)].

2.      A Decisão‑Quadro [2008/978] é substituída para os Estados‑Membros vinculados pela presente diretiva. As disposições da Decisão‑Quadro [2003/577] são substituídas para os Estados‑Membros vinculados pela presente diretiva, no que respeita ao congelamento de provas.

Para os Estados‑Membros vinculados pela presente diretiva, as referências à Decisão‑Quadro [2008/978] e, no que respeita ao congelamento de provas, as referências à Decisão‑Quadro [2003/577] devem ser entendidas como referências à presente diretiva.

3.      Além da presente diretiva, os Estados‑Membros apenas podem celebrar ou continuar a aplicar acordos ou convénios bilaterais ou multilaterais com outros Estados‑Membros após 22 de maio de 2017, na medida em que estes permitam reforçar os objetivos da presente diretiva e contribuam para simplificar ou facilitar ainda mais os procedimentos de recolha de elementos de prova, e na medida em que seja respeitado o nível de garantias estabelecido na presente diretiva»

23.      O artigo 36.o, n.o 1, desta diretiva refere que «[o]s Estados‑Membros tomam as disposições necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 22 de maio de 2017».

B.      Direito búlgaro

24.      Em conformidade com o artigo 160.o, n.o 1, do nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal), as buscas e apreensões podem ser efetuadas se existirem motivos suficientes para crer que, num local determinado, se encontram algumas coisas (documentos, objetos, computadores e outros) que contêm informações relevantes para o processo.

25.      Nos termos do artigo 107.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, conjugado com o artigo 13.o deste código, a inquirição de uma testemunha que não foi ouvida antes na fase instrutória do processo penal é efetuada com base numa decisão judicial. As buscas e apreensões são efetuadas na fase judicial do processo ao abrigo de uma decisão judicial.

26.      As decisões judiciais que decretam medidas de instrução, como a busca, a apreensão e a inquirição de testemunhas, não podem ser impugnadas pelas partes no processo nem pelas pessoas afetadas por essas medidas e não estão sujeitas a qualquer fiscalização.

27.      Não há nenhuma fiscalização indireta dessas decisões, ou seja, uma fiscalização feita em conjunto com a sentença penal.

28.      Em primeiro lugar, nos termos do artigo 318.o do Código de Processo Penal, a sentença penal só é reapreciada mediante recurso do procurador ou do arguido. As pessoas cujas instalações foram objeto de buscas ou cujos bens foram objeto de apreensão, por um lado, e as pessoas que foram inquiridas como testemunhas, por outro, não têm legitimidade para pedir que, juntamente com a análise da sentença penal, também seja apreciada a legalidade da decisão judicial que ordena, respetivamente, a realização de uma busca ou de uma apreensão e autoriza a inquirição.

29.      Em segundo lugar, nos termos do artigo 305.o do Código de Processo Penal, conjugado com o artigo 301.o deste mesmo código, a decisão proferida quanto ao mérito em primeira instância só versa sobre a culpabilidade do arguido e não sobre a existência ou não de motivos que justificam a emissão de uma decisão de busca, de apreensão ou de inquirição de uma testemunha. A decisão proferida em segunda instância só versa sobre as questões analisadas em primeira instância. Em especial, o órgão jurisdicional de segunda instância avalia o modo como as medidas de investigação foram efetuadas e, nomeadamente, o respeito pelas regras processuais, sem fiscalizar o caráter suficiente dos motivos da decisão que decreta as medidas de investigação.

30.      O artigo 2.o da zakon za otgovornostta na darzhavata i obshtinite za vredi (Lei da responsabilidade do Estado e das autarquias) (9) prevê o pagamento de uma indemnização em caso de danos resultantes de determinados atos judiciais dirigidos contra o arguido e que sejam considerados ilícitos.

31.      Os atos relativos à emissão de uma decisão com vista à realização de buscas, de apreensões ou para realizar uma inquirição de testemunhas não são considerados dirigidos contra o arguido e não é legalmente possível estabelecer a sua ilegalidade. Por conseguinte, essas hipóteses não figuram entre as que podem dar lugar a indemnização.

32.      A zakon za evropeyskata zapoved za razsledvane (Lei relativa à decisão europeia de investigação) (10) transpõe a Diretiva 2014/41 para a ordem jurídica búlgara.

33.      O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, embora o artigo 18.o da Lei relativa à decisão europeia de investigação preveja vias de recurso em matéria de execução, pelas autoridades búlgaras, de uma decisão europeia de investigação adotada pelas autoridades judiciárias de outro Estado‑Membro, em contrapartida, esta lei não prevê uma via de recurso no âmbito do processo de emissão dessa decisão.

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

34.      As autoridades judiciárias búlgaras acusam Ivan Dimov Gavanozov de ter chefiado uma associação criminosa, na qual também participavam mais três pessoas, com o objetivo de eludir a tributação e o pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), procedendo para tal à emissão e à utilização de documentos com declarações falsas, bem como à dedução indevida do IVA pago a montante. Especificamente, I. Gavanozov é acusado de ter importado para a Bulgária, por intermédio de sociedades de fachada, açúcar proveniente de outros Estados‑Membros (aquisição intracomunitária), entre os quais a República Checa, do fornecedor, a sociedade X, representada pela testemunha, Y, açúcar que, seguidamente, vendeu no mercado nacional, sem documentos e sem liquidar nem pagar o imposto. Segundo os documentos na posse das autoridades judiciárias, I. Gavanozov tinha exportado açúcar para a Roménia através de uma entrega intracomunitária. O montante total do IVA não liquidado e não pago ascende a 1 128 664,69 leva búlgaros (BGN) (577 085,85 euros).

35.      Na fase instrutória do processo não foram adotadas quaisquer medidas de instrução relativamente à empresa X nem à testemunha Y.

36.      No entanto, é facto assente ter havido contactos pessoais e profissionais entre I. Gavanozov e Y, feitos ou através de um intérprete ou em inglês, na medida em que nenhum deles falava a língua materna do outro. Todavia, consta também que I. Gavanozov celebrou um contrato de representação exclusiva com a sociedade X, da qual a testemunha Y era o representante, contrato esse redigido apenas em língua búlgara.

37.      Para esclarecer o alcance das relações entre I. Gavanozov e Y, o órgão jurisdicional de reenvio, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), ordenou a recolha de novas provas.

38.      Assim, este último decidiu proceder a buscas e apreensões nas instalações da sociedade X para determinar se o contrato apresentado pela testemunha Y figura na documentação dessa sociedade e se foram emitidos documentos relacionados com a execução desse contrato. Foi também decidido proceder a buscas e apreensões no domicílio da testemunha Y, para determinar se esta guarda no seu domicílio documentação relativa à atividade objeto de acusação e ouvir esta testemunha por videoconferência, uma vez que não quer comparecer na Bulgária.

39.      Na medida em que as instalações da sociedade X e o domicílio de Y se situam no território da República Checa, o tribunal de reenvio decidiu emitir uma decisão europeia de investigação, solicitando às autoridades judiciárias checas para efetuarem essas medidas de investigação.

40.      Na fase da adoção dessa decisão, o tribunal de reenvio refere ter tido dificuldades em preencher a secção J (11), consagrada às vias de recurso, do formulário tipo da decisão europeia de investigação que consta do anexo A da Diretiva 2014/41.

41.      A este propósito, o tribunal de reenvio especificou na decisão de reenvio que o direito búlgaro não prevê nenhuma via de recurso contra a adoção dessas medidas de investigação.

42.      Referiu também que, em sua opinião, a legislação búlgara não é conforme com o artigo 14.o da Diretiva 2014/41 e não está em consonância com o princípio da efetividade, na medida em que as pessoas abrangidas pelas medidas de instrução não dispõem de nenhuma via de recurso contra os atos que decretam essas medidas.

43.      Nestas condições, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O direito e a jurisprudência nacionais são compatíveis com o artigo 14.o da Diretiva [2014/41] se não previrem que as questões de mérito que fundamentam a emissão de uma decisão europeia de investigação que tem por objeto a realização de buscas num domicílio ou estabelecimento, bem como de apreensões de determinados objetos, e a inquirição de uma testemunha, podem ser impugnadas ou diretamente, por recurso da decisão judicial, ou, indiretamente, através de um pedido de indemnização?

2)      O artigo 14.o, n.o 2, da diretiva atribui diretamente aos interessados o direito de impugnarem a decisão europeia de investigação, embora o direito nacional não preveja qualquer meio processual nesse sentido?

3)      A pessoa contra a qual foi deduzida acusação deve, para efeitos do artigo 14.o, n.o 2, conjugado com o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), e artigo 1.o, n.o 4, da diretiva, ser considerada interessada na aceção do artigo 14.o, n.o 4, da diretiva, caso as medidas de instrução decretadas tenham por objeto um terceiro?

4)      A pessoa que habita ou utiliza as instalações onde decorrem as buscas e apreensões ou que deve ser ouvida como testemunha deve ser considerada interessada, na aceção do artigo 14.o, n.o 4, conjugado com o artigo 14.o, n.o 2, da diretiva?»

IV.    Análise

A.      Quanto à admissibilidade

44.      Os Governos checo e austríaco, explícita e implicitamente, suscitaram a inadmissibilidade das questões prejudiciais pelo facto de, tendo a decisão de reenvio sido emitida no momento do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/41, esta última ainda não ter sido transposta na República Checa nem na República da Bulgária e não ser possível uma aplicação da diretiva por efeito direto.

45.      A este respeito, sublinhe‑se, antes de mais, que sendo a decisão de reenvio datada de 23 de maio de 2017, é posterior à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/41, fixado no seu artigo 36.o, n.o 1, em 22 de maio de 2017.

46.      Depois, a Diretiva 2014/41 foi transposta tanto na República da Bulgária como na República Checa na pendência do processo no Tribunal de Justiça. Assim, o tribunal de reenvio enviou ao Tribunal de Justiça, durante a tramitação do processo neste último tribunal, uma cópia da lei de transposição com uma carta de acompanhamento. Além disso, após o termo do prazo de transposição, a República Checa comunicou à Comissão Europeia as medidas de transposição da Diretiva 2014/41 (12).

47.      Por último, a interpretação solicitada pelo tribunal de reenvio é não só pertinente, mas também necessária para este último.

48.      Com efeito, as medidas de busca, de apreensão e de inquirição da testemunha Y pretendidas pelo tribunal de reenvio estão relacionadas com um processo em curso na Bulgária e visam determinar se I. Gavanozov defraudou efetivamente o IVA.

49.      Por outro lado, as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça têm por objeto uma disposição do direito da União e, na medida em que permitirão esclarecer o tribunal de reenvio como preencher a secção J, respondem a uma necessidade objetiva expressa por este último.

50.      Daqui resulta que as questões prejudiciais são, na nossa opinião, admissíveis.

B.      Quanto ao mérito

1.      Quanto à primeira questão prejudicial

51.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 14.o da Diretiva 2014/41 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que não prevê nenhuma via de recurso contra os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação que tem por objeto a realização de uma busca, a apreensão de determinados objetos e a inquirição de uma testemunha.

52.      A este respeito, há que constatar que as exigências da diretiva em matéria de vias de recurso demonstram que, para o legislador da União, essas vias de recurso devem ser necessariamente previstos pelos Estados‑Membros.

53.      Assim, decorre do artigo 13.o, n.o 2, da referida diretiva, nos termos do qual «[a] transferência dos elementos de prova pode ser suspensa até ser proferida a decisão sobre o recurso […]», que a existência de recurso foi plenamente pretendida pelo legislador.

54.      Mais ainda, ao exigir, no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41, que «sejam aplicáveis às medidas de investigação indicadas na decisão europeia de investigação vias de recurso equivalentes às existentes em processos nacionais semelhantes», é, em nosso entender, evidente que, contrariamente ao que defende o Governo checo, o legislador da União pressupôs a existência de recurso contra medidas de investigação em processos nacionais (13) e impôs aos Estados‑Membros a previsão, em matéria de decisão europeia de investigação, de recursos equivalentes.

55.      Consequentemente, ainda que o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva não obrigue os Estados‑Membros a prever vias de recurso adicionais em relação às existentes em processos nacionais semelhantes (14), esta disposição obriga‑os, pelo menos e por um «jogo de espelhos», a introduzir vias de recurso aplicáveis às medidas de investigação indicadas na decisão europeia de investigação equivalentes às existentes em processos nacionais semelhantes (15).

56.      Esta interpretação da Diretiva 2014/41 é, na nossa opinião, tanto mais justificada quanto, no âmbito de uma investigação penal, as medidas de investigação, decretadas pelas autoridades competentes com o objetivo legítimo de recolher elementos de prova, podem ser intrusivas e prejudicar os direitos fundamentais das pessoas em causa reconhecidos, nomeadamente, pela Carta. Além disso, tendo em conta as especificidades das sanções penais, o processo que dá origem a essas sanções deve, na sua totalidade, ser necessariamente acompanhado de garantias específicas para assegurar que os direitos fundamentais das pessoas envolvidas no processo são respeitados (16).

57.      Por conseguinte, a necessidade de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o respeito dos direitos fundamentais pelos órgãos jurisdicionais nacionais (17), muitas vezes sublinhada (18), é ainda mais importante no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal e a possibilidade de impugnar os fundamentos materiais subjacentes a uma decisão europeia de investigação assume, assim, uma importância muito especial.

58.      Por último, esta interpretação não é posta em causa pelo facto de as medidas de instrução visarem um terceiro com o estatuto de testemunha.

59.      Com efeito, há que constatar que, no artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 2014/41, o legislador da União não limitou a obrigação de respeitar os direitos fundamentais aos direitos de defesa das pessoas sujeitas a ação penal.

60.      Além disso, embora determinadas disposições desta diretiva, como o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), ponham a ênfase nos direitos do «suspeito ou arguido», outras disposições desta diretiva, das quais, nomeadamente, o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), o artigo 13.o, n.o 2, bem como os artigos 14.o e 22.o, referem‑se ao conceito de «pessoa em causa».

61.      Além disso, o artigo 11.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2014/41, conjugado com o seu considerando 19, e o artigo 14.o deste diploma preveem que as garantias enunciadas pelo legislador da União, em termos de via de recurso ou de motivos de não execução ou de não reconhecimento, são‑no para benefício da «pessoa em causa», e não em benefício do «suspeito» ou «arguido».

62.      Ora, o recurso a expressões diferentes está, em nosso entender, longe de ser inócuo, e isso tanto mais que, no âmbito da Diretiva 2014/41, as medidas de investigação referidas na decisão europeia de investigação podem referir‑se tanto ao «suspeito» ou «arguido» como a terceiros e, por conseguinte, violar os seus direitos.

63.      No âmbito da investigação no processo principal contra I. Gavanozov, Y é uma testemunha, mas está abrangido pelas medidas de instrução previstas, destinadas a recolher provas contra I. Gavanozov. Assim, a busca e a apreensão têm lugar no seu domicílio e ele é alvo de uma inquirição.

64.      Daqui decorre que o conceito de «pessoa em causa» na aceção da Diretiva 2014/41 se refere também a uma testemunha, como Y, que será alvo de medidas de investigação pedidas numa decisão europeia de investigação.

65.      Ora, resulta da exposição do direito nacional e das repetidas condenações da República da Bulgária pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, salientadas na decisão de reenvio (19), que o direito búlgaro não prevê nenhuma via de recurso que permita a uma testemunha impugnar os fundamentos materiais das medidas de investigação no âmbito de processos nacionais, tais como a busca e a apreensão, ou obter, de forma eficaz, reparação no âmbito de uma ação de indemnização (20).

66.      Além disso, segundo as indicações fornecidas pelo tribunal de reenvio (21), a transposição da Diretiva 2014/41 para o direito búlgaro não introduziu a possibilidade de uma testemunha, como Y, objeto de uma busca, de uma apreensão e de uma inquirição, impugnar os fundamentos materiais subjacentes a essas medidas de investigação.

67.      Duas conclusões devem, em nossa opinião, ser retiradas de todas estas considerações.

68.      Em primeiro lugar, deduzimos daqui que a legislação búlgara não está em conformidade com o artigo 14.o da Diretiva 2014/41.

69.      Em segundo lugar, esta disposição, lida à luz dos direitos fundamentais, opõe‑se a que uma autoridade, no caso em apreço búlgara, possa emitir uma decisão europeia de investigação.

70.      Com efeito, uma vez que a Diretiva 2014/41 prevê garantias (22), como um recurso contra os fundamentos materiais subjacentes às medidas de investigação referidas numa decisão europeia de investigação, na falta dessas garantias, o mecanismo da decisão europeia de investigação não pode ser iniciado.

71.      Primeiro, esta posição decorre da interpretação da secção J.

72.      Apesar das divergências entre as diferentes versões linguísticas desta secção J (23), consideramos que esta, interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da Diretiva 2014/41 (24), exige, nos termos do seu n.o 1, que a autoridade de emissão indique à sua homóloga do Estado de execução se foi interposto recurso da emissão da decisão europeia de investigação referida no formulário que consta do anexo A desta diretiva e, ao abrigo do seu n.o 2, que preste informações sobre os trâmites necessários para interpor recurso, bem como quanto às possibilidades de apoio judiciário no Estado de emissão.

73.      A este respeito, por um lado, sublinhamos que a utilidade da informação, para o Estado de execução, de já ter sido interposto no Estado de emissão um recurso de uma decisão europeia de investigação, no sentido de uma qualquer decisão europeia de investigação, não nos parece ser, longe disso, evidente.

74.      Em contrapartida, no caso de uma medida de investigação não carecer de confidencialidade (25), um eventual recurso da decisão europeia de investigação constitui uma informação importante para o Estado de execução, na medida em que o sucesso desse recurso poderia pôr em causa esta medida de investigação.

75.      Por outro lado, a secção J, n.o 2, conjugada com o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2014/41, implica que as autoridades do Estado de execução possam informar a pessoa visada pelas medidas de investigação da possibilidade de impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão da decisão europeia de investigação no Estado de emissão e, sendo caso disso, dar‑lhe informações quanto ao apoio judiciário ou linguístico de que pode beneficiar, nesse Estado (26).

76.      De resto, a necessidade de, na secção J, n.o 2, prestar as informações relativas às vias de recurso no Estado de emissão é também garantia da eficácia dos motivos de não reconhecimento ou não execução da decisão europeia de investigação e, em especial, do motivo enunciado no artigo 11.o, n.o 1, alínea f), desta diretiva.

77.      Ora, na falta de recursos previstos no Estado de emissão, o formulário que consta do anexo A da referida diretiva não pode ser preenchido, o quadro global da decisão europeia de investigação não pode ser fornecido (27) e essa decisão não pode ser formulada nem, a fortiori, executada.

78.      Segundo, a regulamentação búlgara e a insuficiente proteção dos direitos fundamentais que ela induz impedem a aplicação do mecanismo de reconhecimento mútuo que está no cerne da decisão europeia de investigação.

79.      O reconhecimento mútuo assenta na premissa da existência de confiança mútua entre os Estados‑Membros entendida como «[a] certeza de que todos os cidadãos europeus têm acesso a um sistema judicial com elevados padrões de qualidade» (28). Consequentemente, exige que os Estados‑Membros s Estados‑Membros considerem, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União (29) e implica que «os Estados‑Membros podem ser obrigados […] a presumir o respeito dos direitos fundamentais por parte dos outros Estados‑Membros» (30).

80.      No entanto, observamos que a utilização do verbo «poder» pelo Tribunal de Justiça não implica nenhuma obrigação e que o considerando 19 da Diretiva 2014/41 se refere ao caráter refutável dessa presunção (31).

81.      No caso em apreço, tendo em conta as repetidas constatações de violação dos artigos 3.o, 8.o e 13.o da CEDH pela República da Bulgária, a falta de alterações das disposições do Código de Processo Penal, o facto de o próprio tribunal de reenvio duvidar do respeito dos direitos fundamentais pela legislação búlgara e a falta de introdução de um recurso aquando da transposição da Diretiva 2014/41, é evidente, em nossa opinião, que a presunção de respeito dos direitos fundamentais por este Estado‑Membro nesta matéria não pode ser estabelecida.

82.      Com efeito, a impossibilidade, na Bulgária, de um terceiro afetado por medidas de investigação como buscas ou apreensões, que violam na sua essência o direito ao respeito pela vida privada, impugnar os fundamentos materiais subjacentes a essas medidas é, como o declarou inúmeras vezes o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, uma falta manifesta de proteção efetiva do direito ao respeito da vida privada (32).

83.      Se a presunção de que um Estado‑Membro respeita os direitos fundamentais não pode ser estabelecida, a confiança mútua não pode ser exigida dos outros Estados‑Membros, de modo que o reconhecimento mútuo não pode ser estabelecido e aproveitar a esse Estado‑Membro.

84.      Acrescentamos que, em tal situação, a possibilidade, evidenciada pelo Governo húngaro, de o Estado de execução invocar o artigo 11.o da Diretiva 2014/41, não é suficiente.

85.      Além do facto de o recurso aos motivos de não reconhecimento ou de não execução ser uma exceção, de interpretação restrita (33), ao princípio da execução da decisão europeia de investigação que decorre do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2014/41, o recurso ao artigo 11.o, n.o 1, alínea f), desta diretiva exige, em conformidade com o considerando 19 da referida diretiva, uma apreciação casuística a fim de ilidir a presunção de respeito dos direitos fundamentais.

86.      Ora, pensamos que, embora a apreciação da eficácia dos recursos possa justificar, caso a caso, a aplicação do artigo 11.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2014/41, a inexistência de qualquer possibilidade de recurso pode, como salienta com razão o Governo austríaco, conduzir a uma utilização sistemática desta disposição, pondo em causa o interesse prático da decisão europeia de investigação.

87.      Por outro lado, em circunstâncias como as existentes na República da Bulgária, a aplicação do artigo 11.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2014/41 gera um risco significativo de não reconhecimento ou de não execução a geometria variável entre os Estados‑Membros e, in fine, faz recair uma responsabilidade muito considerável sobre as autoridades de execução que se podem expor a uma violação das disposições da CEDH. (34).

88.      Por último, a interpretação da Diretiva 2014/41 que propomos é compatível com a necessária eficácia do mecanismo da decisão europeia de investigação.

89.      Com efeito, o legislador da União rodeou a aplicação da decisão europeia de investigação de garantias destinadas a proteger os direitos das pessoas afetadas pelas medidas de investigação. Portanto, se um Estado‑Membro optar, a este respeito, por não transpor a Diretiva 2014/41, não adotar essas garantias e, por conseguinte, não respeitar o equilíbrio decorrente desta diretiva entre o caráter intrusivo das medidas de investigação e a possibilidade de as impugnar, não pode beneficiar do mecanismo da decisão europeia de investigação.

90.      Tendo em conta todas estas considerações, entendemos que, por um lado, o artigo 14.o da Diretiva 2014/41 se opõe à regulamentação búlgara e, por outro, que este artigo, interpretado à luz dos direitos fundamentais, se opõe a que uma autoridade búlgara emita uma decisão europeia de investigação.

2.      Quanto à segunda questão prejudicial

91.      Com a sua segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2014/41 pode ser invocado por um particular perante um órgão jurisdicional nacional a fim de impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação, na falta de vias de recurso previstas para esse efeito pelo direito nacional.

92.      Parece‑nos que, ao partir da premissa da existência, nos Estados‑Membros, de um recurso contra os fundamentos materiais que presidiram à emissão de uma decisão europeia de investigação, o legislador da União procura, através do artigo 14.o, n.o 2, dessa diretiva, evitar que esses fundamentos sejam impugnados no Estado de execução e fiscalizados por um órgão jurisdicional deste último. (35).

93.      Nestas condições, o artigo 14.o, n.o 2, da referida diretiva não cria, enquanto tal, no Estado de emissão, nem a fortiori no Estado de execução, um recurso contra os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação.

94.      Não é menos verdade que, por força das disposições conjugadas do artigo 14.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/41, a existência desse recurso é, no sistema da decisão europeia de investigação, uma obrigação da responsabilidade dos Estados‑Membros.

95.      Ora, essa obrigação não pode permanecer letra morta pelo facto de esta diretiva não ter sido corretamente transposta.

96.      A este respeito, recordamos que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, sempre que as disposições de uma diretiva sejam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá‑las nos órgãos jurisdicionais nacionais contra o Estado, quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional dentro do prazo ou quando a transposição tenha sido incorreta (36).

97.      Assim, não é de excluir que a pessoa afetada pelas medidas de investigação possa, na hipótese de o Estado de emissão não ter previsto nenhuma via de recurso para impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação, mas ter adotado uma via de recurso para impugnar os fundamentos materiais em processos nacionais semelhantes, invocar a equivalência estabelecida no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41.

98.      Contudo, se o direito nacional não tiver previsto nenhuma via de recurso no âmbito dos processos de investigação nacionais semelhantes, o efeito direto desta disposição não pode justificar a criação ex nihilo de uma via de recurso contra uma medida de investigação europeia.

99.      Se essa circunstância justifica, por maioria de razão, que uma autoridade búlgara não possa, na falta de qualquer possibilidade de recurso, emitir uma decisão europeia de investigação, deverá dar lugar à instauração, pela Comissão, de uma ação por incumprimento por transposição incorreta da diretiva.

100. Por conseguinte, consideramos que o artigo 14.o da Diretiva 2014/41 não pode ser invocado por um particular perante um órgão jurisdicional nacional para impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação, na falta de vias de recurso previstas pelo direito nacional em processos nacionais semelhantes.

3.      Quanto à terceira e quarta questões prejudiciais

101. Com a sua terceira e quarta questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se a pessoa contra a qual foi deduzida acusação é uma «pessoa em causa», na aceção da Diretiva 2014/41, quando as medidas de instrução visam um terceiro e se esse terceiro, no caso em apreço, a pessoa que habita ou utiliza um bem imóvel no qual são efetuadas a busca e a apreensão ou a pessoa que será inquirida enquanto testemunha, é também uma «pessoa em causa», na aceção desta diretiva.

102. Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio também esclareceu que, em caso de resposta afirmativa à segunda questão, o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2014/41 constitui o fundamento que põe uma via de recurso à disposição das pessoas em causa, tendo em conta a resposta que nos propomos dar à segunda questão prejudicial, a resposta a estas questões prejudiciais não se afigura, a priori, necessária.

103. Contudo, a interpretação do conceito de «pessoa em causa», na aceção da Diretiva 2014/41, é, em nossa opinião, útil para que o tribunal de reenvio possa determinar os requisitos desta diretiva.

104. A este respeito, como sublinhou com razão a Comissão, esta diretiva não tem por objeto nem por efeito harmonizar o quadro jurídico das medidas de investigação e das correspondentes vias de recurso nos Estados‑Membros. Por conseguinte, a adaptação destas vias de recurso está abrangida pela autonomia processual de cada um dos Estados‑Membros.

105. A este respeito, verifica‑se, no entanto, que, uma vez que a referida diretiva prevê garantias em benefício das pessoas abrangidas pelas medidas de investigação, o conceito de «pessoa em causa» deve ser interpretado de forma autónoma, nos termos da Diretiva 2014/41.

106. No que se refere à pessoa visada por medidas de investigação, mas que tem o estatuto de terceiro no âmbito da ação penal, basta‑nos sublinhar que resulta dos n.os 58 a 64 das presentes conclusões que está abrangida pelo conceito de «pessoa em causa» na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2014/41.

107. No que se refere à pessoa visada pela acusação penal, mas não pelas medidas de instrução que constam da decisão europeia de investigação, uma vez que essas medidas podem afetar os seus interesses no âmbito do processo em causa, na medida em que, por exemplo, os elementos de prova recolhidos podem ser utilizados como prova contra si, constitui, também, uma «pessoa em causa» na aceção desta diretiva.

V.      Conclusão

108. Tendo em conta as considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) do seguinte modo:

1)      O artigo 14.o, da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal, deve ser interpretado no sentido de que, na falta de qualquer possibilidade prevista pela regulamentação de um Estado‑Membro, tal como a regulamentação búlgara, de impugnar os fundamentos materiais de uma medida de investigação prevista por uma decisão europeia de investigação, se opõe a essa regulamentação e a que uma autoridade desse Estado‑Membro emita uma decisão europeia de investigação.

2)      O artigo 14.o da Diretiva 2014/41 não pode ser invocado por um particular perante um órgão jurisdicional nacional para impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação, na falta de vias de recurso previstas pelo direito nacional em processos nacionais semelhantes.

3)      O conceito de «pessoa em causa» na aceção da Diretiva 2014/41 inclui uma testemunha abrangida por medidas de investigação pedidas numa decisão europeia de investigação, bem como a pessoa visada pela acusação penal, mas não pelas medidas de investigação previstas numa decisão europeia de investigação.


1      Língua original: francês.


2      Numa primeira fase, pelo Ato do Conselho, de 29 de maio de 2000, que estabelece, em conformidade com o artigo 34.o do Tratado da União Europeia, a Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados‑Membros da União Europeia (JO 2000, C 197, p. 1), e o Protocolo da Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados‑Membros da União Europeia, elaborado pelo Conselho nos termos do artigo 34.o do Tratado da União Europeia (JO 2001, C 326, p. 2), em seguida, numa segunda fase, pela Decisão‑Quadro 2003/577/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas (JO 2003, L 196, p. 45), e a Decisão‑Quadro 2008/978/JAI do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativa a um mandado europeu de obtenção de provas destinado à obtenção de objetos, documentos e dados para utilização no âmbito de processos penais (JO 2008, L 350, p. 72).


3      V. considerando 5 da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (JO 2014, L 130, p. 1).


4      Na linha das conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999 e da adoção pelo Conselho Europeu do «Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos» (JO 2010, C 115, p. 1) e em conformidade com o artigo 82.o, n.o 1, TFUE, a Diretiva 2014/41 assenta no princípio do reconhecimento mútuo. Nos termos do seu considerando 38, o objetivo deste diploma é o reconhecimento mútuo das decisões tomadas para a obtenção de elementos de prova e, por força do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, os Estados‑Membros devem executar uma decisão europeia de investigação com base no princípio do reconhecimento mútuo.


5      A seguir «Carta».


6      Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, a seguir «CEDH».


7      Convenção de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa, relativa à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen (Luxemburgo), em 19 de junho de 1990 (JO 2000, L 239, p. 19).


8      V. nota em pé de página 2 das presentes conclusões.


9      DV n.o 60, de 5 de agosto de 1988.


10      DV n.o 16, de 20 de fevereiro de 2018.


11      A seguir «secção J».


12      O detalhe dessas medidas pode ser consultado no seguinte endereço Internet: https://eur‑lex.europa.eu/legal‑content/EN/NIM/?uri=celex:32014L0041.


13      Parece‑nos que esta posição é partilhada pelo Governo austríaco e pela Comissão.


14      Ainda assim, notamos que, nos termos do considerando 22 desta diretiva, os Estados‑Membros têm a possibilidade de prever vias de recurso adicionais contra uma decisão europeia de investigação.


15      Esta interpretação é corroborada pelo considerando 22 da Diretiva 2014/41, que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é suscetível de precisar o conteúdo desta diretiva [v. Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e o. (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 42)]. Resulta daqui, em nossa opinião, que, embora a referida diretiva obrigue os Estados‑Membros a preverem vias de recurso equivalentes às previstas em relação a medidas internas semelhantes, não viola, em princípio e sem prejuízo do respeito pelo princípio da efetividade, a competência dos Estados‑Membros para implementarem essas vias de recurso em relação às medidas de investigação que violem um direito fundamental.


16      V. Hagueneau‑Moizard, C., Gazin F., e Leblois‑Happe J., Les fondements du droit pénal européen, Larcier, Bruxelas, 2015, p. 55.


17      A este respeito, recordamos que, segundo o Tribunal de Justiça, cabe, nomeadamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional dos direitos que para os litigantes emergem do referido direito [v. Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Deficiências do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 50 e jurisprudência referida)].


18      A este propósito, remetemos para o considerando 12 e para o artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 2014/41. Este requisito deve ser diferenciado da obrigação que recai sobre a União de respeitar os direitos fundamentais quando aplica a competência penal conferida pelo Tratado.


19      Na decisão de reenvio, após a exposição do direito nacional, esclarece‑se que, na sequência dos acórdãos do TEDH 26 de julho de 2007, Peev c. Bulgária (CE:ECHR:2007:0726JUD006420901), e de 22 de maio de 2008, Iliya Stefanov c. Bulgária (CE:ECHR:2008:0522JUD006575501), a Republica da Bulgária se comprometeu a alterar a legislação nacional para permitir uma fiscalização jurisdicional a posteriori do ato judicial destinado a efetuar uma busca e apreensão, fiscalização iniciada pelas pessoas abrangidas pela busca e apreensão. Resulta também da decisão de reenvio que essas alterações do direito búlgaro ainda não foram adotadas.


20      É verdade que a possibilidade de impugnar os fundamentos materiais de medidas de investigação em matéria penal é diferente da possibilidade de pedir a reparação de um dano causado por essas medidas. No entanto, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a possibilidade de obter reparação na hipótese de uma busca ou de uma apreensão ser ilegalmente decidida ou executada faz parte integrante do direito a um recurso efetivo nos termos do artigo 13.o da CEDH. Quanto à análise do direito búlgaro, o papel e a importância da ação de indemnização não devem ser subestimados, uma vez que, como salientou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na falta de recurso contra a legalidade das buscas e das apreensões efetuadas, a possibilidade de uma ação de indemnização é primordial [TEDH, 22 de maio de 2008, Iliya Stefanov c. Bulgária (CE:ECHR:2008:0522JUD006575501, § 59), e de 19 de janeiro de 2017, Posevini c. Bulgária (CE:ECHR:2017:0119JUD006363814, § 84)].


21      Assim, o tribunal de reenvio, informou, por carta, o Tribunal de Justiça da transposição desta diretiva e referiu‑lhe expressamente, a este respeito, que, embora o artigo 18.o da Lei relativa à decisão europeia de investigação preveja uma via de recurso relativa à execução, pelas autoridades búlgaras, de uma decisão europeia de investigação adotada pelas autoridades judiciárias de outro Estado‑Membro, esta lei não prevê uma via de recurso no âmbito do processo de emissão de tal decisão.


22      A possibilidade de impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma decisão europeia de investigação reconhecida no artigo 14.o da Diretiva 2014/41 e, de um modo mais amplo, as garantias previstas nesta disposição não são as únicas garantias estabelecidas pelo legislador da União. Assim, o facto de, por definição, a decisão europeia de investigação ser é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro constitui uma garantia em si. Por outro lado, o artigo 1.o, n.o 3, desta diretiva prevê que, no quadro dos direitos da defesa, um suspeito ou um arguido podem estar na origem da emissão de uma decisão europeia de investigação. Além disso, embora o artigo 1.o, n.o 4, da referida diretiva lembre que esta última não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais, diversas obrigações que incidem tanto sobre o Estado de emissão como sobre o Estado de execução têm por objeto garantir o respeito dos direitos fundamentais. Em especial, o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2014/41, esclarece que uma decisão de investigação só pode ser emitida se for necessária e proporcionada para efeitos dos processos em que essa decisão pode ser inserida, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido. Nos termos do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, quando a autoridade de execução tiver razões para considerar que esta condição não está preenchida, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de executar a decisão europeia de investigação. Após essa consulta, a autoridade de emissão pode decidir retirar a decisão europeia de investigação. Por último, nos termos do artigo 11.o da referida diretiva, o Estado de execução pode recusar reconhecer ou executar uma decisão por diferentes motivos, nomeadamente por ser contrária ao princípio non bis in idem ou ao cumprimento das obrigações desse Estado em matéria de direitos fundamentais.


23      A versão da secção J em língua francesa refere: «Veuillez indiquer si un recours a déjà été formé contre l’émission d’une décision d’enquête européenne […]». De forma semelhante, a versão em língua inglesa indica: «Please indicate if a legal remedy has already been sought against the issuing of an EIO […]». Em contrapartida, resulta da versão em língua espanhola da secção J que «Sírvase indicar si ya se ha interpuesto algún recurso contra la emisión de la OEI […]» (o sublinhado é nosso).


24      V. Acórdão de 29 de abril de 2015, Léger (C‑528/13, EU:C:2015:288, n.o 35).


25      Contrariamente, por exemplo, às medidas de apreensão ou de busca, que, para serem eficazes, carecem de um efeito de surpresa e devem permanecer confidenciais antes de serem executadas.


26      Esta obrigação de informação da responsabilidade dos Estados‑Membros está também expressa no considerando 22 da Diretiva 2014/41.


27      Salientamos, a este respeito, que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41, a autoridade de emissão preenche a decisão europeia de investigação, reproduzida no formulário constante do anexo A, assina‑a e certifica que as informações dela constantes são exatas e corretas. Além disso, segundo o artigo 16.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva, a autoridade de execução informa a autoridade de emissão, imediatamente e por qualquer meio, do facto de lhe ser impossível tomar uma decisão sobre o reconhecimento ou a execução, em virtude de o formulário previsto no anexo A estar incompleto ou manifestamente incorreto. Daqui resulta que o formulário constante do anexo A da referida diretiva formaliza a decisão europeia de investigação e que as informações que aí são pedidas têm por objetivo esclarecer o Estado de execução quanto às medidas de investigação solicitadas, à investigação em que se inserem, bem como ao seu enquadramento jurídico.


28      V. Programa da Haia: reforço da liberdade, da segurança e da justiça na União Europeia (JO 2005, C 53, p. 1) (parte III, n.o 3.2.). V., também, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Deficiências do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 35 e jurisprudência referida).


29      V. Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Deficiências do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 36 e jurisprudência referida).


30      Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Deficiências do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 37 e jurisprudência referida).


31      Outros diplomas adotados recentemente no âmbito do espaço de liberdade, segurança e justiça fazem referência a uma presunção de respeito, pelos Estados‑Membros, dos direitos fundamentais, como, designadamente, o considerando 34 do Regulamento (UE) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda (JO 2018, L 303, p. 1).


32      V. CEDH, 15 de outubro de 2013, Gutsanovi c. Bulgária (CE:ECHR:2013:1015JUD003452910, § 67 e §§ 208 a 212); 16 de fevereiro de 2016, Govedarski c. Bulgária (CE:ECHR:2016:0216JUD003495712, §§ 38 a 40 e §§ 72 a 75); 31 de março de 2016, Stoyanov e outros c. Bulgária (CE:ECHR:2016:0331JUD005538810, § 114 a 116); e 9 de junho de 2016, Popovi c. Bulgária (CE:ECHR:2016:0609JUD003965111, §§ 49, 89 e 93). A este respeito, recordamos, para todos os efeitos úteis, que, conforme resulta das Anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17), o direito a uma ação judicial efetiva garantido pelo artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta baseia‑se no artigo 13.o da CEDH. Ora, em conformidade com o do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, o sentido e o âmbito dos direitos que reconhece são iguais aos que lhes confere essa Convenção e o facto, mencionado nas anotações relativas à Carta, de que a proteção em direito da União é mais alargada, dado que garante um direito a uma ação perante um tribunal, não é pertinente no caso em apreço.


33      V., por analogia, jurisprudência relativa ao mandado de detenção europeu e, em particular, Acórdãos de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha) (C‑268/17, EU:C:2018:602, n.o 52), e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Deficiências do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 41).


34      Recordamos, a este respeito, que, tendo em conta o acórdão do TEDH 21 de janeiro de 2011, M. S. S. c. Bélgica e Grécia (CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 358, 360 e 367), esse risco de condenação pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem está longe de ser incerto e que foi considerado e levado a sério pelo legislador da União no âmbito do artigo 11.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2014/41.


35      V. exposição de motivos da iniciativa do Reino da Bélgica, da República da Bulgária, da República da Estónia, do Reino de Espanha, da República da Áustria, da República da Eslovénia e do Reino da Suécia tendo em vista a adoção de uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (documento n.o 9288/10, add 1, de 3 de junho de 2010, disponível no seguinte endereço Internet: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST‑9288‑2010‑ADD‑1/fr/pdf) (p. 14).


36      V., nomeadamente, Acórdão de 21 de novembro de 2018, Ayubi (C‑713/17, EU:C:2018:929, n.o 37 e jurisprudência referida).