Language of document : ECLI:EU:C:2019:276

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 28 de março de 2019 (1)

Processo C172/18

AMS Neve Ltd,

Barnett Waddingham Trustees,

Mark Crabtree

contra

Heritage Audio SL,

Pedro Rodríguez Arribas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales (Secção Cível), Reino Unido]

«Reenvio prejudicial — Marca da União Europeia — Competência judicial — Ação de contrafação — Território no qual a contrafação tenha sido cometida ou esteja em vias de ser cometida — Publicidade e oferta para venda através de um sítio Internet»






I.      Introdução

1.        O presente reenvio prejudicial convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se, em substância, sobre a questão de saber se e, se for caso disso, em que condições, nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 (2), pode o autor de uma alegada contrafação, que consistiu em anunciar e oferecer para venda num sítio Internet produtos com um sinal idêntico ao de uma marca da União Europeia, ser demandado nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se encontram os profissionais e consumidores visados por esse sítio Internet.

2.        Em síntese, proponho ao Tribunal de Justiça uma solução intermédia que responde aos desafios colocados pelas características do sistema de marcas da União Europeia, estabelecido pelo Regulamento n.o 207/2009, e adaptada às especificidades do comércio eletrónico. Mais precisamente, a minha análise levar‑me‑á a considerar que é o facto de os consumidores e profissionais de um Estado‑Membro serem especificamente visados por um sítio Internetque permite estabelecer a competência dos tribunais de marcas da União Europeia ao abrigo do artigo 97.o, n.o 5, desse regulamento.

II.    Quadro jurídico

3.        No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio invoca, por um lado, as disposições do Regulamento n.o 207/2009, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 (3), e, por outro lado, as disposições do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 (4), que substituiu o Regulamento (CE) n.o 44/2001 (5).

4.        Os recorrentes no processo principal intentaram as respetivas ações de contrafação em 15 de outubro de 2015. Embora as disposições do Regulamento n.o 1215/2012 fossem aplicáveis a partir de 10 de janeiro de 2015, as do Regulamento n.o 2015/2424 só eram aplicáveis a partir de 1 de outubro de 2017. Assim, nas presentes conclusões, farei referência às disposições dos Regulamentos n.os 207/2009 e 1215/2012. Além disso, resulta do artigo 80.o deste último regulamento que todas as referências do Regulamento n.o 207/2009 ao Regulamento n.o 44/2001 devem entender‑se como sendo feitas ao Regulamento n.o 1215/2012.

5.        O artigo 94.o, n.os 1 e 2, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 dispõe:

«1.      Salvo se o presente regulamento dispuser em contrário, as disposições do Regulamento [n.o 1215/2012] são aplicáveis aos processos relativos a marcas [da União Europeia] e a pedidos de marca [da União Europeia], assim como aos processos relativos a ações simultâneas ou sucessivas instauradas com base em marcas [da União Europeia] e em marcas nacionais.

2.      No que respeita aos processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 96.o:

a)      Os artigos [4.o, 6.o e 7.o, n.os 1 a 3 e 5, e o artigo 31.o do Regulamento n.o 1215/2012] não são aplicáveis;»

6.        Nos termos do artigo 95.o, n.o 1, desse regulamento:

«Os Estados‑Membros designarão no seu território um número tão limitado quanto possível de órgãos jurisdicionais nacionais de primeira e segunda instância, a seguir denominados “tribunais de marcas [da União Europeia]”, encarregados de desempenhar as funções que lhes são atribuídas pelo presente regulamento.»

7.        O artigo 96.o deste regulamento prevê:

«Os tribunais de marcas [da União Europeia] têm competência exclusiva:

a)      Para todas as ações de contrafação e — se a lei nacional as admitir — de ameaça de contrafação de uma marca [da União Europeia];

[…]»

8.        O artigo 97.o, n.o 1 e 5, do mesmo regulamento enuncia:

«1.      Sem prejuízo do disposto no presente regulamento bem como das disposições do Regulamento [n.o 1215/2012] aplicáveis por força do artigo 94.o, os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 96.o serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha um estabelecimento.

[…]

5.      Os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 96.o, com exceção das ações declarativas de não contrafação de uma marca europeia, podem ser igualmente intentados nos tribunais dos Estados‑Membros em cujo território a contrafação tenha sido cometida, ou esteja em vias de ser cometida […].»

9.        Nos termos do artigo 98.o do Regulamento n.o 207/2009:

«1.      Um tribunal de marcas [da União Europeia] cuja competência se fundamente nos n.o 1 a 4 do artigo 97.o é competente para decidir sobre:

a)      Os atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos nos territórios de qualquer Estado‑Membro;

[…]

2.      Um tribunal de marcas [da União Europeia] cuja competência se fundamenta no n.o 5 do artigo 97.o apenas é competente para decidir sobre os atos cometidos ou em vias de serem cometidos no território do Estado‑Membro em que esse tribunal estiver situado.»

III. Factos do litígio no processo principal

10.      A AMS Neve Ltd é uma sociedade com sede no Reino Unido que fabrica e comercializa equipamentos áudio. Mark Crabtree é administrador da AMS Neve. M. Crabtree é, conjuntamente com a Barnett Waddingham Trustees (a seguir «BW Trustees»), sociedade também com sede no Reino Unido, o titular de uma marca da União Europeia e de duas marcas nacionais registadas no Reino Unido. A AMS Neve é a concessionária de licenças exclusivas dessas três marcas.

11.      A Heritage Audio SL é uma sociedade espanhola que comercializa equipamentos áudio. Pedro Rodríguez Arribas, com domicílio em Espanha, é o administrador único da Heritage Audio.

12.      Em 15 de outubro de 2015, a AMS Neve, a BW Trustees et M. Crabtree (a seguir «recorrentes no processo principal») demandaram a Heritage Audio e P. Rodríguez Arribas (a seguir «recorridos no processo principal») na Intellectual Property and Enterprise Court (Tribunal Comercial e de Marcas, Reino Unido, a seguir «IPEC»), tendo intentado ações de contrafação da marca da União Europeia e das duas marcas nacionais registadas no Reino Unido.

13.      No quadro desse processo, os recorrentes no processo principal acusaram os recorridos de terem disponibilizado para venda aos consumidores do Reino Unido imitações dos produtos da AMS Neve usando sinais idênticos ou semelhantes à marca da União Europeia e às marcas nacionais em causa. Os recorrentes no processo principal invocaram, para este efeito, o conteúdo do sítio Internet da Heritage Audio e das suas contas no Facebook e Twitter, uma fatura emitida pela Heritage Audio a um particular a residir no Reino Unido, uma troca de emails entre a Heritage Audio e uma loja do Reino Unido para eventuais entregas de equipamentos áudio assim como o conteúdo de uma conversa entre um advogado dos recorrentes no processo principal e um representante de SX Pro, que seria o distribuidor dos produtos dos recorridos no processo principal no Reino Unido.

14.      Quanto ao sítio Internet da Heritage Audio, os recorrentes no processo principal apresentaram impressões de ecrã que mostram ofertas de venda de equipamentos áudio com sinais idênticos ou semelhantes à marca da União Europeia em causa. Chamaram igualmente a atenção para o facto de os conteúdos desse sítio estarem redigidos em língua inglesa e que há uma secção intitulada «Where to buy» («Onde comprar») que enumera os distribuidores nos diferentes países onde se inclui a SX Pro no Reino Unido. Além disso, nos termos e condições gerais de venda publicados no referido sítio, a Heritage Audio refere que aceita encomendas de todos os Estados‑Membros da União.

15.      Os recorridos no processo principal contestaram a afirmação segundo a qual teriam publicitado, proposto para venda, vendido ou fornecido qualquer produto no Reino Unido e alegaram que as secções do sítio Internet invocadas pelos recorrentes no processo principal eram «obsoletas».

16.      Seguidamente, o IPEC considerou‑se competente para conhecer das ações relativas às marcas nacionais registadas no Reino Unido. Esse órgão jurisdicional constatou que, embora os recorridos no processo principal estejam estabelecidos em Espanha, podem, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, ser demandados nos tribunais do lugar onde o facto danoso ocorreu e que, tratando‑se de direitos nacionais de propriedade intelectual, o lugar onde se produziu o facto danoso era aquele onde estes direitos existiam.

17.      Por outro lado, o IPEC declarou que não tinha competência para conhecer da ação de contrafação da marca da União Europeia. Referindo‑se ao sítio Internet da Heritage Audio e ao artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012, disposição invocada pelos recorrentes no processo principal, o IPEC considerou que apenas os tribunais do Estado‑Membro em cujo território os recorridos no processo principal tomaram medidas para incluir os sinais em questão no sítio Internet, ou tomaram decisões nesse sentido, eram competentes para examinar as ações de contrafação da marca da União Europeia.

18.      Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso da decisão do IPEC para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido].

IV.    Questões prejudiciais e tramitação no Tribunal de Justiça

19.      Nestas circunstâncias, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Quando uma empresa estabelecida e com sede no Estado‑Membro A tenha tomado medidas nesse território para anunciar e oferecer para venda produtos com um sinal idêntico ao de uma marca da União Europeia num sítio [Internet] destinado a comerciantes e consumidores no Estado‑Membro B:

i)      um tribunal de marcas da União Europeia no Estado‑Membro B é competente para conhecer de uma ação de contrafação de uma marca da União Europeia relativa ao anúncio e oferta de venda dos produtos nesse território?

ii)      em caso de resposta negativa à questão anterior, que outros critérios deve esse tribunal de marcas da União Europeia ter em conta para determinar se tem competência para conhecer dessa ação?

iii)      na medida em que da resposta à questão ii) resulte a necessidade de o tribunal de marcas da União Europeia determinar se a empresa tomou medidas concretas no Estado‑Membro B, que critérios devem ser tidos em conta para determinar se a empresa tomou essas medidas?»

20.      Foram apresentadas observações escritas pelas partes, pelo Governo alemão e pela Comissão Europeia. As partes no processo principal e a Comissão participaram na audiência que decorreu em 17 de janeiro de 2019.

V.      Análise

21.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o facto de um réu, estabelecido e com sede social num Estado‑Membro A, tomar medidas nesse território para anunciar e oferecer para venda produtos com um sinal idêntico ao de uma marca da União Europeia através de um sítio Internet destinado a profissionais e consumidores no Estado‑Membro B é suficiente para determinar a competência jurisdicional do Estado‑Membro B para conhecer da ação de contrafação com fundamento no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Com a segunda e terceira questões, colocadas no caso de a resposta à primeira questão ser negativa, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre os critérios que permitem estabelecer a competência jurisdicional do Estado‑Membro B na situação acima descrita. Analisarei estas três questões conjuntamente. Da minha análise à primeira questão resulta que, sem reserva adicional, os critérios mencionados nesta matéria pelo órgão jurisdicional de reenvio não são suficientes para estabelecer a competência nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

22.      Resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, principalmente, quanto à questão de saber se certas considerações enunciadas nos Acórdãos Coty Germany (6) e Wintersteiger (7) foram corretamente transpostas pelo IPEC para o caso objeto de decisão.

23.      O órgão jurisdicional de reenvio admite que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o objetivo do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 é o do comportamento ativo do autor da contrafação. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio não põe em causa as considerações apresentadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Coty Germany (8) nem o facto de estas poderem ser transpostas para circunstâncias como as do presente caso. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio defende que, como resulta dos Acórdãos Pammer e Hotel Alpenhof (9) e L’Oréal e o. (10), num contexto de Internet, a proposta de venda de produtos com sinais idênticos ou similares a uma marca da União Europeia, num sítio Internet que visa os consumidores de um Estado‑Membro, constitui uma utilização desse sinal nesse Estado‑Membro na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 207/2009 e um comportamento ativo no seu território na aceção do artigo 97.o, n.o 5, desse regulamento.

24.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) declarou num acórdão recente (11) que a interpretação do Regulamento (CE) n.o 864/2007 (12) dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Nintendo (13) é transponível ao artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio tem igualmente dúvidas quanto à transponibilidade das considerações formuladas no referido acórdão aos factos do processo principal.

25.      O debate entre as partes centra‑se na aplicação das considerações enunciadas nos acórdãos supramencionados aos factos do caso concreto. Os recorrentes no processo principal e o Governo alemão consideram que a primeira questão deve ser respondida afirmativamente, enquanto os recorridos no processo principal e a Comissão, que são favoráveis a uma interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 à luz dos Acórdãos Nintendo (14) e Wintersteiger (15), entendem que visar os profissionais e consumidores de um Estado‑Membro através de publicidade e oferta para venda através de um sítio Internet não justifica, por si só, a competência dos tribunais desse Estado‑Membro ao abrigo do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

26.      Tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio e os argumentos das partes, vou começar a minha análise com algumas considerações gerais sobre o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 e a sua interpretação literal, sistemática e teleológica. Em seguida, à luz dessas considerações gerais, responderei à questão de saber se se deve seguir o Acórdão Nintendo (16) quanto à interpretação dessa disposição. Depois, responderei à mesma questão mas quanto ao Acórdão Wintersteiger (17). Por último, uma vez que estas duas questões exigem respostas negativas, proporei uma interpretação do elemento de conexão previsto no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, específico para este regulamento.

A.      Considerações gerais

1.      Quanto ao papel do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 no sistema das regras de competência deste regulamento

27.      No domínio das marcas da União Europeia, existem diferentes tipos de contencioso, tal como ilustrado pelo artigo 96.o do Regulamento n.o 207/2009. Todavia, o presente pedido de decisão prejudicial diz apenas respeito a ações de contrafação através das quais o titular de uma marca pretende a condenação de um terceiro por ter utilizado, sem o seu consentimento, um sinal idêntico ou semelhante ao da sua marca em produtos ou serviços idênticos ou similares aos que estiveram na base do registo da marca.

28.      No que diz respeito às ações de contrafação, resulta das regras de competência do Regulamento n.o 207/2009 que o legislador da União optou por derrogar parcialmente as regras de competência do Regulamento n.o 1215/2012, sendo no entanto plenamente aplicáveis no caso de ações relativas a marcas nacionais.

29.      Ao fazer isso, o legislador da União previu, no artigo 97.o, n.o 1 a 3, do Regulamento n.o 207/2009, uma série de elementos de conexão, sendo o primeiro o domicílio do réu e o segundo o estabelecimento do mesmo na União. No caso de o réu não ter nem domicílio nem estabelecimento no território da União, o Regulamento n.o 207/2009 prevê a competência do forum actoris, sendo que o terceiro e quarto elementos de conexão são, respetivamente, o domicílio de uma das partes no território da União e o lugar do seu estabelecimento no mesmo território. Por último, a título de ultima ratio, as ações de contrafação deverão ser propostas nos tribunais da sede do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) (18).

30.      Assim, mesmo no caso de nem o titular da marca nem o alegado autor da contrafação estarem domiciliados no território da União, o autor da contrafação pode ser demandado nos tribunais de um Estado‑Membro por força do disposto no artigo 97.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 207/2009, desde que este regulamento seja aplicável e que os factos alegados constituam uma infração ao abrigo do referido regulamento.

31.      Além disso, nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, as ações de contrafação podem igualmente ser intentadas nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território a contrafação tenha sido cometida ou esteja em vias de o ser. Assim, através do elemento de conexão do lugar do ato de contrafação, esta disposição prevê um foro alternativo nas ações de contrafação. No entanto, as ações declarativas de não contrafação não integram o âmbito de aplicação da referida disposição.

32.      Além disso, contrariamente às regras de competência previstas no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009, a prevista no artigo 97.o, n.o 5, desse regulamento estabelece, como resulta do artigo 98.o, n.o 2, do referido regulamento, a competência de se pronunciar apenas sobre os atos cometidos ou em vias de serem cometidos no território do Estado‑Membro onde se situa o tribunal demandado.

2.      Interpretação literal do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009

33.      Como o debate entre as partes ilustra, a interpretação literal do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 permite unicamente constatar que o elemento de conexão previsto nessa disposição, a saber, o lugar do ato de contrafação, se refere a um comportamento ativo do autor da contrafação. Assim, resulta da leitura desta disposição que esta atribui competência aos tribunais de marcas da União Europeia do Estado‑Membro em cujo território o recorrido cometeu o alegado ato ilícito.

34.      Foi a esta conclusão que o Tribunal de Justiça chegou no Acórdão Coty Germany (19). Há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou no referido acórdão que, com o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, o legislador da União pretendeu derrogar a regra de competência prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, que atribui a competência, à luz do Acórdão Bier (20), tanto aos tribunais do lugar do evento causal («Handlungsort» de acordo com a doutrina alemã) quanto ao lugar da materialização do dano («Erfolgsort» de acordo com a doutrina alemã). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça concluiu que o elemento de conexão do lugar do ato de contrafação, nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, não é o território do Estado‑Membro em que a alegada contrafação produziu os seus efeitos, mas sim aquele onde a referida contrafação ocorreu ou está em vias de ocorrer (21).

35.      Além disso, a interpretação textual do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 não permite pronunciar‑se sobre a questão de saber onde se situa o lugar do ato de contrafação quando o mesmo é cometido através de um sítio Internet. Assim, convém analisar as questões prejudiciais com recurso a outros métodos de interpretação (22).

3.      Interpretação sistemática e teleológica

36.      A título preliminar, há que observar que a formulação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, na medida em esta disposição se refere ao território onde o ato de contrafação foi cometido ou está em vias de ser cometido, corresponde à do artigo 98.o, n.o 2, deste regulamento, que se refere aos atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos no território de qualquer EstadoMembro. Estas disposições, interpretadas em conjunto, instituem a favor das jurisdições do Estado‑Membro no território do qual o ato de contrafação foi cometido ou está em vias de ser cometido uma competência limitada ao território do Estado‑Membro de que dependem (23).

37.      Devido a esta interdependência entre o artigo 97.o, n.o 5, e o artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, é evidente que estas disposições deverão ser interpretadas de maneira coerente, pelo menos na medida em que se referem a atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos.

38.      O artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 não trata da problemática relativa à determinação dos tribunais competentes para decidir as ações de contrafação. Na verdade, esta disposição determina o âmbito de aplicação territorial da competência dos tribunais de marcas da União Europeia em causa no artigo 97.o, n.o 5, deste regulamento (24). Contudo, o artigo 98.o, n.o 2, assim como o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 visam os mesmos atos cometidos (ou em vias de serem cometidos) no mesmo lugar.

39.      Em seguida, importa observar que o artigo 98.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, que se refere ao artigo 97.o, n.os 1 a 4, deste regulamento, também se aplica aos atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos. Resulta da leitura conjugada destas disposições que, quando um tribunal tenha tomado uma decisão na qualidade de tribunal de marcas da União Europeia sobre uma ação intentada ao abrigo do artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009, esta jurisdição é, nos termos do artigo 98.o, n.o 1, deste regulamento, competente para examinar a existência de atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos no território de qualquer Estado‑Membro (25).

40.      Nada indica que a referência aos atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos, que consta do artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, deve ser entendida de forma diferente da do artigo 98.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, lido em conjugação com o artigo 97.o, n.o 5, do referido regulamento.

41.      A única diferença entre o uso dessas referências nas disposições acima mencionadas reside no facto de o artigo 98.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 se referir aos atos cometidos (ou em vias de serem cometidos)no território de qualquer EstadoMembro, ou seja, da União, enquanto o artigo 98.o, n.o 2 deste Regulamento se refere aos atos cometidos (ou em vias de serem cometidos) no território de um EstadoMembro cujo tribunal é chamado a pronunciar‑se, com base no artigo 97.o, n.o 5, do referido regulamento. No entanto, isto não resulta de divergências relativas à identificação do lugar do ato de contrafação, mas das relativas ao alcance da competência dos tribunais em causa. Trata‑se de atos da mesma natureza pelo que o lugar de ocorrência deve ser apreciado da mesma forma.

4.      Conclusões preliminares

42.      Resulta das considerações precedentes, em primeiro lugar, que o lugar da prática desses atos deve ser identificado da mesma maneira, quer se trate do artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com o artigo 97.o, n.o 5, do mesmo regulamento, ou ainda do artigo 98.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento.

43.      Em segundo lugar, o artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009 confere aos tribunais uma competência geral que abrange as contrafações cometidas ou em vias de serem cometidas no território da União. Por conseguinte, quando uma contrafação é cometida fora da União, os tribunais de marcas da União Europeia não podem, à luz dos limites da sua competência geral, julgar essa contrafação, decorrendo essa limitação do artigo 98.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 (26).

44.      Em terceiro lugar, a existência de limites do âmbito da competência geral dos tribunais de marcas da União Europeia deve ser tida em conta na interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Nos termos do artigo 98.o, n.o 1, alínea a), desse regulamento, a extensão da competência geral desses tribunais é determinada com a ajuda da localização dos atos de contrafação. A determinação do tribunal competente nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 é feita com a ajuda de um critério análogo, a saber, o elemento de conexão do lugar do ato de contrafação. A identificação dos locais onde ocorrem os factos previstos no artigo 98.o, n.o 1, alínea a), e no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 é feita da mesma maneira. Consequentemente, a interpretação dada ao elemento de conexão do lugar do ato de contrafação no sentido dado pelo artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.º 207/2009 é suscetível de afetar a extensão da competência geral dos tribunais de marcas da União Europeia.

B.      Acórdãos Nintendo e Wintersteiger

45.      No que se refere à identificação do lugar do ato de contrafação no sentido dado pelo artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 em circunstâncias similares à do caso em análise, os recorridos no processo principal e a Comissão propõem seguir a conclusão do Tribunal de Justiça no Acórdão Nintendo (27) no que respeita ao artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 864/2007.

46.      Além disso, as partes consideram que, na interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, a conclusão a que chegou o Tribunal de Justiça no Acórdão Wintersteiger (28) no que respeita ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 e a competência a título do lugar do evento causal («Handlungsort») deve igualmente ser seguida.

47.      Na minha opinião, estas propostas são discutíveis em pelo menos três pontos: primeiro, do ponto de vista das suas implicações no âmbito da competência geral dos tribunais de marcas da União Europeia; segundo, no que se refere ao caráter alternativo do elemento de conexão previsto no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009; e, terceiro, quanto ao facto de esse elemento de conexão, próprio deste regulamento, ser autónomo em relação aos dos Regulamentos n.os 864/2007 e 1215/2012.

1.      Implicações para o âmbito da competência geral

48.      Cumpre recordar que, no Acórdão Nintendo (29), o Tribunal de Justiça entendeu que o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 864/2007 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «país em que a violação tenha sido cometida» visa o país do lugar em que ocorreu o facto que deu origem ao dano. O Tribunal de Justiça entendeu então que, no que diz respeito a um ato pelo qual um operador recorre ao comércio eletrónico propondo a venda, no seu sítio Internet, destinado a consumidores situados em vários Estados‑Membros, de produtos contrafeitos que violem os direitos conferidos pelos desenhos ou modelos comunitários, o lugar onde ocorreu o facto gerador do dano, no sentido dado pelo artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 864/2007, é aquele em que foi desencadeado o processo de colocação online da oferta de venda por parte deste operador no seu sítio Internet (30).

49.      Por outro lado, no Acórdão Wintersteiger (31), o Tribunal de Justiça declarou que um litígio relativo à violação de uma marca nacional registada num Estado‑Membro em virtude da utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de busca que opera sob um domínio nacional de primeiro nível de um outro Estado‑Membro pode ser submetido, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, seja perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde a marca está registada (competência com base no lugar da materialização do dano, «Erfolgsort»), quer perante os tribunais do Estado‑Membro onde o desencadear do processo de afixação é decidido, desde que se trate de um lugar certo e identificável (competência com base no lugar do evento causal («Handlungsort»).

50.      A este propósito, há que ter em conta o facto de que, independentemente das circunstâncias específicas do caso, a interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 acolhida no presente processo, terá, sem dúvida, um impacto significativo na prática dos tribunais de marcas da União Europeia no que diz respeito à aplicação do referido regulamento noutras situações. Uma vez que as regras de competência deste regulamento também se aplicam nos casos em que nem o titular nem o autor da alegada contrafação estão estabelecidos no território dos Estados‑Membros, é necessário também ter em conta, na interpretação da referida disposição, situações em que as violações de marcas da União provêm de Estados terceiros.

51.      Se o Tribunal de Justiça decidisse que a conclusão adotada nos dois acórdãos supracitados é igualmente válida no contexto do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, isso significaria que, na situação hipotética em que o terceiro na origem do uso, numa proposta de venda ou numa publicidade na Internet destinada a consumidores situados na União, de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca registada na União, tem sede num Estado terceiro e o servidor do sítio Internet que utiliza também se situa nesse Estado, para efeitos da aplicação das regras de competência do Regulamento n.o 207/2009, o ato de contrafação seria cometido fora do território da União.

52.      Com efeito, não só os tribunais visados no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 seriam incompetentes para julgar as ações de contrafação como também os visados no artigo 97.o, n.os 1 a 4, desse regulamento não poderiam pronunciar‑se sobre a referida ação. Recorde‑se que a competência geral dos tribunais de marcas da União Europeia, prevista no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009, abrange os atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos no território dos Estados‑Membros. Assim, na situação descrita no número anterior, mesmo os tribunais do Estado‑Membro no qual o EUIPO tem a sua sede careceriam de competência para decidir numa tal ação de contrafação.

53.      Podemos deduzir do Acórdão L’Oréal e o. (32) que, numa tal situação, o Regulamento n.o 207/2009 é aplicável e o titular da marca da União Europeia pode opor‑se à colocação à venda ou à publicidade na Internet destinada a consumidores localizados no território da União. Seria paradoxal que o Regulamento n.o 207/2009 conferisse um tal direito de oposição ao titular da marca da União Europeia, mas que as regras de competência deste regulamento não fossem aplicáveis. Este resultado seria ainda mais incoerente pois, ao contrário do que sucede com as regras de competência do Regulamento n.o 1215/2012, estas regras do Regulamento n.o 207/2009 aplicam‑se igualmente a casos em que nenhuma das partes no litígio tem domicílio no território da União. Na verdade, resulta claramente do Acórdão Hummel Holding (33) que o artigo 97.o do Regulamento n.o 207/2009 garante a existência de um foro no seio da União para todos os litígios em matéria de contrafação.

54.      Por conseguinte, em meu entender, uma interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 no espírito dos Acórdãos Nintendo (34) e Wintersteiger  (35) prejudicaria o efeito útil de todas as regras de competência previstas no artigo 97.o do referido regulamento.

2.      Foro alternativo ao lugar do ato de contrafação

55.      Sou sensível ao argumento dos recorrentes no processo principal e do Governo alemão que entendem que, regra geral, o lugar do ato inicial que dá origem à contrafação no sentido dado pelos Acórdãos Nintendo (36) e Wintersteiger (37) coincide com o lugar do domicílio de um autor dessa contrafação. Consequentemente, a interpretação segundo a qual o lugar do ato de contrafação no sentido do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 deveria ser entendido exclusivamente como o lugar do ato inicial na origem de uma contrafação não poderia, na maioria dos casos, oferecer um foro alternativo ao demandante.

56.      No Acórdão Bier (38), o Tribunal de Justiça já explicou que, a fim de preservar o efeito útil da regra de competência alternativa em matéria extracontratual do sistema de Bruxelas (39), esta regra deve ser interpretada de modo a deixar uma possibilidade de escolha efetiva ao demandante.

57.      É certo que se pode argumentar que, contrariamente às regras de competência deste sistema, o legislador da União entendeu, juntamente com as regras do Regulamento n.o 207/2009, limitar o número de foros disponíveis onde os titulares possam intentar ações em matéria de contrafação (40). A abordagem reticente do legislador da União quanto à multiplicação dos foros é ilustrada, designadamente, pela redação do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 que, em matéria de contrafação, exclui a aplicação do artigo 7.o, n.os 1 a 3 e 5, do Regulamento n.o 1215/2012, tendo todas estas disposições o objetivo de oferecer um foro alternativo ao demandante. Esta abordagem do legislador da União reflete‑se igualmente no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009. No entanto, o artigo 97.o, n.o 5, desse regulamento prevê expressamente um foro alternativo para o demandante e, por esse motivo, não pode ser considerado um reflexo dessa abordagem.

58.      Além disso, seguir a interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2007/209 apresentada pelos recorridos no processo principal e pela Comissão limitaria largamente a importância prática desta disposição (41). Parece‑me que uma das raras aplicações práticas dessa disposição seria o caso em que um réu, com domicílio no território da União, fosse demandado nos tribunais do Estado‑Membro no território do qual tem o seu estabelecimento. O Regulamento n.o 207/2009 não tem nenhuma regra de competência análoga à prevista no artigo 7.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012 (42) e, segundo o conjunto de elementos de conexão enunciados no artigo 97.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 207/2009, quando um réu tem o seu domicílio no território de um Estado‑Membro, deve ser demandado nos tribunais desse Estado‑Membro.

3.      Caráter sui generis do elemento de conexão do lugar do ato de contrafação

59.      Por último, considero que o elemento de conexão do lugar do ato de contrafação enunciado no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 tem um caráter autónomo face aos elementos de conexão previstos no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 864/2007 e no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012.

60.      Quanto à transponibilidade da interpretação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 864/2007 do Acórdão Nintendo (43), não se deve perder de vista o facto de que as funções das regras de conflitos de lei, por um lado, e, por outro, das regras de competência são diferentes.

61.      Além disso, é verdade que a regra de conflito enunciada no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 864/2007 é, como se deduz do Acórdão Vapenik (44) e usando os termos deste acórdão, complementar à regra de competência prevista no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. No entanto, resulta do Acórdão Kainz (45) que uma interpretação coerente dos conceitos constantes dos atos de direito internacional privado da União não pode levar a que sejam dadas às disposições destes atos uma interpretação estranha ao seu sistema e objetivos (46). Como decorre das minhas considerações anteriores, a interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 à luz do Acórdão Nintendo (47) prejudicaria o efeito útil desta disposição.

62.      Estas considerações são também válidas relativamente à questão de saber se a conclusão acolhida no Acórdão Wintersteiger (48), na parte em que trata da determinação do lugar do evento causal para efeitos da aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, é transponível ao artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

63.      De resto, resulta da jurisprudência que, com as regras de competência do Regulamento n.o 207/2009, o legislador da União pretendeu derrogar as regras de competência do Regulamento n.o 1215/2012 (49), em particular porque as regras de competência previstas nestes regulamentos prosseguem objetivos diferentes (50).

64.      Por último, podemos deduzir do Acórdão Leno Merken (51) que, ao aplicar por analogia às marcas da União Europeia a jurisprudência relativa a marcas nacionais, é preciso ter em atenção as diferenças que resultam do texto das disposições relativas a estes dois tipos de marcas.

65.      A este respeito, observo que, na redação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 e do seu antecessor, o artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94, o legislador da União não recorreu ao conceito de «lugar do evento causal» que, desde o Acórdão Bier (52), tem um significado bem consolidado no direito internacional europeu. Por este motivo, não nos podemos limitar, quando interpretamos o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, a considerar que esta disposição confere competência a tribunais que, por força do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, seriam competentes a título do lugar do evento causal.

4.      Conclusões intercalares

66.      Para recapitular esta parte da minha análise, à luz das considerações relativas à extensão da competência dos tribunais de marcas da União Europeia, sou de opinião de que há que afastar a interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 segundo a qual, no caso de um ato pelo qual um recorrido recorre ao comércio eletrónico propondo para venda, no seu sítio Internet, destinado a consumidores situados num Estado‑Membro, produtos contrafeitos por violação dos direitos do titular de uma marca da União Europeia, o lugar onde o ato de contrafação se verificou, na aceção desta disposição, é exclusivamente aquele onde se desencadeou o processo de colocação online pelo recorrido da oferta para venda no seu sítio Internet. Esta constatação é corroborada pelos ensinamentos retirados do caráter alternativo e autónomo do elemento de conexão previsto no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

67.      Por conseguinte, importa agora determinar os critérios que se podem exigir concretamente para estabelecer a competência dos tribunais de um Estado‑Membro nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

C.      Solução à medida do Regulamento n.o 207/2009

1.      Quanto ao risco de multiplicação de foros

68.      Após ter afastado a interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 segundo a qual, em circunstâncias como as do processo em apreço, o lugar do ato de contrafação se situa exclusivamente no lugar de início do processo de colocação online da oferta para venda, deveria considerar‑se que a acessibilidade a um sítio Internet no território de um Estado‑Membro é suficiente para determinar a competência dos tribunais desse Estado‑Membro?

69.      A jurisprudência relativa à determinação da competência jurisdicional em matéria de violação dos direitos de propriedade intelectual e industrial, incluindo marcas nacionais, pode, a priori, militar a favor de uma resposta afirmativa. Resulta desta jurisprudência que, no que diz respeito à competência em razão do lugar onde se concretizou o dano, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 não exige que o sítio Internet em causa no quadro dessas infrações seja «dirigido para» o Estado‑Membro do tribunal demandado (53).

70.      No entanto, a Internet é, por natureza, mundial e está em todo o lado (54). Considerar que a acessibilidade de um sítio Internet no território de um Estado‑Membro seria suficiente para atribuir competência aos tribunais desse Estado‑Membro levaria a uma considerável multiplicação dos foros competentes em matéria de contrafação das marcas da União Europeia (55).

71.      Conforme observou o advogado‑geral N. Jääskinen nas suas Conclusões no processo Coty Germany (56), um dos objetivos do Regulamento n.o 207/2009 foi combater o forum shopping, prática à qual os titulares de marcas da União Europeia podem recorrer quando as regras de competência não são um obstáculo.

72.      Atendendo a este objetivo, há que ter em conta que certos intervenientes no mercado recorrem ao trademark bullying. Esta prática consiste em fazer uso de uma marca que vá além do que, de acordo com uma interpretação razoável, resulta do entendimento de proteção da marca, para assediar e intimidar os outros agentes económicos. A multiplicação de foros competentes poderia facilitar esta prática e agravar os seus efeitos negativos do ponto de vista dos potenciais demandados. Tanto assim é que o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 não segue o princípio ator sequitur forum rei e, em princípio, é mais difícil a um demandado defender‑se perante os tribunais de um país que não é o seu.

73.      Por último, é verdade que, como observam os recorrentes e o Governo alemão, a rejeição da interpretação do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 segundo a qual o acesso a um sítio Internet no território de um Estado‑Membro seria suficiente para atribuir a competência aos tribunais desse Estado‑Membro levaria a uma situação na qual as ações de contrafação relativas a marcas nacionais e a marcas da União Europeia não poderiam ser uniformemente intentadas nos tribunais do Estado‑Membro onde os consumidores têm acesso a esse sítio Internet.

74.      Todavia, as considerações enunciadas nos n.os 63 a 65 das presentes conclusões militam contra a transponibilidade da jurisprudência em matéria de violação do direito de propriedade intelectual e industrial no artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

75.      Por outro lado, contrariamente ao que sucede com o Regulamento n.o 207/2009, a adoção do critério da acessibilidade nos termos do Regulamento n.o 1215/2012 não acarreta o risco de multiplicação dos foros. Tratando‑se mais precisamente de ações de contrafação relativas a marcas nacionais, o Tribunal de Justiça entendeu, no Acórdão Wintersteiger (57), que os objetivos do Regulamento n.o 1215/2012 militam a favor de uma atribuição da competência, a título da materialização do dano, aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro no qual o direito em causa é protegido. Assim, o número de foros disponíveis por força do Regulamento n.o 1215/2012 é limitado pelo caráter nacional da marca em causa (58). Ora, as marcas da União Europeia beneficiam de uma proteção uniforme e produzem efeitos em toda a União.

76.      À luz das considerações anteriores, considero que o lugar onde um sítio Internet é acessível não constitui um critério suficiente para determinar a competência dos tribunais desse Estado‑Membro ao abrigo do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

77.      Assim, e porque todas as interpretações extraídas da jurisprudência em matéria de violações dos direitos de propriedade intelectual e industrial não são satisfatórias, relativa aos outros instrumentos jurídicos do direito internacional privado da União, proponho desenvolver uma interpretação do elemento de conexão do lugar do ato de contrafação no sentido do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 específico para este regulamento.

2.      Quanto à linha interpretativa a seguir

78.      Ao interpretar o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 à luz das circunstâncias do processo em apreço, deve recordar‑se que o resultado alcançado no contexto dessa interpretação deve permitir assegurar o efeito útil desta disposição, sejam quais forem as circunstâncias do litígio em causa.

79.      Além disso, devido à sobreposição entre o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, conjugado com o artigo 98.o, n.o 2, deste mesmo regulamento, e o artigo 98.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, uma vez que estas disposições se referem ao lugar do ato de contrafação, a interpretação a dar a esta primeira disposição deve assegurar igualmente o efeito útil das restantes regras de competência enunciadas no artigo 97.o do mesmo regulamento.

80.      Para que o artigo 97.o do Regulamento n.o 207/2009 possa conservar o seu efeito útil e garantir a existência de um foro no seio da União para todos os litígios em matéria de contrafação, a interpretação do elemento de conexão do lugar do ato de contrafação deve visar garantir a competência dos tribunais de marcas da União Europeia em processos por contrafação sempre que, no domínio do direito substantivo, o Regulamento n.o 207/2009 confira a um titular o direito de se opor a atos que violem a sua marca da União Europeia.

81.      Por conseguinte, o âmbito de aplicação territorial da competência geral dos tribunais de marcas da União Europeia, que é determinado por meio da localização dos atos de contrafação, não pode ser mais limitado do que o alcance territorial da proteção dessas marcas e do que o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 207/2009.

82.      A este respeito, saliento que o Acórdão L’Oréal e o. (59) dizia respeito à determinação do âmbito de aplicação territorial dos regulamentos sobre as marcas da União (60).

83.      Assim, inspirando‑me novamente nesse acórdão, entendo que se deve considerar que, quando os factos imputados ao recorrido consistam numa publicidade e numa oferta de venda através de um sítio Internet, os tribunais de marcas da União Europeia de um Estado‑Membro são competentes em razão do lugar do ato de contrafação, desde que o anúncio ou a oferta se destinem a consumidores localizados no território desse Estado‑Membro (61).

84.      Importa observar que esta interpretação do artigo 97.o do Regulamento n.o 207/2009 segue a jurisprudência constante segundo a qual a atribuição de competência deve ser feita em conformidade com o objetivo da previsibilidade e da boa administração da justiça.

85.      No que respeita, por um lado, à previsibilidade da atribuição da competência, convém ter em conta o facto de que um demandante deve estar em condições de determinar a priori os tribunais perante os quais pode fazer valer os seus direitos substantivos. Com base no conteúdo de um sítio Internet, o titular da marca pode identificar o público‑alvo desse sítio Internet. Da mesma forma, um potencial infrator é capaz de prever o foro perante o qual poderá ser eventualmente demandado, visto exercer controlo sobre o seu marketing e as vendas feitas através do seu sítio Internet.

86.      Tratando‑se, por outro lado, do objetivo da boa administração da justiça, decorre da jurisprudência relativa à violação dos direitos de propriedade intelectual e industrial que a jurisdição do Estado‑Membro no território no qual um sítio Internet está acessível é objetivamente o que se encontra em melhor posição para avaliar se a marca nacional nesse Estado‑Membro foi lesada (62). Na minha opinião, esse tribunal não perde essa qualidade no que diz respeito à violação das marcas da União Europeia.

3.      Quanto aos critérios de determinação do públicoalvo e à sua aplicação no processo principal

87.      Resulta de todas as considerações anteriores que, quando os factos imputados ao recorrido consistirem numa publicidade e numa oferta de venda através de um sítio Internet, o critério para determinar a competência dos tribunais de marcas da União Europeia nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 é o público ao qual é destinada essa publicidade e essa oferta para venda, a saber, o do Estado‑Membro em causa.

88.      No quadro da verificação de competência a título do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o facto de uma publicidade e uma oferta para venda estarem organizadas de tal forma que seja possível identificar o público de um Estado‑Membro (ou o público de mais do que um Estado‑Membro se não se tratar do público da União em geral) especificamente visado por essa publicidade e esta oferta é fulcral para determinar a competência dos tribunais desses ou daqueles Estados‑Membros. Por outro lado, o facto de um sítio Internet se dirigir a consumidores e profissionais de um Estado‑Membro deve resultar, em primeira análise, do conteúdo desse sítio Internet. Em contrapartida, tais factos ocorridos offline podem servir para estabelecer a competência dos tribunais do Estado‑Membro em questão por razões que não sejam a seleção do público‑alvo desse Estado‑Membro através do sítio Internet. Tal poderia ser o caso das medidas tomadas nesse Estado‑Membro para aí estabelecer um distribuidor.

89.      No quadro desta verificação de competência em razão do lugar do ato de contrafação, vários elementos são particularmente importantes: o facto de uma oferta e uma publicidade fazerem uma referência expressa ao público de um Estado‑Membro, de estarem disponíveis num sítio Internet com um domínio de primeiro nível nacional desse Estado‑Membro, de os preços estarem na moeda nacional ou, ainda, de os contactos telefónicos, nesse sítio Internet, terem o prefixo nacional do Estado em causa. Esta lista não é exaustiva nem exclusiva.

90.      Além disso, o facto de uma oferta de venda ser acompanhada de detalhes das áreas geográficas para as quais o vendedor está disposto a enviar os produtos também pode ter um papel importante na verificação da competência nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, desde que não seja uma mera indicação geral que vise toda a União. Essa indicação geral não permite identificar o ou os público(s) especificamente visado(s). Por outro lado, atribuir importância a uma tal indicação geral implicaria que o autor de uma alegada contrafação pudesse ser demandado perante os tribunais de todos os Estados‑Membros. Tal poderia incentivar os profissionais a limitar as áreas de vendas dentro da União a fim de limitar o risco de serem demandados nos tribunais dos Estados‑Membros em que o volume de vendas não é significativo, o que conduziria a um resultado contrário aos objetivos do mercado interno.

91.      Por outro lado, tendo em conta a diferença entre as regras de competência geral previstas no Regulamento n.o 207/2009 e a prevista no artigo 97.o, n.o 5, desse regulamento, melhor explicada no n.o 41 das presentes conclusões, o facto de um vendedor estar preparado para enviar mercadorias para todos os Estados‑Membros pode permitir estabelecer a competência dos tribunais de marcas da União Europeia nos termos do artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009. Para ilustrar o meu ponto de vista, como exemplo adicional, posso referir alguns detalhes dos direitos aduaneiros da União. Embora tais detalhes indiquem que uma oferta é destinada ao público da União, não permitem, contudo, a identificação de um público especificamente visado por essa oferta.

92.      Pelo mesmo motivo, duvido igualmente que o facto de um sítio Internet estar redigido numa língua largamente utilizada no território de um Estado‑Membro possa, por si só e em geral, revestir uma particular importância. Deve ter‑se em conta que, por um lado, algumas línguas são amplamente utilizadas em vários Estados‑Membros e, por outro, algumas das línguas faladas na Europa são também amplamente utilizadas em Estados terceiros. Além disso, um sítio Internet pode destinar‑se ao público de um Estado‑Membro mesmo que o seu conteúdo não esteja redigido numa língua utilizada no território desse Estado. Seria o caso de um sítio Internet que visasse uma comunidade de estrangeiros a residir no território do referido Estado‑Membro.

93.      Por outo lado, a verificação da competência não deve confundir‑se com uma análise de mérito do processo em causa (63). A verificação da competência ao abrigo do Regulamento n.o 207/2009 não deveria substituir‑se à análise relativa à questão de saber se uma marca da União Europeia foi efetivamente lesada nem julgar antecipadamente os efeitos da mesma.

94.      Neste contexto, os recorridos no processo principal alegam que se pode deduzir de certos elementos da publicidade e das ofertas colocadas no sítio Internet que esta publicidade e ofertas já não eram atuais no período visado pelo litígio no processo principal.

95.      Ora, a apreciação do caráter obsoleto dos atos suscetíveis de constituir um alegado ato ilícito enquadra‑se na análise de mérito de uma ação de contrafação. Para dar um outro exemplo, a antiguidade de um evento causal pode, de acordo com a lei aplicável, implicar a eventual prescrição de uma ação relacionada com esse evento e, por esse motivo, cabe também à análise do mérito dessa ação. Consequentemente, tendo em conta as considerações apresentadas no número 93 das presentes conclusões, nem o caráter obsoleto da publicidade e ofertas para venda afixadas no sítio Internet nem a antiguidade de um evento causal seriam tidos em conta na verificação da competência em razão do lugar do ato de contrafação no sentido dado do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

96.      Na sequência da análise efetuada nas presente conclusões, considero que o artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma empresa, estabelecida e com sede social num Estado‑Membro A, tomou medidas nesse território para efeitos de publicidade e colocação à venda de produtos revestidos de um sinal idêntico a uma marca da União Europeia através de um sítio Internet visando quer os profissionais quer os consumidores de um Estado‑Membro B, um tribunal de marcas da União Europeia do Estado‑Membro B tem competência para decidir sobre uma ação de contrafação da marca da União Europeia devido a esta publicidade e a esta oferta para venda dos produtos neste território, desde que estas visem especificamente o público de um ou de vários Estados‑Membros.

97.      Quanto ao processo principal, com exceção de uma enumeração dos distribuidores dos vários países, incluindo o Reino Unido, uma vez que estes últimos são operadores económicos independentes dos recorridos no processo principal, acompanhada da indicação dos endereços postais e endereços de sítios Internet, nada indica que o sítio Internet dos recorridos no processo principal se destina especificamente ao público do Reino Unido. Além disso, tais indicações relativas a um distribuidor não são, em minha opinião, suficientes para estabelecer a competência dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido ao abrigo do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Na verdade, o processo principal não diz respeito a uma contrafação cometida por um tal distribuidor, mas sim a uma contrafação cometida pelos recorridos no processo principal através de um sítio Internet.

98.      Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre este ponto, ao apreciar a competência dos tribunais do Estado‑Membro em causa nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, tendo em conta o conjunto de critérios expostos nos n.os 88 a 95 das presentes conclusões.

VI.    Conclusão

99.      Atendendo às considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido] do seguinte modo:

O artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE, deve ser interpretado no sentido de que, quando uma empresa, estabelecida e com sede social num Estado‑Membro A, tomou medidas nesse território para efeitos de publicidade e colocação à venda de produtos revestidos de um sinal idêntico a uma marca da União Europeia através de um sítio Internet visando quer os profissionais quer os consumidores de um Estado‑Membro B, um tribunal de marcas da União Europeia do Estado‑Membro B tem competência para decidir sobre uma ação de contrafação da marca da União Europeia devido a esta publicidade e a esta oferta para venda dos produtos nesse território.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre este ponto, ao apreciar a competência dos tribunais do Estado‑Membro em causa nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE (JO 2009, L 78, p. 1).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que altera o Regulamento n.o 207/2009 e o Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2869/95 da Comissão relativo às taxas a pagar ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (JO 2015, L 341, p. 21).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).


5      Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).


6      Acórdão de 5 de junho de 2014 (C‑360/12, EU:C:2014:1318).


7      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


8      Acórdão de 5 de junho de 2014 (C‑360/12, EU:C:2014:1318).


9      Acórdão de 7 de dezembro de 2010 (C‑585/08 e C‑144/09, EU:C:2010:740).


10      Acórdão de 12 de julho de 2011 (C‑324/09, EU:C:2011:474).


11      Acórdão de 9 de novembro de 2017, dito «Parfummarken» (BGH IZR 164/16).


12      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO 2007, L 199, p. 40).


13      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


14      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


15      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


16      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


17      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


18      Por outro lado, nos termos do artigo 97.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, as partes podem derrogar estas regras de competência por via convencional ou no momento em que o requerente é chamado perante um tribunal de marcas da União Europeia.


19      Acórdão de 5 de junho de 2014 (C‑360/12, EU:C:2014:1318 n.os 34 e 37).


20      Acórdão de 30 de novembro de 1976 (21/76, EU:C:1976:166).


21      Acórdão de 5 de junho de 2014, Coty Germany (C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.o 34).


22      Tal demonstra, como já constatei num domínio bem diferente, o domínio tributário, nas minhas Conclusões do Acórdão Geelen (C‑568/17, EU:C:2019:109, n.os 17 e 28), que, no que diz respeito ao mundo da Internet, a interpretação textual de uma disposição relativa ao lugar de ocorrência de um determinado evento causal não é, em certos casos, capaz de garantir um resultado satisfatório.


23      Acórdão de 18 de maio de 2017, Hummel Holding (C‑617/15, EU:C:2017:390, n.o 33).


24      Sobre o conceito de âmbito territorial da jurisdição em matéria de marcas, v. Larsen, T. B., «The extent of jurisdiction under the forum delicti rule in European trademark litigation», Journal of Private International Law, 2018, Vol. 14(3), p. 555. Além disso, há que observar, neste contexto, que as questões relativas à determinação dos tribunais competentes, por um lado, e à determinação do âmbito da sua competência, por outro, são distintas da questão dos efeitos territoriais das decisões proferidas pelos ditos tribunais. Esta distinção resulta igualmente das considerações do Tribunal de Justiça no Acórdão de 18 de maio de 2017, Hummel Holding (C‑617/15, EU:C:2017:390). Por um lado, no n.o 33 desse acórdão, o Tribunal de Justiça especificou que o órgão jurisdicional competente ao abrigo do artigo 97.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 dispõe, como resulta do artigo 98.o deste regulamento, de uma competência limitada ao território do Estado‑Membro a que pertence. Por outro lado, no n.36 do referido acórdão, o Tribunal considerou que as decisões dos tribunais competentes com base no artigo 97.o do Regulamento n.o 207/2009 produzem efeitos que se estendem a toda a União.


25      Acórdão de 22 de setembro de 2016, combit Software (C‑223/15, EU:C:2016:719, n.o 24). V., igualmente, Acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 37). V., igualmente, Stone, P., EU Private International Law, Edward Elgar, Cheltenham, Northampton, 2014, p. 163.


26      V. Acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 38), no qual o Tribunal de Justiça considerou que um tribunal demandado ao abrigo das regras do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, que correspondem às do artigo 97.o, n.o 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009, é competente para decidir sobre atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos no território de um ou mais Estados‑Membros, mesmo de todos eles, e que, portanto, a sua competência pode estender‑se a todo o território da União. A partir desta consideração, deduzo, a contrario, que um tal tribunal não é competente para decidir sobre atos cometidos fora da União. V., neste sentido, Fawcett, J. J., Torremans, P., Intellectual Property and Private International Law, Oxford University Press, Oxford, 2011, p. 415, ponto 8.31, e Ubertazzi, B., Exclusive Jurisdiction in Intellectual Property, Mohr Siebeck, Tübingen, 2012, p. 74.


27      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


28      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


29      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724, n.o 98).


30      Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724, n.o 108).


31      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


32      Acórdão de 12 de julho de 2011 (C‑324/09, EU:C:2011:474).


33      Acórdão de 18 de maio de 2017 (C‑617/15, EU:C:2017:390, n.o 33).


34      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


35      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


36      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


37      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


38      Acórdão de 30 de novembro de 1976 (21/76, EU:C:1976:166, n.o 20).


39      Os Regulamentos n.os 1215/2012 e 44/2001 assim como a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186).


40      V., neste sentido, Nuyts, A., «Suing At the Place of Infringement: The Application of Article 5(3) of Regulation 44/2001 to IP Matter and Internet Disputes», in Nuyts, A. (ed.), International Litigation in Intellectual Property and Information Technology, Kluwer Law International, 2008, Alphen aan den Rijn, p. 116.


41      V., igualmente, Rosati, E., «International jurisdiction in online EU trade mark infringement cases: where is the place of infringement located?», European Intellectual Property Law, 2016, 38(8), p. 482.


42      Nos termos do artigo 7.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012, «uma pessoa domiciliada no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro […] se se tratar de um litígio relativo à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar onde se situam». É verdade que, à semelhança desta disposição, o artigo 97.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 utiliza o «estabelecimento» como elemento de conexão. Contudo, resulta do Acórdão de 18 de maio de 2017, Hummel Holding (C‑617/15, EU:C:2017:390, n.os 26, 27 e 40), que existem diferenças substanciais entre esta disposição do Regulamento n.o 207/2009 e a do Regulamento n.o 1215/2012. V., igualmente, Fawcett, J. J., Torremans, P., Intellectual Property and Private International Law, Oxford University Press, Oxford, 2011, p. 417, ponto 8.43.


43      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


44      Acórdão de 5 de dezembro de 2013 (C‑508/12, EU:C:2013:790).


45      Acórdão de 16 de janeiro de 2014 (C‑45/13, EU:C:2014:7, n.o 20).


46      Sobre este assunto, v., igualmente, minhas Conclusões no processo Pillar Securitisation (C‑694/17, EU:C:2019:44, n.os 39 a 46).


47      Acórdão de 27 de setembro de 2017 (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724).


48      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220).


49      Acórdão de 5 de junho de 2014, Coty Germany (C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.o 36).


50      Acórdão de 18 de maio de 2017, Hummel Holding (C‑617/15, EU:C:2017:390, n.os 27 e 28).


51      V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012 (C‑149/11, EU:C:2012:816, n.o 33).


52      Acórdão de 30 de novembro de 1976 (21/76, EU:C:1976:166, n.o 20).


53      V. Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Pinckney (C‑170/12, EU:C:2013:635, n.o 42), e de 22 de janeiro de 2015, Hejduk (C‑441/13, EU:C:2015:28, n.o 32). No Acórdão de 19 de abril de 2012, Wintersteiger (C‑523/10, EU:C:2012:220), esta consideração não foi formulada de forma expressa. O advogado‑geral P. Cruz Villalón, nas suas Conclusões no processo Wintersteiger (C‑523/10, EU:C:2012:90, n.os 25 a 31), considerou que a competência das jurisdições nacionais deveria ser apreciada em função do critério dos meios necessários. Uma vez que o Tribunal de Justiça não seguiu a solução das ditas conclusões, deduzo que o Acórdão Wintersteiger segue a lógica dos acórdãos supracitados. V., igualmente, Kohl, U., «Jurisdiction in cyberspace», in Tsagourias, N., Buchan, R. (eds.), Research Handbook on International Law and Cyberspace, Edward Elgar, Cheltenham, Northampton, 2015, p. 46.


54      Para uma outra visão sobre esta problemática no contexto do âmbito de aplicação territorial do direito da União, v. minhas Conclusões no processo Google (Âmbito territorial da supressão de uma hiperligação) (C‑507/17, EU:C:2019:15, n.os 47 a 53).


55      V., neste sentido, no contexto do Regulamento n.o 1215/2012, Moura Vincente, D., «La propriété intellectuelle en droit international privé», Recueil des cours de l’Académie de La Haye, vol. 335, 2008, p. 392.


56      C‑360/12, EU:C:2013:764, n.o 42.


57      Acórdão de 19 de abril de 2012 (C‑523/10, EU:C:2012:220, n.o 27).


58      Ora, a doutrina defende que o caráter nacional de uma marca não limita o número de foros disponíveis no que diz respeito a medidas provisórias. V., especialmente, van Calster, G., European Private International Law, Hart Publishing, Oxford, Portland, 2016, p. 153.


59      V. Acórdão de 12 de julho de 2011 (C‑324/09, EU:C:2011:474).


60      V. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.o 125), bem como minhas recentes Conclusões no processo Google (Âmbito territorial da supressão de uma hiperligação) (C‑507/17, EU:C:2019:15, n.os 51 a 53). V., igualmente, Jääskinen, N., Ward, A., «The External Reach of EU Private Law in the Light of L’Oréal versus eBay and Google and Google Spain», in Cremona, M., Micklitz, H.W., Private Law in the External Relations of the EU, Oxford University Press, Oxford, 2016, pp. 128 e 144.


61      V., por analogia, Acórdão de 12 de julho de 2011, L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2011:474, n.o 67).


62      V. Acórdãos de 3 outubro de 2013, Pinckney (C‑170/12, EU:C:2013:635, n.os 28, 34 e 47), e de 22 de janeiro de 2015, Hejduk (C‑441/13, EU:C:2015:28, n.os 20 e 38).


63      V. Acórdão de 3 de outubro de 2013, Pinckney (C‑170/12, EU:C:2013:635, n.os 40 e 41). V., igualmente, neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2012, Wintersteiger (C‑523/10, EU:C:2012:220, n.o 26), e de 16 de junho de 2016, Universal Music International Holding (C‑12/15, EU:C:2016:449, n.o 44); v. igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Wintersteiger (C‑523/10, EU:C:2012:90, n.o 31), e minhas Conclusões no processo Universal Music International Holding (C‑12/15, EU:C:2016:161, n.o 57).