Language of document : ECLI:EU:C:2007:652

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de Novembro de 2007 (*)

«Directiva 98/34/CE – Procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas – Obrigação de comunicar os projectos de regras técnicas – Lei nacional que impõe a obrigação de apor o sinal distintivo do organismo nacional encarregado de cobrar os direitos de autor em discos compactos comercializados – Conceito de ‘regra técnica’»

No processo C‑20/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale civile e penale di Forlì (Itália), por decisão de 14 de Dezembro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de Janeiro de 2005, no processo penal contra

Karl Josef Wilhelm Schwibbert,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, U. Lõhmus (relator), J. Klučka, A. Ó Caoimh e P. Lindh, juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: J. Swedenborg, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Abril de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de K. J. W. Schwibbert, por A. Sirotti Gaudenzi, avvocato,

–        em representação da Società Italiana degli Autori ed Editori, por M. Mandel e M. Siragusa, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por S. Fiorentino e M. Massella Ducci Teri, avvocati dello Stato,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Pignataro e W. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 28 de Junho de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 3.° CE, 23.° CE a 27.° CE, da Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO L 204, p. 37), na redacção dada pela Directiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Julho de 1998 (JO L 217, p. 18, a seguir «Directiva 98/34»), da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61), bem como da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio da 2001, relativa à harmonização de certos aspectos dos direitos de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal intentado em Itália contra K. J. W. Schwibbert por posse de discos compactos (a seguir «CD») que não continham o sinal distintivo do organismo nacional encarregado de cobrar os direitos de autor.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        A Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983 (JO L 109, p. 8; EE 13 F14 p. 34), instituiu no direito comunitário um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas.

4        O artigo 12.° da Directiva 83/189 tem a seguinte redacção:

«1.      Os Estados‑Membros porão em vigor as medidas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de doze meses a contar da sua notificação e desse facto informarão imediatamente a Comissão.

2.      Os Estados‑Membros assegurarão que seja comunicado à Comissão o texto das principais disposições de direito nacional que adoptarem no domínio regulado pela presente directiva.»

5        A Directiva 83/189 foi alterada por diversas vezes de modo substancial. A Directiva 98/34 procede à sua codificação.

6        O artigo 1.° da Directiva 98/34 dispõe:

«Para efeitos da presente directiva entende‑se por:

1)      ‘Produto’: qualquer produto de fabrico industrial e qualquer produto agrícola, incluindo produtos da pesca.

[…]

3)      ‘Especificação técnica’: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

[…]

4)      ‘Outra exigência’: uma exigência, distinta de uma especificação técnica, imposta a um produto por motivos de defesa, nomeadamente dos consumidores, ou do ambiente, e que vise o seu ciclo de vida após a colocação no mercado, como sejam condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação, sempre que essas condições possam influenciar significativamente a composição ou a natureza do produto ou a sua comercialização.

[…]

11)      ‘Regra técnica’: uma especificação técnica, outro requisito ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 10.°, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.

[…]»

7        Os artigos 8.° e 9.° da Directiva 98/34 impõem aos Estados‑Membros, por um lado, a obrigação de comunicar à Comissão das Comunidades Europeias os projectos de regras técnicas abrangidos pelo âmbito de aplicação desta directiva, excepto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando, neste caso, uma simples informação relativamente a essa norma, e, por outro lado, de adiar por vários meses a adopção desses projectos, a fim de dar à Comissão a possibilidade de verificar se os mesmos são compatíveis com o direito comunitário, designadamente com a livre circulação de mercadorias, ou de apresentar uma proposta de directiva, regulamento ou decisão sobre a matéria.

8        A Directiva 92/100 tem por objecto a harmonização da protecção jurídica das obras abrangidas pelos direitos de autor e das realizações protegidas por direitos conexos. Destina‑se a garantir aos autores, artistas intérpretes ou executantes uma remuneração apropriada. Para esse efeito, a Directiva 92/100 enuncia que os Estados‑Membros devem prever o direito de permitir ou proibir o aluguer e o comodato de originais, de cópias de obras protegidas pelos direitos de autor e de outros objectos referidos no artigo 2.°, n.° 1, dessa directiva. No capítulo II da Directiva 92/100, relativo aos direitos conexos, o artigo 9.° dispõe que os Estados‑Membros devem prever um direito exclusivo de divulgação ao público, por venda ou de qualquer outra forma, dos objectos enumerados no referido artigo.

 Legislação nacional

9        Nos termos da Lei n.° 633, de 22 de Abril de 1941, em matéria de direitos de autor (GURI n.° 166, de 16 de Julho de 1941, a seguir «Lei de 1941»), a aposição obrigatória do sinal distintivo em qualquer suporte que contenha obras protegidas é um instrumento de autenticação e de garantia que permite distinguir o produto lícito do produto pirata. A Società Italiana degli Autori ed Editori (Sociedade Italiana de Autores e Editores), organismo público ad hoc, é responsável pelo exercício de uma função de protecção, de intermediação e de certificação. O sinal distintivo assim previsto pela lei contém as iniciais «SIAE».

10      A Lei n.° 121/87, de 27 de Março de 1987 (GURI n.° 73, de 28 de Março de 1987), estendeu a outros suportes que contenham obras de carácter intelectual a obrigação de aposição do sinal distintivo «SIAE».

11      Ao transpor a Directiva 92/100, o legislador italiano, ao abrigo do Decreto legislativo n.° 685, de 16 de Novembro de 1994 (GURI n.° 293, de 16 de Dezembro de 1994), que revogou a Lei n.° 121/87, introduziu na Lei de 1941, entre outras, uma disposição, o artigo 171.° ter, n.° 1, alínea c), que prevê sanções penais específicas e cuja redacção é a seguinte:

«1.      É punido com prisão de três meses a três anos e com multa de 500 000 a 6 milhões de liras quem:

[...]

c)      vender ou alugar cassetes vídeo, cassetes de música ou qualquer outro suporte que contenha fonogramas, ou videogramas de obras cinematográficas ou audiovisuais ou sequências de imagens em movimento, que não ostentem o sinal distintivo da Sociedade Italiana de Autores e Editores (SIAE) nos termos da presente lei e do regulamento de execução.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      Em 12 de Fevereiro de 2000, a Procura della Repubblica presso il Tribunale civile e penale di Forlì (Ministério Público junto do Tribunal Cível e Penal de Forlì) abriu um inquérito judicial contra K. J. W. Schwibbert, residente em Itália, representante legal da sociedade K.J.W.S. Srl, e confirmou que o inquirido, em 9 e 10 de Fevereiro de 2000, possuía para venda, nos armazéns da referida sociedade, um determinado número de CD de reproduções de obras dos pintores Giorgio De Chirico e Mario Schifano. Esses CD, importados da Alemanha por conta de outras sociedades para a sua venda no âmbito de eventos culturais, não ostentavam o sinal distintivo «SIAE».

13      Nos inquéritos efectuados, em 9 e 10 de Fevereiro de 2000, pelos membros da Guardia di Finanza – Comando Tenenza di Cesena (Polícia Financeira – Posto de comando de Cesena), foi redigido um auto de apreensão dos referidos CD, de acordo com o Código de Processo Penal, em que se fazia a menção de que, numa primeira análise, os bens pareciam ser de contrafacção.

14      Em 23 de Maio de 2001, a Procura della Repubblica presso il Tribunale civile e penale di Forlì inquiriu K. J. W. Schwibbert, que foi acusado do crime previsto no artigo 171.° ter, n.° 1, alínea c), da Lei de 1941, e remeteu os autos para julgamento no referido tribunal.

15      Em 14 de Dezembro de 2004, realizou‑se a audiência no Tribunale civile e penale di Forlì. Na acta da audiência, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que K. J. W. Schwibbert não é acusado de ter reproduzido abusivamente as obras, uma vez que possuía as autorizações necessárias, mas exclusivamente do facto de os CD não conterem o sinal distintivo «SIAE».

16      Na referida audiência, o advogado de K. J. W. Schwibbert requereu ao referido órgão jurisdicional que submetesse uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. O Tribunale civile e penale di Forlì acolheu o pedido, mas, na sua decisão de reenvio, limitou‑se a incluir em anexo o requerimento do referido advogado e não formulou ele mesmo questões específicas.

17      Em conformidade com o artigo 104.°, n.° 5, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça, em 17 de Julho de 2006, pediu esclarecimentos ao juiz de reenvio. A sua resposta chegou ao Tribunal de Justiça em 31 de Outubro de 2006.

18      Resulta dessa resposta a seguinte questão formulada pelo Tribunale civile e penale di Forlì:

«As disposições nacionais relativas à marcação com o sinal SIAE são compatíveis com os artigos 3.° CE, 23.° CE a 27.° CE, com os artigos 1.°, 8.°, 10.° e 11.° da Directiva 98/34 e com as Directivas 92/100 e 2001/29?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

19      O Governo italiano alega, nas suas observações escritas e na audiência, que o pedido de decisão prejudicial deveria ser julgado inadmissível. Com efeito, entende que esse pedido não contém as informações necessárias para que o Tribunal de Justiça possa responder de maneira útil à questão submetida. A este respeito, o Governo italiano sustenta que, contrariamente às exigências do artigo 20.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o referido pedido não precisa as razões pelas quais é necessária a interpretação das regras de direito comunitário e não enuncia claramente as disposições nacionais que se aplicam efectivamente ao litígio no processo principal. De qualquer forma, o pedido carece de pertinência para a solução do referido litígio.

20      A Comissão alega, nas suas observações escritas, que a questão prejudicial, na parte relativa à interpretação dos artigos 3.° CE, 23.° CE a 27.° CE e à Directiva 92/100, deve ser declarada inadmissível, uma vez que as indicações contidas na decisão de reenvio foram insuficientes.

21      Há que recordar que as informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem apenas permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas devem também dar aos Governos dos Estados‑Membros, bem como às demais partes interessadas, a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 20.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (despacho de 2 de Março de 1999, Colonia Versicherung e o.,C‑422/98, Colect., p. I‑1279, n.° 5). Incumbe ao Tribunal de Justiça garantir que essa possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta que, por força da disposição acima mencionada, apenas as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (acórdão de 1 de Abril de 1982, Holdijk e o., 141/81 a 143/81, Recueil, p. 1299, n.° 6; despacho de 13 de Março de 1996, Banco de Fomento e Exterior, C‑326/95, Colect., p. I‑1385, n.° 7; e acórdão de 13 de Abril de 2000, Lehtonen e Castors Braine,C‑176/96, Colect., p. I‑2681, n.° 23). Assim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre as razões da escolha das disposições comunitárias cuja interpretação solicita, bem como sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio (v., nomeadamente, despacho de 28 de Junho de 2000, Laguillaumie, C‑116/00, Colect., p. I‑4979, n.° 16, e acórdão de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04eC‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 38).

22      No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio, a pedido do Tribunal de Justiça, como resulta do n.° 17 do presente acórdão, forneceu esclarecimentos relativos aos factos do litígio no processo principal e ao quadro jurídico nacional e comunitário. Além disso, a Società Italiana degli Autori ed Editori, o Governo italiano e a Comissão, com base nas informações fornecidas por esse órgão jurisdicional, entenderam ser possível apresentar observações ao Tribunal de Justiça.

23      No que respeita à Directiva 98/34, a posição das partes interessadas diverge quanto à questão de saber se a obrigação de aposição do sinal distintivo «SIAE» se impõe aos CD em causa no processo principal e, eventualmente, quando é que essa obrigação foi estendida aos referidos suportes, a saber, antes ou depois de a obrigação de comunicação dos projectos de regras técnicas ter sido introduzida no direito comunitário. No caso em apreço, é facto assente que foi intentado um processo penal contra K. J. W. Schwibbert por não ter aposto o referido sinal «SIAE». No entanto, a determinação do momento da introdução efectiva da obrigação de aposição no direito italiano decorre da interpretação do direito nacional, que não é da competência do Tribunal de Justiça. De qualquer modo, a incerteza sobre esse elemento não é susceptível de privar de utilidade a resposta que o Tribunal de Justiça é chamado a dar à questão apresentada tal como esta foi precisada pelo juiz de reenvio na sua resposta ao pedido de esclarecimentos.

24      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça considera‑se suficientemente informado para poder responder à questão apresentada a respeito da Directiva 98/34.

25      Pelo contrário, tratando‑se da interpretação dos artigos 3.° CE, 23.° CE a 27.° CE e da Directiva 92/100, há que observar que a decisão de reenvio não fornece as informações necessárias que permitam ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

26      Com efeito, cumpre recordar que essas disposições do Tratado CE proíbem, entre os Estados‑Membros, os direitos aduaneiros de importação e de exportação e todos os encargos de efeito equivalente. Quanto à Directiva 92/100, harmoniza as regras relativas ao direito de aluguer e de comodato assim como a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.

27      Ora, as indicações relativas ao quadro factual do litígio no processo principal, fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não permitem determinar com certeza o lugar de fabrico dos CD nem demonstrar que os mesmos foram efectivamente importados para Itália. No que respeita às informações relativas ao quadro jurídico nacional, não permitem ao Tribunal de Justiça conhecer de modo suficiente as características da contrapartida financeira da obtenção do sinal distintivo «SIAE» para determinar se está em causa um direito aduaneiro ou um encargo de efeito equivalente, na acepção dos referidos artigos do Tratado. Por fim, essas indicações também não permitem apreciar se a Directiva 92/100 se opõe a essas disposições nacionais.

28      Nestas circunstâncias, não é possível apreciar a questão de saber se os artigos 3.° CE, 23.° CE a 27.° CE e a Directiva 92/100 se opõem a uma obrigação como a que está em causa no litígio no processo principal.

29      Importa, além disso, precisar que a questão prejudicial diz igualmente respeito à interpretação da Directiva 2001/29. Esta directiva baseia‑se nos princípios e normas já estabelecidos, nomeadamente, pela Directiva 92/100 e altera esta última. A Directiva 2001/29 foi adoptada em 22 de Maio de 2001 e o seu artigo 13.° prevê que os Estados‑Membros lhe devem dar cumprimento até 22 de Dezembro de 2002. Ora, os acontecimentos que deram origem ao litígio no processo principal ocorreram em Fevereiro de 2000, data em que a referida directiva ainda não tinha sido adoptada. Assim, a questão prejudicial, na parte em que respeita à interpretação da Directiva 2001/29, é inadmissível.

30      Por conseguinte, há que considerar admissível o pedido de decisão prejudicial unicamente na medida em que diz respeito à interpretação da Directiva 98/34.

 Quanto ao mérito

31      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 1.°, 8.°, 10.° e 11.° da Directiva 98/34 se opõem às disposições nacionais como as que estão em causa no processo principal, na medida em que as mesmas prevêem a aposição da sigla da Società Italiana degli Autori ed Editori no suporte de reprodução das obras de carácter intelectual.

32      A este respeito, resulta dos autos no Tribunal de Justiça que, no processo principal, foi intentado um processo penal contra K. J. W. Schwibbert por não ter aposto esse sinal distintivo nos CD de obras de arte figurativa. Importa, assim, apreciar se as regras comunitárias invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se opõem às disposições nacionais que prevêem essa obrigação.

33      Em primeiro lugar, há que apreciar se a obrigação de apor essa sigla pode ser qualificada de «regra técnica», na acepção do artigo 1.° da Directiva 98/34. Em caso afirmativo, importa verificar se as autoridades italianas notificaram à Comissão o projecto de regra técnica, sob pena de essa mesma regra ser inoponível a K. J. W. Schwibbert (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de Abril de 1996, CIA Security International, C‑194/94, Colect., p. I‑2201, n.os 48 e 54; de 16 de Junho de 1998, Lemmens,C‑226/97, Colect., p. I‑3711, n.° 33; e de 6 de Junho de 2002, Sapod Audic,C‑159/00, Colect., p. I‑5031, n.° 49).

34      Resulta do artigo 1.°, n.° 11, da Directiva 98/34 que o conceito de «regra técnica» se divide em três categorias, a saber, em primeiro lugar, a «especificação técnica» na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da referida directiva, em segundo lugar, a «outra exigência» definida no artigo 1.°, n.° 4, desta directiva e, em terceiro lugar, a proibição do fabrico, da importação, da comercialização ou da utilização de um produto referida no artigo 1.°, n.° 11, da mesma directiva (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Abril de 2005, Lindberg, C‑267/03, Colect., p. I‑3247, n.° 54).

35      Como o Tribunal de Justiça já declarou, o conceito de «especificação técnica» pressupõe que a medida nacional se refira necessariamente ao produto ou à sua embalagem enquanto tais e fixa, portanto, uma das características exigidas de um produto (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Março de 2001, van der Burg,C‑278/99, Colect., p. I‑2015, n.° 20; de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.° 45; e acórdãos, já referidos, Sapod Audic, n.° 30, e Lindberg, n.° 57).

36      No caso vertente, importa observar, como referiu a advogada‑geral nos n.os 46 e 48 das suas conclusões, que a aposição do sinal distintivo «SIAE», que se destina a informar os consumidores e as autoridades nacionais sobre a legalidade das reproduções, se efectua no próprio suporte que contenha a obra de carácter intelectual, portanto, no produto em si mesmo. Daí não ser exacto afirmar‑se, como fizeram a Società Italiana degli Autori ed Editori e o Governo italiano, que esse sinal só diz respeito às obras intelectuais.

37      Ora, esse sinal distintivo constitui uma «especificação técnica», na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 98/34, uma vez que é abrangido pelas disposições aplicáveis aos produtos em causa no que respeita à marcação e à etiquetagem. Assim, uma vez que a observação dessa especificação é obrigatória de jure para a comercialização desses produtos, a referida especificação constitui uma «regra técnica», na acepção do artigo 1.°, n.° 11, primeiro parágrafo, da referida directiva (v., neste sentido, acórdão de 20 de Março de 1997, Bic Benelux, C‑13/96, Colect., p. I‑1753, n.° 23).

38      Em conformidade com o artigo 8.° da Directiva 98/34, «os Estados‑Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projecto de regra técnica». Se essa obrigação não for cumprida, a regra técnica continua a ser inoponível aos particulares, como foi recordado no n.° 33 do presente acórdão. Importa, por isso, verificar se, no caso vertente, o Estado‑Membro cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.° da Directiva 98/34. Caso contrário, a regra técnica em causa será inoponível a K. J. W. Schwibbert.

39      A Società Italiana degli Autori ed Editori e o Governo italiano alegam que a obrigação de aposição do sinal distintivo «SIAE» nos suportes que contenham obras de carácter intelectual já estava prevista na Lei de 1941, muito antes da entrada em vigor das directivas comunitárias pertinentes, relativamente ao suporte papel, e que as alterações legislativas introduzidas após essa entrada em vigor, respectivamente, em 1987 e 1994, apenas constituíram adaptações ao progresso tecnológico, que só incluíam novos suportes no âmbito de aplicação da referida obrigação. Por conseguinte, essas alterações legislativas não tinham de ser notificadas à Comissão.

40      No caso vertente, parece resultar dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a obrigação de aposição do sinal distintivo «SIAE» se tornou aplicável aos suportes em causa no processo principal, a saber, os CD de obras de arte figurativa, em 1994, por força do Decreto legislativo n.° 685. Nestas circunstâncias, a referida obrigação devia ter sido comunicada à Comissão pela República Italiana, uma vez que ocorreu depois da instituição, pela Directiva 83/189, do procedimento de informação no domínio das normas e das regulamentações técnicas. Compete, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, como recordado no n.° 23 do presente acórdão, verificar se a obrigação em causa foi efectivamente introduzida no direito italiano nesse momento.

41      Na medida em que a obrigação da aposição do sinal distintivo «SIAE» foi estendida aos produtos, como os que constituem o objecto do litígio no processo principal, após a entrada em aplicação da Directiva 83/189, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o objectivo prosseguido pelo artigo 8.°, n.° 1, primeiro parágrafo, segundo período, da Directiva 98/34 é permitir à Comissão dispor da informação mais completa possível sobre qualquer projecto de regra técnica no que toca ao seu conteúdo, ao seu alcance e ao seu contexto geral, a fim de poder exercer, do modo mais eficaz possível, os poderes que lhe são conferidos pela referida directiva (v., nomeadamente, acórdãos CIA Security International, já referido, n.° 50; de 16 de Setembro de 1997, Comissão/Itália,C‑279/94, Colect., p. I‑4743, n.° 40; e de 7 de Maio de 1998, Comissão/Bélgica,C‑145/97, Colect., p. I‑2643, n.° 12).

42      Do mesmo modo, em conformidade com o n.° 1, terceiro parágrafo, do referido artigo 8.°, os «Estados‑Membros farão uma nova comunicação […] caso introduzam alterações significativas no projecto de regra técnica que tenham por efeito modificar o âmbito de aplicação […]». Ora, a inclusão de novos suportes, como CD, no âmbito da obrigação de aposição do sinal distintivo «SIAE» deve ser considerada como uma tal alteração (v., neste sentido, acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Alemanha,C‑317/92, Colect., p. I‑2039, n.° 25, e acórdão Lindberg, já referido, n.os 84 e 85).

43      A Comissão afirmou, nas suas observações escritas e na audiência, sem ser desmentida pelo Estado‑Membro a esse respeito, que a República Italiana não lhe comunicou a referida alteração.

44      Ora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a inobservância da obrigação de notificação constitui um vício processual na adopção das regras técnicas em causa e acarreta a inaplicabilidade das regras técnicas, com a consequência de não poderem ser opostas aos particulares (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, CIA Security International, n.° 54, e Lemmens, n.° 33). Os particulares podem invocar essa inaplicabilidade perante o juiz nacional, ao qual compete recusar a aplicação de uma regra técnica nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a Directiva 98/34 (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, CIA Security International, n.° 55, e Sapod Audic, n.° 50).

45      Em face destes elementos, importa observar que a Directiva 98/34 deve ser interpretada no sentido de que disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, desde que tenham introduzido, após a entrada em aplicação da Directiva 83/189, a obrigação de apor o sinal distintivo «SIAE» nos CD de obras de arte figurativa para a sua comercialização no Estado‑Membro em causa, constituem uma regra técnica que, se não for notificada à Comissão, não pode ser invocada contra um particular.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

A Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, na redacção dada pela Directiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Julho de 1998, deve ser interpretada no sentido de que disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, desde que tenham introduzido, após a entrada em aplicação da Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, a obrigação de apor o sinal distintivo «SIAE» nos discos compactos de obras de arte figurativa para a sua comercialização no Estado‑Membro em causa, constituem uma regra técnica que, se não for notificada à Comissão, não pode ser invocada contra um particular.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.