Language of document : ECLI:EU:C:2017:592

Parecer 1/15

Parecer proferido nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE

«Parecer proferido nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE — Projeto de acordo entre o Canadá e a União Europeia — Transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos da União para o Canadá — Bases jurídicas adequadas — Artigo 16.o, n.o 2, artigo 82.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea d), e artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE — Compatibilidade com os artigos 7.o, 8.o e 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

Sumário — Parecer do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 26 de julho de 2017

1.        Acordos internacionais — Celebração — Parecer prévio do Tribunal de Justiça — Objeto — Questões sobre a validade material ou formal de um acordo face ao Tratado — Compatibilidade do acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

(Artigos 6.o, n.o 1, TUE, 217.o TFUE e 218.o TFUE)

2.        Atos das instituições — Escolha da base jurídica — Critérios — Ato da União que prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma dupla componente — Referência à finalidade ou à componente principal ou preponderante — Finalidades ou componentes indissociáveis — Cumulação de bases jurídicas — Limites — Incompatibilidade dos procedimentos

3.        Acordos internacionais — Acordos da União — Celebração — Acordo UECanadá sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros — Base jurídica — Influência dos Protocolos n.o 21 e n.o 22 sobre a posição do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca anexos aos Tratados UE e FUE — Inaplicabilidade do Acordo à Dinamarca

[Artigos 16.o, n.o 2, TFUE e 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE; Protocolos n.o 21 e n.o 22 anexos aos Tratados UE e FUE]

4.        Acordos internacionais — Acordos da União — Celebração — Acordo UE Canadá sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros — Acordo destinado a salvaguardar a segurança pública e a proteger os registos de identificação dos passageiros aéreos — Base jurídica — Artigo 16.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE

[Artigos 39.o TUE, 16.o, n.o 2, TFUE e 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE; Protocolos n.o 21 e n.o 22 anexos aos Tratados UE e FUE; Declaração n.o 21 anexa aos Tratados UE e FUE]

5.        Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Âmbito de aplicação — Tratamentos de dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos efetuados ao abrigo de um acordo internacional celebrado entre a União e um país terceiro — Inclusão — Necessidade de assegurar um nível de proteção das liberdades e direitos fundamentais equivalente ao garantido dentro da União — Alcance

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o; Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 25.o, n.o 6)

6.        Acordos internacionais — Acordos da União — Celebração — Acordo com um Estado terceiro sobre a transferência e o tratamento de dados dos registos de identificação dos passageiros — Ingerência nos direitos ao respeito pela vida privada e da proteção dos dados de caráter pessoal — Obrigação de limitar a ingerência ao estritamente necessário — Alcance

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o)

7.        Direitos fundamentais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia —Limitação do exercício dos direitos e liberdades consagrados pela Carta — Requisitos — Exigência de inscrição da limitação numa lei — Alcance

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 52.o, n.o 1)

8.        Direitos fundamentais — Proteção de dados pessoais — Tratamento com base no consentimento da pessoa em causa ou num outro fundamento legítimo previsto na lei — Conceito de lei —Acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Inclusão

[Artigos 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE e 294.o TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 8.o, n.o 2, e 52.o, n.o 1]

9.        Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Ingerência — Justificação —Proteção da segurança pública contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave — Admissibilidade

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o; Diretiva 2016/681 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 6.o, n.o 4, 7.o, n.o 6, e 13.o, n.o 4)

10.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Dados sensíveis — Necessidade de uma justificação precisa e sólida baseada em fundamentos distintos da proteção da segurança pública contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o, 8.o, 21.o e 52.o, n.o 1)

11.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Respeito do princípio da proporcionalidade — Tratamento automatizado dos dados — Apreciação relativamente aos modelos, aos critérios e às bases de dados utilizadas para efetuar esse tratamento

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o)

12.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Respeito do princípio da proporcionalidade — Tratamento em conformidade com os objetivos da Convenção de Chicago — Admissibilidade

13.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Respeito do princípio da proporcionalidade — Necessidade de prever regras claras e precisas que regulem o acesso e a utilização dos dados — Alcance

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o)

14.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Respeito do princípio da proporcionalidade — Conservação e utilização dos dados durante a permanência dos passageiros no país terceiro — Requisitos mínimos

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o)

15.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Proteção de dados pessoais — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Respeito do princípio da proporcionalidade — Conservação dos dados após a saída dos passageiros do país terceiro — Inadmissibilidade — Exceção — Passageiros que apresentam um risco em matéria de terrorismo e de criminalidade transnacional grave

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 8.o)

16.      Direitos fundamentais — Respeito pela vida privada — Respeito no âmbito do tratamento dos dados pessoais — Obrigação de permitir à pessoa em causa um acesso aos dados que lhe dizem respeito a fim de verificar a sua exatidão e legalidade — Alcance — Celebração pela União de um acordo com um país terceiro sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos — Necessidade de prever a informação dos passageiros sobre a transferência e a utilização dos seus dados

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.o e 47.o, primeiro parágrafo)

17.      Direitos fundamentais — Proteção de dados pessoais — Autoridades de fiscalização — Requisito de independência — Objeto

(Artigo 16.o, n.o 2, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 8.o, n.o 3)

1.      As disposições de um acordo internacional celebrado pela União, em conformidade com os artigos 217.o e 218.o TFUE, fazem parte integrante, desde a sua entrada em vigor, da ordem jurídica da União. As disposições desse acordo devem, portanto, ser plenamente compatíveis com os Tratados e com os princípios constitucionais que deles decorrem. Neste sentido, o artigo 218.o, n.o 11, TFUE tem por objetivo evitar as complicações que resultariam de impugnações judiciais relativas à compatibilidade com os Tratados de acordos internacionais que vinculam a União. Com efeito, uma decisão judicial que declare eventualmente, após a celebração de um acordo internacional que vincula a União, que este é, em virtude do seu conteúdo ou do procedimento de celebração adotado, incompatível com as disposições dos Tratados não deixaria de criar, quer ao nível da União quer ao nível das relações internacionais, sérias dificuldades, correndo‑se o risco de provocar prejuízos a todas as partes interessadas, incluindo os Estados terceiros. Atendendo à função do procedimento previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE, o simples risco de invalidade de um ato de celebração de um acordo internacional basta para admitir o recurso ao Tribunal de Justiça.

Deste modo, devem poder ser examinadas no âmbito do processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE quaisquer questões passíveis de suscitar dúvidas quanto à validade material ou formal do acordo face aos Tratados. A decisão sobre a compatibilidade de um acordo com os Tratados pode, a este respeito, nomeadamente, depender não só das disposições relativas à competência, ao procedimento ou à organização institucional da União mas também das disposições do direito material. O mesmo se aplica a uma questão relativa à compatibilidade de um acordo internacional com o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE e, por conseguinte, com as garantias consagradas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, uma vez que esta tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

(cf. n.os 67, 69, 70, 74)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 76‑78)

3.      O recurso a uma dupla base jurídica está excluído quando os processos previstos para uma e para outra dessas bases sejam incompatíveis. A este respeito, uma diferença das regras de votação no Conselho é suscetível de implicar a incompatibilidade das bases jurídicas em causa.

Tratando‑se de uma Decisão do Conselho relativa à celebração de um acordo internacional projetado, que se baseie no artigo 16.o, n.o 2, ou no artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE, essa incompatibilidade não resulta dos Protocolos n.o 21, relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, e n.o 22, relativo à posição da Dinamarca, anexos aos Tratados UE e FUE. Com efeito, no que respeita ao Protocolo n.o 21, tendo em conta que a Irlanda e o Reino Unido notificaram a sua intenção de participar na adoção desta decisão, as disposições deste protocolo não têm influência nas regras de votação no Conselho em caso de recurso conjunto ao artigo 16.o, n.o 2, TFUE e ao artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE para basear a referida decisão.

Quanto ao Protocolo n.o 22, este visa estabelecer um enquadramento jurídico que permita aos Estados‑Membros continuar a desenvolver a sua cooperação no domínio do espaço de liberdade, segurança e justiça através da adoção, sem a participação do Reino da Dinamarca, de medidas que não vinculem este Estado‑Membro, oferecendo‑lhe a possibilidade de participar na adoção de medidas neste domínio e ficar vinculado pelas mesmas nas condições previstas no artigo 8.o do referido protocolo. A este respeito, uma vez que a decisão relativa à celebração do acordo projetado se deve basear no artigo 16.o TFUE e no artigo 87.o TFUE e se insere, por conseguinte, no capítulo 5 do título V da parte III do Tratado FUE na medida em que se deve basear no referido artigo 87.o TFUE, as disposições desta decisão e, portanto, o acordo projetado não vinculam o Reino da Dinamarca, nos termos dos artigos 2.o e 2.o‑A do Protocolo n.o 22. Além disso, em conformidade com o artigo 1.o deste protocolo, o Reino da Dinamarca não participará na adoção desta decisão. O Protocolo n.o 22 não pode, portanto, no caso em apreço, implicar regras de voto diferentes no Conselho, em caso de recurso conjunto ao artigo 16.o, n.o 2, e ao artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE.

(cf. n.os 78, 107, 109‑111, 113, 117)

4.      Tendo simultaneamente em conta as suas finalidades e o seu conteúdo, o acordo projetado entre o Canadá e a União Europeia sobre a transferência e o tratamento dos dados dos registos de identificação dos passageiros tem uma dupla componente, uma relativa à necessidade de assegurar a segurança pública e a outra relativa à proteção dos dados dos registos de identificação dos passageiros. Estas duas componentes estão indissociavelmente ligadas e, por conseguinte, deve considerar‑se que apresentam ambas caráter essencial. De facto, o conteúdo do acordo projetado é constituído, em grande medida, por regras pormenorizadas que garantem que a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos a um Estado terceiro com vista à sua utilização para fins de salvaguarda da proteção e da segurança do público se faz em condições conformes com a proteção dos dados pessoais.

Nestas condições, a decisão relativa à celebração do acordo projetado relaciona‑se, em primeiro lugar, diretamente com o objetivo prosseguido pelo artigo 16.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, sem prejuízo do artigo 39.o TUE, esta disposição constitui uma base jurídica adequada quando a proteção dos dados pessoais seja uma das finalidades ou das componentes essenciais das regras adotadas pelo legislador da União, incluindo das que se inserem no âmbito da adoção de medidas abrangidas pelas disposições do Tratado FUE relativas à cooperação judiciária em matéria penal e à cooperação policial, como confirmam o artigo 6.o‑A do Protocolo n.o 21 e o artigo 2.o‑A do Protocolo n.o 22 e bem assim a Declaração sobre a proteção de dados pessoais no domínio da cooperação judiciária em matéria penal e da cooperação policial, anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa.

Em segundo lugar, esta decisão deve igualmente basear‑se no artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE que prevê que, para efeitos do artigo 87.o, n.o 1, TFUE, segundo o qual a União desenvolve uma cooperação policial que associa todas as autoridades competentes dos Estados‑Membros, o Parlamento e o Conselho podem estabelecer medidas sobre recolha, armazenamento, tratamento, análise e intercâmbio de informações pertinentes. Ora, por um lado, que as informações pertinentes, na aceção do artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE, nos domínios da prevenção ou deteção de infrações penais e das investigações nessa matéria podem incluir dados pessoais e, por outro, que os termos «tratamento» e «intercâmbio» desses dados abrangem tanto a sua transferência para autoridades dos Estados‑Membros competentes na matéria como a sua utilização por essas autoridades. A este respeito, o facto de os dados dos registos de identificação dos passageiros serem inicialmente recolhidos pelas transportadoras aéreas, para fins comerciais, e não por uma autoridade competente nos domínios da prevenção ou deteção de infrações penais e das investigações nessa matéria não pode obstar a que esta disposição constitua igualmente uma base jurídica adequada da decisão do Conselho relativa à celebração do acordo projetado.

(cf. n.os 90, 92, 94‑96, 98, 99, 101)

5.      Os diferentes tratamentos de que podem ser objeto os dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos que efetuem voos entre a União e um país terceiro, segundo um acordo internacional projetado entre a União e um país terceiro, a saber, a sua transferência da União para o referido país terceiro, o acesso aos mesmos com vista à sua utilização ou a sua conservação, afetam o direito fundamental ao respeito pela vida privada, garantido pelo artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Efetivamente, este direito diz respeito a todas as informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável. Além disso, os tratamentos dos dados dos registos de identificação dos passageiros estão igualmente abrangidos pelo artigo 8.o da Carta, uma vez que constituem tratamentos de dados pessoais na aceção deste artigo e devem, assim, necessariamente, respeitar os requisitos da proteção de dados previstos neste artigo.

A este respeito, o direito à proteção dos dados pessoais exige, nomeadamente, que a continuidade do nível elevado de proteção das liberdades e dos direitos fundamentais conferido pelo direito da União seja assegurada em caso de transferência de dados pessoais da União para um país terceiro. Mesmo que os meios destinados a garantir esse nível de proteção possam ser diferentes dos implementados na União a fim de garantir o respeito dos requisitos decorrentes do direito da União, esses meios devem, contudo, na prática, ser efetivos, a fim de assegurar uma proteção substancialmente equivalente à garantida na União.

Este requisito relativo a um nível de proteção das liberdades e dos direitos fundamentais substancialmente equivalente ao garantido na União aplica‑se, igualmente, no caso da comunicação dos dados dos registos de identificação dos passageiros do país terceiro para outros países terceiros a fim de evitar que o nível de proteção previsto pelo acordo de transferência possa ser contornado por transferências de dados pessoais para outros países terceiros e garantir a continuidade do nível de proteção oferecido pelo direito da União. Nestas condições, essa comunicação carece da existência de um acordo entre a União e o país terceiro em causa, equivalente ao referido acordo, ou de uma decisão da Comissão, para efeitos do artigo 25.o, n.o 6, da Diretiva 95/46, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, que declare que o referido país terceiro assegura um nível de proteção adequado na aceção do direito da União e que abranja as autoridades para as quais se pretende transferir os dados dos registos de identificação dos passageiros.

(cf. n.os 122, 123, 134, 214)

6.      A comunicação de dados pessoais a um terceiro, como uma autoridade pública, constitui uma ingerência no direito fundamental consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, seja qual for a utilização posterior das informações comunicadas. O mesmo se diga da conservação dos dados pessoais e do acesso aos referidos dados com vista à sua utilização pelas autoridades públicas. A este respeito, pouco importa que as informações relativas à vida privada em questão sejam ou não sensíveis, ou que os interessados tenham ou não sofrido inconvenientes em razão dessa ingerência.

Assim, no que respeita a um acordo internacional relativo à transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, tanto a transferência dos referidos dados da União para a autoridade competente nesse país terceiro como o enquadramento, negociado pela União com o referido país terceiro das condições relativas à conservação destes dados, à sua utilização e às suas eventuais transferências posteriores para outras autoridades do mesmo país, para a Europol, para a Eurojust, para as autoridades policiais e judiciárias competentes dos Estados‑Membros ou ainda para autoridades de outros países terceiros, constituem ingerências no direito garantido pelo artigo 7.o da Carta. Estas operações são igualmente constitutivas de uma ingerência no direito fundamental à proteção dos dados pessoais, garantido pelo artigo 8.o da Carta, visto que constituem tratamentos de dados pessoais.

No entanto, os direitos consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta não são prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração de acordo com a sua função na sociedade. A este respeito, a proteção do direito fundamental ao respeito pela vida privada ao nível da União exige que as derrogações à proteção dos dados pessoais e as restrições aos mesmos operem na estrita medida do necessário. Para satisfazer este requisito, a regulamentação em causa que contém a ingerência deve prever normas claras e precisas que regulem o âmbito e a aplicação da medida em causa e que imponham requisitos mínimos, de modo que as pessoas cujos dados foram transferidos disponham de garantias suficientes que permitam proteger eficazmente os seus dados pessoais contra os riscos de abuso. Deve, em especial, indicar em que circunstâncias e em que condições se pode adotar uma medida que preveja o tratamento desses dados, garantindo, assim, que a ingerência se limita ao estritamente necessário. A necessidade de dispor de tais garantias é ainda mais importante quando os dados pessoais são sujeitos a tratamento automatizado. Estas considerações são válidas, em particular, quando está em jogo a proteção desta categoria específica de dados pessoais, que são os dados sensíveis.

(cf. n.os 124‑126, 136, 140, 141)

7.      O requisito previsto no artigo 52.o, n.o1, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia segundo o qual qualquer restrição ao exercício dos direitos fundamentais deve ser prevista por lei implica que a base legal que permite a ingerência nesses direitos deve definir ela mesma o alcance da restrição ao exercício do direito em causa.

(cf. n.o 139)

8.      Um acordo internacional relativo à transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, insere‑se no conceito de lei, na aceção do artigo 8.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e, por conseguinte, do seu artigo 52.o, n.o 1.

Efetivamente, o artigo 218.o, n.o 6, TFUE reflete, no plano externo, a repartição de poderes entre as instituições aplicável no plano interno e estabelece uma simetria entre o processo de adoção de medidas da União no plano interno e o processo de adoção de acordos internacionais, a fim de garantir que, num determinado domínio, o Parlamento e o Conselho disponham dos mesmos poderes, no respeito do equilíbrio institucional previsto pelos Tratados. Assim, a celebração de acordos internacionais que abranjam domínios em que, no plano interno, se aplique o processo legislativo ordinário previsto no artigo 294.o TFUE necessita, por força do artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE, da aprovação do Parlamento, de modo que esse acordo pode ser considerado, no plano externo, o equivalente a um ato legislativo no plano interno.

Daqui resulta que a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro, conforme equacionado pelo acordo internacional em questão, se baseia num outro fundamento que é previsto por lei, na aceção do artigo 8.o, n.o 2, da Carta.

(cf. n.os 145‑147)

9.      As ingerências nos direitos fundamentais consagradas nos artigos 7.o e 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que comporta um acordo internacional relativo à transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, são suscetíveis de ser justificadas por um objetivo de interesse geral da União e não são de natureza a violar o conteúdo essencial dos referidos direitos fundamentais, dado que o acordo projetado visa, nomeadamente, garantir a segurança pública através da transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros e da utilização dos mesmos no âmbito da luta contra as infrações terroristas e a criminalidade transnacional grave. Com efeito, este objetivo constitui um objetivo de interesse geral da União suscetível de justificar ingerências, mesmo graves, nos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta. De resto, a proteção da segurança pública contribui igualmente para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Atendendo a que a avaliação dos riscos que os passageiros aéreos representam, através da análise destes dados antes da sua chegada, facilita em grande medida e torna mais rápidos os controlos de segurança nas fronteiras, a transferência dos dados de passageiros aéreos para um país terceiro e os tratamentos posteriores dos mesmos podem ser considerados aptos a garantir a realização do objetivo relativo à salvaguarda da proteção e da segurança do público, prosseguido pelo acordo projetado.

(cf. n.os 148, 149, 151‑153)

10.    Quanto a um acordo internacional relativo à transferência dos dados sensíveis dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, qualquer medida baseada no pressuposto de que uma ou várias das características que figuram no acordo projetado, tais como a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, a saúde ou a vida sexual, poderiam, em si mesmas e independentemente do comportamento individual do passageiro em causa, ser pertinentes à luz da finalidade dos tratamentos dos dados dos registos de identificação dos passageiros violaria os direitos garantidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conjugados com o seu artigo 21.o Atendendo ao risco de um tratamento de dados contrário ao artigo 21.o da Carta, uma transferência de tais dados para o país terceiro em causa careceria de uma justificação precisa e particularmente sólida, baseada em fundamentos distintos da proteção da segurança pública contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave. Na falta dessa justificação, os artigos 7.o, 8.o, 21.o e 52.o, n.o 1, da Carta opõem‑se quer à transferência dos dados sensíveis para um Estado terceiro quer ao enquadramento, negociado pela União com este das condições relativas à utilização e à conservação de tais dados pelas autoridades deste Estado terceiro.

(cf. n.os 164‑167)

11.    No caso de um acordo internacional cuja celebração seja equacionada pela União sobre a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro e que preveja um tratamento automatizado desses dados com um objetivo de proteção da segurança pública contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave, o alcance da ingerência nos direitos consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia depende essencialmente dos modelos e dos critérios preestabelecidos, bem como das bases de dados em que assenta esse tipo de tratamento de dados. Assim, os modelos e os critérios preestabelecidos devem ser, por um lado, específicos e fiáveis, permitindo alcançar resultados orientados para a seleção das pessoas sobre as quais possa recair uma suspeita razoável de participação em infrações terroristas ou de criminalidade transnacional grave e, por outro, não discriminatórios. Do mesmo modo, deve precisar‑se que as bases de dados com as quais são cruzados os dados dos registos de identificação dos passageiros devem ser fiáveis, atuais e limitadas a bases de dados exploradas pelo país terceiro em causa em relação com a luta contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave.

(cf. n.os 168, 172)

12.    Um acordo internacional sobre a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, não ultrapassa os limites do estritamente necessário ao permitir a transferência dos referidos dados de todos os passageiros aéreos para esse país terceiro, na medida em que esses dados permitem, nomeadamente, facilitar os controlos de segurança nas fronteiras às quais, em conformidade com o artigo 13.o da Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional, todos os passageiros estão sujeitos segundo as leis e os regulamentos do país terceiro.

(cf. n.os 187‑189)

13.    No caso de um acordo internacional sobre a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, a fim de garantir que a conservação dos dados transferidos, o acesso a estes dados pelas autoridades nacionais previstas no acordo projetado e a utilização dos referidos dados por estas se limitem ao estritamente necessário, esse acordo deve prever regras claras e precisas que indiquem em que circunstâncias e em que condições essas autoridades podem conservá‑los, aceder aos mesmos e utilizá‑los.

Quanto à conservação dos dados pessoais, o ato deve, nomeadamente, responder sempre a critérios objetivos, que estabeleçam uma relação entre os dados pessoais a conservar e o objetivo prosseguido. Quanto à utilização, por uma autoridade, de dados pessoais legitimamente conservados, a medida não se pode limitar a exigir que o acesso aos referidos dados responda a uma das finalidades desta regulamentação, devendo igualmente prever as condições materiais e processuais que regulam essa utilização.

(cf. n.os 190‑192)

14.    Tratando‑se de um acordo internacional que preveja a conservação dos dados dos registos de identificação dos passageiros e a sua utilização até à saída desses passageiros do país terceiro em causa, com vista, nomeadamente, de facilitar os controlos de segurança e os controlos nas fronteiras, a sua conservação e a sua utilização para este efeito não podem, pela sua própria natureza, limitar‑se a um círculo determinado de passageiros aéreos nem ser objeto de autorização prévia de um órgão jurisdicional ou de uma entidade administrativa independente. Assim, enquanto os passageiros aéreos estiverem no país terceiro em causa ou de partida deste, se verifica a necessária relação entre estes dados e o objetivo prosseguido por este acordo, de maneira que este não ultrapassa os limites do estritamente necessário pelo simples facto de permitir a conservação e a utilização sistemáticas dos dados dos registos de identificação dos passageiros de todos estes passageiros. De igual modo, a utilização sistemática dos referidos dados com o objetivo de verificar a fiabilidade e a atualidade dos modelos e dos critérios preestabelecidos em que assentam os tratamentos automatizados destes dados ou de definir novos modelos e critérios para esses tratamentos, está diretamente ligada à execução dos controlos de segurança e dos controlos nas fronteiras e devendo, portanto, considerar‑se igualmente que não ultrapassa os limites do estritamente necessário.

Quanto à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros durante a permanência dos passageiros aéreos no país terceiro em causa, a mesma deve basear‑se em circunstâncias novas, dado que os passageiros aéreos foram, após verificação dos seus dados dos registos de identificação dos passageiros, autorizados a entrar no território do país terceiro em causa. A referida utilização carece de regras que prevejam as condições materiais e processuais que regulam esta mesma utilização, a fim de, nomeadamente, proteger os referidos dados contra os riscos de abuso. Tais regras devem basear‑se em critérios objetivos para definir as circunstâncias e as condições em que as autoridades do país terceiro em causa previstas no acordo projetado estão autorizadas a utilizá‑los.

A este respeito, quando haja elementos objetivos que permitam considerar que os dados dos registos de identificação dos passageiros de um ou mais passageiros aéreos podem trazer uma contribuição efetiva para o objetivo de luta contra as infrações terroristas e a criminalidade transnacional grave, a utilização desses dados não parece ultrapassar os limites do estritamente necessário. Para garantir, na prática, o pleno cumprimento destas condições, é essencial que, durante a permanência dos passageiros aéreos no país terceiro em causa, a utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros conservados seja, em princípio, salvo em casos de urgência devidamente justificados, sujeita a uma fiscalização prévia efetuada por um órgão jurisdicional ou por uma entidade administrativa independente e que a decisão desse órgão jurisdicional ou dessa entidade ocorra na sequência de um pedido fundamentado das autoridades competentes, apresentado, nomeadamente, no âmbito de processos de prevenção, de deteção ou de ação penal.

(cf. n.os 197‑202)

15.    No caso de um acordo internacional, cuja celebração seja equacionada pela União, sobre a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro e que preveja a conservação dos referidos dados após a saída dos passageiros aéreos desse país terceiro com um objetivo de proteção da segurança pública contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave, no que respeita aos passageiros aéreos relativamente aos quais um risco em matéria de terrorismo ou de criminalidade transnacional grave não tenha sido identificado à sua chegada ao referido país terceiro e até à sua saída, não se afigura existir, uma vez saídos desse país, qualquer relação, ainda que indireta, entre os seus dados dos registos de identificação dos passageiros e o objetivo prosseguido pelo acordo projetado, que justifique a conservação destes dados. O armazenamento contínuo dos dados dos registos de identificação dos passageiros de todos os passageiros aéreos, após a sua saída do país terceiro em causa limita‑se ao estritamente necessário. Todavia, na medida em que, em casos particulares, são identificados elementos objetivos que permitem considerar que certos passageiros aéreos poderiam, mesmo depois da sua saída do referido país terceiro, representar um risco em termos de luta contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave, parece admissível um armazenamento dos seus dados dos registos de identificação dos passageiros após a sua saída do referido país terceiro. A utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros assim armazenados deveria basear‑se em critérios objetivos, para definir as circunstâncias e as condições em que as autoridades canadianas previstas no acordo projetado podem ter acesso a esses dados tendo em vista a sua utilização. Do mesmo modo, esta utilização deveria, salvo em casos de urgência devidamente justificados, ser sujeita a uma fiscalização prévia efetuada por um órgão jurisdicional ou por uma entidade administrativa independente, cuja decisão de autorizar a utilização ocorra na sequência de um pedido fundamentado dessas autoridades, apresentado, nomeadamente, no âmbito de processos de prevenção, de deteção ou de ação penal. No que respeita ao período de conservação destes dados, um prazo de cinco anos não parece exceder os limites do estritamente necessário para efeitos de luta contra o terrorismo e a criminalidade transnacional grave.

(cf. n.os 205‑209)

16.    O direito fundamental ao respeito pela vida privada, consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, implica que a pessoa em causa se possa assegurar de que esses dados pessoais são tratados com exatidão e de forma lícita. Para poder efetuar as verificações necessárias, essa pessoa deve dispor de um direito de acesso aos dados que lhe dizem respeito e que são objeto de tratamento.

A este respeito, no caso de um acordo internacional sobre a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros para um país terceiro cuja celebração seja equacionada pela União, importa que os passageiros aéreos sejam informados da transferência dos seus dados dos registos de identificação dos passageiros para o país terceiro em causa e da utilização desses dados, a partir do momento em que essa comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações levadas a cabo pelas autoridades públicas previstas no acordo projetado. Com efeito, essa informação é, de facto, necessária para permitir aos passageiros aéreos exercer os seus direitos de pedir o acesso aos dados dos registos de identificação dos passageiros que lhes dizem respeito e, sendo caso disso, a retificação dos mesmos e de intentar, nos termos do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, uma ação perante um tribunal.

Assim, nos casos que contêm elementos objetivos que justificam a utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros a fim de lutar contra o terrorismo e criminalidade transnacional grave e que carecem de uma autorização prévia de uma autoridade judiciária ou de uma entidade administrativa independente, afigura‑se necessária uma informação individual dos passageiros. O mesmo se diga dos casos em que os dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos são comunicados a outras autoridades públicas ou a particulares. No entanto, essa informação só deve ocorrer a partir do momento em que não seja suscetível de comprometer as investigações levadas a cabo pelas autoridades públicas previstas no acordo projetado.

(cf. n.os 219, 220, 223, 224)

17.    Nos termos do artigo 8.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o cumprimento dos requisitos em matéria de tratamento de dados pessoais decorrentes do seu artigo 8.o, n.os 1 e 2, fica sujeito à fiscalização por parte de uma autoridade independente. A garantia de independência dessa autoridade de fiscalização, cuja criação se encontra igualmente prevista no artigo 16.o, n.o 2, TFUE, visa assegurar a eficácia e a fiabilidade da fiscalização do cumprimento das regras em matéria de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e deve ser interpretada à luz deste objetivo. A criação de uma autoridade de fiscalização independente constitui, portanto, um elemento essencial do respeito da proteção das pessoas relativamente ao tratamento de dados pessoais.

(cf. n.os 228, 229)