Language of document : ECLI:EU:F:2012:171

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA

(Terceira Secção)


5 de dezembro de 2012


Processos apensos F‑88/09 e F‑48/10


Z

contra

Tribunal de Justiça da União Europeia

«Função pública ― Funcionários ― Reafetação ― Interesse do serviço ― Regra da correspondência entre o grau e o lugar ― Direitos de defesa ― Assédio moral ― Artigo 12.° do Estatuto ― Dever de solicitude ― Princípio da boa administração ― Processo disciplinar ― Sanção disciplinar ― Advertência escrita ― Direitos de defesa e princípio do contraditório»

Objeto: Recurso interposto, por um lado, nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA, e, por outro, nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, em que Z pede, a título principal, a anulação, respetivamente, da decisão de 18 de dezembro de 2008, que procedeu à sua reafetação e da decisão de 10 de julho de 2009 que lhe aplicou a sanção de advertência escrita.

Decisão: É negado provimento aos recursos nos processos apensos F‑88/09 e F‑48/10. No processo F‑88/09, Z suporta três quartos das suas despesas e no processo F‑48/10, Z suporta as suas próprias despesas e é condenada a suportar as despesas efetuadas pelo Tribunal de Justiça. No processo F‑88/09, o Tribunal de Justiça suporta as suas próprias despesas e é condenado a suportar um quarto das despesas efetuadas por Z.

Sumário

1.      Funcionários ― Organização dos serviços ― Afetação do pessoal ― Poder de apreciação da administração ― Alcance ― Fiscalização jurisdicional ― Limites ― Direito do funcionário de exercer funções específicas ― Inexistência

(Estatuto dos Funcionários, artigo 7.°)

2.      Funcionários ― Organização dos serviços ― Afetação do pessoal ― Reafetação de um funcionário no interesse do serviço por causa de dificuldades de relacionamento ― Desvio de poder ― Inexistência

(Estatuto dos Funcionários, artigo 7.°, n.° 1)

3.      Funcionários ― Organização dos serviços ― Afetação do pessoal ― Reafetação ― Respeito da equivalência dos postos de trabalho ― Alcance ― Tomada em consideração das funções previstas no concurso passado pelo interessado ― Limites

(Estatuto dos Funcionários, artigo 7.°; anexo I)

4.      Funcionários ― Princípios ― Direitos de defesa ― Obrigação de ouvir o interessado antes da adoção de um ato que lhe seja lesivo ― Alcance ― Aplicação às medidas de reafetação

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 2)

5.      Recursos dos funcionários ― Reclamação administrativa prévia ― Concordância entre a reclamação e o recurso ― Identidade de objeto e de causa de pedir

(Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

6.      Funcionários ― Direitos e obrigações ― Liberdade de expressão ― Divulgação de factos que podem levar a presumir a existência de uma atividade ilegal ou de um incumprimento grave ― Proteção contra ações disciplinares ― Requisitos

(Estatuto dos Funcionários, artigos 22.°‑A e 22.°‑B)

7.      Funcionários ― Direitos e obrigações ― Obrigação de independência e de integridade ― Risco de conflito de interesses em caso de existência de relações profissionais entre um funcionário chamado a pronunciar‑se sobre um processo e um terceiro envolvido nesse processo ― Falta

(Estatuto dos Funcionários, artigo 11.°‑A)

8.      Funcionários ― Reafetação ― Dever de solicitude que incumbe à administração ― Princípio da boa administração ― Conciliação com o interesse do serviço

(Estatuto dos Funcionários, artigo 24.°)

9.      Funcionários ― Direitos e obrigações ― Liberdade de expressão ― Exercício ― Limites ― Dignidade das funções ― Atos suscetíveis de ofender a dignidade das funções ― Conceito ― Denúncia de factos alegadamente ilícitos ― Obrigações do funcionário

(Estatuto dos Funcionários, artigo 12.°)

10.    Funcionários ― Direitos e obrigações ― Respeito da dignidade das funções ― Alcance ― Denúncia de um alegado assédio moral ― Divulgação pública suscetível de lançar o descrédito sobre o alegado autor ― Inadmissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigos 12.° e 22.°‑A)

11.    Funcionários ― Regime disciplinar ― Inquérito prévio à instauração do processo disciplinar ― Poder de apreciação da administração ― Alcance

(Estatuto dos Funcionários, artigo 86.°; anexo IX, artigos 1.°, 2.°, n.° 1, e 3.°)

12.    Funcionários ― Regime disciplinar ― Processo disciplinar ― Audição do interessado pela autoridade investida do poder de nomeação ― Obrigação de elaborar uma ata ― Alcance

1.      Atendendo ao amplo poder de apreciação de que dispõem as instituições na organização dos seus serviços em função das missões que lhes são confiadas e na afetação, para os fins das mesmas, do pessoal que se encontra à sua disposição, desde que essa afetação se faça no interesse do serviço e que seja respeitada a regra da correspondência entre o grau e o lugar, a fiscalização, por parte do juiz da União, da observância da condição relativa ao interesse do serviço deve limitar‑se à questão de saber se a autoridade investida do poder de nomeação se manteve dentro de limites razoáveis, não criticáveis, e se não utilizou o seu poder de apreciação de maneira manifestamente errada.

Por conseguinte, desde que uma medida de reafetação seja no interesse do serviço e que respeite a regra da correspondência entre o grau e o lugar, não cabe ao juiz da União determinar se outras medidas teriam sido mais oportunas. Com efeito, embora seja verdade que a administração tem todo o interesse em colocar os funcionários em função das suas aptidões específicas e das suas preferências pessoais, não se pode, contudo, reconhecer a um funcionário o direito de exercer funções específicas.

(cf. n.os 121, 122 e 202)

Ver:

Tribunal de Justiça: 21 de junho de 1984, Lux/Tribunal de Contas, 69/83, n.° 17; 7 de março de 1990, Hecq/Comissão, C‑116/88 e C‑149/88, n.° 11

Tribunal de Primeira Instância: 18 de junho de 1992, Turner/Comissão, T‑49/91, n.° 34; 16 de dezembro de 1993, Turner/Comissão, T‑80/92, n.° 53; 28 de maio de 1998, W/Comissão, T‑78/96 e T‑170/96, n.° 105; 12 de dezembro de 2000, Dejaiffe/IHMI, T‑223/99, n.° 53; 21 de setembro de 2004, Soubies/Comissão, T‑325/02, n.° 50

2.      As dificuldades de relacionamento, se causarem tensão prejudicial ao bom funcionamento do serviço, podem justificar, precisamente no interesse do serviço, a transferência de um funcionário, sem que seja necessário determinar a identidade do responsável pelos incidentes em causa ou a veracidade das acusações formuladas pelas partes.

A este respeito, o facto de um funcionário ter elevadas qualidades ou de um serviço ter uma elevada taxa de rotatividade não significa que não possa ser aplicada ao interessado uma medida de reafetação, uma vez que, embora seja verdade que a administração tem todo o interesse em colocar um funcionário num lugar correspondente às suas competências e ambições, diferentes considerações, relativas, nomeadamente, à necessidade de assegurar o funcionamento tranquilo do serviço, podem levar, sem prejuízo da observância da regra da correspondência entre o grau e o lugar, à colocação de um funcionário noutro lugar. Isto é tanto mais assim quanto, se o interessado assumiu corretamente as suas responsabilidades num dado lugar, a administração pode esperar que ele faça o mesmo noutro lugar que lhe venha a ser confiado.

Por outro lado, quando uma medida de reafetação não tiver sido considerada contrária ao interesse do serviço, não há desvio de poder. Com efeito, o conceito de desvio de poder tem um alcance bastante preciso, que se refere ao uso por uma autoridade administrativa dos seus poderes com uma finalidade diferente daquela para a qual tais poderes lhe foram conferidos. Uma decisão só está viciada por desvio de poder se, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, se verificar que foi adotada com a finalidade de alcançar fins diversos dos suscitados ou de eludir um procedimento especificamente previsto nos textos aplicáveis para obviar às circunstâncias do caso em apreço.

(cf. n.os 123, 127, 155, 156, 201, 311 e 312)

Ver:

Tribunal de Justiça: 14 de julho de 1983, Nebe/Comissão, 176/82, n.° 25; 5 de junho de 2003, O’Hannrachain/Parlamento, C‑121/01 P, n.° 46

Tribunal de Primeira Instância: 10 de julho de 1992, Eppe/Comissão, T‑59/91 e T‑79/91, n.° 57; 11 de junho de 1996, Anacoreta Correia/Comissão, T‑118/95, n.° 25; W/Comissão, já referido, n.° 91; 17 de novembro de 1998, Gómez de Enterría y Sanchez/Parlamento, T‑131/97, n.° 62; 6 de julho de 1999, Séché/Comissão, T‑112/96 e T‑115/96, n.° 139; 6 de março de 2001, Campoli/Comissão, T‑100/00, n.os 62 e 63; 14 de outubro de 2004, Sandini/Tribunal de Justiça, T‑389/02, n.° 123; 7 de fevereiro de 2007, Clotuche/Comissão, T‑339/03, n.° 71; 7 de fevereiro de 2007, Caló/Comissão, T‑118/04 e T‑134/04, n.os 99, 115 e 116

Tribunal da Função Pública: 25 de janeiro de 2007, de Albuquerque/Comissão, F‑55/06, n.os 60 e 61 e jurisprudência referida

3.      A regra da correspondência entre o grau e o lugar implica apenas, no caso de alteração das funções atribuídas a um funcionário, a comparação entre as suas funções atuais e o seu grau hierárquico. Deste modo, uma diminuição efetiva das atribuições de um funcionário só viola a regra de correspondência entre o grau e o lugar se as suas novas funções forem, no seu conjunto, claramente inferiores às correspondentes ao seu grau e lugar, tendo em conta a sua natureza, a sua importância e extensão, e isto, independentemente da perceção que o interessado tem das novas funções.

Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de as novas funções do recorrente não terem ligação com as suas antigas funções, pelo anúncio de concurso em que foi selecionado ou pelo anexo I do Estatuto ou ainda pelo facto de os funcionários que exercem funções semelhantes às suas estarem em graus inferiores. Com efeito, em caso de alteração das funções atribuídas a um funcionário, a regra da correspondência entre o grau e o lugar implica unicamente a comparação entre as funções atuais e o grau hierárquico e não entre as funções atuais e as anteriores do interessado. A este respeito, pode deduzir‑se do amplo poder de apreciação de que gozam as instituições para colocar os funcionários à sua disposição que as funções previstas num anúncio de concurso estão necessariamente mencionadas a título informativo, desde que seja respeitada a regra da correspondência entre o grau e o lugar.

De igual modo, podem ser exercidas funções idênticas ou semelhantes por pessoas com graus diferentes, como decorre do anexo I do Estatuto, que prevê, para a maior parte das funções aí enumeradas, que as mesmas podem ser exercidas por funcionários com graus diferentes. Assim, a regra da correspondência entre o grau e o lugar só é violada se as funções exercidas forem, no seu conjunto, claramente inferiores às correspondentes ao grau e ao lugar do funcionário em causa.

(cf. n.os 131, 135, 136 e 138)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: Eppe/Comissão, já referido, n.° 49; 16 de abril de 2002, Fronia/Comissão, T‑51/01, n.° 53; Clotuche/Comissão, já referido, n.° 91 e jurisprudência referida

4.      Na medida em que uma medida de reafetação, em relação à qual não esteja demonstrado que não foi adotada no interesse do serviço, não resulte de um processo instaurado contra o funcionário em causa, não é possível deduzir automaticamente do facto de que um ato afeta a posição estatutária de um funcionário que há que aplicar os direitos de defesa, sem ter em conta a natureza do processo instaurado contra o interessado.

Todavia, os direitos de defesa cobrem certamente, sendo mais amplos, o direito processual de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente, conforme enunciado no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Não obstante, no caso de ter havido uma violação do direito a ser ouvido, como de resto, mais amplamente, dos direitos de defesa, é necessário, para que o fundamento possa conduzir à anulação da decisão impugnada, que, na falta dessa irregularidade, o processo pudesse conduzir a um resultado diferente. A este respeito, quando o próprio funcionário em causa reconhece estar numa situação de conflito aberto com o seu superior hierárquico, a administração tem legitimidade para considerar que não há que o ouvir sobre a própria existência desse conflito antes de tomar qualquer medida de reafetação ao seu alcance, no interesse do serviço, devido ao conflito. Eventuais explicações que o referido funcionário pudesse fornecer antes da adoção da decisão de reafetação sobre as circunstâncias do caso em apreço não poderiam ter por efeito alterar a decisão da administração.

(cf. n.os 144, 146, 149 e 299)

Ver:

Tribunal de Justiça: 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C‑32/95 P, n.° 21; 9 de novembro de 2006, Comissão/De Bry, C‑344/05 P, n.° 37

Tribunal de Primeira Instância: 27 de novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T‑290/94, n.° 108; 3 de julho de 2001, E/Comissão, T‑24/98 e T‑241/99, n.° 93; 16 de março de 2004, Afari/BCE, T‑11/03, n.° 90; 17 de outubro de 2006, Bonnet/Tribunal de Justiça, T‑406/04, n.° 76

Tribunal da Função Pública: 11 de setembro de 2008, Bui Van/Comissão, F‑51/07, n.° 81; 30 de novembro de 2009, Wenig/Comissão, F‑80/08, n.° 48

Tribunal Geral da União Europeia: 12 de maio de 2010, Bui Van/Comissão, T‑491/08 P, n.° 24

5.      A regra da concordância só é aplicável nos casos em que o objeto dos pedidos apresentados no recurso contencioso e o objeto da reclamação sejam diferentes ou nos casos em que as causas de pedir do recurso contencioso e as causas de pedir da reclamação sejam diferentes, nomeadamente quando uma acusação apresentada na fase contenciosa assente em alegações ou considerações factuais que não resultam dos autos do processo pré‑contencioso.

(cf. n.° 170)

Ver:

Tribunal da Função Pública: 1 de julho de 2010, Mandt/Parlamento, F‑45/07, n.° 119

6.      Embora o artigo 22.°‑A do Estatuto conceda uma proteção aos funcionários ou agentes que alertem a sua instituição para a conduta de outro funcionário ou agente suscetível de constituir um incumprimento grave das suas obrigações, esta proteção pressupõe que os próprios funcionários ou agentes «que alertam» tenham respeitado o procedimento previsto nos artigos 22.°‑A e 22.°‑B do Estatuto, que se destina a preservar a honorabilidade profissional do funcionário ou agente em causa nas informações comunicadas à instituição enquanto a autoridade disciplinar não se tiver pronunciado. Com efeito, os artigos 22.°‑A e 22.°‑B do Estatuto não oferecem aos funcionários que recorrem a estas disposições uma proteção contra todas as decisões suscetíveis de os lesar, mas apenas contra os comportamentos e as decisões lesivas adotadas em razão da divulgação coberta pelo procedimento previsto nestas disposições.

Consequentemente, não beneficia da proteção prevista no artigo 22.°‑A do Estatuto o funcionário que, em vez de recorrer ao procedimento do artigo 22.°‑B do Estatuto, decidiu divulgar as suas alegações a todo o pessoal da sua unidade.

(cf. n.os 184 e 253)

Ver:

Tribunal da Função Pública: 24 de fevereiro de 2010, Menghi/ENISA, F‑2/09, n.° 139; 13 de janeiro de 2011, Nijs/Tribunal de Contas, F‑77/09, n.° 62

7.      Na falta de elementos que permitam concluir pela existência de um conflito de interesses, a existência de relações profissionais entre o secretário do Tribunal de Justiça e o esposo de um terceiro, até mesmo com o próprio terceiro, não implica necessariamente que a sua independência tenha ficado comprometida pelo simples facto de aquele ter sido chamado a pronunciar‑se sobre um processo que diz indiretamente respeito ao referido terceiro. De igual modo, o facto de o referido secretário ter decidido, na qualidade de autoridade investida do poder de nomeação, conceder e prorrogar os contratos de trabalho do referido terceiro, bem como aplicar uma sanção disciplinar a um funcionário que enviou uma mensagem eletrónica ao pessoal da instituição sobre esse alegado conflito de interesses, não permite demonstrar que a relação profissional entre si e o terceiro tenha excedido o quadro normal ou que tenha adotado uma decisão de reafetação do referido funcionário com intenção de o punir por ter revelado a existência de um alegado tratamento de favor relativamente ao terceiro.

(cf. n.os 190 e 281)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 11 de setembro de 2002, Willeme/Comissão, T‑89/01, n.° 58; 12 de março de 2008, Giannini/Comissão, T‑100/04, n.° 224

8.      Embora o dever de solicitude da administração relativamente aos seus agentes reflita o equilíbrio entre direitos e obrigações recíprocos que o Estatuto criou nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público, as exigências deste dever não podem impedir a autoridade investida do poder de nomeação de adotar as medidas de reafetação que considere necessárias no interesse do serviço. Assim, um funcionário não pode criticar a administração, com base no dever de boa administração ou no dever de solicitude, por esta ter adotado uma decisão de reafetação para evitar uma maior deterioração dos relacionamentos na unidade do interessado.

(cf. n.° 200)

Ver:

Tribunal de Justiça: 25 de novembro de 1976, Küster/Parlamento, 123/75, n.° 10

Tribunal de Primeira Instância: 13 de dezembro de 1990, Moritz/Comissão, T‑20/89, n.° 39; W/Comissão, já referido, n.° 95; 26 de novembro de 2002, Cwik/Comissão, T‑103/01, n.° 52

9.      O funcionário viola o dever de se abster de atos e de comportamentos que possam ofender a dignidade da sua função, como previsto no artigo 12.° do Estatuto, quando profere publicamente injúrias graves na medida em que ofendam a honra das pessoas em causa, não só por causa das imputações suscetíveis de ofender a dignidade pessoal daquelas mas também devido a alegações suscetíveis de lançar o descrédito sobre a sua honra profissional. A forma de que se revestem é pouco relevante, uma vez que estão incluídos tanto os ataques diretos como as alegações sob a forma dubitativa, indireta, dissimulada, por via da insinuação ou fazendo referência a uma pessoa não expressamente mencionada, mas cuja identificação é possibilitada.

Com efeito, embora a liberdade de expressão constitua um direito fundamental cujo respeito é assegurado pelo juiz da União e que compreende o direito de os funcionários e agentes da União Europeia exprimirem, verbalmente ou por escrito, críticas construtivas, o exercício desse direito está limitado, nomeadamente, pelo artigo 12.° do Estatuto.

Consequentemente, para determinar se as acusações de um funcionário se mantiveram dentro dos limites da liberdade de expressão, importa ponderar, por um lado, os elementos suscetíveis de constituir uma ofensa à dignidade, a saber, a gravidade das acusações imputadas, a forma que revestem, o modo de divulgação utilizado, e, por outro, o contexto em que as acusações foram feitas, a eventual impossibilidade de recorrer a outros meios de expressão menos ofensivos da dignidade da pessoa em causa e a natureza construtiva da crítica, que pressupõe que a mesma possa razoavelmente parecer fundada, que seja feita no interesse do serviço e que não exceda o que é necessário para ser compreendida.

Quanto à denúncia por um funcionário de uma atividade alegadamente ilegal, o funcionário deve manifestar a reserva e a moderação que lhe impõem os deveres de objetividade e de imparcialidade, bem como o respeito da dignidade da função, da honra das pessoas e da presunção de inocência. Não é o que sucede quando o funcionário, em vez de recorrer às vias jurídicas que estão à sua disposição, nos termos dos artigos 22.°‑A e 22.°‑B do Estatuto, dirige a todo o pessoal da sua unidade mensagens eletrónicas com acusações graves, ofensivas da honra e da honorabilidade profissional de vários funcionários.

(cf. n.os 242, 246, 247, 251 e 252)

Ver:

Tribunal de Justiça: 13 de dezembro de 1989, Oyowe e Traore/Comissão, C‑100/88, n.° 16; 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, n.os 43 a 49

Tribunal de Primeira Instância: 7 de março de 1996, Williams/Tribunal de Contas, T‑146/94, n.os 66 e 67; 12 de setembro de 2000, Teixeira Neves/Tribunal de Justiça, T‑259/97, n.os 29, 30 e 47; 28 de outubro de 2004, Meister/IHMI, T‑76/03, n.os 157 e 159

Tribunal da Função Pública: 8 de novembro de 2007, Andreasen/Comissão, F‑40/05, n.° 234; Nijs/Tribunal de Contas, já referido, n.os 67, 70 e 73

10.    Pode suceder que um funcionário seja levado, especialmente quando os seus superiores hierárquicos não reajam às suas queixas, a denunciar publicamente factos de assédio de que é alegadamente vítima, sem que tal comportamento seja repreensível à luz do artigo 12.° do Estatuto, ainda que a denúncia pública desses factos seja, por si mesma, suscetível de lançar o descrédito sobre o autor do alegado assédio, e até mesmo sobre a administração.

Não é porém o que sucede quando o funcionário em causa, ao fazer essa descrição ou essas críticas, pelo tom ou pelo conteúdo dos seus propósitos, excede a descrição do quadro em que se terá produzido o alegado assédio, do círculo das pessoas nele envolvidas e do contexto que o tornou possível.

Isto é tanto mais assim quanto o procedimento do artigo 22.°‑A do Estatuto não é particularmente adequado às situações de assédio moral propriamente ditas, que requerem medidas específicas por parte da administração.

(cf. n.os 257 e 258)

11.    Em conformidade com o artigo 86.° do Estatuto, a autoridade investida do poder de nomeação dispõe de um amplo poder para decidir se, atentos os elementos que foram levados ao seu conhecimento, há que abrir um inquérito administrativo para verificar a existência de um incumprimento das obrigações estatutárias por parte de um funcionário. Por conseguinte, sob pena de pôr em causa este poder de apreciação, outro funcionário que tenha alegado o incumprimento de obrigações estatutárias não pode apenas invocar, para demonstrar a falta de objetividade desta última ao adotar uma sanção disciplinar a seu respeito, que a referida autoridade não julgou oportuno abrir um inquérito administrativo sobre essas alegações.

Em contrapartida, no caso de abertura de um inquérito administrativo, embora decorra do artigo 3.° do anexo XI do Estatuto que a referida autoridade se deve basear num relatório de inquérito para instaurar o processo disciplinar, o que pressupõe que conduza um inquérito imparcial e no respeito do princípio do contraditório para demonstrar a realidade dos factos alegados e as circunstâncias que os rodeiam, nenhuma das disposições aplicáveis prevê que esse inquérito tenha de ser conduzido de forma a acusar ou a ilibar.

É certo que o princípio da boa administração impõe à referida autoridade que examine com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto que lhe foi submetido, porém, a administração não está obrigada a substituir o funcionário acusado, para procurar, em vez dele, elementos suscetíveis de o desculpar ou atenuar a sanção que será eventualmente adotada.

Todavia, decorre dos artigos 1.° e 2.°, n.° 1, conjugados do anexo IX do Estatuto que deve ser permitido ao funcionário em causa apresentar as suas observações sobre os factos que lhe dizem respeito após o inquérito, mas antes de a autoridade investida do poder de nomeação tirar conclusões sobre o referido funcionário.

(cf. n.os 266, 267, 270 e 285)

Ver:

Tribunal de Justiça: 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão, 35/67; 14 de fevereiro de 1989, Star Fruit/Comissão, 247/87, n.° 11

Tribunal de Primeira Instância: 18 de dezembro de 1997, Daffix/Comissão, T‑12/94, n.° 104; 20 de março de 2002, ABB Asea Brown Boveri/Comissão, T‑31/99, n.° 99

12.    Quando a administração estiver obrigada a elaborar uma ata de uma audição, concretamente, quando uma norma lhe impõe essa obrigação, e caso a administração se tencione basear no que foi dito nessa audição ou ainda quando a pessoa em causa o pedir, o mais tardar no início da audição, a administração só está obrigada a transcrever por escrito o que for essencial e não tudo o que foi dito na audição.

(cf. n.° 305)